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——————————————————————————— V428v 2. ed. Vargens, João Baptista M., 1952A Velha Guarda da Portela / João Baptista M. Vargens & Carlos Monte ; ilustrações Lan ; projeto gráfico Silvia Negreiros. – 2. ed. atual. Rio de Janeiro : Manati, 2004. 216 p. : il. ; 16 × 23 cm ISBN 85-86218-10-3 1. Grêmio Recreativo Escola de Samba Portela. 2. Sambas – História. 3. Sambistas – Brasil – Biografia. I. Monte, Carlos, 1939-. II. Lan, 1925-. III. Título
04-1556
CDD 784.5 CDU 78.067.26
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J O Ã O B A P T I S TA M . VA R G E N S CARLOS MONTE
A VELHA GUARDA D A P O RT E L A
ILUSTRAÇÕES
LAN
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© do texto, 2001 by João Baptista M. Vargens & Carlos Monte © das ilustrações, 2001 by Lan Direitos de edição em língua portuguesa adquiridos por MANATI PRODUÇÕES EDITORIAIS LTDA.
Telefax (21) 2512-4810, 2274-2942 manati@uninet.com.br
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Fotografias: Gustavo Furtado: p. iii (a), v (b), xvii a xxiii, 108, 111 (b), 113, 114, 117, 120, 121 (a), 131, 132, 133 Iolanda Husak: p. viii a xiv, 104, 106, 107, 110, 116, 124, 126, 135 (a), 135 (b) Rodrigo Monte: p. iii (b), vi, vii, 122, 134
Pesquisa: Carlos Monte, Emílio Domingos e João Baptista M. Vargens
Clóvis Scarpino: p. 105, 129
Projeto gráfico: Silvia Negreiros
Arthur Cavalheri (C.R): p. iv (b)
Mapa: Andréia Resende
Braz Bezerra (C.R): p. v (a)
Revisão de originais: Luzia Ferreira de Souza
Bruno Veiga: p. i
Revisão tipográfica: Maria Christina da Motta Maia e Tereza da Rocha
Dilmar Cavalher: p. xv (b), xvi
Paulo Figueiredo: p. xxiv Paulo Ricardo (C.R): p. ii (b)
Transcrição das partituras: Andréa Carneiro e Renata Mansour
Arquivo dos autores: p. iv (a), 111 (a), 118, 125, 127
Discografia e bibliografia (organização): Flávio de Aguiar Barbosa e Maria Elisa Luiz da Silveira
Arquivos de família: p. 115, 121 (b), 123
Fotolitos: Wilson Barbosa, Studio Alfa Todos os esforços foram envidados no sentido de obter as autorizações para a utilização das imagens, obras fotográficas, ilustrações, depoimentos e entrevistas constantes deste livro. Se porventura ocorrer alguma omissão quanto a créditos, os direitos encontram-se reservados aos seus titulares e, com a devida comprovação, à disposição nesta Editora.
A foto (a) da página ii foi reproduzida da quarta-capa do disco Portela, passado de glória, e não há identificação do fotógrafo (C.R). A foto (a) da página xv foi cedida por Lilian Newlands, e não há identificação do fotógrafo (C.R). Músicas: Linda pequena (1934) e Pastorinhas (1937), de autoria de Noel de Medeiros Rosa (Noel Rosa) e Carlos Alberto Ferreira Braga (João de Barro) @ by Mangione, Filhos & Cia. Ltda. Todos os direitos autorais reservados para todos os países do mundo.
A primeira edição desta obra foi produzida com recursos da Lei Rouanet e o patrocínio da Eletrobrás – Centrais Elétricas Brasileiras S. A.
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À memória de Paulo, Rufino e Caetano Para Paulinho da Viola e Clara Nunes, padrinho e madrinha da Velha Guarda da Portela À memória de minha mãe, Euci Vargens, matriz, por tudo o que me ensinou João Baptista
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Agradecimentos aos entrevistados Ademir (Oswaldo Cruz, maio, 1998), Argemiro (Madureira, fevereiro, 2000), Arlete (Oswaldo Cruz, março, 2000), Armando Santos (Maracanã, abril, 2000), Áurea (Oswaldo Cruz, maio, 1998 e março, 2000), Beto da Portela (Grajaú, março, 2000), Cabelinho (Grajaú, junho, 1998), Casemiro (Madureira, junho, 1998), Casquinha (Grajaú, junho, 1998), Cristina Buarque (Botafogo, abril, 2000), David do Pandeiro (Fundão, junho, 2000), Doca (Oswaldo Cruz, maio, 2000), Dona Neném (Oswaldo Cruz, maio, 1999 e março, 2000), Eliane Faria (Madureira, junho, 1998), Elton Medeiros (Leblon, abril, 2000), Eunice (Madureira, junho, 1998 e fevereiro, 2000), Guaracy (Madureira, junho, 1998), Jerônima (Oswaldo Cruz, março, 2000), Jorge do Violão (Madureira, junho, 1999), Georginete (Oswaldo Cruz, março, 2000), José Carlos Rego (por telefone, agosto, 2000), Jurema (Oswaldo Cruz, março, 2000), Lan (por telefone, fevereiro, 2000), Lourdes (Madureira, fevereiro, 2000), Lygia Santos (Aldeia Campista, abril, 2000), Marlene (Oswaldo Cruz, abril, 2000), Martinho da Vila (Vila Isabel, junho, 2000), Mauro Diniz (Méier, março, 2000), Monarco (Grajaú, junho, 1998), Nozinho (Madureira, fevereiro, 2000), Paulão (Glória, março, 2000), Paulinho da Viola (Barra da Tijuca, agosto, 1998), Ruça (Grajaú, junho, 1998), Serginho (Madureira, fevereiro, 2000), Sussu (Quintino Bocaiúva, fevereiro, 2000), Surica (Madureira, junho, 1998 e junho, 1999) e Zadir (Madureira, fevereiro, 2000).
Agradecimentos especiais Bruno Veiga, Dayala Vargens, Fanya Fridman, Henrique Cazes, Lélia Coelho Frota, Leonardo Netto, Lilian Newlands, Luiza La Croix, Marília Barboza, Marisa Alvarez Lima, Marisa Monte, Paulo Figueiredo, Pedro Tinoco, Roberto Moses Pechman, Rodrigo Monte, Sidônio Fernandes, Tânia Coelho, Tereza Cristina. Arquivo da Cidade: Antônio Carlos Austregésilo de Athayde, Elza Elena Pinheiro dos Santos e Rosa Maria Dias da Silva; EMI Music: Zenir Kunz; Flumitrens: Carlos Roberto Rodrigues e Salatiel do Nascimento Albuquerque; Serviço Geográfico do Exército: Eduardo Costa Pinto e Moisés Almeida de Souza.
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HINO DA VELHA GUARDA Chico Santana A Velha Guarda da Portela vem saudar Com este samba Pra mocidade cantar Estamos aí Como vocês estão vendo Estamos velhos Mas ainda não morremos Enquanto há vida há esperança Diz um velho ditado Quem espera sempre alcança Nosso teor Não é humilhar a ninguém Nós só queremos mostrar O que a Velha Guarda tem
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SUMÁRIO
Prefácio 11 Concentração 17 Cenários 19 Comissão de Frente 39 Abre-alas 45 Os quintais da Velha Guarda 51 As pastoras 61 A feira das quartas 69 Harmonia 75 Alegorias e adereços 79 Desfile 89 Destaques 103 Dispersão 137 Sambas inéditos 145 Discografia 178 Bibliografia 184
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PREFÁCIO Lilian Newlands
A Portela não foi fundada Nasceu por obra e graça do Espírito Santo Antônio Rufino dos Reis
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ra inverno em Londres quando ouvi pela primeira vez o disco da
Velha Guarda da Portela, presente de um amigo. Corria o ano de 1972 e pode não parecer (as aparências enganam), mas, naquele momento, poesia e melodia caíram sob medida na capital britânica e vestiram à perfeição os sentimentos da época. Era — e continua sendo — um disco para ser ouvido em qualquer lugar do planeta. Casualmente, eu o descobri na Inglaterra, e para mim fez todo o sentido do mundo. Passada a primeira audição, impressionada com a melodia, prometi a mim mesma: “Quando voltar ao Brasil, vou conhecer esses caras”. Três anos depois, na redação de Ele Ela tive como tarefa do mês uma longa entrevista com Paulinho da Viola, que, além de ser quem é, foi produtor do primeiro disco do grupo. Liguei para Manacéa, a pretexto de ouvi-lo sobre a importância de Paulinho da Viola na vida deles, e ele respondeu: “Venha sexta-feira à noite aqui em minha casa”. Fomos lá, eu e Tárik de Souza, num percurso meio endiabrado pelas ruas de um Rio que eu nunca havia pisado: “Pegue o viaduto da
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Penha, entre na Vicente de Carvalho, encontre a Estrada do Portela. Você vai estar em Oswaldo Cruz”, ensinaram então. Estavam todos lá. Abrigados em um grande quintal no número 58 da Rua Dutra e Melo, tinham saído da foto da capa para o chão de terra batida numa noite iluminada — e disso eu me lembro bem. Como me lembro dos acordes do samba primeiro daquele céu estrelado, inesquecível: “Muito embora abandonado / eu estou conformado / com a minha dor”. Composição de Mijinha, posteriormente gravada por Cristina Buarque, o braço doce da Velha Guarda. Na mesma noite e no mesmo quintal, sentado em um banquinho e com ouvidos de poeta, Tárik de Souza entrevistou Aniceto. Daquela noite em diante, habituei-me a estar com a Velha Guarda. Era uma permanente descoberta de tudo: da poesia deles, da musicalidade, do comportamento e da história da região, reconstituída por meio de narrativas quase sempre pessoais. Saudosistas, quase todos. Lamentavam, sim, a ausência do colorido próprio de um passado perdido que nem as mãos nem as violas puderam deter. — Sinto tanta saudade da corda!, dizia Manacéa. Muita coisa foi escrita a respeito deles e provavelmente ainda será. E que os detalhes não se percam: a unha comprida do Alvaiade marcando compasso no tamborim; a marca dos cigarros do Chico Santana; a elegância do Alberto; a gargalhada plena do Manacéa; as veias saltadas do Casquinha em seus discursos inflamados sobre os palcos. Agregados sempre que possível, sentíamo-nos à vontade, sobretudo João Baptista, que crescera entre eles. Eu tinha as diferenças mais marcadas, mas o convívio foi provando que pessoas aparentemente tão díspares são apenas pessoas. As viagens também foram marcantes. O ônibus seguia curso, os instrumentos acompanhando o ritmo de composições que o país ouviu, amou e não esqueceu. Um privilégio, desses bem raros. Duvidar, quem há de? Quando chegavam à quadra da Mocidade Alegre, a escola paulistana, eram recebidos com pompa, circunstância e baticum.
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Alguns entreveros, surgidos ainda no Rio, se desfaziam por si em São Paulo. Outros se criavam, como em qualquer grupo, mas não prevaleciam. Era conversando com cada um em particular que se percebia, no conjunto, uma unidade de pensamento que nem eles próprios pressentiam. O importante era manter o grupo unido e fortalecido, perpetuar as características da criação coletiva, e domesticar, ao longo do convívio, sentimentos de inveja e vaidade, suportáveis quando exercidos em seus limites humanos, devastadores quando fora de controle. Eram, em prosa, o que criavam em versos. Manacéa compôs Quantas lágrimas quando era pouco mais que um menino, e sentiu vontade de chorar. Chico Santana sentiu-se deprimido quando de uma das derrotas da Portela, e criou Vaidade de um sambista. Otto Enrique Trepte, o Casquinha, quis retribuir as gentilezas do jovem Paulinho da Viola e completou com a segunda parte o samba Recado, sentado no meio-fio, em frente à Portela. Sem falar de Monarco, uma voz ímpar, quase mediúnica, quando, chamando deuses, entoava à perfeição: “A gente ama / verdadeiramente / uma vez”. Diria ele, na época o mais jovem do grupo: — Amar, mesmo, só uma vez. E diria mais: “A Velha Guarda é bonita assim. Escondida”. Frases simples, curtas e repentistas, exatamente como as frases com que iam contando as suas vidas. Ou descrevendo como compunham: — A gente faz a primeira de supetão. Quando a segunda não vem, a gente descansa porque sabe que ela vem pelo sonho, garantia Chico Santana, descrevendo como havia nascido Saco de feijão. Anos depois, o mesmo Chico, inspirado, criou os versos: “Em primeiro lugar / eu quero a graça de Deus / em segundo lugar / quero a saúde / que Deus me ajude / em terceiro / quero o dinheiro / em quarto lugar / quero a mulher / e o resto / seja o que Deus quiser”. Os companheiros caíram na pele de Chico: “Ô Chico, a mulher só vem em quarto lugar? O que é isso, Chico?”.
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Inabalável, seguro de si, Chico respondeu: “Sem a graça de Deus, sem saúde e sem dinheiro, o sujeito fica sem mulher”. Quando iam à casa de João Baptista, levavam junto o clima da Portela e de suas casas, clima que a gente voltava a encontrar nos ensaios domingueiros na quadra da escola, iniciados pela manhã e sem hora para acabar. E era ali, exatamente ali, que íamos conhecendo o que de melhor havia em cada um deles. Sem a natural preocupação dos palcos, sem qualquer tipo de pressão externa, o coração deles se soltava pela voz, um coração que a interpretação das canções tornava ainda maior. João Baptista devia ser estudado — sempre presente, na dor e na alegria, a permanente atenção voltada para a dinâmica que rege o processo de grupo, prova viva de que um sentimento forte, por natureza viril, pode ser expresso com uma nuance de delicadeza. Com Carlos Monte, diretor da Portela nos anos 1970, tornou matéria sonho e intenção, transferindo para as páginas deste livro o mosaico azul e branco que confere a essas vidas o algo mais nem sempre explicável. Carlos, culto, cosmopolita e muito sensível, torna-se um deles entre eles. A familiaridade com que o pai de Marisa Monte lembra e canta as composições da Velha Guarda atesta que, entre um e outros, sobrevive uma memória e permanece um passado comum — mais do que isso: um passado fraterno. O livro conduz o leitor a um tempo muito especial e relembra vida e costumes de uma região onde o samba sempre foi a voz maior. Um passado que a parceria tornou atual. Porque Oswaldo Cruz, esse Oswaldo Cruz da vida de todos eles, foi todo edificado. Permanece a enorme saudade do Mercado de Madureira, onde se compravam chapéu panamá, flores do campo e alface caída do céu. Por aquelas ruas, suas transversais e paralelas, Antônio Rufino traçou a sua vida e a sua música a um passo inigualável. Um bairro pródigo em personagens únicos e, digam o que disserem, insubstituíveis. Onde e como encontrar um clone de Chico Santana?
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Onde mais se pode ouvir o som de uma gargalhada irresistível como a do inspirado Argemiro? Ou de cada um deles? Depois deles, nunca mais, e isso os torna as pessoas que são e que foram. Porque ainda tem a Doca, a Eunice, a Áurea, o Olímpio, o Mauro e tantos outros cujo negócio é cantarolar... “Se for falar da Portela / hoje eu não vou terminar”. Hoje sei que, em algum lugar do passado, em algum momento que jamais será identificado, o grupo se tornou parte de nossas vidas. Não tem importância que muitos já tenham morrido, porque já foi dito que “o homem é imortal quando sua obra permanece”, e basta ouvir uma fita gravada que a emoção os traz de volta, morrer passa a ser só um detalhe. Eles compunham sem essa preocupação, já sabendo de antemão que suas músicas permaneceriam. Daqui para a frente é festejar os que estão vivos, e que Deus os mantenha assim. Emocionados, meio bêbedos, cada qual com seu caminho e seu estilo. Com a alegria que, tantas vezes, os ajudou a prosseguir. Porque são sofredores também, alguns com sofrimentos e dores pouco comuns. Mas, olhando para trás e chegando aos dias de hoje, a gente compreende que é bela e rica a história deles porque essa também é a história de todos os homens.
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