Gregório de Mattos

Page 1

Fernando da Rocha Peres

Gregór i o de Mattos o poeta devorador

DIREÇÃO

Waly Salomão

(in memor iam)

Maria Vitória de Seixas Caldas


© do texto, 2004 by Fernando da Rocha Peres © direção da coleção, 2002 by Waly Salomão & Maria Vitória de Seixas Caldas Direitos de edição adquiridos por MANATI PRODUÇÕES EDITORIAIS LTDA. Telefax: (21) 2512-4810, 2274-2942 manati@uninet.com.br www.manati.com.br É terminantemente proibida a reprodução do texto e/ou das ilustrações desta obra, em parte ou no todo, para qualquer fim, sem autorização expressa e por escrito da editora. Pesquisa: Fernando da Rocha Peres Revisão tipográfica: Tereza da Rocha Projeto gráfico: Silvia Negreiros Patrocínio

Chesf Agradecimentos Rodolpho Tourinho e Hélio Vitor Ramos Magnesita S.A. e Renato Travassos Ilustrações Capa e vinhetas do miolo: desenhos em códice nº 3.576 da Biblioteca Nacional de Lisboa. Secção de Reservados. Coleção Fundo Geral Obras do Doutor Gregório de Mattos e Guerra. Folha de rosto: retrato do poeta Gregório de Mattos. Desenho de autoria desconhecida, resultante de uma descrição física do poeta encontrada em Manuel Pereira Rabelo, Vida do Dr. Gregório de Mattos Guerra, século XVIII. Página 97: gravura anônima do século XVIII. Todos os esforços foram envidados no sentido de obter as autorizações para a utilização das fotografias e imagens desta obra. Se porventura ocorrer alguma omissão quanto a créditos, os direitos encontram-se reservados aos seus titulares e, com a devida comprovação, à disposicão nesta Editora.


Para o poeta Haroldo de Campos, hoje vivendo em suas Galáxias, e para Erthos Albino de Sousa, mecenas do Concretismo.

Quem pôs o nome de crica, à crica, que se esparralha senão nosso Pai Adão, quando com Eva brincava? Pois se pôs o nome às cousas o pai da nossa prosápia, porque Deus lho permitiu, nós por que hemos de emendá-las? Gregório de Mattos e Guerra, glosando o Gênesis II-19-20: “E Adão pôs os nomes a todo gado, e às aves dos céus, e a todo animal do campo...”)


CIP–BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ.

P51g Peres, Fernando da Rocha, 1936Gregório de Mattos : o poeta devorador / Fernando da Rocha Peres. – Rio de Janeiro : Manati, 2004 144p. : il. – (Bahia com h ; 3) Inclui bibliografia ISBN 85-86218-30-8 1. Mattos, Gregório de, 1633?-1696 – Biografia. 2. Poetas brasileiros – Biografia. I. Título. II. Série.

04-0528.

CDD 928.699 CDU 929Matos, G.


Gregório de Mattos

O P O E TA D E V O R A D O R

Já temos agora em mãos, graças aos esforços de Ja-

mes Amado, uma edição completa, ao menos até novas revelações de apógrafos, ou quem sabe, de autógrafos, das obras de Gregório de Mattos. Quanto aos fatos de sua vida, também em torno deles se empenham vários pesquisadores, particularmente o professor Fernando da Rocha Peres. Com uma excepcional competência e inexcedível zelo se vem ele há anos dedicando, tanto em Lisboa como em Salvador, a documentar rigorosamente os lances da vida do poeta, até há pouco baseada quase exclusivamente na famosa narrativa do licenciado Manuel Pereira Rabelo. Pela primeira vez um investigador de gabarito intelectual do professor Rocha Peres, qualifica essa narrativa de “fonte escorregadia”, a ponto de poder chamar o nosso maior poeta satírico de “ilustre desconhecido”, tais as imprecisões que ainda cercam a sua biografia. (Tristão de Athayde – Alceu de Amoroso Lima. “O tapete mágico”, Jornal do Brasil, 5/6/1971)



Gregório de Mattos

O P O E TA D E V O R A D O R

Sumár i o Apresentação

11

CAPÍTULO PRIMEIRO

O menino na Bahia do século XVII

23

CAPÍTULO SEGUNDO

O mazombo em Portugal

45

CAPÍTULO TERCEIRO

De volta à pátria natural

73

CAPÍTULO QUARTO

Bahia, Angola e Recife In(conclusão)

111

137

Referências mínimas

141



Gregório de Mattos

O P O E TA D E V O R A D O R

A presentação N

ão vou escrever uma biografia, mas, cuidadosamente, fazer uma gravura, com a permissão do leitor, dentro da linha da coleção Bahia com h. Gregório de Mattos e Guerra (16361695) é muito grande e sua obra, assim como sua vida, um verdadeiro cipoal do século XVII. É evidente que a escrita biográfica é um processo de identificação entre o biógrafo e o biografado, como bem assinala esta citação: Biografar, essa tentativa de aproximação do outro, esse movimento de re-construção de uma história, produz o estabelecimento de um espelhismo no qual o autor e seu herói se mesclam, alternam-se, na mistura de um e do outro.1

Venho, há anos, trabalhando no levantamento de fontes históricas, “matutando” sobre a existência do poeta, sua circunstância e sua poesia apógrafa (não autógrafa), que restou manuscrita em vários códices do século XVIII. Aliás, já em 1983, o mestre Antonio Houaiss afirmava nesta direção: O fato é que a pesquisa histórica em torno de Gregório já atingiu um inesperável grau de documentação, pois há duas décadas a documentabilidade de sua vida era algo de que não se esperava muito.2






Demarcar a circunstância de um biografado não é só um entre datas, mas, dificultosamente, fazer um percurso para descrever os seus espaços e momentos históricos vividos. Esta é uma viagem que estou empreendendo e reconstruindo. Cabe não só tentar delinear os traços da personalidade do “personagem” — aqui está a fronteira do gênero biográfico com a psicologia, não só enquadrá-lo no seu tempo, aqui está a ligação com a história, não só situá-lo em relação ao seu meio, aqui está o liame com a sociologia e demais ciências humanas —, mas devese, principalmente, atentar para a autenticidade dos fatos e documentos que informam uma existência. E tudo isto sem perder de vista a sua subjetividade. Um homem barroco e multifacetado como GMG (de agora em diante vou tratá-lo assim) só veio a ser destacado no século XVIII, por Manuel Pereira Rabelo (ou Rebelo), com o seu relato incluso em alguns manuscritos da mesma centúria, que contém poemas apógrafos do chamado Boca do Inferno, tudo permanecendo inédito, em Portugal e no Brasil, até o século XIX. É intrigante, mas explica-se, por que GMG não publicou um livro, em vida, com seus poemas. Havia uma censura braba, feita pela Inquisição, com seus censores de batina e com a mesa inquisitorial, onde todos os livros tinham que ser examinados para receberem o “imprima-se”. Era o extraordinário poder eclesiástico que exercia esta função. GMG teria organizado uma seleta, em livro, dos seus vários poemas líricos e religiosos, e até de sátiras leves, dedicada a um nobre e mecenas que a financiaria e seria, certamente, publicada e “correria”, como se dizia então. Outros poetas assim o fizeram. Isto não aconteceu, talvez por conveniência do poeta, para sua proteção ou planos existenciais, assim suponho e direi mais adiante. Daí os seus poemas terem sido mandados manuscrever por seus amigos e admiradores e encadernados em códices. Mais estranho ainda é o fato de que sua poesia não consta de nenhuma antologia, coletânea ou seleta do seu tempo ou mes-


Gregório de Mattos

O P O E TA D E V O R A D O R

mo do século seguinte. Só no século XIX parte de sua obra foi exu;mada em tipografia. Para uma recordação breve do que significou a censura, em Portugal, durante séculos, basta referir que: (1) a leitura da Bíblia, dos Evangelhos, “em vulgata” (traduzida do latim) é proibida, em 1551, pelo Santo Ofício da Inquisição; (2) os censores e revisores eram pessoas “sábias” e padres conhecedores da Teologia, aos quais nada escaparia de herético ou contrário ao que fosse da ortodoxia católica de então, quanto à impressão e divulgação de quaisquer obras; (3) a escrita de um livro deveria ter todos os “ditames” da decência; (4) os navios passavam por investigação, não só em Lisboa, para saber-se da existência de livros suspeitos em mãos de viajantes ou tripulantes; (5) a primeira relação de livros proibidos para leitura (os tais Índices de Livros Proibidos – Index Librorum Prohibitorum) deu-se a conhecer em 1551, pelo Cardeal InquisidorGeral Infante D. Afonso Henrique; (6) impedia-se a leitura, além da Bíblia traduzida, as Novelas de Boccacio, do Tesouro dos Autos espanhóis e tantas e tantas obras, ano a ano; (7) nos solenes “autos-defé” da Inquisição, além do sacrifício ao fogo de pessoas condenadas (judeus, sodomitas, hereges, bruxas), muitos livros foram incinerados; (8) essa prática dos index disseminou-se nas dioceses e bispados e até mesmo nas universidades. Lia-se muito pouco, e às escondidas, o que era escrito e publicado fora de Portugal e Espanha. Como poderia o poeta GMG publicar as suas sátiras ou mesmo os seus poemas de outra natureza sem submeter-se a essa censura? E como sobreviveram o poeta e os poemas, durante séculos? Graças aos manuscritos vários, em códices mandados fazer e copiar, que permaneceram, por séculos, na mão de leitores e colecionadores e foram, depois, conservados em arquivos e bibliotecas. Assim, firmou-se a “tradição gregoriana”, aventando-se, como não poderia deixar de ser, que a própria transmissão oral tenha mantido, de voz a voz, a poesia de GMG.




Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.