As portas contemporâneas do retorno
Memórias AFROINNOVA IV (Tumaco-Cali 2022)
Escrito por:
Paula Moreno
(Presidente da Manos Visibless)
Giuliana Brayan
(Gerente de Empoderamento e Gênero) com o apoio da equipe AfroInnova
Uma Ramiah, Luis Cassiani, Valeria Brayan, Diana Restrepo, Carlos Ortíz, Maria Inés Requenet, Maité Rosales, Ana Isabel Vargas
Jeison Riascos “El Murcy” (Fotógrafo em Cali)
Tradução para o português por Daniel Rumana
“Quem se dedica à criação conhece o poder das telas, das imagens e da escrita para reverter temporariamente tantas ausências e limitações. Tantos impulsos de transformar mundos que nascem quando finalmente nos vemos também como ficções e nelas nos construímos de outras formas. Tanto poder político que a gente deixa de ser”
Remedios Zafra, O Entusiasmo
Sobre Manos Visibles
Nosso caminho: AfroInnova 2015-2023
As duas Áfricas: o Continente e os seus descendentes
Que portas estão fechadas ou que acabam de abrir?
Chave Um: As palavras que precisamos O que vem a seguir?
Chave Dois: As imagens de que precisamos...
Chave três: presente e futuro tecnológico
Chave quatro: o movimento que precisamos
Chave cinco: como distribuímos nosso conteúdo?
Chaves Seis e Sete: o capital e a estratégia Nossas
SOBRE MANOS VISIBLES 13 ANOS
cultivando redes de liderança para a equidade racial na Colômbia e no mundo
Somos uma ONG sediada na Colômbia — o país com a terceira maior população da diáspora africana fora do continente, depois do Brasil e dos Estados Unidos — que consolidou sua força na última década mudando não só a narrativa, mas também a realidade sobre o papel da liderança étnica na construção do país. Ao longo deste processo, a África e a sua diáspora têm sido fundamentais para reescrever a nossa própria história e criar novos futuros. Atualmente, Manos Visibles conta com uma rede de 25.000 membros e 500 organizações. AfroInnova é a nossa estratégia internacional dedicada a fortalecer a liderança e incu-
bar conexões estratégicas transnacionais da diáspora africana, tornando-se uma plataforma permanente de conversação sobre a África global e seus descendentes na América Latina, já que Brasil e Colômbia representam mais de 110 milhões de afros, tornando-se a maior diáspora regional africana do mundo.
NOSSO CAMINHO
AFROINNOVA 2015-2023
UM GRUPO COMUNITÁRIO DE INOVAÇÃO PARA O AVANÇO DA DIÁSPORA AFRICANA
A AfroInnova capacita a inovação da comunidade conectando líderes, iniciativas e experiências de toda a diáspora africana. Em 2017, definimos a Diáspora Africana como um encontro intencional de pessoas e comunidades com consciência coletiva como filhos e filhas do êxodo africano, com capacidade de desafiar e mudar as relações de poder no mundo. Nestes oito anos, construímos uma rede de cinquenta líderes de quinze países que se tornaram membros desta plataforma.
A nossa aposta é pensar no poder efetivo da diáspora africana: África o território, África o povo. A primeira reunião de AfroInnova —O poder da diáspora— aconteceu em Cartagena e San Basilio de Palenque. O objetivo desse grupo de especialistas foi gerar um debate sobre a situação atual da diáspora africana, propondo uma forma mais estratégica de pensar o poder. O segundo encontro —A tecnologia da diáspora: da inspiração à aspiração— foi realizado nas cidades de Buenaventura e Cali. O tema central foi: da inspiração (olhar-se, reconhecer-se e unir-se) à aspiração. Este foi um espaço em que definimos a diáspora com base em quatro temas estratégicos: cultura, tecnologia, comunicação e capital. Nosso terceiro encontro —Afroprospectiva: espelhos e reflexos da África e sua diáspora— foi realizado em Quibdó e Medellín. Esta reunião destacou como poderia ser o futuro afro-diaspórico
Depois da pandemia, a incerteza e o futuro foram os nossos temas e sonhos recorrentes, mas com especial enfoque na cultura. Isso nos levou ao nosso quarto encontro, que aconteceu na costa do Pacífico colombiano, especificamente em Tumaco e Cali. Tumaco é um centro nevrálgico para a música marimba. Como disse Kiluanji Kia Henda: “Um milagre cultural em que as práticas musicais ancestrais estão ainda mais vivas hoje nesta importante cidade afrodescendente na fronteira da Colômbia com o Equador do que no
continente”. Cali é a segunda cidade da América Latina com maior população afrodescendente, depois de Salvador da Bahia. Durante nossa visita, Cali fervilhava como epicentro da cultura negra ao receber o Festival Petronio Álvarez, o maior festival afro-latino – com mais de 100.000 visitantes – onde a música tradicional está no centro de uma explosão de gastronomia, artes visuais, moda, entre outros. Para esta edição, o Brasil foi o convidado de honra, além de vários representantes da diáspora africana, como a grande Susana Baca do Peru. Não poderia haver cenário melhor para nossa reflexão sobre Futuros diaspóricos: as novas portas de retorno – O “Eu” negro contemporâneo no mundo, com foco na construção de:
Uma rede Um espaço
de capacidades, estratégias, conceituações, trocas de ideias e aprendizagem coletiva transnacional.
para cultivar a liderança, renovar abordagens e gerar uma compreensão coletiva da diáspora africana e seus contextos.
Uma forma Um catalisador
de construir novas narrativas, para que nosso povo veja e defina suas lutas de uma forma diferente.
de recursos e processos transnacionais.
A COORTE AFROINNOVA 2022:
IN MEMORIAM
Em 2020, perdemos uma de nossas integrantes, Janisha Gabriel do Black Lives Matters. Descanse em paz.
“Narrar aquelas histórias que humanizam. Contar essas histórias nos permite não só falar de figuras, mas também gerar conexões com o contexto, as famílias, ou seja, humanizar as causas e mostrar
Janisha Gabriel, Black Lives Matter D.E.P In memoriam
AS DUAS ÁFRICAS: O CONTINENTE E OS SEUS DESCENDENTES
O mundo acabou. Acabou para mim, para nós, muitas vezes
O cenário global da equidade racial mudou. Os efeitos devastadores do COVID-19 estão se desdobrando ao longo do tempo, dando maior poder à diversidade de conteúdo e tecnologia. Isso resultou em uma maior demanda e resposta às desigualdades raciais sistêmicas em vários setores. Por exemplo, há uma presença crescente de afrodescendentes em altos cargos governamentais. Para citar alguns casos, poderíamos citar o posicionamento das primeiras vice-presidentes negras da Colômbia e dos Estados Unidos ou a nomeação de seis ministras negras no Brasil como indícios de uma representatividade crescente. No entanto, a questão que fica por responder é se esta representação se traduz em resultados. Uma vitória é realmente uma vitória ou simplesmente haverá um revés mais forte e violento após vitórias simbólicas? Como foi intitulada uma das apresentações de Kiluanji, membro da AfroInnova, a grande questão é “agora que temos poder, o que fazemos com ele?”. O poder assume diferentes formas e níveis; por exemplo, antes da pandemia víamos um aumento do número de organizações da diáspora africana em progresso organizacional. Em nosso primeiro diretório, construído antes da pandemia, mapeamos mais de mil organizações da diáspora africana. Atualmente, pelas redes sociais, sabemos que esse número aumentou substancialmente em todas as áreas, tornando ainda mais visível uma potência transnacional que se une em solidariedade contra a discriminação racial . Nesse contexto, a coorte do AfroInnova IV se reuniu pessoalmente, reunindo um grupo de criativos da diáspora neste mundo pós-pandêmico, porque — como outro membro do Afroinnova, Zakiya Carr Johnson, mencionou — nós somos nosso patrimônio.
O tema principal do quarto encontro foi Portas de Retorno Contemporâneas. As expressões culturais, como chaves para abrir as portas ainda fechadas entre África e a sua diáspora, permitem criar
e difundir memórias partilhadas e visões coletivas renovadas, não só sobre o passado, mas também para criar o futuro. Por exemplo, as expressões audiovisuais cresceram durante a pandemia por meio de plataformas digitais que mudaram para sempre o cenário cinematográfico. Assim sendo, nossos quinze líderes culturais de todo o mundo e de disciplinas como dança, literatura, mídia, artes visuais, cinema, negócios e filantropia se reuniram para discutir como expandir o potencial poético, econômico, social e político futuro de artes e culturas diaspóricas do mundo. Quais são as portas que estamos abrindo? O que e onde estão as chaves? O que é arte e de quais plataformas precisamos?
QUE PORTAS ESTÃO FECHADAS OU APENAS ABERTAS?
VAMOS ENCONTRAR AS CHAVES
CHAVE UM: AS PALAVRAS QUE PRECISAMOS
por Gilbert Ndi Shang PhD, escritor e professor camaronêsQUEM SOMOS E PORQUE
Na ascensão de um povo da opressão à graça, ocorre um ponto de virada quando pensadores determinados a impedir a queda se reúnem para estudar as causas de problemas comuns, elucidar soluções e organizar maneiras de aplicá-las. Durante séculos, nossa história na África foi uma avalanche de problemas. Balançamos de desastre em catástrofe, suportando a destruição de Kemt, a dispersão de milhões pelo continente em busca de refúgio, o desperdício da humanidade no comércio de escravos organizado por árabes, europeus e africanos míopes e gananciosos por migalhas. esta terra agora dividida em cinquenta estados idiotas neocoloniais nos dias de hoje, quando grandes nações buscam a sobrevivência em grandes uniões federais, e até os tolos sabem que a fusão é a morte.
Pode dar a impressão de que tudo o que fizemos foi aguentar essa praga da história, sem dar nenhum passo para acabar com a queda negativa e começar a virada positiva. Essa impressão é falsa. Ao longo destes milênios desastrosos, houve africanos preocupados em encontrar soluções para nossos problemas e agir de acordo com elas. Os vestígios deixados por esses marcadores são fracos, porque os belos foram mortos, a terra envenenada. Agora, onde quer que a futura semente tente criar raízes, ela cai na areia.
Ainda assim, mesmo na derrota, os criativos deixaram sinais vitais. Deixaram vestígios de um caminho mental moral visível até hoje, desde que aprendamos novamente a ler os marcadores de caminhos perdidos. Assim, conectados ao tempo passado e ao espaço futuro por meio do conhecimento recuperado, os africanos pensantes que buscam uns aos outros nesta causa comum encontrarão o melhor da humanidade para o que está por vir: acabar com o domínio do passado e dos senhores de escravos.
“ÀS VEZES EU TEMIA QUE A ENERGIA QUE EU PRECISAVA PARA ME MOVER NUNCA CHEGASSE” Ayi Kwei Armah
BUSCAMOS AÇÕES INTELIGENTES PARA MUDAR ESSAS REALIDADES. PORQUE PRETENDEMOS, ENQUANTO AFRICANOS, RECUPERAR O NOSSO ROSTO
HUMANO, O NOSSO CORAÇÃO HUMANO, A MENTE HUMANA QUE OS NOSSOS ANTEPASSADOS NOS ENSINARAM A VOAR. ISSO É QUEM SOMOS E POR QUÊ SOMOS.
REFLEXÕES DE GILBERT SOBRE HISTÓRIAS
Quais são
novas histórias?
A literatura africana é uma nova porta de retorno. Uma nova onda de criatividade surgiu à medida que os escritores africanos se tornaram diásporas, mas também publicaram seus livros em todo o mundo. No entanto, resta uma grande tarefa. Quando vamos ler mais afro-latinos no continente? A literatura abre portas e é uma das chaves. A narrativa criativa foi e é essencial para a autorrepresentação individual e coletiva, uma vez que conduz à reapropriação progressiva do poder sobre as nossas memórias e a nossa história. Permite-nos renomear e redefinir-nos em contextos em que sempre fomos nomeados e definidos a partir de perspectivas externas, estereotipadas e colonizadoras. Este diálogo com a literatura africana constitui um gesto altamente simbólico que marca uma forma de reencontro transatlântico ao nível das nossas histórias e dos nossos imaginários, reunindo culturas que estiveram separadas durante séculos, mas nunca perderam as suas raízes. Culturas que se transformaram nas Américas, mas permanecem fortemente ligadas às epistemologias africanas.
Histórias de sucesso são importantes, mas também devemos compartilhar como falhamos nessas conexões transatlânticas. Acho que foi aqui que falhamos, todas as diásporas têm experiências e histórias diferentes. Às vezes, nossas expectativas não são as mesmas, mesmo quando tentamos nos conectar e colaborar. Devemos estar atentos a outras eventualidades que não são tão positivas quanto a que estamos vivenciando aqui na AfroInnova. Por que as tentativas de conexão anteriores não tiveram êxito? Pensemos na ligação diaspórica através da ficção e do problema das origens. Para quem escrevemos nossas histórias? Para quem
as
Podemos usar uma lente contemporânea e nem sempre focar na história e ancestralidade
produzimos espetáculos coreográficos? Quais são as imagens que projetamos através do nosso trabalho?
O público é importante. Para o escritor no contexto pós-moderno, por exemplo, a capacidade de subverter também é importante. Não devemos ser complacentes. Devemos fazê-los pensar novamente, subverter suas suposições. Não devemos nos importar com o que o público espera de nós. Não devemos ser cúmplices do público. Se você quer focar na sua arte, não se sinta em dívida. Bruno, Kiluanji e todos os artistas nesta sala são perturbadores. Há uma questão de temporalidade. O continente e suas diásporas são diferentes. Um autor martinicano desenvolveu uma diferenciação entre globalização e globalismo. O globalismo é uma troca muito mais sutil em um nível mais profundo. Como examinamos a difusão da cultura negra nas Américas, na África, no Caribe?
Toni Morrison ressalta que, quando alguém lhe diz que você não é humano, você está tentando provar que está errado, em vez de gastar essa energia resolvendo os problemas que o afetam. Não precisamos explicar nossa humanidade. Não precisamos explicar a ninguém que somos humanos. Nossos escritos são julgados por critérios estrangeiros, europeus ou americanos. Eles ditam as tendências e o que é considerado vendável. Como isso condiciona nossas práticas? Nossa tarefa é subverter continuamente esses meios de validação. Mas isso é feito quando você tem muita certeza da capacidade de encontrar alternativas de financiamento, entre outras coisas. Se você não está bem estabelecido, onde você encontra o poder de falar a verdade para aqueles que o financiam? Você tem que ter um capital simbólico para ter um certo senso de independência. Precisamos contar histórias sobre a vida no continente e suas diásporas. Mas, como artista, o que você produz nem sempre precisa ser legível. A arte valoriza sua opacidade. Mas [em nossa sociedade] o corpo negro deve ser legível. Mas na história negra sempre houve a capacidade de os corpos negros serem intencionalmente ilegíveis. Ser panóptico. O olho que tudo vê procura olhar para o seu corpo para objetificá-lo, discipliná-lo, controlá-lo ou direcioná-lo para um determinado objetivo e sempre no interesse do mestre. Agora há uma intenção na arte negra e na coreografia de não ser legível para o espectador. Uma das maiores vantagens é que agora o discurso não é sobre nós, é conosco e para nós.
E como transcendemos? Transcender — o que vemos como futuro — deve centrar-se no conhecimento da situação atual e da realidade da diáspora africana. Que ele também deveria conhe-
cer a situação do continente. Não necessariamente focando na ascendência e focando no dinamismo atual, devemos também desafiar as expectativas.
Em meio à sua experiência de convivência entre diferentes culturas da diáspora africana, Gilbert destacou a importância de entender que, diante do papel dos líderes globais da diáspora, há uma responsabilidade de se conectar a partir do que cada um sabe fazer de melhor. No seu caso, tanto a partir da literatura tenta acompanhar essas narrativas escritas, como a partir do trabalho com a academia defende a busca pelo reconhecimento do trabalho já realizado. Em suas palavras “...as narrativas escritas têm o poder de se conectar de uma forma tão única, que podemos ir de Salvador da Bahia ao Pacífico colombiano, depois ir ao Peru e terminar em qualquer país africano...no final, as paisagens, os rostos e a espiritualidade nos guiam.”
O próximo nível que Gilbert define para as narrativas é apropriar-se delas como parte de um único todo, de um único lar porque existe uma união ancestral que jamais será apagada. A academia deve continuar envolvida porque é um importante espaço de pesquisa, mas o desafio é trazer mais pessoas da diáspora para a academia a partir de uma perspectiva sistêmica para a necessidade de investigar o que une as diásporas.
MOKY COMO CONECTAMOS AS HISTÓRIAS COM A LIDERANÇA DE QUE PRECISAMOS?
Moky aponta a necessidade de mudar as narrativas sobre o continente africano e explorar histórias verdadeiramente africanas, ao mesmo tempo em que a diáspora conhece o contexto real dessa região que também é sua casa. Em suas palavras: “Por que as narrativas deveriam mudar? Porque se as narrativas não mudam, não há futuro para imaginar, nem esperanças para alcançar, nem desejo de sonhar com algo melhor.” As tendências e histórias que se apresentam no continente africano enquadram-se, quase sempre, na pobreza, corrupção, doenças e conflitos armados. A chave está no reconhecimento dessa outra África que é um quadro de inovação, criatividade, alegria e talento. As histórias definem a forma como o mundo nos vê, por isso é tão crítico como uma diáspora analisar a nossa representação global de forma crítica e inovadora, de forma a enfrentar os desafios da nossa representação desde as notícias até outras formas de comunicação de massa.
Mas uma vez que temos mais histórias que queremos contar ao mundo, precisamos ter uma abordagem sistêmica para abrir os espaços e infraestruturas para que essas histórias cheguem ao mundo todo, e isso requer liderança. Então, o que as pessoas de ascendência africana podem fazer de diferente? Quando alcançamos posições de liderança nem sempre levamos nosso pessoal conosco. É uma fruta ao seu alcance. Temos que
estar cientes disso. Quando você abre e passa pela porta, você traz pessoas com você. Assumimos que isso acontece, mas nem sempre é assim. Vamos garantir que os líderes afro retribuam. Para cada curso ou oportunidade que você recebe, você retribui apoiando outra pessoa. E como aumentar a representatividade dos afrodescendentes em escala global, e também entre africanos e afrodescendentes? Podemos criar uma comunidade mais influente. Temos que encontrar as coisas que já temos em comum, como música e comida. E maneiras de fazer as coisas que gostamos. Leve um grupo de colombianos para a Nigéria e vice-versa. De onde vem esse dinheiro? E construir um metaverso de experiências turísticas africanas. Ponha os auscultadores e está em Lagos. Isso supera as questões de visto e passaporte. Algum presidente colombiano fez recentemente uma viagem oficial a vários países africanos? O que podemos fazer digitalmente? É um pequeno piloto feito digitalmente. Mas como fazer isso acontecer?
ONDE TUDO COMEÇOU... É TUMACO (COLÔMBIA) OU UMA CIDADE DE ANGOLA?
TUMACO: UMA PEQUENA ANGOLA NA COSTA DO PACÍFICO
Tumaco é uma grande cidade africana na Colômbia. É um espaço colombiano onde a maioria de sua população é afrodescendente e sua história cultural é baseada na essência de seus ancestrais africanos. A diáspora africana sabe que Tumaco existe? Quando começou a viagem desta pequena África? Tumaco é considerada “A Pérola do Pacífico”. É pérola pela memória, é pérola pela história, é pérola pelas gentes. É uma cidade africana cheia de contrastes, de contradições, mas ao mesmo tempo de poder cultural. O milagre cultural da diáspora africana é profundamente envolvente em cidades como Tumaco ou Palenque, que sobrevive apesar de todas as tentativas de extinguir sua história e patrimônio. Nesta cidade fronteiriça entre a Colômbia e o Equador, não só alguns membros do grupo AfroInnova se reuniram, mas também mais de 100 lideranças afro-colombianas. Através das lentes de suas
organizações, redes de liderança e negócios, esses líderes culturais compartilharam e interagiram com os membros da AfroInnova de Angola, Guiné Equatorial, Gana e África do Sul. Este encontro AfroInnova foi uma oportunidade para a diáspora afro de Tumaco ver e conhecer seus espelhos, reflexos e referências diretamente da África e sua diáspora global.
TUDO O QUE PARTILHAMOS: MEMÓRIAS, MÚSICA, COMIDA, DANÇA...
Primeiro, visitamos a Casa da Memória de Tumaco, um espaço único no Pacífico colombiano que conecta um passado e um presente de violência com a importância da liderança juvenil que preserva a memória e a transforma em ferramentas de interação e projetos de vida para novos futuros. Neste espaço realizou-se o fórum Obras de memoria : um olhar desde as artes plásticas e a música, moderado por Paula Moreno e com a participação dos membros da AfroInnova Salym Fayad (Colômbia) e Kiluanji Kia Henda (Angola).
A conversa girou em torno do conceito do poder da imagem. Paula Moreno destacou que “A imagem assume o papel de registrar e validar nossa existência como diáspora. A ausência ou relevância de imagens nos obriga a reconstruir e desconstruir nossa sociedade, pois para municípios como Tumaco, assim como para países africanos, é a manifestação mais visível da existência negra. Sempre caminhamos tão perto da morte. Mas como coletivo, apesar das perdas, continuamos tentando nos manter vivos. Temos muito em comum com os países africanos, desde a independência e os últimos governos, conflitos armados e uma comunidade cultural vibrante. Qual é o papel da arte nesse contexto? Como você vê a arte, a violência e a cura? Como dar um significado diferente a tanto trauma e luto tentando chamar novos futuros?”
Kiluanji, no meio de sua reflexão, expressou que “...existem algumas peculiaridades no continente africano que se cruzam com a costa do Pacífico colombiano. Exemplos disso são questões como mineração ilegal, cultivo de palma, tráfico ilegal de drogas, a violência contra as mulheres. Assim como se cruzam conflitos, também se cruzam olhares conflituosos, um dos quais é, sem dúvida, o confronto desde a arte contra os diferentes tipos de violência”. Por sua vez, Salym Fayad deu um olhar a partir da experiência de ser colombiano e desenvolveu sua arte e ações a partir de um país africano, a África do Sul. O conflito em um único país africano permeia o resto dos países vizinhos. Salym reafirmou a importância de entender que, embora em termos discursivos não estejamos em um período de colonização, as ações do século XX foram muito invasivas e por isso vemos o conflito como algo regional quando na realidade as arestas que o provocam são global.
Estar na Casa da Memória em Tumaco para esses membros do AfroInnova e ter essa conversa baseada em conflito, imagem e memória foi, sem dúvida, uma oportunidade de entender que a cultura tem uma narrativa e uma construção que também tem como base a sociedade civil. A arte cumpre uma responsabilidade primordial: renomear, significar e ressignificar os espaços que hoje não apenas fazem parte do presente e do passado, mas também precisam ser reconstruídos e desenvolvidos para imaginar novos futuros que não neguem o continuum de dor e trauma, mas que desafiam as possibilidades de novas realidades. Quais são as imagens transnacionais de que precisamos? Como podemos chamar esteticamente um futuro esperançoso? Salym acrescentou: “Minha lente sempre tem um olhar disruptivo porque meus espelhos não só acompanham a justificativa política de porquê faço as coisas, mas também porque me permitem ver potencialidades, redes, talentos e pessoas que acreditam na imagem como um transformador social “.
O QUE VEM A SEGUIR?
Kiluanji e Salym compartilharam três pontos principais ao coletar a reflexão com os líderes culturais em Tumaco. Por um lado, é necessário ter uma abordagem inclusiva das artes, não ver a prática artística isolada. Um dos melhores exemplos é o crescente poder audiovisual das artes africanas e afrodescendentes que incorporam música, dança, imagens em movimento e narrativas. Um grande chamado para entender essa abordagem múltipla e o diálogo que alimenta as artes. Por outro lado, um apelo a identificar e gerir a mobilidade de produtos artísticos nessas outras áfricas, nessas outras comunidades com as quais nos sentimos e temos ligação. A circulação do que já existe deve ser uma prioridade. Finalmente, como podemos gerar mais interações e criações artísticas juntos? E como unimos costas, comunidades e lideranças? Numa época em que se impõem respostas sistémicas e globais de forma crítica, em que as artes podem não só oferecer uma representação da realidade, do presente ou do passado, mas também propor e apelar para o futuro, o nosso principal desafio continua a ser o de ligar eficazmente as potências artísticas de África e da sua diáspora, embora nos vejamos mais através das redes sociais, mas basta traduzi-las efectivamente numa potência transformadora.
Após esta conversa enriquecedora, visitamos a Fundação Tumac, a mais antiga casa cultural musical de Tumaco e um foco de grupos infantis e juvenis. Tumac significou o espaço para a geração de ideias disruptivas que transcendem a violência e o contexto de empobrecimento em Tumaco. Os quatro andares da fundação testemunham o legado africano. No primeiro andar é realizada a construção de tambores, marimbas e todos os instrumentos musicais. No segundo andar, a tradicional e moderna escola de música de marimba é o cenário, com estúdio de música. Nesse andar, temos a apresentação do grupo Plu con Pla, banda de música afro-colombiana que fez uma nova versão musical do hino nacional colombiano. Nas palavras da Fundação Tumac “o setor cultural de Tumaco foi um ato de nova independência”. Há potencial para a expressão artística gerar independência econômica para os líderes culturais. Essa é a tarefa pendente. O desafio é como tornar a produção musical lucrativa? Como fazer com que o público entenda a necessidade de consumo e investimento? O terceiro andar era o salão de baile, onde se tocava marimbas e se dançava currulao com lenços brancos, toda uma cena diaspórica onde por um momento não se sabia em que “aldeia” ou país africano estávamos, país que mais sabia que existia no Pacífico.
O segundo dia em Tumaco focou nessa exploração cultural. Uma primeira visita à Fundação Changó , instituição que também representa um dos grupos musicais de Tumaco e um ambiente de proteção a jovens e crianças em meio à violência. Isso permitiu que os integrantes do AfroInnova continuassem construindo reflexões sobre a potência da produção artística, desafiando o conflito e dignificando a memória. De seguida, a visita à Escola Oficina Tumaco e a sua exploração gastronómica conectou esta experiência com uma reflexão necessária e limpa sobre o funcionamento do turismo na diáspora africana. Também foram questionadas as formas como geramos novas narrativas turísticas, comunitárias, autênticas e sustentáveis; além de se questionar sobre a contribuição dos membros do AfroInnova e qual é o chamado para unir agendas e divulgar esses territórios. Um exemplo particular de
democracia econômica foi o Viche, a bebida tradicional que se tornou um marco colombiano, baseada no conhecimento tradicional das comunidades da costa do Pacífico.
CHAVE DOIS: AS IMAGENS QUE PRECISAMOS...
Reflexões de Kiluanji sobre nosso Storytelling e imagens movimentoem
Que tipo de histórias queremos compartilhar como africanos? Como escritor, você nunca pode esconder a realidade de sua sociedade porque é fiel a si mesmo e ao seu ambiente. Quero capturar a agência. Meu país é uma semi-ditadura. Como podemos subverter e transcender essas coisas?
Kiluanji mirou no tema de um passado maculado. Coletivos audiovisuais como âncora para novas inovações e narrativas. Kiluanji mencionou que “... a arte que precisamos desenvolver é a arte que ajuda as pessoas a entender sua história e seu presente. Essa arte deve ajudar a eliminar essas ideias estreitas sobre a África.”
Baseando a sua reflexão nesta ligação diaspórica, acrescentou que a única forma de alargar essa visão, a visão das artes afro-diaspóricas, é aceitar o que já existe com dignidade e amor. Ele diz “... nem todo o passado está perdido porque ele pode ser transformado e por isso é importante que a arte tenha um conceito”.
Kiluanji destacou a necessidade de nos alimentarmos não apenas com palavras
e discursos verbais, enquanto a imagem e a imagem em movimento que sai de nossos corpos é também conhecimento e solução global”.
Kiluanji acrescenta que “como artistas africanos que fazem parte da diáspora, devemos nos sentir livres para criar, respeitar nossas tradições e ancestrais, e também nos sentir livres para explorar ideias de futuro. Vejo falta de liberdade porque o mundo ocidental controla as narrativas e como eles querem ver os artistas. Os artistas querem ser artistas políticos, mas se fizerem surrealismo, podem encontrar um espaço na antropologia. O tio artista de Lucía [da Guiné Equatorial] na Espanha não está nos museus de arte espanhóis. Ele está em o museu de antropologia. Por quê? A ficção nos permite quebrar esse ciclo sem fim. Não apenas sobre o mercado, mas também sobre o público. O público tem uma expectativa do que quer ver na África. Como artista, não posso me tornar um espelho da realidade podemos quebrar o espelho, distorcer a imagem no espelho... Há uma série de conceitos:
a narrativa da réplica e a contra narrativa nos dão a possibilidade de contra-atacar. Não somos isso, somos aquilo.”
Concluindo, aponta que “apesar de ter um bom roteiro para uma história, a ficção continua me dando liberdade. Ao escrever, você tem o privilégio de mentir sem ser chamado de mentiroso. Você pode ficção. Comparo artistas com jornalistas: temos uma forma enorme de distribuir. Uma kalashnikov de ouro. Os artistas devem reconhecer sua capacidade de espalhar ideias. Admiro como o conhecimento ancestral foi preservado, mas não podemos ficar presos na ancestralidade. A diáspora africana tem uma relação estreita com a ficção científica. Com a abdução alienígena. Quando alguém é sequestrado de sua realidade e colocado em um lugar que lhe é estranho, isso faz de você um alienígena. Muitos de nós entendemos isso.”
NOS VEMOS? O QUE VEMOS? COMO VEMOS? O QUE NÃO VEMOS?
Bruno Duarte, cineasta brasileiro:
Bruno diz: “Marlon Riggs é alguém que usou parâmetros documentais para influenciar a maneira como ele quer falar sobre si mesmo. Da mesma forma, quero me colocar na frente da câmera. Ele falou sobre estereótipos e homossexuais negros vivendo nos Estados Unidos durante a pandemia de AIDS. Ele imaginou um futuro possível. E a negropolítica de Chinua Achebe? As pessoas não leem bem o livro. Seguimos criando cultura diante da luta. Estamos fazendo coisas incríveis e isso esconde nosso sofrimento. Sofremos e morremos por causa da política, mas continuamos produzindo e criando vida diante dela. Afro fabulação. A gente tenta empurrar as narrativas no Brasil... Acho que a gente tem que explorar a economia do storytelling. É bom que estejamos criando, mas para criar, onde está nossa infraestrutura, nossas organizações, nossos direitos de propriedade? Onde está o site com os revisores, autores etc.? Também temos que estabelecer um aspecto físico da narrativa. Da mesma forma esperamos poder desafiar os meios tradicionais de produção no mundo audiovisual”.
Bruno também mencionou o poder dos investimentos em produtos artísticos que são gerados e desenvolvidos naquelas áreas que chamamos de periféricas e com a população jovem. Liberar a criatividade e a inovação requer um novo olhar que entenda as diversidades pelas quais passam as populações afrodescendentes. Isso vai desde a questão da incidência, da geração de produtos com narrativas próprias e da circulação desses produtos.
Nesta conversa, a principal reflexão é entender o poder da imagem como uma dimensão chave da representação, uma composição intencional do visível e
uma chave que pode abrir a possibilidade de ação. Qual é a nova composição, o novo contexto que estamos tentando criar ou ressignificar? O que o futuro esconde? O que queremos esconder?
“ANTES DE TUDO, ME SINTO MUITO CONFORTÁVEL NESTE ESPAÇO. ÀS VEZES É
MUITO DIFÍCIL FAZER
ESTE TRABALHO, MAS
AGORA AQUI [COM O AFROINNOVA] SEI
QUE MUITAS OUTRAS PESSOAS [DE TODA A DIÁSPORA] ESTÃO
FALANDO SOBRE ESSAS COISAS”
CHAVE TRÊS: PRESENTE TECNOLÓGICO E FUTURO
A “Netflix”, entendida como benefício e acesso, parece ser o lugar onde todos esperam chegar. Mas é isso que realmente queremos? O conteúdo oferecido pela Netflix é curado por meio de um determinado modelo. Quando a Netflix lançou sua iniciativa de comprar e transmitir conteúdo africano, isso certamente foi comemorado no continente. Então ficou claro que eles estavam pensando no benefício que poderiam obter. Eles começaram a transmitir conteúdo produzido no padrão americano, através de lentes ocidentais. O tipo de drama que inclui muita ação e perseguições de carro ou melodrama, mas não reflete necessariamente as narrativas ou perspectivas africanas. Entendo e compartilho do desejo de exposição que essas plataformas podem proporcionar aos storytellers, mas devemos insistir em não cair em um determinado modelo. As bolsas da Netflix e da UNESCO para criadores de conteúdo e cineastas, bem como outras bolsas, oferecem oportunidades positivas e abrem caminho para toda uma nova geração de produtores. Mas você tem que entender que essas histórias convencionais são muitas vezes filtradas de maneiras que não criticam o status quo ou tocam em certas questões sociais ou políticas.
Também podemos usar nossa própria ação e espaços de trabalho para influenciar outros espaços ou criar novos. Se você for a uma editora da grande mídia com a intenção de lançar, digamos, um documentário africano, não será uma venda fácil. Teremos que criar novas narrativas a partir de dentro, usando a influência que temos, como nossas redes, como esse grupo.
Formatos de storytelling também são ferramentas para influenciar e enriquecer perspectivas. Se eu disser a um produtor que tenho material sobre o Congo, ele automaticamente assumirá que o conteúdo e o formato são intensos ou pesados, ou que segue um padrão específico frequentemente ligado a estereótipos. E se eu disser que é uma comédia? Eles podem ficar
surpresos ou interessados.
“Akasha”, dirigido por Hajooj Kuka, é um filme sobre um rebelde do Sudão que se apaixona por sua arma. A namorada dele fica com ciúmes. É uma comédia absurda sobre esse triângulo amoroso. No entanto, pode abordar questões sobre o absurdo ou crueldade da guerra, deslocamento e direitos humanos. Você pode falar sobre essas questões sem ser vitimista ou condescendente, e esse é um veículo muito útil para atingir o público, mas também os editores que, de outra forma, não aceitariam o conteúdo africano.
Salym Fayad refere a importância da gestão coletiva dos recursos como um dos desafios e tarefas da agenda da AFROINNOVA. “Em termos de redes de trabalho, há cada vez mais agentes interessados em investir em conteúdos audiovisuais no continente. Devemos saber identificá-los e promovê-los. Assim como existe um quem é quem entre os cineastas, também devemos gerar e identificar quem é quem entre os agentes de investimento. Devemos também ampliar o perfil dos realizadores e saber com que recursos eles podem aportar”.
Baff Akoto, reflexões sobre tecnologia e uma artísticaabordagem versátil
A partir dessa perspectiva inicial de identidade, Baff Akoto mergulhou na questão de onde os artistas negros são encapsulados em uma única arte. Nas suas palavras “...há momentos em que só nos é exigido estar no cinema ou na música ou na dança e até surgem questões que acabam por invalidar o nosso talento e obrigar-nos a falar de um só palco”. Deixou também em cima da mesa a questão da discussão entre arte e tecnologia na diáspora, identificando que esta prioridade pode representar um novo ponto de desfasamento entre as artes negras e as restantes. Referiu que “se queremos falar de inovação e de outro patamar na arte, não podemos voltar atrás e ignorar o papel da tecnologia como geradora de novos olhares, novos públicos e novas formas de fazer circular os produtos que envolvem e são criados a partir da diáspora “ .
Baff adicionado: “Como fazemos isso com a tecnologia? Não podemos ignorar a tecnologia. Há uma oportunidade no mundo da arte onde o criativo e o exploratório se unem por meio da tecnologia. Estou interessado em tecnologia emergente, especialmente em comparação com a mídia de comunicação tradicional mídia: notícias, cinema, televisão, dança e artes plásticas esses são ecossistemas e cadeias de valor bem definidos. Precisamos entender como um dólar investido retorna dinheiro para as partes interessadas. A atividade de P&D necessária para criar novas soluções é um dinheiro arriscado. Não há um ecossistema estabelecido, eles ainda estão sendo cultivados. Somos uma comunidade sub-capitalizada como uma diáspora. Da nação ao indivíduo. Você tem que mobilizar esses recursos e esse capital. Precisamos de um pipeline de P&D para que
os aplicativos se transformem em produtos.
Mais tarde, Baff observou que se “pensarmos sobre o que Bruno começou a falar, olharmos para os meios de produção. Na tradição marxista, trata-se de quem possui os meios, a capacidade. Como os diferentes tipos de capital podem se unir para criar uma plataforma? Queremos possuir nossa propriedade intelectual. Aqueles de nós que foram nutridos por ecossistemas precisam abrir mão disso e fazer a transição para um lugar onde possamos conversar com o capital privado que faça sentido para que possamos possuir nossa propriedade intelectual propriedade. Podemos definir uma agenda para isso? Para criativos negros falando sobre o continente e a diáspora, o diretor do Pantera Negra, Ryan Coogler, passou pelos ecossistemas de filmes iniciantes na América. Agora, a Disney financia sua empresa. Como você sai de um ecossistema para outra? As duas áreas têm que conversar e se unir. Nós, como profissionais, temos que saber o nosso lugar no mercado. Isso é o que você tem que descobrir. O que a Africa No Filter [organização de Moky Makura] faz. Em algum momento teremos que descobrir como navegar e negociar com a Netflix, por exemplo, e pensar em como podemos começar a negociar nossos próprios direitos. Precisamos nadar em um mundo comercial. Embora todos adorem a cultura negra, nossas comunidades são vistas como mais arriscadas. Do ponto de vista da agenda, deve haver mais reflexão e propósito por trás de como financiar e olhar para esses ecossistemas e encorajar essa empresa privada a entrar com capital, doador ou não. Sem antecedentes ainda. São apostas.”
“DEVEMOS GERAR VISÕES FILOSÓFICAS QUE DIALOGAM A PARTIR DESSA ÁFRICA QUE
TEMOS EM NOSSA
HISTÓRIA PESSOAL, E AS VISÕES COLETIVAS QUE NOS UNEM À ÁFRICA INDEPENDENTE DO LUGAR”
As reflexões de Graciela sobre a tecnologia e a diáspora africana
Graciela Selaimen aprofundou o tema da tecnologia na diáspora. O item da agenda tecnológica deve contemplar as novas formas como a tecnologia se desenvolve, segundo suas palavras: “...escrever um código é escrever o futuro. Quais são os futuros que queremos que esses códigos transcrevam? Se falarmos mais justiça e equidade, precisamos dos códigos para falar desse interesse”. Outra provocação que o painel gerou para Graciela é a forma como a tecnologia é utilizada para levar as discussões artísticas para as periferias, justamente porque a tecnologia deve conectar e estar a serviço da exploração: “Artistas e tecnólogos, muita coisa interessante. Mas esta multiplicidade de visões e camadas é uma agenda muito interessante para impulsionar o desenvolvimento, principalmente esse casamento entre arte e tecnologia que já existe, mas não com a intenção que queremos. Ter criativos negros e desenvolvedores de tecnologia e pessoas da indústria que eles possam ter esse diálogo ... uma interação muito interessante. “
Ao que já foi dito, ela acrescenta: “A tecnologia que temos que nos apropriar não é aquela que já está pronta. O que temos que nos apropriar é do desenvolvimento de nossas tecnologias porque elas são nosso futuro, nossa competitividade depende disso. Quanto às plataformas existentes, temos que nos lembrar das regras invisíveis, dos algoritmos. Você tem que
estudar a parte comercial, ver como esses algoritmos se comportam. Podemos nos fazer essas perguntas. Se os brancos veem o mesmo conteúdo que os negros. Quem recebe o conteúdo? Como esse algoritmo se comporta e quais mensagens ele transmite ou é importante transmitir? A tecnologia deve ser uma ponte e uma ferramenta para gerar conexões entre regiões, de forma a ampliar o conhecimento das soluções. Nas palavras de Biola “há tanto conhecimento, capital e talento que seria um erro continuar trabalhando de forma fechada e não gerar uma rede. Temos que acreditar em nós mesmos que temos o poder de atingir esse outro patamar de mudança.”
A VIAGEM CONTINUA, A SEGUNDA PARADA:
CALI E O PETRONIO ÁLVAREZ PACIFIC MUSIC FESTIVAL
Cali é a cidade da Colômbia com maior concentração de população afrodescendente e a segunda capital afrodescendente da América Latina depois de Salvador (Brasil). Cali é o epicentro urbano cosmopolita mais importante para os afrodescendentes na Colômbia. É também conhecida como a Capital da Salsa. O festival Petronio Álvarez leva o nome de um dos mais importantes músicos e compositores da marimba e de diferentes expressões musicais da costa do Pacífico. O festival é o maior e mais importante evento celebrativo da cultura negra na Colômbia, com mais de mil artistas no palco. Nesta versão, a Afrobrazil foi convidada de honra com Ike Aye e mais de 100 empresários brasileiros em um intercâmbio com a Feira Preta (sob a liderança de Adriana Barbosa, sócia da AfroInnova). Da mesma forma, entre os 325.000 participantes, uma homenagem especial foi prestada a Susana Baca, a maior figura da música afro-peruana. Todo um festival de artesanato, comida e bebidas tradicionais como o viche que foi criado em conjunto com mais de 1.300 expositores. Mais uma vez, emocionado, Kiluanji repetiu: “...é um milagre cultural que a música da marimba esteja mais viva na costa do Pacífico do que em Angola.”
O festival Petronio Álvarez é um exercício de democracia econômica cultural, já que as únicas bebidas permitidas e consumidas neste festival são bebidas artesanais como o Viche. Moda, comida, tudo fala da África. Muitas visões dessa coorte que esteve pela primeira vez na Colômbia colocaram uma pergunta contínua:
ONDE ELES ESTAVAM?
POR QUE NÃO OS VIMOS? POR QUE NÃO OS OUVIMOS?
CHAVE QUATRO: O MOVIMENTO QUE PRECISAMOS
Reflexões sobre o movimento dos movimentos
Do setor da dança, Rafael Palacios mencionou a volatilidade deste campo e o dilema que isso significa. Por um lado, o que as companhias de dança afro realmente querem desenvolver e, por outro, os temas e visões em que os patrocinadores querem investir. Nas palavras de Rafael: “A questão do próximo nível é como fazer essa trajetória na dança transcender, que não seja volátil, como fazer essa conversa incluir mais pessoas, não só os bailarinos, e nos permitir ver uma evolução real” .
Por outro lado, Rafael se concentrou na academia, colocando a questão: onde estão sendo formados os artistas negros? Além disso, destacou a necessidade de controlar o currículo e nosso legado para as gerações futuras, bem como a obrigação de criar mais espaços de intercâmbio diaspórico para destacar nossas próprias técnicas, filosofias e formas de dançar, pensar e praticar a cultura. Rafael diz que “devemos focar em uma vida de treinamento. Onde os artistas negros são formados? Sob qual abordagem? Então temos a liberdade de narrar sem que as estruturas ou a arte negra sejam rotuladas. Não estamos interessados em um rótulo “étnico”. Acho importante não impor condições a nós mesmos. Quero que tudo seja anticolonial e antirracista. Não posso esperar que todos os meus alunos façam arte com a minha perspectiva, mas gostaria que os artistas pudessem treinar com base em
parâmetros disruptivos diante de um mundo que está contra nós mesmos… Tudo o que é importante em nossas vidas como diáspora ainda não foi revelado, tem contado, tanto quanto histórias. Mas, temos que evitar o romantismo africano: que a “solução” está na África. Temos que equilibrar a educação eurocêntrica. Foi-nos negada a nossa educação africana. Devemos ter ferramentas diferentes para ver a nós mesmos. Não temos que procurar uma linha específica de criação, ficção, etc. O que estamos vivendo agora, é isso que temos para contar. A injustiça da vida para nós. Como nossas vidas felizes foram quebradas. Como contamos essas histórias?
A MENTIRA COMPLACENTE
Reunimo-nos para comemorar o 25º aniversário de Sankofa
A mentira complacente questiona os estereótipos que cercam as tradições afrodescendentes. Por meio de figurinos que enfatizam características corporais estereotipadas de homens e mulheres negros, os dançarinos revelam a sexualização e o exotismo como categorias exageradas que o olhar ocidental impôs sobre seus corpos, seja simbólica ou literalmente. Como resultado, o que se apresenta em cena é um corpo caricato que contraria a essência da cultura afrodescendente. Em um esforço para defender o direito de proteger o significado de nossas expressões artísticas e espirituais, insistimos em não ser representados, mas sim, auto representados na memória e na sabedoria de nossa comunidade.
CHAVE CINCO: COMO DISTRIBUÍMOS NOSSO CONTEÚDO?
Reflexões de Lucía Asué Mbomio Rubio sobre a comunicação
Em seu discurso, Lucía destacou que o próximo nível dessas comunicações que abordam as experiências e situações da diáspora é aquele que permite o reconhecimento de sua diversidade. Nas suas palavras, sustenta que “antes o problema era que não existíamos nas comunicações, agora o desafio é reconhecer que há diversidades e questões que nos fazem parte das sociedades... , sonhos e não nos permitem projetar-nos e dizer-nos de forma única Questões como a saúde mental, a migração e a representação da comunidade LGTBIQ+ não são apenas questões gerais, são também uma realidade da diáspora africana e a abordagem diferencial exigidos pela agenda que comunica e divulga esses contextos deve, entre muitas outras coisas, transcender.”
Sendo assim, é necessário nos perguntarmos, que tipo de histórias queremos compartilhar como africanos? Como capturar a agência? Lucía diz: “Minha [próxima] série da Netflix precisava de escritores negros, mas não havia escritores negros na Espanha. É muito caro estudar. Mas como abro portas para outros, escritores, produtores, equipes de maquiagem, clientes etc., eles podem abrir portas para mais”. Ao que acres-
centa que “então também temos que influenciar a formação de bolsas para minorias. Não só no campo universitário, mas nas instituições. O treinamento é importante para capacitar as pessoas. É fundamental renovar a linguagem, transformar a mídia local e comunitária e promover a ética jornalística em relação à comunidade afrodescendente. Não só é crucial mudar e moldar a forma como falamos sobre ‘minorias’ com todas as suas interseccionalidades, mas também como elas são retratadas nos noticiários e na mídia. A diáspora africana precisa e merece um melhor retrato e representação efetiva para promover mudanças positivas. A forma como você fala de alguém é muito poderosa, porque pode dignificá-lo ou degradá-lo.”
Reflexões sobre plataformas de distribuição
Edna Liliana ValenciaEdna Liliana afirma que o próximo nível das tecnologias de comunicação para a comunidade afro-diaspórica é gerar suas próprias plataformas transmídia. Diante disso, ela sustenta que “a tarefa pendente é que os conteúdos que produzimos também tenham como primeiro consumidor nossas comunidades, o equilíbrio de audiências é necessário no planejamento de conteúdos trans mídia”. Adicionalmente, considera a importância da estética negra que a imagem representa, entendendo que esta é parte fundamental da construção conceitual de como queremos nos ver. Essa preocupação se estende a outras áreas igualmente importantes, que requerem tratamento diferenciado. “Como inspirar as crianças se elas não podem ser vistas? A estética afro na representação audiovisual faz parte da espinha dorsal do conceito pelo qual nos movemos e fazemos produtos afro, sem detalhar o produto. novas identidades negras”.
Diante desses desafios e necessidades, ela diz: “Identifiquei três cenários possíveis para nossa entrada: (i) Plataformas que já existem — streaming, televisão, digital, impresso, etc. — ; (ii) Os que criamos como novos (iii) Jornalismo e a notícia. Mas, para começar, precisamos ter mais diversidade: precisamos de afros trabalhando nesses lugares com consciência. Pessoas justas com a nossa diáspora, que não se limitam a repetir as mensagens tradicionais do sistema. Quanto à mídia tradicional, precisamos de mudanças por dentro. E é importante que haja pessoas da diáspora africana falando sobre todas as questões, não apenas questões afro. Temos que nos envolver com os líderes da mídia. Diretores de festivais, Netflix, etc. Temos que nos reunir com os diretores e dar a eles razões convincentes para diversificar e maneiras de vendê-lo. Não é apenas uma abordagem filantrópica.”
Posto isto, e projetando o cenário para o campo das ações possíveis, afirma que “podemos constituir uma Direção, um grupo de pessoas brilhantes da afro-diáspora, dirigido por alguém que tenha boa vontade internacional. Para que depois, juntos, a partir de nossos diferentes perfis e realizações, possamos sair e nos dirigir aos líderes da mídia e das plataformas. Sozinhos, ficaremos isolados dentro do sistema, mas se formos juntos como a AfroInnova Comunicação, por exemplo, podemos dizer: “é por isso que eles deveriam fazer essas histórias, e assim eles vão ganhar dinheiro com elas, e esses são os criadores que eles poderiam usar”. Nos apresentamos como uma consultoria. Os patrocinadores são uma forma de nos ajudar a produzir... Dentro da Diretoria poderíamos ter especialidades. Salym para festivais. Lucía e Edna para a mídia. Podemos ir ao Netflix, Disney Plus como um quadro. Como um grupo. Assim, podemos trazer uma abordagem condensada para fazer conteúdo, nos reunir e dizer por que essas histórias são boas. Podemos chamar sua atenção coletivamente para que as propostas sejam ouvidas. E sobre ser uma plataforma de comunicação, poderíamos ser uma consultoria com plataforma própria, podemos divulgar nosso conteúdo e oferecer consultoria. O livro sobre AfroInnova, olha esse é o grupo mais importante da diáspora afro. Nós podemos fazer isso juntos. Mais coortes AfroInnova serão formadas.”
“COMO INSPIRAR AS CRIANÇAS SE ELAS NÃO PODEM SER VISTAS?
CHAVES SEIS E SETE: O CAPITAL E A ESTRATÉGIA
Biola Alabi reflete sobre como tornar isso possível
Há um lugar para todas essas coisas coexistirem. A experiência de ninguém pode ser descartada. Como criamos mais lugares para essas coisas existirem e para que nossas histórias sejam monetizadas? Não há capital suficiente fluindo para as plataformas que contam nossa história. As plataformas perguntam qual é o tamanho da sua diáspora: Quão local e quão global é? Do lado africano, do ponto de vista dos streamers, quando eles acham que não vão atrair atenção suficiente, eles querem se concentrar na Índia. Mas há um bilhão de indianos em um país com uma moeda. A Netflix diz que não tem tempo para 54 países/moedas. Então, como vocês trabalham juntos para falar com as plataformas? É isso que plataformas como o AfroInnova podem fazer. O Pantera Negra foi global desde o início, então sei onde está esse público. Do ponto de vista do capital, temos que dizer a eles onde está o público e qual é o seu poder aquisitivo. Pessoas como Moky podem começar a ver o desempenho das histórias nas quais investem. Isso é treinamento econômico.
Temos que trabalhar em plataformas de distribuição, capital, propriedade e [criativos negros] possuindo o trabalho que criam. Temos que equipar as pessoas com essas habilidades, entrar nessas salas, ter
essas conversas, como dizer às pessoas para quais tipos de funções precisamos de treinamento. Existem maneiras de criar uma plataforma como esta para dizer ao Google, Netflix, etc. que esses são os tipos de histórias que queremos contar?”
A empresa afropolitan arrecadou US$ 2,1 milhões para “criar uma nova nação” que pode transcender. Eles chegarão ao mercado novamente. Mas não é da lente tradicional de um criativo “É pelas lentes de uma plataforma de tecnologia criada para todos. Os criativos terão um espaço aqui, mas a base é a tecnologia. Às vezes, é uma questão de qual entrada de mercado você usa. Poderíamos reconsiderar a entrada: primeiro a tecnologia, depois os clientes.” É sobre como nós contratamos capital.”
Graciela Selainen acrescenta algumas considerações finais
Em sua apresentação, Graciela destacou que o próximo nível de colaboração estratégica deve ser definido a partir de um conceito sistêmico, onde se reconhece a importância de mudar as narrativas dentro de um sistema. No entanto, é igualmente importante compreender a estrutura existente, ver como funciona e o que cada um dos atores contribui para não repetir os erros do passado e evoluir. Uma das reflexões centrais de Graciela se baseia no papel que os espaços coletivos têm de ouvir, contemplar, sentir, imaginar e interligar essas visões da diáspora africana, porque essa é a solução. O sistema existente tem algumas brechas que o poder coletivo pode corrigir
Respondendo ao que é esse outro nível que a liderança africana e da diáspora precisa, Graciela mencionou a necessidade de encontrar um ponto ideal entre a mídia e o uso da tecnologia. Em primeiro lugar, é importante entender qual lente ou imagem você deseja tornar visível. E pelo exposto, é preciso tornar visíveis as histórias reais da população negra, entender que existem contextos complexos, mas também contextos de desenvolvimento, sucesso e talento na população. Por outro lado, existe a importância de investir em pessoas com visão. Investir nas mulheres e nos jovens é vital pelas pautas que essas populações estão passando e pelo olhar crítico e futurista que as soluções locais precisam com a população das comunidades.
Finalmente, falamos sobre essas grandes plataformas de streaming. É importante ter esse treinamento para que as pessoas
entendam os papéis. É essencial criar um espaço para fazê-lo coletivamente. E é sempre importante entender as relações com o poder. O trabalho associativo para criar essas relações é muito importante. E algo mais sobre as plataformas: há portas que precisam ser abertas para alcançar todos que estão dentro. E temos que conversar com os mercados. Eles são desregulados ou minimamente regulamentados. Existe a possibilidade de intervenção. No Brasil, por exemplo, há uma luta histórica da sociedade civil. Os criativos negros podem trabalhar para garantir conteúdo e acesso a fundos públicos. Muito dinheiro continua indo para os mesmos atores de elite. Precisamos mudar essas regras, redistribuir, do ponto de vista legislativo. Não só têm recursos garantidos, mas também a legislação correspondente. Garantir a criação de conteúdo por negros e nativos.
“...É POR ISSO QUE FICÇÃO E IMAGINAÇÃO SÃO IMPORTANTES EM UMA REALIDADE EM QUE A
Rafael Murta e sua sistêmicaabordagem
Rafael destacou a importância de entender a arte como uma forma mais profunda de compreender as narrativas negras e contribuir para a alfabetização racial que a população negra necessita, ação que envolve não só a população afro, mas também o restante do sistema. Em suas palavras, ele diz que “... não apenas dentro de nós, mas nas outras lógicas que fazem parte do sistema... o setor privado e os governos devem acessar essas novas narrativas.”
Da mesma forma, Rafael destacou a necessidade de gerar um curso de ação que possa levar a uma mudança real no futuro. Diante disso, ele aponta que, antes de tudo, da advocacia política há dois pontos principais nos quais devemos continuar trabalhando e criando massa crítica: por um lado, na parte fiscal (política de investimentos e gastos públicos) e , por outro, na justiça. Em segundo lugar, é preciso investir na geração de uma rede com lideranças mais diversificadas dentro das comunidades negras para concretizar agendas de ações setorizadas: mulheres, juventude, saúde pública, empreendedorismo, setor cultural, entre outros. Para isso, Rafael desenhou um mapa conceitual que aborda a questão do racismo estrutural no Brasil, descrevendo o sistema e propondo uma alternativa para quebrar o fluxo que perpetua a discriminação e alienação das comunidades negras.
Para descrever como foi desenhada uma cadeia produtiva para novos artistas, Rafael construiu um mapa do que queremos mudar. “Temos dois pontos em debate sobre a narrativa, dois pontos de representação”, diz Rafael. Ao que acrescenta que “como a África/ diáspora é representada pelos outros, e como o mundo entende esta África. Além de um espaço para uma ideia. Como valores. Como uma história. Isso é fundamental. É algo que todos nós precisamos trazer para o trabalho. Temos que ser capazes de criar uma nova perspectiva/narrativa. Como conseguimos representação entre a diáspora e o continente? Com esses valores de grupo e a história que compartilhamos? E esse acesso que compartilhamos nesta sala?” E acrescenta: “Também existe a possibilidade de coproduzir, de levar as coisas para a África/diáspora, de construir coletivamente. Acima de tudo para todos nós. E não só olhando para os Estados Unidos ou para a Europa. Mas a possibilidade e a importante reflexão sobre o contexto de si mesmo.”
A isto acrescenta: “Temos problemas fronteiriços, problemas linguísticos em toda a diáspora. Mas existem outras formas de comunicação. Vamos pensar em festivais, para aproximar as pessoas da diáspora africana. , comida, dança, formas de se relacionar e formas de linguagem além das palavras. Atravessando fronteiras independente das diferenças linguísticas. Como conhecemos fisicamente os espaços? Como posso conhecer a África do Brasil? Como quem conhece o Brasil sabe viver na África? Pense no turismo. Uma demanda para que a diáspora veja a África e para que os africanos vejam a diáspora. E quanto às possibilidades digitais para aprender mais? Pense em realidade virtual para colocar as crianças na África Indo para Camarões com Gilbert daqui. Aprendendo sobre isso. Aprendendo porque este lugar ou isso é importante, principalmente para a diáspora. Que tal um guia virtual para jovens? E outras possibilidades de conexão linguís-
tica afro-diaspórica com o mundo. Claro, precisamos produzir narrativas e conteúdos consistentes. Precisamos de produtores. Como podemos criar espaços de produção? Como podemos ter um roteiro para essas pessoas produzirem conteúdos que possam nos representar para o mundo? Pense em uma nova narrativa de produção: produzir conhecimento, pesquisa, dados. E precisamos produzir dados para que, quando contarmos as histórias, os personagens realmente venham da verdade.
Para finalizar, Rafael aponta que “...também é muito importante pensar em como conseguir dinheiro para produzir essas coisas e como a gente consegue mais negros na cadeia produtiva. É muito importante entender o público. Estamos formando jovens líderes. Não se trata apenas de criar espaços para que continuem produzindo, mas de transformá-los em futuros líderes. Precisamos de ações a curto, médio e longo prazo. Como podemos estimular uma maior produção nos jovens? Precisamos de novas políticas públicas”. Além disso, Rafael sintetizou neste segundo mapa, uma alternativa para criar um marco de mudança e estimular os integrantes do AfroInnova a pensar em um novo sistema e construir novas estruturas. As questões que norteiam esta reflexão, fundamentalmente, São elas: Como é a nova estrutura ou estruturas? Como podemos estabelecer um novo sistema? Como nosso trabalho se conecta? Como podemos nos fortalecer como líderes?
No momento final desta seção, Graciela reflete sobre as ilhas de sanidade que precisamos e os recipientes para nosso equilíbrio pessoal e profissional. O final da sessão é uma dinâmica de grupo conectando nossas mãos e olhando nos olhos um do outro, dizendo: eu preciso de você.
UM LÍDER GLOBAL QUE ABRE PORTAS:
UM DIÁLOGO
APROFUNDADO COM
DARREN WALKER
Darren Walker é o presidente da Fundação Ford e tem sido uma figura importante nas artes e na filantropia. Por isso, esse diálogo girou em torno dos campos das narrativas e das estruturas e estratégias para um protagonismo global dos afrodescendentes por meio das artes. O espaço foi construído em torno das seguintes questões: Algumas portas se fecham, outras se abrem e até algumas fechaduras mudam? Podemos encontrar ou fazer novas chaves? Darren Walker, como grande estrategista com visão global e profundo conhecedor de arte, trouxe uma importante reflexão que surge da visão do próximo nível de gestão das ações das populações africanas e afrodescendentes; além da evolução da filantropia e das formas como ela se insere nessa tarefa conjunta. Os líderes da AfroInnova compartilharam a essência de seu trabalho, expuseram os desafios e as conquistas da diáspora no mundo e, em particular, na Colômbia, cenário em que é possível tecer uma grande rede e gerenciar conexões efetivas. Com base nas reflexões de Darren Walker sobre a importância das artes e da cultura, os membros do AfroInnova compartilharam suas visões e compromisso de continuar trabalhando para o futuro com, de, para e para comunidades que foram historicamente excluídas.
REFLEXÕES DE DARREN WALKER QUE GUIARAM A CONVERSA COM OS MEMBROS DO AFROINNOVA
As artes e as humanidades abordam um tipo de pobreza que vai além do dinheiro: uma pobreza de imaginação. Eu ouço as palavras que os líderes usam para descrever outros seres humanos. Eu olho para aqueles líderes e digo: essa é uma pessoa que claramente nunca leu poesia, não teve esse músculo da empatia desenvolvido. Esse músculo só é desenvolvido através da experiência das artes e humanidades. Não reconhecem que as artes não são um privilégio. As artes são o coração pulsante da nossa humanidade e a alma da nossa civilização, um milagre que todos merecemos testemunhar. O que precisamos hoje é compaixão, amor e graça. Isso é o que nos fará passar por este momento. Podemos imaginar um mundo melhor? É isso que espero de todos nós. E é isso que as artes podem nos ajudar a fazer. Muitos de nossos países (Estados Unidos, Colômbia ou Brasil) infelizmente se dedicaram a excluir especialmente a arte e a cultura e as histórias dos afrodescendentes.
As artes mudaram minha vida. Eles me infundiram o poder de
imaginar, o poder de sonhar e o poder de saber que eu poderia me expressar com dignidade, beleza e graça. As artes têm o poder de abrir nossos corações e mentes, para nos ajudar a imaginar novas possibilidades para nós mesmos e para o mundo. Os artistas veem o que os outros não veem ou o que os outros se recusam a ver. Eles veem o que poderia ser. É por isso que as artes e os artistas, como muitos de vocês, são tão importantes. E assim uma vida nas artes, e informada pelas artes, não é um luxo frívolo ou uma busca egoísta, mas uma necessidade. Porque as artes permitem-nos sonhar com futuros que ainda não existem e permitem-nos criálos. E cultivam em nós a empatia, a compreensão da experiência humana, da nossa dignidade e potencial comuns, que é a semente da esperança. O que podemos aprender com essas experiências (com as artes) é a empatia. Desenvolvemos o músculo da empatia que nos permite ver a humanidade nas outras pessoas. Coloque-se no lugar deles, imagine como deve ser a sensação de ser marginalizado, despojado, desprezado e ignorado.
Darren compartilhou a experiência de Simone Leigh e do pavilhão dos Estados Unidos na Bienal de Veneza. Ali, graças ao papel fundamental da filantropia, a conjuntura atual e sua dimensão histórica foram reconhecidas como um momento propício para que as artistas negras ocupassem um lugar de vanguarda nos principais espaços das artes visuais no mundo. Ao mesmo tempo, partilhou o papel da Fundação Ford na diversificação do panorama dos curadores e gestores em museus, para estabelecer as suas práticas que motivam a abertura de portas e espaços, a partir de uma abordagem sistémica, como práticas que devem ser replicadas. Da mesma forma, ele compartilhou a experiência do fundo Art for Justice , uma ação filantrópica que, ao criar um fundo financeiro por meio da doação de obras de arte, visa apoiar a situação crítica do encarceramento em massa nos EUA.
Reconhecer-se na história do outro
Após o almoço de trabalho com Darren Walker, foi hora de trabalhar em duplas e falar sobre os momentos de sua vida que o trouxeram até aqui. Chegou a hora de nos reconhecermos, de nos reconhecermos. Graciela Selaimen destaca que “todos nós aqui temos momentos, histórias em nossas vidas onde a interação com pessoas específicas e situações específicas nos levam a este momento presente. E é por isso que essas histórias nos constroem e competem com todos
nós”. a oportunidade para que os integrantes do AfroInnova, a partir do diálogo próximo, se conheçam e reconheçam as experiências individuais dos demais integrantes do grupo. Para Gilbert, um dos principais aprendizados desse exercício foi reconhecer e vincular compatibilidades com seus pares, não apenas dos objetivos que todos compartilham em relação à equidade racial, mas também das lacunas ou momentos que os fizeram sair de sua zona de conforto para seguir em frente e criar novas ideias. Por outro lado, com base em sua experiência pessoal, Bruno Duarte refletiu sobre a importância de reconhecer e verbalizar a existência de uma cultura do silêncio das experiências, referindo que “é como se, por fazermos parte de uma comunidade, tivéssemos de falar destas questões, mas na realidade são situações específicas que nos levam até aqui Trabalhando pela Equidade Racial”. A reflexão de Bruno desencadeou uma reflexão coletiva dos membros do AfroInnova apontando que como comunidades negras e graças à complexidade de cenários e contextos, um sentimento de solidão é criado em nossas histórias que impacta significativamente nossa autoestima, mas que, por fim, motiva espaços de reivindicação, reparação e compensação que emergem de cada uma das coisas que ficam pendentes de serem ditas.
PALAVRAS QUE DEFINIRAM ESSE
MOMENTO: CONEXÃO, DIÁSPORA, AFETO, COMUNIDADE, IRMANDADE, RESILIÊNCIA, COMPANHIA, HISTÓRIA, EQUILÍBRIO.
NOSSAS CONCLUSÕES
AGENDA DA AFROINNOVA PARA A
COMEMORAÇÃO DOS SEUS 10 ANOS (2015-2025)
O especialista do AfroInnova, Rafael Murta, resumiu os interesses, trabalho e habilidades deste grupo
A ESTRATÉGIA, PARA ONDE VAMOS?
Como um polvo, o AfroInnova desempenha um papel onde tem muitos tentáculos. Após debater quais são os temas prioritários para a conexão, o grupo AfroInnova definiu as quatro linhas de sua agenda estratégica.
NAS PALAVRAS DE PAULA MORENO
“...É UMA AGENDA FUNCIONAL PARA NÓS QUE, COMO EQUIPA, QUEREMOS GERAR TRANSFORMAÇÕES, MAS SERVE TAMBÉM PARA AS NOSSAS AGENDAS PESSOAIS E COMPROMISSOS INDIVIDUAIS...”
ARTE E
TECNOLOGIA:
Entendendo que durante todas as conversas, o grupo AfroInnova concebeu sobre o próximo patamar das artes na África e na diáspora tendo a tecnologia como protagonista principal para a busca pela possibilidade de fechar lacunas e criar novos modelos de produção.
Miembros:
Baff + Graciela + Biola + Bruno
CONCLUSÕES DESTE GRUPO
Existe um desafio fundamental nesta união de artes e tecnologia. Um desafio que nos apresenta uma alternativa para entrar nos algoritmos dos canais e mídias que veiculam a produção artística e cultural. A agenda desta interseção deve contemplar quais são os principais atores que permitem ao continente e à diáspora utilizar a tecnologia como aliada disruptiva na criação e também na divulgação de obras de interesse artístico e cultural.
FICÇÃO:
Quais são as histórias, imagens e movimentos que nos conectam? Essa é a pergunta que demarca a relevância de se falar sobre esse aspecto. Os membros do AfroInnova têm claro que existem alguns conteúdos chave que unem o continente africano com a diáspora, o desafio é encontrar um ponto atrativo que gere sua conexão de forma mais natural, além de colocar em perspectiva a importância de funcionar como um reflexo de públicos interessados em se envolver em produções culturais.
Membros: Gilbert + Kiluanji + Rafael Palacios
Miembros:
Gilbert + Kiluanji + Rafael Palacios
CONCLUSÕES DESTE GRUPO
É preciso unir esforços para que as conexões entre o continente e a diáspora não sejam apenas do ancestral, haja também um presente e um futuro que possam uni-los. Esse presente e futuro é o que nos permite entender porque lemos hoje, porque nos apoiamos em obras artísticas e audiovisuais. Como artistas e criadores culturais, devemos ter um equilíbrio entre os públicos estratégicos e aqueles que nós, como criadores, queremos atingir. Nesse sentido, embora não se trate de perder a essência e a intenção dos produtos, é importante dialogar com os atores estratégicos. A interdisciplinaridade tem de ser um plus que identifica o trabalho dos artistas e criadores culturais do continente e da diáspora. Classificar a arte de uma pessoa em uma única técnica fecha a imaginação e a capacidade de gerar novas formas de fazer e resolver. A ficção dá liberdade para criar e devemos continuar explorando. A agenda global e o interesse dos investidores estão nessas ideias e tendências inovadoras, e é por isso que a ficção deve estar na agenda de produção das comunidades negras. Muita realidade nos bloqueia, o presente é muito presente.
REPRESENTAÇÃO E LIDERANÇA SISTÊMICA:
O que são ecossistemas de cuidado? Qual é a taxa de câmbio que precisamos? Que tipo de liderança são os ideais para este momento e futuro que estamos propondo? Estas são as questões que motivam esta seção da agenda.
Miembros:
Moky Makura + Rafael Murta
CONCLUSÕES DESTE GRUPO
A representação importa e é eficaz desde que a pessoa que ocupa esse novo cargo de poder esteja acompanhada dos seus. É importante entender e aprofundar as redes de apoio que as lideranças possuem, não só da comunidade, mas também de apoio estratégico. Sistemicamente, é importante entender o papel de todos como sujeitos políticos. É necessário desenvolver um percurso crítico de ações que, a partir do campo artístico e cultural, possam gerar incidência. Já existem alguns caminhos percorridos, mas a ação disruptiva é algo que precisa de reflexão constante para que chame sempre a atenção, seja relevante e tenha impacto. É preciso gerar um mecanismo que permita a cada ator estratégico identificar suas esferas de influência. A liderança sistêmica passa pelo reconhecimento de meios próprios de influência e acompanhamento em uma agenda específica. Tanto no continente quanto na diáspora, ainda é fundamental gerar uma massa crítica que entenda a lógica do mercado e a gestão das políticas públicas. Os fundos públicos e privados ainda têm uma grande fragilidade para compreender as condições de acesso e benefício da inclusão de artistas e criadores culturais negros.
DISTRIBUIÇÃO/ CIRCULAÇÃO E PLATAFORMAS:
REPRESENTATION AND SYSTEMIC LEADERSHIP:
Esta linha surge da consciencialização dos efeitos deixados pela pandemia relativamente aos espaços de circulação, distribuição e divulgação de produtos artísticos e culturais. As principais questões que surgem são: Como os recursos são convertidos nas novas formas? Como estamos estratégicos em meio a esse cenário pós-pandemia para conteúdos circulares? Como saímos das margens com uma mentalidade de maior alcance?
Membros:
Edna Liliana + Lucia + Salym
CONCLUSÕES DESTE GRUPO
Foram identificados três cenários. A primeira são as plataformas que já existem e fazem sucesso, com públicos diversos que esperam conteúdo contínuo. Em segundo lugar, existem as pessoas que criam novos conteúdos e, mesmo que sejam novos, têm uma rede de apoio que lhes permite divulgá-los. Finalmente, há a comunicação jornalística. É de suma importância ter sempre pessoas do continente e da diáspora para cargos de assessoria em diversidade e inclusão. Isso é fundamental, pois é necessária uma massa crítica de pessoas africanas e/ou da diáspora na frente e atrás das câmeras, no roteiro, cenografia, conceito e suas fontes de verificação. As questões, então, são em quais áreas essa massa crítica deve ser formada? Quais são as reais oportunidades acadêmicas que você tem para desenvolver?
O CAPITAL COMO EIXO TRANSVERSAL DE TODAS AS LINHAS ANTERIORES
Os membros da AfroInnova coincidem em entender o capital a partir da gestão e uso estratégico dos recursos. Desta forma, é preciso considerar que cada linha estratégica contempla um olhar sobre o capital e todos os recursos que cada membro tem à disposição para enfrentar os novos apelos à ação que surgem de iniciativas como o AfroInnova.
CONCLUSÕES DESTE GRUPO
A estratégia do capital que se gere, e que se deve estender a todo o continente africano e à diáspora que daí emerge, deve centrar-se no respeito pela propriedade intelectual das produções. O principal desafio decorre das formas como devemos construir nossa agenda narrativa, pois disso depende a possibilidade de estabelecer relações significativas com o setor privado a partir de nossos próprios termos de criação e uso. Então, como aprendemos a negociar e ser relevantes neste campo? A economia da narrativa é fundamental. Da mesma forma, uma parte importante da gestão e investimento de recursos deve estar concentrada na criação de infraestrutura, de espaços físicos que permitam que as produções apresentadas tenham suporte para garantir sua qualidade e sua circulação efetiva.
ENCERRAMENTO: EU PRECISO DE VOCÊ, NÓS PRECISAMOS UM DO OUTRO
Como ato simbólico de encerramento, foi realizada uma atividade que consistiu na entrega do distintivo e chave AfroInnova com palavras que simbolizassem o compromisso que assumimos. Um abraço e um desejo com chave que esperamos que abra muitas portas até ao regresso já não é palavra necessária, porque na realidade estamos unidos.
NOSSOS MAIS PROFUNDOS AGRADECIMENTOS ÀS ORGANIZAÇÕESLOCAISPARCEIRAS
Fundação Tumac (Tumaco)
Grupo musical Plu con Pla (Tumaco)
ACOP - Agência de Comunicações do Pacífico (Tumaco)
Escola Oficina (Tumaco)
Fundação Changó (Tumaco)
Casa da Memória (Tumaco)
Coletivo do Mar a la Olla (Tumaco)
Petronio Alvarez Festival (Cali)
Sankofa Danzafro (Cali)
Fundação Catanga
@afroinnova @afroinnovaglobal
Esta reunião foi realizada graças ao apoio de: Warner Music Group / Blavatnik Family Foundation
Social Justice Fund e Ford Foundation