NÓS SOMOS A PAISAGEM Como interpretar a Convenção Europeia da Paisagem
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{tradução adaptada} versão portuguesa © MAPa2012
Texto: Sara Di Maio e Cecilia Berengo em colaboração com Riccardo Priore e Damiano Gallà
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MAPa2012
SETEMBRO, 2011
ÍNDICE INTRODUÇÃO O que é a paisagem?................................................................................................................................1 Uma paisagem em 4000 fotos .................................................................................................................2 COMO PERCEBEMOS A PAISAGEM Algo que nasce e se transforma ..............................................................................................................3 Algumas ideias sobre o verbo “perceber” ...............................................................................................3 Paisagem, panorama ou meio? ...............................................................................................................5 O que é a paisagem?................................................................................................................................6 Porque é importante a paisagem? ..........................................................................................................7 QUEM DEFENDE A PAISAGEM? Uma legislação para a Europa .................................................................................................................9 A Convenção Europeia da Paisagem......................................................................................................10 Algo mais do que um postal ..................................................................................................................11 O Conselho da Europa ...........................................................................................................................11 A PAISAGEM É COMO O AR QUE RESPIRAMOS Paisagens excepcionais e paisagens quotidianas ..................................................................................13 As redes europeias encarregadas da aplicação da Convenção Europeia da Paisagem .........................14 Todos desempenhamos um papel.........................................................................................................15 Muitas histórias e muitos protagonistas ...............................................................................................16 Firmeza, utilidade e beleza ....................................................................................................................16 AS REGRAS DO JOGO Construirmos o futuro ...........................................................................................................................19 A qualidade da paisagem.......................................................................................................................19 Um desenvolvimento sustentável .........................................................................................................20 COMO PODEMOS PARTICIPAR? O princípio de subsidiariedade ..............................................................................................................22 Conclusões.............................................................................................................................................22 CONVENÇÃO EUROPEIA DA PAISAGEM Preâmbulo .............................................................................................................................................24 CAPÍTULO I.............................................................................................................................................25 Disposições gerais..................................................................................................................................25 CAPÍTULO II............................................................................................................................................26 Medidas nacionais .................................................................................................................................26 CAPÍTULO III...........................................................................................................................................28 Cooperação europeia ............................................................................................................................28 CAPÍTULO IV...........................................................................................................................................30 Disposições finais...................................................................................................................................30 NÃO ME APETECE LER… VOU VER UM FILME Paisagem e Sociedade ...........................................................................................................................34 Paisagens Quotidianas...........................................................................................................................34 A Celebração da Paisagem.....................................................................................................................35 Documentários ......................................................................................................................................36 Referências Bibliográficas......................................................................................................................37 Referências a páginas da web................................................................................................................37
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INTRODUÇÃO
O que é a paisagem?
A paisagem… Não há dúvida que é uma palavra que ouvimos muitas vezes, uma palavra que podemos dizer que conhecemos… mas saberíamos responder à pergunta “O que é uma paisagem?” Ainda que pareça fácil, não é. Porém, não há dia em que não nos relacionemos com ela. A paisagem é aquilo que vemos cada manhã ao sair de casa, a caminho da escola, quando vamos a algum lado de carro ou de autocarro. Esse percurso que fazemos todos os dias insere-se inevitavelmente numa paisagem. E não só. O que vemos quando olhamos pela janela do nosso quarto? Edifícios, ruas, árvores, jardins, fábricas, monumentos, construções, guindastes, pessoas, automóveis, a linha do comboio… Paremos um instante a observar e a reflectir sobre o que temos diante de nós. Tudo isso é a paisagem! Se repararmos no que está à nossa volta, percebermos que estamos rodeados de paisagens, algumas de uma beleza excepcional, outras degradadas ou abandonadas. Quer seja uma paisagem silenciosa de campos cultivados, uma paisagem caótica de uma zona industrial periférica, ou as ruas barulhentas e cheias gente do centro da cidade, é sempre um caso complexo em que a natureza fornece a matéria prima e os humanos modificam-na e enriquecem-na ao longo da história. O ser humano é quem introduz as mudanças mais profundas no meio que habita, ao longo dos anos. Passa-se mais ou menos o mesmo com o nosso quarto, que no fim de contas não deixa de ser uma “mini-paisagem”, com os seus móveis e objectos. Quantas vezes mudaste de lugar os posters da parede do teu quarto, ou os objectos que tens no teu escritório? Alguns desses objectos, os mais pesados e difíceis de mover, ficam mais tempo no mesmo sítio (é possível que os tenhas desde sempre e que os vejas como objectos especialmente vinculados a ti); outros vão e vêm; e outros vão-se acumulando como partes visíveis do tempo que vai passando. O mesmo acontece com as rochas, cuja idade os cientistas podem calcular observando a forma como se deslocam ou variam os seus elementos com o tempo. Resumindo, a primeira coisa que podemos dizer sobre a paisagem é que ela é independente do lugar onde fixamos o nosso olhar – nos pequenos espaços da vida quotidiana ou nos grandes cenários da nossa cidade, dos nossos campos, das nossas montanhas ou das nossas costas – o território que nos rodeia vai sempre oferecer-nos uma paisagem. Essa paisagem, por vezes vai agradar-nos, fascinar-nos, animar-nos, e outras vezes vai aborrecer-nos ou desiludir-nos; ou então, pode ser uma paisagem que não nos diga absolutamente nada e nos deixe indiferentes. Podemos começar esta pequena viagem através da paisagem e dos seus significados, com vontade de compreender porquê e como acontece tudo isto.
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Uma paisagem em 4000 fotos
Estamos em Nova Iorque, no coração do Brooklyn. Os escritores Auggie (Harvey Keitel) e Paul (William Hurt) sentam-se numa mesa. Auggie está a mostrar a Paul um álbum com 4000 fotografias, tiradas dia após dia, em que se vê a esquina oposta ao local onde os dois amigos se encontram. Este fragmento de conversa é em grande parte inspirado numa das cenas do filme “Fumo” (Smoke, 1995), do realizador Wayne Wang.
Paul: [Incrédulo] São todas iguais… Auggie: [Sorridente, com orgulho.] Exacto. Mais de quatro mil fotografias do mesmo sítio: a esquina entre a terceira rua e a sétima avenida às oito da manhã. Quatro mil dias seguidos, com todo o tipo de estado de tempo… …Por isso nunca posso tirar férias. Tenho de estar aqui todas as manhãs. Todas as manhãs, no mesmo lugar, à mesma hora. Paul: [Atónito, folheando uma página a seguir à outra.] Nunca vi nada assim. Auggie: É o meu projecto. Poderíamos chamá-lo de trabalho de uma vida. Paul: [Pousa o álbum e pega noutro. Passa as páginas e vê que é mais do mesmo. Desconcertado, abana a cabeça.] Impressionante! Mas não sei se entendo muito bem… Quer dizer, como é que te lembraste de fazer isto… deste projecto? Auggie: Não sei, surgiu. Afinal, esta é a minha esquina. É só uma pequena parte do mundo, mas aqui também se passam coisas, exactamente como em qualquer outro lugar. É um testemunho do meu pequeno sítio. Paul: [Passa as folhas do e abana outra vez a cabeça.] A verdade é que impressiona… Auggie: [Continua, sorrindo.] Nunca vais perceber se não abrandas, meu amigo! Paul: O que queres dizer? Auggie: Quero dizer que vais demasiado rápido. Mal olhas para as imagens… Paul: Mas são todas iguais! Auggie: São todas iguais, mas cada uma é diferente da outra. Há manhãs claras e manhãs escuras; a luz do Verão e a luz do Outono; dias da semana e de fim-de-semana; pessoas com gabardines e galochas e pessoas calções e t-shirt. Às vezes são as mesmas pessoas, às vezes são outras. Por vezes as que são outras, transformam-se nas mesmas e as mesmas desaparecem. A terra gira à volta do sol, e cada dia a luz do sol bate sobre a terra de um ângulo diferente. Paul: [Levanta os olhos do álbum e olha para Auggie.] Abrandar, hã? Auggie: Essa é a minha recomendação. Tu sabes, amanhã, amanhã, amanha… O tempo passa no seu ritmo lento.
As fotos que Auggie tirou parecem todas iguais porque reproduzem diariamente o mesmo lugar, mas na realidade cada uma apresenta algo de diferente: as estações, as pessoas, os sinais do tempo, as modificações trazidas pelo passar dos anos… A esquina fotografada por Auggie é um recanto anónimo da cidade, um lugar sem nenhum valor especial ou significado aparente. Porém, é também uma paisagem, uma paisagem humana rica.
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COMO PERCEBEMOS A PAISAGEM
Algo que nasce e se transforma
“A paisagem é uma entidade viva que muda com o tempo (…). Nasce, desenvolve-se e morre, depois de passar por períodos de feliz prosperidade, por longas épocas de estagnação, por crises inesperadas, por momentos de êxtase e catástrofe. É afectada pela tradição, pelas reformas, pelas revoluções, e a comunidade que a habita reconhece-se nela como um texto em perpétua mudança.” As palavras de Franco Zagari, um arquitecto estudioso da paisagem, podem parecer difíceis, mas transmitem uma ideia-chave: a paisagem é um texto. Um texto em continua evolução. A paisagem, na realidade, consiste na combinação de muitos elementos e, ao mesmo tempo, numa única entidade. É um pouco como a nossa linguagem, que é composta por muitas frases, cada uma delas formada por uma série de palavras: artigos, verbos, substantivos, preposições, adjectivos… Cada uma destas palavras tem um significado diferente, segundo o contexto em que a usamos. Se, além disso, inserimos essa palavra numa frase, estamos a criar algo distinto, um corpo de signos, de palavras que têm o seu próprio significado e que entendemos sem precisarmos de nenhuma explicação. Acontece exactamente o mesmo quando observamos uma imagem panorâmica de qualquer lugar que nos é familiar. O que percebemos não é cada fragmento em separado, mas o conjunto que estes elementos formam globalmente.
Algumas ideias sobre o verbo “perceber”
Vermos uma praia cheia de gente a falar, a ouvir música alto, a brincar no mar, dá-nos uma sensação totalmente distinta de vermos a mesma praia ao pôr-do-sol, quando ela está deserta e a única coisa que conseguimos escutar é o murmúrio das ondas. É por isso que quando observamos um monumento, não só o apreciamos só com a visão, mas também percebemos os sons que o rodeiam ou o silêncio que o envolve. Nunca nos ficamos só por aquilo que vemos, pela imagem em si. Experimenta olhar pela janela numa dessas manhãs de chuva em que a única coisa que te apetece é ficar em casa, e pensa sobre o que estás a ver. É o mesmo que viste no dia anterior quando, se calhar, até estava sol? A verdade é que o nosso estado de espírito também pode influenciar a imagem que formamos de um lugar, e isto é o que chamamos de percepção, termo que na prática significa “compreender com a ajuda dos sentidos”. A emoção – seja ela muita ou pouca – é aquilo que nos faz ver as
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coisas de outra forma, com mais atenção, ao activar um mecanismo de reconhecimento que possivelmente não seria despertado de outra maneira. As emoções são o estímulo que desencadeia o processamento da informação (neste caso visual, isto é, os objectos que constituem a imagem que se forma diante dos nossos olhos: árvores, casas, estradas...). Este processo é o que nos permite reconhecer o mundo e atribuir-lhe um valor; bonito ou feio, familiar ou estranho, fazendo-nos sentir mais ou menos atraídos por ele. Por isso, a paisagem é o resultado da intervenção humana e do trajecto da natureza; mas também é o produto da nossa percepção. A paisagem só existe no momento em que alguém a observa e sente. Há muitos factores que podem influenciar a nossa maneira de sentir e de recordar uma paisagem, entre eles a parte do nosso estado de espírito no momento em que a observamos ou a ideia que temos dela a partir da nossa própria cultura. Alguém que observa o Coliseu sem saber quem foram os antigos romanos, possivelmente não sente nada em absoluto. As paisagens agradáveis, aquelas que valorizamos positivamente, são lugares que nos transmitem uma sensação de bem-estar físico ou mental. Quando gostamos da nossa cidade é porque a vida nela nos parece cómoda, porque nos movimentamos de um lugar para o outro sem dificuldade, porque temos supermercados e serviços sempre à mão, porque temos espaços onde nos encontrar com os nossos amigos, onde praticar desporto, onde ir ao cinema… Mas, ainda mais, gostamos das ruas por onde andamos, dos lugares onde nos juntamos, do jardim que vemos a partir da nossa janela. Tudo isto nos transmite uma sensação de familiaridade e segurança, que nos dá paz e harmonia. À medida que crescemos, com o passar do tempo, as nossas necessidades mudam, da mesma forma que muda o mundo à nossa volta. Mudamos de casa e mudam as ruas que percorremos a cada dia; já não saímos para brincar no parque, mas vamos antes ao café ou encontramo-nos no centro com os nossos amigos; com uma bicicleta ou uma mota, podemos deslocar-nos para outros lugares fora da nossa zona habitual. Com isto, muda também a maneira como percebemos a paisagem, a maneira como vemos e compreendemos os elementos que a constituem. Vamos tentar imaginar este processo de mudança numa escala maior, e em vez de nos vermos só a nós mesmos e às nossas vidas, vamos tentar abranger um período de tempo mais amplo. Pensemos, por exemplo, como viviam os nossos avós e em como eles entendiam os lugares que os rodeavam. Possivelmente para eles, um campo de trigo não era mais do que um local de trabalho, o resultado de duros esforços de todo um ano, da mesma forma que as obras duma nova estrada certamente significava um grande avanço, uma melhoria na qualidade de vida e uma imagem de modernidade. Hoje em dia, para nós, um campo de trigo pode ser uma bela e emotiva imagem, e uma obra transmite-nos a ideia de ruído, confusão e mal-estar. Resumindo, a interpretação de uma paisagem depende em grande parte da cultura de cada país e do período histórico que atravessa uma sociedade em particular.
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Paisagem, panorama ou meio?
Antigamente, a ideia de paisagem estava muito vinculada à sua imagem, ao conceito de beleza, ao efeito visual gerado por uma vista bonita. A visão, como tal, é o primeiro sentido que empregamos para compreendermos um lugar, para atribuirmos um significado e um valor àquilo que temos diante dos nossos olhos. Esta forma de pensar considerava como paisagens só aqueles lugares de grande beleza, quer fosse uma beleza natural quer fosse construída pelo Homem. Nos últimos anos, sobretudo no norte da Europa, a emergência de uma cultura da ecologia e das preocupações ambientais estabeleceu que começássemos a identificar a paisagem como algo muito mais complexo, como um ecossistema. Esta forma distinta de ver o mundo pôs em relevo a relação entre seres vivos (tanto humanos como animais) e o meio em que estes viviam, que passou a ser concebido de uma forma mais científica e naturalista: um campo é um espaço formado por terra e plantas; uma montanha constrói-se a partir de diversos tipos de rochas sobre as quais crescem determinadas árvores ou arbustos; um edifício é o produto de uma acção humana que consiste na sobreposição de cimento e tijolo; e assim sucessivamente. Isto também se reflecte na forma das pessoas percebem a paisagem: é o que é, e não o que aparenta ser, uma vez que depende da sensibilidade dos indivíduos que a observam e não apenas da natureza do próprio lugar. Esta maneira de conceber a paisagem atribui muita importância ao meio ambiente, entendido como um lugar que devemos proteger e salvaguardar, que não devemos contaminar e com o qual não se deve interferir. Porém, nenhum destes dois pontos de vista, nem o que se concentra na beleza – mais clássico, ligado ao passado dos países mediterrâneos – como o que se concentra mais no meio ambiente – típico do norte da Europa –, tem em conta os processos cognitivos, ou seja, os mecanismos que actuam na nossa forma de entender as coisas: como nós compomos uma ideia sobre o que temos diante de nós. Estes mecanismos baseiam-se na nossa cultura, na nossa forma de pensar e na nossa inteligência. Acontece o mesmo quando, por exemplo, ouvimos alguém pronunciar uma frase. Não só ouvimos o som, como também entendemos o seu significado, o que se deve a sermos capazes de compreender tanto o significado de cada uma das palavras em separado como o sentido que estas adquirem todas juntas, ou seja, a frase completa. Ambas as interpretações do que constitui uma paisagem são, por isso, apenas verdades parciais. A paisagem é uma entidade muito mais complexa, formada por bosques, rios, montanhas, edifícios, pontes… As emoções, tanto as nossas como as da comunidade em que vivemos, filtram e modificam todos estes elementos. Quando observamos um lugar, reconhecemos estruturas territoriais e ambientais (os elementos da natureza, a estratificação das rochas, os componentes humanos), mas acima de tudo isto, ela desperta de alguma forma os nossos sentidos. É assim que, em cada momento, percebemos algo que nos parece único, belo, feio ou familiar. Podemos dizer que a paisagem é o território que existe e contém significado e valor através dos olhos das pessoas que nela habitam e das pessoas que por ela passam. Os nossos olhos!
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O que é a paisagem?
Agora que já sabemos mais algumas coisas, podemos tentar responder à pergunta que colocamos no início deste texto: “O que é a paisagem?”. Se analisarmos as respostas que os outros deram a esta pergunta antes de nós, descobrimos uma grande variedade de definições. Algumas dão mais importância aos aspectos históricos; outras aos ambientais; aos sociais ou aos emocionais. Ainda assim, todas são definições válidas e importantes, uma vez que cada uma delas pode manifestar um aspecto significativo. Lê as definições e decide qual se ajusta mais à tua ideia de paisagem. Se achares bem, podes também dar a tua própria definição.
A paisagem compõem-se dos traços visíveis de uma superfície de terra, que incluem elementos físicos como o relevo, elementos vivos que fazem parte da flora e da fauna, elementos abstractos como a luz e as condições meteorológicas e elementos humanos como a actividade humana e o meio construído. [in Wikipédia – http://pt.wikipedia.org]
Paisagem significa uma grande superfície de campo, sobre tudo com respeito ao seu aspecto. [in Cambridge Dictionairies Online – http://dictionary.cambridge.org]
Paisagem significa todos os traços visíveis numa superfície de terra. [in Oxford Dictionaries Online – http://www.askoxford.com]
Se analisarmos tudo o que dissemos até agora, podemos concluir que a paisagem é:
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Em termos gerais, uma grande superfície formada por elementos naturais (como montanhas, rios e árvores) e elementos humanos (como fábricas e monumentos históricos). É, portanto, uma realidade física que podemos tocar e sobre a qual podemos caminhar. É a visão de uma área com todos os elementos que a natureza criou e alterou e que o ser humano modelou e transformou. Mas, acima de tudo, para cada um de nós, a paisagem é também o sentimento que essa visão provoca (quer se trate de montanhas em flor, duma praia, duma praça com uma velha igreja ou do nosso antigo bairro), uma sensação que faz parte dessa paisagem concreta.
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Um conjunto de elementos, tanto físicos como imateriais, em contínua mudança. Quando ordenamos alguns objectos de uso quotidiano (como um 6
caneta, um porta-chaves, um vaso, um livro, um telemóvel, uma lâmpada) numa estante ou no nosso escritório, consoante a forma como os colocámos, podemos perceber, além dos objectos em si, também a relação que se estabelece entre eles, por exemplo, as suas cores ou feitios, ou a maneira como estão dispostos. A soma das partes é o que nos faz ver essa estante de um modo distinto, como algo que passa de ser um simples portador de objectos para se transformar numa parte integrante do contexto dos objectos que contém. Pois bem, a paisagem é como as diferentes possibilidades de ordenação desses objectos na estante: muda constantemente, tal como a nossa percepção dos seus elementos e do seu todo também muda. •
Um produto da sociedade. É uma projecção cultural, a partir do ponto de vista material, espiritual, ideológico e simbólico de uma sociedade, sobre um determinado espaço.
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Um bem que tem um valor inerente.
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O fruto do desenvolvimento e das mudanças contínuas da sociedade, que reflecte a forma de vida de todos os que a vivem e que influencia o seu bemestar, tanto individual como colectivo.
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A memória do nosso passado e a base para o nosso futuro.
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Uma espécie de quebra-cabeças, um jogo que consiste num rede de sinais, pistas e pegadas que o explorador, empreendedor duma fabulosa viagem ao longo da sua história, deve descobrir com o seu olhar observador.
Porque é importante a paisagem?
Os termos paisagem e terra têm a mesma origem, já que estão estreitamente vinculados; uma paisagem é habitualmente a imagem de um determinado país (a terra). Um arranha-céu faz-nos pensar imediatamente em Nova Iorque, tal como o deserto e as dunas nos transportam para a região do Saara, ou as praias de areia branca nos remetem para as ilhas das Caraíbas. Lembremo-nos da sensação de fascínio que nos desperta uma vila à beira-mar, com as suas casas típicas, os seus barcos pintados, a sua gente com as barracas de peixe e o seu modo de vida. Porém, o que vemos significa muito mais do que parece. As redes e as embarcações constituem também uma fonte de rendimento para as pessoas da vila, da mesma forma que os cereais e os girassóis que enfeitam os campos permitem que os agricultores que os cultivam ganhem a vida. Para não dizer que muitas regiões retiram toda a sua riqueza directamente da paisagem, através do seu cuidado e da sua promoção como atractivo turístico. Em resumo, se como vimos até agora, a partir da paisagem podemos entender grande parte da história e das condições económicas duma sociedade, podemos então imaginá-la como uma espécie
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de código genético de uma região. O centro duma cidade, os arredores, uma pequena estrada secundária ou as montanhas cultivadas e sarapintadas de casas, são tudo reflexo da sociedade que as habita e da comunidade que nelas se expande, da protecção que essa mesma comunidade tem para com o seu território. A paisagem é um elemento fundamental do bem-estar individual e colectivo, e uma paisagem bem tratada é uma demonstração de civilidade. A qualidade da paisagem deve ser um direito de todos: o direito a usufruir de paisagens não degradadas, agraváveis e harmoniosas, que representem as pessoas que vivem nelas e as pessoas que as criaram.
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QUEM DEFENDE A PAISAGEM?
Uma legislação para a Europa
Nos últimos anos foi sendo generalizada a ideia da importância da paisagem, da necessidade de a reconhecer, de a proteger, de geri-la e renová-la por reconhecermos que ela tem grande valor para a nossa vida. Tanto é que, com o objectivo de consciencializar a sociedade, alguns estados decidiram criar uma legislação específica sobre esta matéria. Foi assim que nasceu a Convenção Europeia da Paisagem (ou, simplesmente, CEP). Em termos gerais, uma convenção é um acordo entre dois ou mais estados sobre determinados problemas ou assuntos de importância, que estes mesmos estados decidem abordar em conjunto. Pode também definir-se como um “pacto”. As convenções devem ser redigidas por escrito, para que se possam estabelecer melhor as condições do acordo e, sobretudo, para que se evite qualquer problema ou disputa no futuro. Isto implica que todas as partes envolvidas, como acontece com toda a legislação autêntica e verdadeira, assinem e concebam leis específicas de acordo os seus princípios. A ideia de elaborar uma convenção sobre a paisagem surgiu no seio do Concelho da Europa, uma grande organização internacional com sede em Estrasburgo (França), ao qual pertencem mais de 47 países europeus, de dentro e fora da União Europeia. As convenções redigidas pelo Conselho da Europa consistem em tratados internacionais, que impõem obrigações a todos os estados assinantes. Assim, por exemplo, a Convenção Para a Protecção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, entre outras coisas, proíbe a tortura, protege o direito à vida e tenta garantir que qualquer pessoa acusada de um delito tenha acesso a um julgamento justo. Os estados assinantes desta Convenção, comprometeram-se a debatê-la no seio dos seus respectivos governos e a desenvolver legislação pertinente para a defesa destes direitos básicos. Mas cada país fá-lo (ou fê-lo) de maneira diferente. Às vezes, há países que desenvolvem expressamente uma nova legislação; outros países incluem já normas deste género nas suas constituições; outros, não têm qualquer tipo de legislação a este respeito. Algumas convenções são de interesse universal e outras têm um raio de acção mais local. Assim que o Conselho da Europa aprova uma convenção, esta pode ser assinada pelos vários estados que, em consequência, se comprometem a aplicá-la no seu próprio território.
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A Convenção Europeia da Paisagem
A Convenção Europeia da Paisagem – conhecida também como Convenção de Florença, porque foi assinada nesta cidade italiana a 20 de Outubro de 2000 – surgiu na base de um projecto do Congresso de Poderes Locais e Regionais da Europa, entidade que representa os interesses das regiões e comunidades de toda a Europa. Na Convenção estabeleceram-se uma série de princípios que obrigam os estados aderentes a adoptarem políticas que promovam a qualidade da paisagem, assim como a fazerem participar todas as pessoas afectadas pelas decisões que dizem respeito ao seu território. Também se propuseram a aumentar a consciencialização civil sobre o valor das paisagens em que vivemos no dia a dia. A Convenção empenha-se pelo direito das pessoas se identificarem com a sua paisagem e pela sua obrigação de a cuidar. A história da Convenção Europeia da Paisagem é a história do encontro e união de duas iniciativas, uma do norte da Europa e outra do sul. Há alguns anos, uma série de organizações e estados do norte da Europa começaram a analisar a possibilidade de elaborar uma convenção para a protecção de paisagens rurais. Para o efeito, algumas regiões do sul da Europa (Andaluzia, em Espanha; Languedoque-Rossilhão, em França; e Toscana, em Itália) redigiram a Carta da Paisagem Mediterrânea, que aprovaram numa conferência organizada na cidade espanhola de Sevilha em 1993. Neste documento, que logo viria a ser conhecido por Carta de Sevilha, a paisagem define-se como “a expressão tangível da relação espacial e temporal entre indivíduos e sociedades e o seu meio físico, com maior ou menor intensidade, modelada pelos factores socais, económicos e culturais. A paisagem é, desde logo, o resultado da combinação de aspectos naturais, culturais, históricos, funcionais e visuais”, ou seja, algo muito concreto que temos perante os nossos olhos e que é o testemunho da história (relação temporal) de como vive uma comunidade e do meio natural. Em 1994 o Congresso de Poderes Locais e Regionais do Conselho da Europa decidiu organizar um grupo de trabalho com o objectivo de redigir uma convenção sobre a paisagem que reunisse estas duas iniciativas (a do norte e a do sul da Europa). Este grupo acordou redigir uma convenção que seria de aplicação a todas as paisagens e que envolveria todos os cidadãos e todos os governos. No dia 1 de Março de 2004, a Convenção Europeia da Paisagem entrou em vigor em todos os países que a assinaram.
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Algo mais do que um postal
A Convenção constitui uma autêntica e total revolução. Com ela, a paisagem deixa de ser simplesmente o olhar, a vista panorâmica, a imagem bela de postal que todos queremos fotografar, e converte-se também no resto do território que nos rodeia, o território que nós, como habitantes, turistas ou viajantes consideramos importante, independentemente deste nos parecer belo ou feio. A convenção define a paisagem de uma forma totalmente nova:
“Paisagem” designa uma parte do território, tal como é apreendida pelas populações, cujo carácter resulta da acção e da interacção de factores naturais e ou humanos. [Artigo 1.º da Convenção Europeia da Paisagem]
Trata-se de um bem, tanto económico como cultural, finalmente protegido por um estatuto legal que abrange praticamente todo o território; é uma entidade viva e activa que situa a comunidade no centro de um cenário, regulado por um projecto que não só pretende a sua protecção, como também a sua gestão e a renovação. A convenção é a prova de que as paisagens europeias estão no centro dum interesse político renovado e que existe o desejo de intervir, proteger, questionar e dar vida a novos projectos paisagísticos.
O Conselho da Europa
O Concelho da Europa é uma organização internacional com sede em Estrasburgo (França). Foi estabelecido a 5 de Maio de 1949, com o objectivo de criar um espaço onde se possam debater democraticamente todos os temas relacionados com a Convenção Europeia Sobre os Direitos Humanos e quaisquer outros relativos à protecção individual das pessoas. O trabalho do Conselho da Europa consiste em proteger os direitos humanos e a democracia, além de fomentar e estimular o conhecimento da diversidade e da identidade cultural europeias. Isto implica tratar de encontrar soluções comuns para problemas sociais, como por exemplo a descriminação das minorias, a xenofobia, a intolerância, o terrorismo, a corrupção e o crime organizado ou os maus-tratos a menores. Uma vez que a paisagem constitui uma componente básica do património natural e cultural europeu e contribui para o bem-estar e para a felicidade dos seres humanos e para a consolidação da identidade europeia, o Conselho da Europa decidiu criar um instrumento dedicado exclusivamente à paisagem e aos seus problemas: a Convenção Europeia da Paisagem.
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A PAISAGEM É COMO O AR QUE RESPIRAMOS
Cada parte compromete-se a reconhecer juridicamente a paisagem como uma componente essencial do ambiente humano, uma expressão da diversidade do seu património comum cultural e natural e base da sua identidade. [Artigo 5.º da Convenção Europeia da Paisagem]
Que significa este artigo da Convenção? À primeira vista pode parecer difícil de entender, mas o que quer dizer é que todos os estados que aceitarem a Convenção estão a reconhecer o valor essencial da paisagem, e que a paisagem é um elemento básico necessário à vida humana. É o mesmo valor que se reconhece, por exemplo, ao ar que respiramos. Todos precisamos de ar para viver; e para vivermos bem, esse ar deve ser puro. Temos ar a toda a nossa volta, e para o proteger concerteza não nos ocorreria isolarmos um pedaço de atmosfera com ar lá dentro. Mas sim, o que podemos fazer é estabelecer certas normas para evitarmos contaminá-lo ou para lhe causarmos cada vez menos danos. Assim, o ar que respiramos na nossa cidade é controlado periodicamente, e algumas autarquias tentam evitar a sua contaminação estabelecendo medidas como dias semanais ou mensais em que não se autoriza a circulação de veículos motorizados em determinadas zonas. Também se estabelecem normas de aplicação industrial, para que as fábricas não emitam gases nocivos ou outras partículas contaminadoras, para que produzam carros com emissões de carbono cada vez mais baixas, ou para que procurem utilizar energia a partir de fontes limpas e renováveis, que não poluam a atmosfera (como por exemplo, através de painéis solares ou aerogeradores, aquelas turbinas enormes com pás giratórias que se vê um pouco por toda a Europa ultimamente, e que transformam a energia eólica em energia eléctrica). O objectivo de todas estas medidas é manter o ar, o mais limpo possível. Porém, no que à paisagem diz respeito, até agora as administrações públicas (estatais, regionais e locais), só redigiram leis para protegerem aquelas paisagens consideradas de valor especial, como os parques naturais ou alguns tipos de monumentos históricos. Com esta forma de abordarmos a protecção da paisagem, corremos o risco de esquecermos que todo o território é paisagem, mesmo aqueles lugares mais normais, como a zona em que vivemos e que, possivelmente, não tem nenhum valor histórico ou natural de excepção.
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Paisagens excepcionais e paisagens quotidianas
Da mesma forma que criamos normas para protegermos o ar e para que as fábricas não o contaminem, deveríamos criar uma normativa para a paisagem que garanta que a sua beleza existente permanecem intacta, de forma a que tudo o que se construa seja com qualidade e que tudo o que se modifique seja respeitoso para com o meio ambiente e adaptado ao contexto em que se insere. Se, por exemplo, alguém quer construir um novo edifício no centro histórico de uma cidade, talvez próximo de outras edificações mais antigas, não o pode fazer de qualquer maneira. Tem de respeitar os elementos pré-existentes na zona. Isto não significa que deva imitar o mesmo estilo, mas sim garantir que pelo menos o velho e o novo combinem entre si. Se pensarmos na enorme pirâmide de cristal em frente ao museu do Louvre, em Paris, vemos que apesar de só ter sido construída em 1989, foi projectada de forma a fazer sentido e a encaixar perfeitamente no centro do pátio de acesso do edifício centenário. Vejamos outro exemplo: se quiséssemos restaurar uma velha casa de campo, tentaríamos utilizar materiais semelhantes aos originais (pedra, tijolo ou uma amostra das cores habituais daquela zona). Além de conservarmos a fachada da edificação original, sempre que introduzimos uma parte nova devemos tentar adaptá-la o melhor possível à construção existente, de forma que no seu interior, possamos reconhecer ainda o seu passado, mas também o seu presente. Há lugares que possuem um valor único e exclusivo por meio de elementos naturais, da história que representam ou do prestígio que o ser humano lhes atribuiu ao longo dos anos, como o Grand Canyon nos Estados Unidos, as pirâmides do Egipto ou a Torre Eiffel. Estes lugares são aquilo que podemos denominar de “paisagens excepcionais”. A rua onde vivemos ou a zona industrial onde trabalham os nossos pais não têm o mesmo prestígio que, por exemplo, o Grand Canyon; porém, são os espaços onde passamos mais tempo, os que podemos chamar de “paisagens da vida quotidiana”. Pois estas paisagens também merecem ser defendidas. As ruas, os edifícios, todos os espaços físicos da cidade deveriam ser protegidos para não se converterem em lugares inabitáveis cheios de lixo, sem parques para passearmos, sem zonas de estacionamento, etc. Por fim, também há lugares com que deixamo-nos de nos identificar, cujo carácter original mudou por completo e onde se tornou difícil tanto viver, como realizar qualquer tipo de actividade. São zonas em perigo que, para lhes darmos de novo valor e voltarmos a identificar-nos com elas, para que possam ser apreendidas pela população, é necessário transformá-las, organizá-las e reconsiderá-las. Não há como gostar de uma praia suja, cheia de lixo e de petróleo vertido pelos barcos no seu areal. Ninguém se pode identificar com essa praia, como aquele lugar belo em que passou a infância, e ninguém há de querer viver perto dela. É necessário limpá-la e reconsiderar o uso que se lhe poderia dar no futuro.
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As redes europeias encarregadas da aplicação da Convenção Europeia da Paisagem
Como vimos até aqui, respeitarmos a CEP significa protegermos, questionarmos e planificarmos todas as paisagens que nos rodeiam. Devemos trabalhar todos juntos para cumprirmos este objectivo: os governos de todo o tipo e a todos os níveis, as escolas, as universidades, as organizações da sociedade civil, os profissionais, os cidadãos a título individual… Partindo desta premissa, foram sendo criadas, por toda a Europa, organizações com o objectivo de oferecerem o seu apoio e colaboração. Além do sistema de controlo da Convenção estabelecido pelos estados (e que opera a partir do Conselho da Europa, em Estrasburgo; vê em: www.coe.int/europeanlandscapeconvention), existem três redes diferentes mas relacionadas, que tornam mais fácil para as regiões, as províncias, os municípios, as universidades e as organizações contribuir para a aplicação dos princípios da convenção. A primeira destas três redes é a RECEP-ENELC, a rede de autoridades locais e regionais (www.recep-enelc.net); a segunda, a UNISCAPE, rede de universidades (www.uniscape.eu); e a terceira, a CIVILSCAPE, a rede de organizações (www.civilscape.net). Os três organismos têm a sua sede em Florença, a cidade onde foi assinada a Convenção. O principal objectivo das três é aumentarem o grau de concentração e de aceitação da ideia de paisagem que promove a Convenção, de forma a que os governos locais, os sistemas educativos e todo os envolvidos que permitem a participação da cidadania no processo de tomada de decisões públicas, possam contribuir de forma activa para o desenvolvimento de políticas relacionadas com a paisagem, e com a integração da paisagem em todas as políticas que tenham algum impacto sobre ela. As redes também apoiam projectos paisagísticos individuais desenvolvidos pelas autoridades competentes a nível local. Nos últimos anos propôs-se a criação de uma quarta rede, denominada de PROSCAPE, que englobaria os profissionais a favor da aplicação da Convenção. Pode aceder-se às páginas da web das distintas redes em www.eurolandscape.net.
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Todos desempenhamos um papel
Se observarmos uma colina, uma montanha ou qualquer outro elemento da paisagem, podemos ler as coisas que nele aconteceram ao longo dos tempos. Se estudamos um terreno, as rochas e as camadas de que constam essas rochas, por exemplo, poderíamos descobrir que ali, onde hoje há um bosque, houve antes um rio; ou que onde hoje há um edifício, outrora houve um lago. A paisagem que vemos hoje em dia é o resultado de muitas mudanças e muitos acontecimentos que se foram sobrepondo. Entre todas estas transformações percebemos que há muitas provocadas pela natureza, mas também muitas outras causadas pelo ser humano. Cada sociedade, cada grupo de seres humanos foi deixando a sua pegada na paisagem. Houve quem cultivou a terra com uma metodologia particular, ou construiu vilas, ruas, casas; também houve quem modificou o uso da terra consoante as necessidades e exigências da época, reclamando território ao mar, modificando o curso de um rio, construindo estradas e caminhos-de-ferro… Mas a paisagem também nos conta uma história diferente, a história escrita por aqueles com uma vida normal, pelos acontecimentos mais vulgares e aparentemente de menor importância. É uma história contínua e interminável, na qual a paisagem se converte no cenário de actuação do Homem, da sociedade, das diferentes gerações; num cenário com múltiplas mudanças, onde se interpretam as vidas das pessoas. Entre elas, a nossa! Para entendermos melhor como se sobrepõem estas duas histórias, a da sociedade e a das pessoas individuais, podemos compará-las com o que acontece com o mar. Na superfície do mar há ondas e água em movimento; é como a parte da paisagem que nos transmite os acontecimentos que observamos continuamente. Nas profundidades do mar, no entanto, encontramos as águas escuras e silenciosas das profundezas marinhas; é a parte correspondente ao mais antigo da história. Nem tudo o que acontece lá em baixo entra em contacto com a superfície do mar. O mesmo acontece com a paisagem: nem tudo o que acontece na nossa vida diária deixa nela uma pegada permanente; nem todos os acontecimentos têm o mesmo peso na nossa vida. O trabalho que faz um agricultor, um arquitecto, quando acontece uma catástrofe, o curso de um rio, as mudanças no clima que interferem na vegetação… Os diferentes fenómenos e acontecimentos que sucedem ao longo da história, fazem com que a paisagem mude continuamente, no passado e no futuro. Algumas paisagens, as mais duradouras, resistiram e possivelmente continuarão a resistir; enquanto as mais frágeis vão-se perdendo, como uma espécie de selecção natural. Hoje, em algumas paisagens, ainda podemos ler as profundas pegadas do seu passado mais remoto; mas se ouvirmos os nossos pais ou os nossos avós falarem dos lugares da sua adolescência, compreendemos que eram totalmente distintos de como nós os vemos actualmente. Se pensarmos nos montes cultivados em socalcos tão habituais ainda hoje no sul da Europa, com os seus muros de pedra, é evidente que constituem uma paisagem que tem aos nossos olhos centenas de anos; porém, outras partes do território, vêem a sua identidade ameaçada pela incompatibilidade com determinadas actividades humanas.
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Muitas histórias e muitos protagonistas
Nesta paisagem, em que coexistem muitas histórias diferentes, vivemos e movemo-nos como actores num cenário, ao mesmo tempo que somos também espectadores. Vamos aparecendo em cada acto, atravessando uma praça ou conversando com amigos; mas ao observarmos à nossa volta, sabemos que também somos uma paisagem: reconhecemos o significado dos nossos actos e daquilo que fazemos. Por tudo isto, podemos dizer que a paisagem é a interface entre fazermos e vermos o que fazemos; é o território tal e qual o percebemos e, desta forma, inclui todas as nossas acções a par com as da natureza. Ou, dito de forma mais singela, poderíamos definir o território como tudo o que nos rodeia no sentido físico e concreto, e a paisagem como o território tal como o entendemos. Quando falamos de percepção, não nos referimos ao que percebe um só indivíduo, mas sim a um grupo alargado de indivíduos, o que poderíamos chamar de percepção colectiva. Deste modo, quanto contemplamos um panorama especialmente espectacular estamos conscientes de que não somos só nós que percebemos essa beleza, mas que essa sensação é compartilhada por muitas mais pessoas; tal como sabemos que há certas normas ou ideias partilhadas por todo o mundo. A partir daqui podemos começar a entender melhor o papel que podemos desempenhar neste cenário e de que maneira podemos defender e criar a paisagem.
Firmeza, utilidade e beleza
Se concebermos a paisagem como uma obra arquitectónica, podemos recorrer aos ensinamentos do grande arquitecto e escritor romano Vitrúvio, que viveu no século I a.C., há mais de 2000 anos. Segundo Vitrúvio, a arquitectura consta de três elementos básicos: firmitas “firmeza”, utilitas “utilidade” e venustas “beleza”. Citando as suas palavras: “Todos estes edifícios devem cumprir com os requisitos de firmeza, utilidade e beleza. Devem ter firmeza no momento de erguer os alicerces, fundos e resistentes, com materiais escolhidos com o maior cuidado e generosidade; devem conter utilidade na distribuição dos espaços interiores, uma distribuição que deverá ser concebida e adaptada ao uso de cada edifício; e devem ter beleza porque o seu aspecto final deve ser agradável e abranger uma proporcionalidade harmónica entre as suas partes, obtida mediante o cálculo detalhado da sua simetria”. Assim, se a paisagem tiver a capacidade de durar no tempo (firmitas) e constituir-se como um recurso no sentido de que tem utilidade (utilitas), do equilíbrio entre estes dois elementos pode surgir a harmonia (vetustas).
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AS REGRAS DO JOGO
Protegemos aquilo que é espectacular e que nos transmitiu um valor histórico; gerimos da melhor maneira possível os espaços normais em que vivemos; voltarmos a projectar sobre aqueles espaços onde a história nos deixou pouco ou nada, ou onde desapareceu tudo o que restava. Proteger, gerir e planear: estes são os três princípios básicos da Convenção Europeia da Paisagem. Poderíamos chamá-los de “regras do jogo”; regras que se podem aplicar de diferentes maneiras de acordo com as necessidades de cada momento. Por exemplo, quando um funcionário tem de supervisionar um determinado território, a primeira coisa que deve fazer é formular uma série de perguntas: esta paisagem é suficientemente importante para receber protecção? É uma paisagem tão complexa e variada que requer uma gestão meticulosa? Ou é uma paisagem feia, degradada, que perdeu toda a sua utilidade? É importante responder a estas três perguntas para que as autoridades públicas (municipais, regionais e estatais), com a aprovação da população local, possa decidir quais das três regras aplicar, tendo em conta que nenhuma delas exclui as demais. Não podemos proteger uma paisagem sem sabermos como geri-la, nem projectar algo novo sem conhecermos as regras de conservação. Para explicarmos melhor tudo isto, vejamos o que é que diz a Convenção Europeia da Paisagem:
Por “protecção das paisagens” entendem-se as acções dirigidas a conservar e manter os aspectos significativos ou característicos de uma paisagem, justificadas pelo ser valor patrimonial derivado da sua configuração natural e/ou da acção do homem. [Artigo I d – Definições]
Empreendemos acções de protecção para conservarmos aquelas paisagens às quais as pessoas atribuem grande valor, que são património de todos e famosas a nível mundial. Temos o dever de proteger estas paisagens tão importantes! E, já que pertencem a toda a humanidade, teremos de ser nós quem as protege acima de tudo.
Por “gestão das paisagens” entendem-se as acções dirigidas de uma perspectiva de desenvolvimento sustentável, para garantir a manutenção regular de uma paisagem, a fim de regular e harmonizar as transformações induzidas pelos processos sociais, económicos e ambientais. [Artigo I e – Definições]
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As mudanças sociais, económicas e ambientais reflectem-se directamente na paisagem, que é o espelho tanto das nossas acções como das da natureza. Deveríamos ver as mudanças realizadas num território como algo positivo, já que representam o crescimento e o desenvolvimento das pessoas que nele vivem: porém, quando se constrói algo de novo (uma estrada, um bairro, uma ponte) é fundamental gerirmos adequadamente as alterações que isso vai provocar na paisagem. Devemos garantir a observação constante destas mudanças, de forma que a nova construção possa conviver harmoniosamente com a paisagem já existente. A gestão é a ferramenta que melhora a paisagem consoante os desejos das pessoas e a sua qualidade de vida. Gerirmos a paisagem consiste fundamentalmente em modificá-la com respeito, sem esgotarmos todos os nossos recursos, sem exercermos pressão sobre ela. É importante não perdermos nunca de vista o conceito básico de desenvolvimento sustentável, ao qual a Convenção Europeia da Paisagem faz referência explícita, ao indicar que por cada acção que realizamos para melhorarmos a nossa qualidade de vida, não devemos nunca esquecer o bem-estar das gerações futuras.
Por “ordenação paisagística” entende-se as acções que apresentem um carácter prospectivo particularmente acentuado com vistas a melhorar, restaurar ou criar paisagens. [Artigo I f – Definições]
Lugares abandonados, muito degradados ou deteriorados, como é o caso de alguns subúrbios; zonas a meio-caminho entre a cidade e o campo, onde podemos ver restos de fábricas abandonadas; costas estragadas por estruturas assombradas ou em desuso, ou sem alguém sequer as ter terminado… É necessário melhorarmos, reorganizarmos e renovarmos estas paisagens. Ocuparmo-nos da paisagem significa não só protegê-la e geri-la, como também alterarmos aqueles elementos de que não gostamos e projectarmos outros novos. Se apenas olharmos para o passado, sem esperança face ao futuro, se pensarmos que a única coisa que podemos fazer agora é conservar o que já foi edificado, vai ser difícil criarmos algo de belo. Se os nossos antepassados pensassem assim, jamais seriam capazes de projectar as grandes maravilhas que hoje vemos ao nosso redor. Basta pensar em algumas das grandes obras que no seu tempo causaram enorme mal-estar entre os cidadãos, como o traçado dos Campos Elísios, a famosa avenida parisiense. Quando foi construída, em meados do século XIX, ocasionaram uma enorme polémica, já que o imperador Napoleão III, para conseguir terreno suficiente para a obra, mandou demolir centenas de vivendas e obrigou ao realojamento de todos os que nelas vivam. Isto provocou um grande debate e gerou muita inquietude entre a população local; no entanto, hoje em dia é um dos lugares mais emblemáticos de Paris, conhecido por todo o mundo, é precisamente essa longa avenida coberta de árvores com os seus típicos terraços.
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Construirmos o futuro
No momento de encontrarmos o equilíbrio entre a protecção, a gestão e o planeamento da paisagem, não devemos esquecer-nos de que não serve de muito conservarmos e congelarmos paisagens que chegaram até um determinado ponto na sua evolução. As paisagens experimentam mudanças ao longo de toda a vida e assim hão-de continuar, quer seja como consequência de algum processo natural ou da acção do ser humano. O nosso objectivo devia ser acompanhar essas mudanças, reconhecendo a diversidade e a qualidade das paisagens que herdamos, e realizar um esforço para as conservar ou, melhor ainda, para as enriquecer, em vez de as colocarmos em risco de se perderem. Claro que isto não é uma tarefa fácil, em parte porque em muitos casos temos a sensação de que os nossos antepassados eram muito melhores do que nós. Porém, se reflectirmos um pouco, percebemos que no passado as paisagens sofriam muito menos mudanças: os agricultores tinham os seus campos e a burguesia construía os seus palácios e jardins. Hoje a realidade é muito mais complexa: nós utilizamos muito mais o território, passamos por ele todos os dias a caminho da escola ou do trabalho, ou quando saímos para passar uns dias fora; muitos destes trânsitos implicam mesmo viagens a lugares muito mais distantes, que visitamos como turistas. Já quase não há lugares no mundo por explorar, onde o ser humano não tenha posto o pé. Tudo isto recebe o nome de ‘desenvolvimento’, o qual não é negativo em si. Infelizmente, acontecem situações em que alguém actua atendendo unicamente aos seus próprios interesses, sem o mínimo respeito ou consideração para com a qualidade das paisagens, ignorando a sua importância. Nunca deveríamos perder de vista as paisagens, já que só ao garantir a sua qualidade, podemos também criar novas paisagens e actuar sobre lugares de grande valor de uma forma harmoniosa e equilibrada.
A qualidade da paisagem
Como podemos estabelecer a diferença entre uma paisagem de qualidade e uma paisagem degradada, no momento de decidirmos o que fazer com ela? A primeira coisa que devemos fazer é identificarmos as paisagens que compõem o nosso território, vermos quantas e de que tipo elas são. Depois, há que analisar as suas características, estudar a sua história, examinar os sinais ainda visíveis para compreendermos o seu passado, o tipo de pessoas que vive nelas, as actividades a que se dedicam, porque é que alguns núcleos foram abandonados, porque se ampliou uma estrada, porque se modificou o curso de um rio, porque certas praias são agora mais pequenas e certas cidades maiores…. Uma vez respondidas todas estas questões, seremos capazes de compreender qual é a melhor solução para cada paisagem. E isto
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é uma tarefa que afecta tanto as pessoas como a administração pública que, além de identificarem as paisagens e a sua dinâmica no tempo, devem converter-se nas vozes transmissoras das necessidades e das aspirações das pessoas afectadas, isto é, do tipo de território em que estas gostavam de viver. Quando a Convenção fala de qualidade da paisagem, faz também referência à qualidade ecológica, ou seja, ao estado ambiental dessa paisagem. Quanto mais limpo estiver um lugar maior será o reconhecimento e valor que lhe atribuirá a população; mas, antes de mais, essa população deveria sentir-se bem a viver nele, deveria poder movimentar-se de um lado para o outro sem dificuldades, deveria poder aceder a tudo o que necessita facilmente, etc. O conceito de qualidade da paisagem engloba a natureza, a cultura, a sociedade, a estética; mas, também, a economia. A qualidade não reside apenas na beleza, mas também no alcance de um ponto de equilibro entre as necessidades sociais, económicas e ambientais. Partimos da base de que devem ser as pessoas que habitam uma determinada zona, que reconhecem os seus recursos e que decidem sobre a sua qualidade de vida.
Um desenvolvimento sustentável
A partir da década de 1970, os povos começaram a ser cada vez mais conscientes da importância que têm os recursos naturais no crescimento económico dos países. Muitos cientistas da época disseram, com base na crise do petróleo, que os recursos da terra eram limitados. Já em 1972, uma associação de cientistas provenientes de vários países, conhecida como Clube de Roma, começou a falar dos “limites do desenvolvimento”. Em 1983, a Organização das Nações Unidas criou a Comissão Para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, um grupo que em 1987 publicaria toda a informação considerada de base para as futuras políticas de sustentabilidade. Na origem desta informação está uma definição de desenvolvimento sustentável que perdurou até hoje: “O desenvolvimento será sustentável se satisfizer as necessidades das gerações actuais sem comprometer a capacidade das futuras satisfazerem também as suas”. É justo querermos melhorar a nossa própria qualidade de vida, contudo que o façamos sem danos para o meio ambiente e para a vida dos que estão por vir. Desde então, e sobretudo a partir da organização da Conferência das Nações Unidas, no Rio de Janeiro, o desenvolvimento sustentável converteu-se num dos principais objectivos da agenda internacional, universalmente reconhecido como a necessidade de fazermos frente aos problemas ambientais, ao mesmo tempo que procuramos o desenvolvimento económico e social dos países.
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COMO PODEMOS PARTICIPAR?
Cada parte compromete-se a estabelecer procedimentos para a participação do público, as autoridades locais e regionais e outras partes interessadas na formulação e aplicação das políticas em matéria. [Artigo 5 – Medidas gerais]
Se a paisagem é um bem comum, então as escolhas que fazemos com respeito a ela deveriam incluir-nos a todos, desde a administração pública, às organizações, até aos cidadãos. Todas as pessoas que residem num lugar deveriam ser tidas em conta e desempenhar um papel activo no importante trabalho de identificação e caracterização da paisagem, assim como o seu planeamento. O trabalho das autoridades (concelhos, províncias, regiões e Estado) é o de consciencializarem, envolverem e informarem os cidadãos residentes numa determinada zona, de maneira a que estes apreendam e percebam melhor a paisagem, que compreendam o seu valor e participem no processo de tomada de decisões relativas à sua zona. Neste sentido, só através da participação podemos construir um critério identificador para a paisagem, uma visão colectiva, uma sensação profunda de comunidade como um todo, e como participantes individuais. Os cidadãos e as cidades podem desempenhar um papel activo, tal como pretende a Convenção, se possuírem os meios para darem a sua opinião e expressarem a sua posição, de maneira a que as suas escolhas sejam realmente efectivas e respondam às necessidades de todo o mundo. Hoje em dia, na Europa, podemos ver múltiplos exemplos que demonstram como é possível envolver os cidadãos no processo de toma de decisões. Podemos utilizar vários métodos de consulta à população ou distribuir questionários; mas também podemos aceder à perspectiva real de pessoas individuais que, graças à internet, emitem opiniões sobre a sua comunidade. A pergunta é: qual é o organismo público mais apropriado para tomar decisões no que diz respeito à paisagem? Se nos basearmos no princípio de subsidiariedade, antes de intervirmos numa paisagem, deveríamos estabelecer o seu “nível de interesse colectivo”, ou seja, até que ponto ela é importante para a comunidade; a partir daqui podemos determinar qual a autoridade competente. Vejamos como aplicar este princípio na prática. Pensemos numa paisagem industrial, quer seja grande ou pequena, onde abundam as torres, as tubagens, as chaminés e as praças. O interesse duma zona como esta será logicamente local, e estará limitado à área ao seu redor. A competência quanto à tomada de decisões relativas às actuações necessárias para gerir esta zona recairá nas autoridades locais, a par com o governo regional do território mais amplo que essa localidade engloba. Se, pelo contrário, tivéssemos de gerir uma paisagem arqueológica cheia de achados, monumentos ou estradas milenares, testemunhas de uma antiga
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cultura de importância nacional, europeia ou mesmo mundial – como, por exemplo, a antiga cidade romana de Pompeia –, seriam as autoridades estatais as que, com a colaboração da povoação local e de organismos locais pertinentes, se deveriam ocupar de tal paisagem, uma paisagem que consideraríamos como representativa duma identidade histórica. Com todas estas considerações em mente, a classe política e os peritos nessa matéria estão a trabalhar para que a cidadania desempenhe um papel mais claro e específico em relação à paisagem.
O princípio de subsidiariedade
O princípio de subsidiariedade estabelece que qualquer actividade governamental deve ser assumida pelo poder político mais próximo da cidadania (as autarquias), e que só se pode delegar o exercício da dita actividade num órgão de carácter superior (a nível regional, de área metropolitana ou de comunidade insular ou de montanha) no caso deste estar melhor capacitado para oferecer um serviço mais apropriado. Este princípio aplica-se numa multiplicidade de leis e tratados. A Carta Europeia de Autonomia Local (um tratado internacional do Conselho da Europa) faz referência à subsidiariedade nos seguintes termos: “O exercício das competências públicas deve, de um modo geral, atingir preferencialmente as autoridades mais próximas da cidadania. A atribuição de uma competência a outra autoridade deve ter em conta a amplitude e a natureza da tarefa e das necessidades de eficácia e de economia”.
Conclusões
- E agora diz-me – perguntei sem me poder conter – como é que soubeste? - Meu querido Adso – disse o mestre –, durante toda a viagem aprende-se a reconhecer as pegadas através das quais nos fala o mundo como se fosse um grande livro. (...) Quase me dá vergonha de ter que repetir o que já deverias saber. in ‘O nome da rosa’, Umberto Eco (Milão, 1980)
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Agora que este texto chega ao fim, de certeza que o leitor entende que a paisagem não é apenas algo que podemos aprender a conhecer, como além do mais nos diz respeito a todos, incondicionalmente. Isto é assim, não só porque a paisagem é o cenário em que vivemos a nossa vida quotidiana, como também porque nós podemos e devemos decidir qual vai ser o seu futuro. Está na essência da Convenção Europeia de Paisagem, assinada por todos os Estados da Europa: os lugares onde vivemos e onde havemos de viver no futuro são a expressão do nosso ser, dos nossos pais, dos nossos avós e dos nossos mais remotos antepassados. E, tal como eles, nós também podemos mudar o lugar onde vivemos e convertê-lo noutro melhor. Basta um pequeno gesto, como o de demonstrarmos respeito pelo meio ambiente e pela natureza; mas também tirarmos partido de um novo instrumento que não possuíam os nossos antepassados: a possibilidade de participarmos no processo público de tomada de decisões relativas ao planeamento de novos espaços naturais e arquitectónicos. Só assim, participando na primeira pessoa, sentiremos realmente que os lugares que habitamos (o nosso quarto, a nossa rua, a nossa cidade) formam, e formarão para sempre, parte integrante da nossa vida.
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CONVENÇÃO EUROPEIA DA PAISAGEM (Florença, 20.X.2000)
Preâmbulo Os membros do Conselho da Europa signatários da presente Convenção: Considerando que o objectivo do Conselho da Europa é alcançar uma maior unidade entre os seus membros a fim de salvaguardar e promover os ideais e princípios que constituem o seu património comum, e que este objectivo é prosseguido em particular através da conclusão de acordos nos domínios económico e social; Preocupados em alcançar o desenvolvimento sustentável estabelecendo uma relação equilibrada e harmoniosa entre as necessidades sociais, as actividades económicas e o ambiente; Constatando que a paisagem desempenha importantes funções de interesse público, nos campos cultural, ecológico, ambiental e social, e constitui um recurso favorável à actividade económica, cuja protecção, gestão e ordenamento adequados podem contribuir para a criação de emprego; Conscientes de que a paisagem contribui para a formação de culturas locais e representa uma componente fundamental do património cultural e natural europeu, contribuindo para o bem-estar humano e para a consolidação da identidade europeia; Reconhecendo que a paisagem é em toda a parte um elemento importante da qualidade de vida das populações: nas áreas urbanas e rurais, nas áreas degradadas bem como nas de grande qualidade, em áreas consideradas notáveis, assim como nas áreas da vida quotidiana; Constatando que as evoluções das técnicas de produção agrícola, florestal, industrial e mineira e das técnicas nos domínios do ordenamento do território, do urbanismo, dos transportes, das infra-estruturas, do turismo, do lazer e, de modo mais geral, as alterações na economia mundial estão em muitos casos a acelerar a transformação das paisagens; Desejando responder à vontade das populações de usufruir de paisagens de grande qualidade e de desempenhar uma parte activa na sua transformação; Persuadidos de que a paisagem constitui um elemento-chave do bem-estar individual e social e que a sua protecção, gestão e ordenamento implicam direitos e responsabilidades para cada cidadão;
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Tendo presente os textos jurídicos existentes ao nível internacional nos domínios da protecção e gestão do património natural e cultural, no ordenamento do território, na autonomia local e cooperação transfronteiriça, nomeadamente a Convenção Relativa à Conservação da Vida Selvagem e dos Habitats Naturais da Europa (Berna, 19 de Setembro de 1979), a Convenção para a Salvaguarda do Património Arquitectónico da Europa (Granada, 3 de Outubro de 1985), a Convenção para a Protecção do Património Arqueológico da Europa (revista) (Valletta, 16 de Janeiro de 1992), a Convenção Quadro Europeia para a Cooperação Transfronteiriça entre Comunidades e Autoridades Territoriais (Madrid, 21 de Maio de 1980) e seus protocolos adicionais, a Carta Europeia da Autonomia Local (Estrasburgo, 15 de Outubro de 1985), a Convenção sobre Diversidade Biológica (Rio, 5 de Junho de 1992), a Convenção Relativa à Protecção do Património Mundial Cultural e Natural (Paris, 16 de Novembro de 1972), e a Convenção sobre o Acesso à Informação, Participação do Público no Processo de Tomada de Decisão e Acesso à Justiça em Matéria de Ambiente (Äarhus, 25 de Junho de 1998); Reconhecendo que as paisagens europeias, pela sua qualidade e diversidade, constituem um recurso comum, e que é importante cooperar para a sua protecção, gestão e ordenamento; Desejando estabelecer um novo instrumento dedicado exclusivamente à protecção, gestão e ordenamento de todas as paisagens europeias; acordam no seguinte:
CAPÍTULO I Disposições gerais Artigo 1.º - Definições Para os efeitos da presente Convenção: a) «Paisagem» designa uma parte do território, tal como é apreendida pelas populações, cujo carácter resulta da acção e da interacção de factores naturais e ou humanos; b) «Política da paisagem» designa a formulação pelas autoridades públicas competentes de princípios gerais, estratégias e linhas orientadoras que permitam a adopção de medidas específicas tendo em vista a protecção, a gestão e o ordenamento da paisagem; c) «Objectivo de qualidade paisagística» designa a formulação pelas autoridades públicas competentes, para uma paisagem específica, das aspirações das populações relativamente às características paisagísticas do seu quadro de vida;
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d) «Protecção da paisagem» designa as acções de conservação ou manutenção dos traços significativos ou característicos de uma paisagem, justificadas pelo seu valor patrimonial resultante da sua configuração natural e ou da intervenção humana; e) «Gestão da paisagem» designa a acção visando assegurar a manutenção de uma paisagem, numa perspectiva de desenvolvimento sustentável, no sentido de orientar e harmonizar as alterações resultantes dos processos sociais, económicos e ambientais; f) «Ordenamento da paisagem» designa as acções com forte carácter prospectivo visando a valorização, a recuperação ou a criação de paisagens.
Artigo 2.º - Âmbito Sem prejuízo das disposições constantes do artigo 15.º, a presente Convenção aplicase a todo o território das Partes e incide sobre as áreas naturais, rurais, urbanas e periurbanas. Abrange as áreas terrestres, as águas interiores e as águas marítimas. Aplica-se tanto a paisagens que possam ser consideradas excepcionais como a paisagens da vida quotidiana e a paisagens degradadas.
Artigo 3.º - Objectivos A presente Convenção tem por objectivo promover a protecção, a gestão e o ordenamento da paisagem e organizar a cooperação europeia neste domínio.
CAPÍTULO II Medidas nacionais Artigo 4.º - Repartição de competências Cada uma das Partes aplica a presente Convenção, em especial os artigos 5.º e 6.º, de acordo com a sua própria repartição de competências em conformidade com os seus princípios constitucionais e organização administrativa, respeitando o princípio da subsidiariedade, e tendo em consideração a Carta Europeia da Autonomia Local. Sem derrogar as disposições da presente Convenção, cada uma das Partes deve harmonizar a implementação da presente Convenção de acordo com as suas próprias políticas.
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Artigo 5.º - Medidas gerais Cada Parte compromete-se a: a) Reconhecer juridicamente a paisagem como uma componente essencial do ambiente humano, uma expressão da diversidade do seu património comum cultural e natural e base da sua identidade; b) Estabelecer e aplicar políticas da paisagem visando a protecção, a gestão e o ordenamento da paisagem através da adopção das medidas específicas estabelecidas no artigo 6.º; c) Estabelecer procedimentos para a participação do público, das autoridades locais e das autoridades regionais e de outros intervenientes interessados na definição e implementação das políticas da paisagem mencionadas na alínea b) anterior; d) Integrar a paisagem nas suas políticas de ordenamento do território e de urbanismo, e nas suas políticas cultural, ambiental, agrícola, social e económica, bem como em quaisquer outras políticas com eventual impacte directo ou indirecto na paisagem.
Artigo 6.º - Medidas específicas A) Sensibilização Cada uma das Partes compromete-se a incrementar a sensibilização da sociedade civil, das organizações privadas e das autoridades públicas para o valor da paisagem, o seu papel e as suas transformações. B) Formação e educação Cada uma das Partes compromete-se a promover: a) A formação de especialistas nos domínios do conhecimento e da intervenção na paisagem; b) Programas de formação pluridisciplinar em política, protecção, gestão e ordenamento da paisagem, destinados a profissionais dos sectores público e privado e a associações interessadas; c) Cursos escolares e universitários que, nas áreas temáticas relevantes, abordem os valores ligados às paisagens e as questões relativas à sua protecção, gestão e ordenamento. C) Identificação e avaliação 1 - Com a participação activa dos intervenientes, tal como estipulado no artigo 5.º, alínea c), e tendo em vista melhorar o conhecimento das paisagens, cada Parte compromete-se a: a): i) Identificar as paisagens no conjunto do seu território; 27
ii) Analisar as suas características bem como as dinâmicas e as pressões que as modificam; iii) Acompanhar as suas transformações; b) Avaliar as paisagens assim identificadas, tomando em consideração os valores específicos que lhes são atribuídos pelos intervenientes e pela população interessada. 2 - Os procedimentos de identificação e avaliação serão orientados por trocas de experiências e de metodologias, organizadas entre as Partes ao nível europeu, em conformidade com o artigo 8.º D) Objectivos de qualidade paisagística Cada uma das Partes compromete-se a definir objectivos de qualidade paisagística para as paisagens identificadas e avaliadas, após consulta pública, em conformidade com o artigo 5.º, alínea c). E) Aplicação Tendo em vista a aplicação das políticas da paisagem, cada Parte compromete-se a estabelecer os instrumentos que visem a protecção, a gestão e ou o ordenamento da paisagem.
CAPÍTULO III Cooperação europeia Artigo 7.º - Políticas e programas internacionais As Partes comprometem-se a cooperar para que a dimensão paisagística seja tida em conta nas políticas e nos programas internacionais e a recomendar, quando relevante, que estes incluam a temática da paisagem.
Artigo 8.º - Assistência mútua e troca de informações As Partes comprometem-se a cooperar no sentido de melhorar a eficácia das medidas tomadas ao abrigo das disposições da presente Convenção e especificamente a: a) Prestar assistência técnica e científica mútua através da recolha e da troca de experiências e de resultados de investigação no domínio da paisagem; b) Promover a permuta de especialistas no domínio da paisagem, em especial para fins de formação e informação; c) Trocar informações sobre todas as matérias abrangidas pelas disposições da Convenção.
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Artigo 9.º - Paisagens transfronteiriças As Partes comprometem-se a encorajar a cooperação transfronteiriça ao nível local e regional e, sempre que necessário, a elaborar e implementar programas comuns de valorização da paisagem.
Artigo 10.º - Monitorização da aplicação da Convenção 1 - Os competentes comités de peritos existentes, estabelecidos ao abrigo do artigo 17.º do Estatuto do Conselho da Europa, são incumbidos pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa de acompanharem a aplicação da presente Convenção. 2 - Após a realização de cada reunião dos comités de peritos, o Secretário-Geral do Conselho da Europa apresenta um relatório sobre o trabalho desenvolvido e sobre o funcionamento da Convenção ao Comité de Ministros. 3 - Os comités de peritos propõem ao Comité de Ministros os critérios de atribuição e o regulamento de um Prémio da Paisagem do Conselho da Europa.
Artigo 11.º - Prémio da Paisagem do Conselho da Europa 1 - O Prémio da Paisagem do Conselho da Europa pode ser atribuído às autoridades locais e regionais e às associações por elas constituídas que, no quadro da política da paisagem de uma Parte signatária da presente Convenção, estabeleceram uma política ou medidas de protecção, gestão e ou ordenamento das suas paisagens, demonstrando ser eficazes do ponto de vista da sustentabilidade, podendo assim constituir um exemplo para as outras autoridades territoriais europeias. A distinção também pode ser atribuída a organizações não governamentais que tenham demonstrado contribuir de forma notável para a protecção, a gestão e ou o ordenamento da paisagem. 2 - As candidaturas ao Prémio da Paisagem do Conselho da Europa devem ser submetidas pelas Partes aos comités de peritos previstos no artigo 10.º As colectividades locais e regionais transfronteiriças e respectivas associações interessadas podem candidatar-se desde que administrem conjuntamente a paisagem em questão. 3 - Mediante proposta dos comités de peritos mencionados no artigo 10.º, o Comité de Ministros define e publica os critérios para a atribuição do Prémio da Paisagem do Conselho da Europa, adopta o seu regulamento e atribui o Prémio. 4 - A atribuição do Prémio da Paisagem do Conselho da Europa deve incentivar as 29
entidades que dele são titulares a garantir a protecção, a gestão e ou o ordenamento sustentável das paisagens em causa.
CAPÍTULO IV Disposições finais Artigo 12.º - Relação com outros instrumentos As disposições da presente Convenção não prejudicam a aplicação de disposições mais rigorosas relativas à protecção, à gestão e ou ao ordenamento da paisagem estabelecidas noutros instrumentos nacionais ou internacionais vinculativos, em vigor ou que entrem em vigor.
Artigo 13.º - Assinatura, ratificação e entrada em vigor 1 - A presente Convenção será aberta para assinatura por parte dos Estados membros do Conselho da Europa. Será submetida a ratificação, aceitação ou aprovação. Os instrumentos de ratificação, aceitação ou aprovação serão depositados junto do Secretário-Geral do Conselho da Europa. 2 - A Convenção entrará em vigor no 1.º dia do mês seguinte ao termo de um período de três meses após a data na qual 10 Estados membros do Conselho da Europa tenham expressado o seu consentimento em vincular-se à Convenção em conformidade com as disposições do parágrafo anterior. 3 - Para qualquer Estado signatário que exprima posteriormente o seu consentimento em vincular-se à Convenção, esta entrará em vigor no 1.º dia do mês seguinte ao termo de um período de três meses após a data do depósito do instrumento de ratificação, aceitação ou aprovação.
Artigo 14.º - Adesão 1 - Após a entrada em vigor da presente Convenção, o Comité de Ministros do Conselho da Europa pode convidar a Comunidade Europeia e qualquer outro Estado europeu que não seja membro do Conselho da Europa a aderir à Convenção por decisão tomada por maioria, como disposto no artigo 20.º, alínea d), do Estatuto do Conselho da Europa, e por voto unânime dos Estados Parte com assento no Comité de 30
Ministros. 2 - Em relação a qualquer Estado aderente, ou em caso de adesão pela Comunidade Europeia, a Convenção entrará em vigor no 1.º dia do mês seguinte ao termo de um período de três meses após a data do depósito do instrumento de adesão junto do Secretário-Geral do Conselho da Europa.
Artigo 15.º - Aplicação territorial 1 - Qualquer Estado ou a Comunidade Europeia pode, no momento da assinatura ou quando do depósito do seu instrumento de ratificação, aceitação, aprovação ou adesão, designar o território ou os territórios aos quais será aplicável a presente Convenção. 2 - Qualquer Parte pode, a qualquer momento, através de declaração dirigida ao Secretário-Geral do Conselho da Europa, alargar a aplicação da presente Convenção a qualquer outro território designado na declaração. A Convenção entrará em vigor relativamente a esse território no 1.º dia do mês seguinte ao termo de um período de três meses após a data da recepção da declaração pelo Secretário-Geral. 3 - Qualquer declaração realizada ao abrigo dos dois parágrafos anteriores pode ser retirada, relativamente a qualquer território designado nesta declaração, por meio de notificação dirigida ao Secretário-Geral do Conselho da Europa. A desvinculação produz efeitos no 1.º dia do mês seguinte ao termo de um período de três meses após a data da recepção da notificação pelo Secretário-Geral.
Artigo 16.º - Denúncia 1 - Qualquer parte pode, a qualquer momento, denunciar a presente Convenção através de notificação dirigida ao Secretário-Geral do Conselho da Europa. 2 - A denúncia produz efeitos a partir do 1.º dia do mês seguinte ao termo de um período de três meses após a data da recepção da notificação pelo Secretário-Geral.
Artigo 17.º - Emendas 1 - Qualquer Parte ou os comités de peritos mencionados no artigo 10.º podem propor emendas à presente Convenção. 2 - Qualquer proposta de emenda deve ser notificada ao Secretário-Geral do Conselho da Europa, que a comunicará aos Estados membros do Conselho da Europa, às outras 31
Partes e a cada Estado europeu não membro que tenha sido convidado a aderir à presente Convenção de acordo com o disposto no artigo 14.º 3 - Todas as propostas de emenda são examinadas pelos comités de peritos referidos no artigo 10.º, que submetem o texto adoptado por maioria de três quartos dos representantes das Partes ao Comité de Ministros para adopção. Após a sua adopção pelo Comité de Ministros pela maioria prevista no artigo 20.º, alínea d), do Estatuto do Conselho da Europa e por unanimidade dos representantes dos Estados Parte com assento no Comité de Ministros, o texto é transmitido às Partes para aceitação. 4 - Qualquer emenda entra em vigor para as Partes que a tenham aceite no 1.º dia do mês seguinte ao termo de um período de três meses após a data em que três Estados membros do Conselho da Europa tenham informado o Secretário-Geral da sua aceitação. Relativamente a qualquer Parte que a aceite posteriormente, tal emenda entra em vigor no 1.º dia do mês seguinte ao termo de um período de três meses após a data em que a referida Parte tenha informado o Secretário-Geral da sua aceitação.
Artigo 18.º - Notificações O Secretário-Geral do Conselho da Europa notificará os Estados membros do Conselho da Europa, qualquer Estado ou a Comunidade Europeia, caso tenham aderido à presente Convenção: a) De qualquer assinatura; b) Do depósito de qualquer instrumento de ratificação, aceitação, aprovação ou adesão; c) De qualquer data de entrada em vigor da presente Convenção nos termos dos artigos 13.º, 14.º e 15.º; d) De qualquer declaração efectuada ao abrigo do artigo 15.º; e) De qualquer denúncia efectuada ao abrigo do artigo 16.º; f) De qualquer proposta de emenda, qualquer emenda adoptada em conformidade com o artigo 17.º e da data em que entrou em vigor; g) De qualquer outro acto, notificação, informação ou comunicação relativos à presente Convenção. Em fé do que os abaixo assinados, devidamente autorizados para esse fim, assinaram a presente Convenção. Feito em Florença no dia 20 de Outubro de 2000, em francês e inglês, fazendo ambos os textos igualmente fé, num único exemplar, o qual deve ser depositado nos arquivos do Conselho da Europa. O Secretário-Geral do Conselho da Europa transmitirá cópias
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certificadas a cada um dos Estados membros do Conselho da Europa, bem como a qualquer Estado ou à Comunidade Europeia convidados a aderir à presente Convenção.
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NÃO ME APETECE LER… VOU VER UM FILME
Paisagem e Sociedade
OSSOS; NO QUARTO DE VANDA; JUVENTUDE EM MARCHA (Portugal, 1997; 2000; 2006) * PEDRO COSTA Três filmes documentais sobre a toxicodependência, a violência e a imigração ilegal que têm como paisagem o mal afamado bairro das Fontainhas, nos arredores Lisboa. É uma parte da realidade portuguesa que é retratada, chamando a atenção para a intensa beleza e para a importância da contemplação numa das periferias urbanas mais degradadas de Portugal.
CIDADE DE DEUS (Brasil, 2002) * FERNANDO MEIRELLES A paisagem das favelas brasileiras. Cidade de Deus é uma das zonas urbanas mais infames e degradadas do Rio de Janeiro. Os seus bairros baixos são um cenário quotidiano de violência, da qua los mais novos só conseguem fugir através da arte, mais concretamente da fotografia.
O ÓDIO – La Haine (França, 1995) * MATHIEU KASSOVITZ A paisagem violenta e desolada dos subúrbios, a preto e branco, e as cenas da vida de um grupo de jovens rapazes. As drogas, as guerrilhas urbanas e os confrontos com a polícia são acontecimentos habituais num suburbio abandonado aos seus próprios recursos.
O ECLIPSE – L’eclisse (Itália, 1962) * MICHELANGELO ANTONIONI Investigação crítica de uma sociedade que se caracteriza por possuir uma riqueza material cada vez maior, devido ao crescimento económico descontrolado, mas que ao mesmo tempo sofre uma profunda crise existencial. A alternância de cenas ruidosas e caóticas com outras em que predominam o silêncio e as paisagens de arquitectura fria e geométrica, reflecte a falta de comunicação e a insuperável sensação de distanciamento característica das relações entre as pessoas.
Paisagens Quotidianas
FUMO – Smoke (Estados Unidos da América, 1995) * WAYNE WANG A vida no bairro de Brooklyn em 1995. As histórias, os sucessos e as amizades que começam numa pequena paisagem vizinha. Um pequeno pedaço de uma grande cidade, a
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esquina de um armazém, aparentemente insignificante, revela uma abundante paisagem humana da vida quotidiana.
BABEL (Estados Unidos da América, 2005) * ALEJANDRO GONZÁLEZ IÑÁRRITU Nas areias longínquas do deserto Marroquino, um casal de turistas americano luta para sobreviver, dois rapazes vêem-se envolvidos num crime acidental, uma ama atravessa ilegalmente a fronteira para o México com duas crianças e um pai de uma adolescente japonesa é procurado pela polícia em Tóquio. Os choques culturais e as distâncias físicas entre cada um dos locais onde decorre o filme, apresentam uma visão completa de como realidades tão diferentes e afastadas se podem cruzar. CINCO DIAS, CINCO NOITES (Portugal, 1996) * JOSÉ FONSECA E COSTA Baseado num romance de Manuel Tiago, este filme conta a história de André, que depois de fugir da prisão se vê forçado a abandonar o país. No Porto encontra um contrabandista que conhece bem a fronteira de Trás-os-Montes. Ao longo de cinco dias e cinco noites, atravessam montes e vales, à medida que se conhecem melhor um ao outro. Na paisagem transmontana, dois mundos diferentes irão ligar-se num sentimento de grande amizade e admiração.
A Celebração da Paisagem
UMA HISTÓRIA SIMPLES - Straight Story (Estados Unidos da América) * DAVID LYNCH Baseado em acontecimentos da vida real, este filme narra a viagem de Alvin Straight, com 73 anos, entre a sua cidade natal no estado do Iowa, para Mount Zion, em Wisconsin. A viagem de mais de 500 quilómetros, foi feita num cortador de relva, que Alvin conduziu ao longo de seis semanas, para visitar um irmão gravemente doente com quem não fala há mais de 10 anos. Nesta jornada contemplativa a paisagem rural da América do interior ganha uma nova dimensão. DOLLS (Japão, 2002) * TAKESHI KITANO Filme grandemente estilizado onde a poética das imagens e das paisagens orientais ocupa um lugar essencial para o desenvolvimento da história. Um casal simbolicamente ligado por um cordão vermelho, passeia-se por diferentes estações em lugares da cidade e da floresta, em busca do amor eterno. QUARTO COM VISTA SOBRE A CIDADE - A Room With a View (Estados Unidos da América, 1986) * JAMES IVORY A paisagem de Florença e os seus arredores. Ambiente de começos do século XX, mostra-nos Florença através dos olhos dos turistas ingleses e oferecem-nos uma
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paisagem verdadeiramente romântica. O campanário de Fiésole, as ruas e as praças da cidade… tudo é arte.
Documentários
BUENA VISTA SOCIAL CLUB (Cuba, 1999) * WIM WENDERS A Paisagem de Havana como cenário da música caribenha. Apesar do estado decadente dos edifícios do século XVIII e da corrosão das suas cores pastel pelo ar do mar, a cidade continua a fascinar todos aqueles que a observam a partir do exterior.
AS HORAS DO DOURO (Portugal, 2010) * ANTÓNIO BARRETO, JOANA PONTES Filme sobre a região do Douro e as populações que vivem ao ritmo das suas vinhas da cultura do vinho. Com início na vindima de 2007 este documentário aborda um período de dois anos que abrange todo um ciclo de produção vinícola, retratando a sua produção e cultivo, ao longo das diferentes estações do ano. PARE, ESCUTE, OLHE (Portugal, 2009) * JORGE PELICANO Em Dezembro de 1991, uma decisão política encerrou metade da centenária linha ferroviária do Tua, entre Bragança e Mirandela. Quinze anos depois, tudo o que nos resta é a memória dos transmontanos. Este filme documental reflecte sobre o rumo de desenvolvimento travado neste região, que acentuou as assimetrias entre o litoral e o interior de Portugal. Os velhos resistem nas aldeias quase desertificadas, sem crianças. A falta de emprego e vida na terra leva os jovens que restam a procurar oportunidades noutras fronteiras. Agora, o comboio que ainda serpenteia por entre fragas do idílico vale do Tua é ameaçado por uma barragem que inundará aquela que é considerada uma das três mais belas linhas ferroviárias da Europa. OS ÍNDIOS DA MEIA PRAIA (Portugal, 2007) * ANTÓNIO DA CUNHA TELLES Filme documental sobre a Meia Praia, uma comunidade piscatória próxima de Lagos, no Algarve, que vive com o 25 de Abril de 1974 uma experiência original e exemplar. As velhas casas são substituídas por moradias de pedra erguidas pela população e nasce a esperança de constituição de uma cooperativa de pesca. Dúvidas e contradições de um projecto único e do primeiro acto eleitoral livre de uma população após a queda do regime de Salazar.
AS OPERAÇÕES SAAL (Portugal, 2007) * JOÃO DIAS Em 1974/75, um projecto de habitação envolveu arquitectos e população numa iniciativa única e revolucionária. Os pobres conquistavam as casas que eles próprios construíam, e a arquitectura portuguesa dava um passo único na sua afirmação dentro e fora
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de portas. Trinta anos depois, as memórias filmadas dos actores destes processos ajudam a entender as repercussões sociais e culturais das Operações SAAL, ao mesmo tempo que um extenso acervo documental inédito ajuda a reflectir sobre os caminhos da arquitectura e do paisagismo em Portugal desde essa altura.
Referências Bibliográficas •
Actas das conferências dos Estados membros do Conselho da Europa sobre a Convenção Europeia da Paisagem (Estrasburgo, 2001, 2002, 2004, 2007, 2009). Os textos estão disponíveis na página Web do Conselho da Europa, no endereço dedicado à Convenção: www.coe.int/europeanlandscapeconvention.
•
Conselho da Europa (2006): Landscape and Sustainable Development: challenges of the European Landscape Convention. Estrasburgo.
Referências a páginas da web • • • • • • • • • • • •
www.coe.int/europeanlandscapeconvention – página da web do Conselho da Europa especificamente dedicada à Convenção Europeia da Paisagem. www.eurolandscape.net – Rede Europeia da Paisagem. www.recep-enelc.net – RECEP-ENELC (Rede Europeia de Autoridades Locais e Regionais para a aplicação da Convenção Europeia da Paisagem). www.uniscape.eu – UNISCAPE (Rede Europeia de Universidades para a aplicação da Convenção Europeia da Paisagem) www.civilscape.eu – CIVILSCAPE (ONG a favor da aplicação da Convenção Europeia da Paisagem). www.mondilocali.eu – Mundos locais. Rede europeia de ecomuseus. www.landscape-europe.net – Landscape Europe. www.landscaperesearch.org – Landscape Research Group. www.landscapecharacter.org.uk – LCN (Landscape Character Network). www.catpaisathe.net – Observatori del Paisatege. www.scenic.org – Scenic America. www.escolagalegadapaisagem.org – Escola Galega da Paisagem (Fundação Juana de Vega).
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