COLCHA DE RETALHOS Poesias de Esio Antonio Pezzato 2002
Portal do milênio O Portal do Milênio, finalmente, Em relâmpagos brilha à nossa frente, Escancarando enferrujadas portas: Dúvidas, cismas, medos e mistérios, E dogmas dos espaços mais sidérios Abrem a nós fantásticas comportas. E o que será de nós de agora em diante? O homem altivo, arcaico, atro e arrogante, Conseguirá vencer novo milênio? Ou terá, novamente, a mesma ciência Que o naufragou em sua incoerência Com todo o seu poder de insano gênio? O homem com sua fúria e seu orgulho Contaminou os rios com entulho E dizimou o verde da floresta. Ao vê-lo assim vagar perdido em fúria, Nos lábios tendo o vômito da espúria, Ah!... com certeza penso: ele não presta. Desde os primórdios do primeiro dia Só consegue encontrar, na áurea alquimia, Pedras filosofais para que possa Sua ganância transformar em ouro, Seu desejo, porém, só traz desdouro, E a virtude é jogada numa fossa. Em cobiça o homem inventou radares, E vasculhou os mundos estelares Mas o que conseguiu neste desejo? Após a garimpagem pelo espaço Amealhou fracasso após fracasso E a esperança enlameada em podre brejo! Saturno, Gêminis e Sputiniks, Ultrapassaram os sidérios diques E hoje só resta uma esperança crua: Que ele do espaço ainda não sabe nada, Sua vontade está paralisada Em passos dados na arenosa Lua.
Em épocas perdidas do passado O homem também já foi um rei louvado, Mas desapareceu pela ganância; E a história hoje contém o mesmo enredo, Mas não se acostumou ao acre e azedo Desmoronar de tanta extravagância! Onde estão os faustosos monumentos Que o homem, com seus desejos agourentos Fez construir em sua trajetória? E a esta pergunta o pranto a sangue tinge: Sobraram as Pirâmides e a Esfinge Para contar esta nefasta história! Onde os belos jardins da Babilônia? Creta e Cartago, o Egito e a Macedônia Sucumbiram aos ímpetos nefastos. O homem somente faz a negra guerra, Destrói a vida natural da Terra E em seu progresso faz-se andar de rastos! O homem que dominou dos céus os raios, Que quer brincar de Deus em seus ensaios Criando vida nos laboratórios, Não tem limites na ânsia da conquista, Vive sempre no sonho antagonista Ansiando em lutas, novos territórios! O homem com seu desejo famulento Torna-se cada dia mais violento: Busca arregimentar novos combates... Constrói armas de guerra mais possantes, E com olhos em fúria, rutilantes, Sem limites, se faz senhor de embates. Hoje existem ogivas nucleares, O invisível está solto nos ares E o lixo radioativo é sem retorno... Porém, só quer para levar vantagem, Do semelhante, conseguir pilhagem, Ou então conseguir qualquer suborno!
Mas o homem como irracional, proclama As glórias que conquista, mas de lama É o troféu que lhe cabe neste pódio. Basta olhar o passado – desse enredo O panorama se nos mostra azedo, E vibra a ingratidão, a angústia e o ódio. Da Grécia os velhos deuses de granito Também os Faraós do antigo Egito Não puderam conter tanta ganância... O velho Niebelungen da Alemanha Afundou suas mágoas na montanha Morrendo ainda na primeira infância... O vício da barbárie a tudo invade, E no caos vai vivendo a humanidade E nada há que lhe tire deste engodo. Foi assim desde os tempos de Sodoma, Depois foi Nero incendiando Roma, E Hitler atirando a Paz ao lodo! O homem proclama o seu caminho torto; Dizima vidas praticando aborto E assim, dessa maneira atra e nefasta, Busca encontrar seu pedestal de glória, Mas através de séculos de História, Notamos que na lama ele se arrasta. Quem matou mais que o homem sobre a terra? Bichos irracionais provocam guerra? Exterminam em fúria a fauna e a flora? Em Hiroxima quem soltou a bomba? Foi, acaso, uma picassiana pomba Voando despreocupada, rumo à aurora? Não precisamos, não, de velhos deuses, Que possam refrear tantos revezes Pois neles foi iníqua tanta crença... Para que ainda possamos ver os astros, Necessário se faz andar de rastros Para o milênio ter por recompensa!
O homem deve deixar de ser bizarro; Se o passado moldou-a à luz do barro, Ao barro irá voltar em seu futuro! Pensando ser eterno e onipotente, A história merencória já o desmente E seu fulgor irá pô-lo no escuro. Se ele se julga um deus, se julga um sábio, Sequer decifra tábuas de alfarrábio E hieróglifos de um mundo já apagado. Porém, ele só faz criar atritos, Cria, imerso em prazer, profanos ritos, E despreza as agruras do passado. Até Cristo divide-se em mil seitas; As mensagens da Bíblia são suspeitas E a verdade difere em cada exemplo. Hoje a fé tem valores monetários, Compra-se Cristo ao longo dos Calvários E um pastor O profana em podre Templo! Este é o retrato vil da glória humana, Que quer vencer de forma treda, insana, Para alcançar não sabe o quê, por certo. Vilipendiando os rios e as florestas, De formas descabidas e funestas, Amanhã viveremos no deserto. Entendo que o homem não estava pronto Para viver aqui, no exato ponto Do Sistema Solar, neste Planeta. Tirando a glória de viver em nichos, O homem devia era viver com os bichos Ou num lugar mais podre da sarjeta! Mas ele se diverte com o louro, Busca sempre encontrar as minas de ouro Para satisfazer-se em seus delírios... Nesta loucura vã, se desespera, Não percebe ao sorrir da Primavera, O florescer de alvinitentes lírios!
Ele em seu sonho cheio de utopia Desconhece a ternura da Poesia E os cantos dos Poetas – desconhece... Porém, se acreditasse mais nas rosas, Decifraria as crenças mais formosas Num florido jardim, em doce prece... Se, seus olhos pusesse nas crianças, Iria descobrir as esperanças Que podem ter um só deste sorriso! Iria ter mais fé e amor na vida, Su’alma encontraria a paz florida Na estrada que conduz ao Paraíso. E se do coração ouvisse o canto Que lhe diz com ternura e com encanto Que o amor é necessário aqui na Terra, Se ouvisse um só instante, tais alarmas No mesmo instante deixaria as armas, E deixaria de pensar na guerra! Mas ele não entende tal alarde, E com certeza há de chegar já tarde Para ver, quão inglória foi a lua... E há de sentir o horror da decadência, Ao ver que foi inútil tanta ciência, Já que nada ganhou nessa disputa! Mas o novo milênio se aproxima, Iremos viver nele como a rima Que nesses versos faço, onde demonstro A realidade triste de ser homem, E enquanto tantas dores me carcomem, O homem eu vejo como horrível monstro! Porém, deve existir um retrocesso, E tudo há de voltar ao seu começo Que o desígnio de Deus sempre é severo... E com certeza, ao fim deste milênio, O homem, com todo o seu poder de gênio, Irá voltar à mesma estaca zero! 15.07.2001
Colcha de Retalho A minha velha colcha de retalho, Feita por minha Mãe, na minha infância, (Tempo este já perdido na distância...) Hoje, ainda, me serve de agasalho... Altas noites friorentas, e eu, em ânsia, Busco-a e me cubro – feito um espantalho – E a ela coberto lembro-me o trabalho Que teve minha Mãe em longa estância... Muito mais que meu corpo, ela me aquece O coração, que bate como prece E mais parece guizo de um chocalho... Não quero, não, uma coberta nova, Do amor de minha Mãe – é eterna prova, A minha velha colcha de retalho! 22.09.2001
Exortação Canta, Poeta, os versos que fabricas Como as águas correntes, junto ás bicas Que correm cristalinas, pelo mato; Canta em versos perfeitos e sonoros A inspiração que brota de teus poros Tirando da beleza todo o extrato! Canta, Poeta, o amor justo e perfeito, A sinfonia que exacerba o peito Em alvorada multicolorida; Canta a Graça, a Ternura, a áurea Esperança, Canta o Amor, canta a Paz, canta a Bonança, Canta toda a Beleza que há na vida! Canta, Poeta, às luzes da alvorada, O que te deixa de alma apaixonada Num sorriso fremente, num sorriso Que contém dentre as armas – mais poderes, O que traz sonhos a milhões de seres Que almejam alcançar o paraíso! Canta, Poeta, em versos benfazejos, Os soluços de amor dos sertanejos Dedilhando, na tarde, uma viola; Canta toadas com a simplicidade De quem sabe encontrar felicidade E de quem, entre afagos, se consola! Canta, Poeta, em qualquer tempo, canta! Pois tuas rimas servem-nos de manta Tuas estrofes são nossos escudos; Enquanto em versos soltas tua Lira, Em nossos corações acende a pira E a tua voz – permanecemos mudos! 14.10.1998
Sextilhas sobre o corvo Cada vez mais de Poe, o negro corvo, Na minha vida anda causando estorvo A guturar seus versos sepulcrais... É que seu negro, atro e nefasto grito, – Eco de sombra a ungir todo o Infinito! – Em minh’alma crocita:– nunca mais! Este grito de morte me atordoa, No mais fundo de mim, lúgubre soa, Como o verso da morte que me vem E arrepiam-me peles e cabelos, Iguais horripilantes pesadelos Que caminho, na noite, sem ninguém. A noite fere em luz pingos de estrelas, Eu – solitariamente andando pelas Noites de horror que estão dentro de mim, Avisto em meio aos trôpegos destroços, Um punhado de brancos, podres ossos, Das vidas todas que tiveram fim. Alem, perdida num moirão da estrada, Eis a ave negra e funeral, pousada Alertando meus rumos a seguir: Armadilhas estão em cada canto, – Fico parado, pálido de espanto, Talvez pelo final de meu porvir! Perscruto o olhar de lince... Calmamente A passos lerdos vou pisando em frente E o corvo fica a me seguir no olhar. Está dentro de mim um denso medo! Mas vou a desvendar este segredo Embora sinta enorme falta de ar. Os passos alardeiam-me a presença, E o corvo negramente, em sua crença, Repete-me seus ecos guturais. É noite. Vou perdido no caminho, E ao desespero deste andar sozinho É o corvo crocitando:– nunca mais! – 15.11.1997
Pescador (para meu filho Esio, pescador convicto)
O pescador passa as horas Sentando á beira do rio O sol corre o espaço aberto E o pescador distraído Sentando á beira do rio Não vê o tempo passar Tranqüilo calmo em seu mundo As horas lerdas se arrastam E dentro de seu silêncio No lento arrastar das horas O pescador pensativo Brinca ao silêncio do tempo Na água lerda da corrente Navega a sua ilusão A brisa mansa e serena Cheia de sonhos repisa Momentos e horas passadas Em cardumes de esperanças Escamas brilham em lua Com os braços do pescador O denso suor escorre Pelos caminhos vincados Das faces contemplativas Tentando a luta vencer O samburá prende sonhos Dourados jaús pintados Mas a vida provisória Da cadeia de bambu Prolonga a hora da morte Para o instante da partida
Silêncio pede silêncio Quando retesam-se as linhas Formando um longo trapézio Entre as mãos os pés e a água O reflexo mais parece Um triângulo escaleno Equilibra-se na angústia Do percebido e não visto A luta submersa trava-se Com a vontade infinita De vencer a vida aquática Com anzóis de aço e de fisgas Luta – fieira de silêncio Para a vitória do nada Mas o pescador bem sabe Que além da aquática luta Há o caminho para a casa E á vida – maior disputa 14.10.1998
Balada Inspirada Há na minh’alma a inspiração De oferecer a ti, amada, Aos sons do amor, uma canção, Para mostrar que – apaixonada, Ela anda em plena madrugada A repetir este refrão: – Sem ti, querida, não sou nada, E a vida é apenas ilusão! Por isso, em plena comoção, Dentro da noite enluarada, Vou aos teus pés – com devoção, Oferecer-te esta balada. És minha Musa, és minha Fada, Hino de vida e de razão. – Sem ti, querida, não sou nada, E a vida é apenas ilusão! Ardo de amor como o verão Que deixa a vida incendiada. E vivo sempre na estação Que a vida faz iluminada. Contemplo em luzes a alvorada Que traz-me o sol com explosão. – Sem ti, querida, não sou nada E a vida é apenas ilusão. Oferta És minha fruta açucarada! Provo-te o sumo em emoção! – Sem ti, querida, não sou nada, E a vida é apenas ilusão! 14.08.2002
Considerações Minha poesia já não traz o encanto Da passada e esmaecida mocidade. Hoje é tangida em cordas da saudade E é sem sonoridade este meu canto. Poucos anos separam o passado Deste presente insípido e tristonho. O porvir não me traz ridente sonho E fica em pesadelo transformado. A primavera vai perdendo as flores E o verão antecipa a cor do outono. As folhas vão rolando no abandono E o inverno se transmuda em frias cores. A exclamação do corpo belo e altivo, Numa interrogação atroz se tange. A costa arqueada lembra um frio alfanje, Das intempéries fica-se cativo. Tudo é veloz de mais... a loura aurora Alcança o sol a pino e traz a arde... O fogo do desejo já não arde E o que era doce e lindo... vai-se embora... O entardecer de dúvidas se fere, O olhar se torna baço e se enevoa... E a silenciosa sombra sempre soa Num ritual de triste miserere... 13.11.2000
Desesperança Pelas sombras, nas trevas, solitário, Coração perambula no caminho, Na tortura de sempre estar sozinho Lembra Alguém que seguiu atroz calvário. Como é triste, Senhor, o itinerário De quem, na vida, já não tem carinho. Ave que foi expulsa de seu ninho Já não tem mais encantos de canário... Mudo e tristonho vou, sem esperanças, Carregando farrapos de mil sonhos Pelos ermos perdidos das lembranças... O outrora céu azul da mocidade Hoje contém relâmpagos medonhos E anuncia terrível tempestade... 23.10.2000
Canto Noturno (1982)
Em pleno dia o Pássaro da Noite Cortou, felino, a tua trajetória: E calou tua voz E levou teu sorriso Também tua esperança Longe de todos nós. – Teus sonhos de criança Anseios de mulher, Projetos do futuro Lembranças do passado; – Está tudo acabado. A morte veio e entrou na tua vida Deixando em todos nós, uma saudade: Saudade dos teus cantos E da agressividade Junto às canções de brasa Que soubeste cantar: Ódio, raiva, delírio, Amor, fogo, paixão, Desespero inflamado No ato da louvação Ao cantar o passado. Anjos cheirando a cocaína e álcool Desmoronaram o teu corpo físico, E a dor da morte paira No tédio da saudade, No palco do Teatro, No pranto de um amigo, Que agora, a recordas, Lembra do paraíso Na voz do teu sorriso Que era maior que o mar. Basta de soluções e mil hipóteses Para sair da Noite a tua morte. Melhor será lembrar-te No palco cintilante, Porque tudo na vida
Brilha a falsa brilhante, E a transversal do Tempo Não tem curva ou retorno, E a história tão-somente Seguindo a longa estrada, Jamais e esquecerá. Basta de conjecturas, pois as tramas, Ficarão, para sempre, no segredo: Fatos – serão passados, Fotos – serão guardadas; E os cantos, na magia De tua voz perfeita, Agradarão ouvidos Num poema feliz E todos, ao ouvi-los, Relembrarão saudosos: – Esta voz é da Elis! 25.01.1982
Visita Fui hoje à tarde, Fazer uma visita ao cemitério, E o invólucro de um fúnebre mistério, Deixou-me fraco, pálido e covarde! Desesperado Vi sepulturas mil de mil defuntos, E à certeza de um dia estarmos juntos, Deixou todo o meu corpo macerado! Tive tonturas E a cova derradeira, podre e rasa, Vai ser um dia a minha última casa: Porto final das minhas aventuras! Vi dois coveiros Tirando uma urna de uma fria alcova... Meus Deus! Ali será a minha cova Onde os meus sonhos dormirão faceiros! Uma caveira Esbranquiçada, vejo em alvoroço! A quantos vermes servirei de almoço Quando eu me vir numa total cegueira?! Mil pesadelos Toldam meu cérebro – macabro porto! – Sensações tenho de que já estou morto E sinto arrepiados os cabelos! Ai, nada resta, Para quem vem nesta Mansão Funérea... Voa a Alma para a Imensidão sidéria, E aqui na terra fica o que não presta!... 02.11.1985
A um Amigo (pela perda da Esposa)
Amigo, se hoje a dor imensa te devora, E a solidão da ausência o peito teu invade, Olha que no horizonte explode nova aurora E brilha um novo sol de intensa claridade. Queres abandonar a vida que amas tanto Porque perdeste o amor maior de tua vida? No horizonte se agita um novo mais de encanto E a primavera azul te voltará florida! Canta, Poeta, enquanto a tua voz é pura, E os pássaros, no céu, calam para escutar-te. Se hoje vivendo estás num mundo de amargura, Amanhã seguirás para o Universo da Arte. Esquece a solidão e a dor do pensamento: – Nem sempre vive o mar em brusca tempestade. Se hoje andas pela praia imerso em sofrimento, Vê que nem tudo é dor, agonia e saudade. Vê que a felicidade em todo o mundo existe, E o ideal da vida ainda não é morto. Se o timoneiro audaz no insano mar resiste, Também irás levar o teu navio ao porto! Crê na força de Deus – o nosso Pai augusto, Que certo sempre escreve em Suas linhas tortas. E sendo Pai – é Bom; e sendo Deus – é Justo; E sendo Justo e Bom, não deixa as vidas mortas. Crê, Amigo, no Poder de tua força enorme. E deixa o desespero aos ateus da esquivança. Se o teu imenso amor na Eternidade dorme, É hora de crer em Deus e ter Fé e Esperança! Ergue de novo o olhar, caminha para frente, Que um futuro de luz no horizonte de espera; E confia na Vida e segue mais contente, A estrada que te leva á eterna primavera! 29.01.1980
Numa noite de lua Apavorado acordo. A treva imensa O céu povoa de uma negra crença Profana, lívida, agourenta e crua. Devagar, ergo as pálpebras dos olhos, E à minha frente, esquálidos escolhos Dão-me a visão da morte horrenda e nua. A noite bruxuleante, atra e faminta, Acorda na montanha a voz extinta Dos ecos esquecidos no passado. E o pavor da chacina me apavora: – Está noite é uma noite sem aurora E a lua é um rubro lenço ensangüentado. Corujas piam no estertor da morte; O desespero lança a única sorte Existente em macabros necrológios. O ar parado é um aziago mofo seco, A minha estrada morre em atro beco Onde não marcam horas os relógios. Tudo parado e o desespero aumenta, Enquanto a lua cheia, amarelenta, Lança raios mortíferos, faiscantes, Meu grito grita um grito, grita um grito, Que reboa o pavor ante o Infinito Em macabros desejos delirantes. Eu tenho medo de sair de casa... Cinzenta, a madrugada a tudo arrasa, E abre o pavor nas lúgubres chacinas. A minh’alma de frio treme e treme Meu coração, que sufocando, geme Ao ver este espetáculo em ruínas. Tudo macabro e a solidão da morte A cada instante torna-se mais forte E torna-se mais forte a cada instante... – Os relógios não marcam mais as horas... Às noites não existem mais auroras E a paz que havia está demais distante.
Porém, tento acordar do pesadelo... Parecem minhas mãos pedras de gelo E não me aquece a lamparina o fogo. Tudo macabro, errante, solitário... O meu Zodíaco que é Sagitário, Do frio não aceita o rude jogo. Mas vou achar a porta da saída Desta embrionária noite pervertida, Onde a angústia remexe na minh’alma. Vou abrir as cortinas para os Sonhos, Nas miragens, ter dias mais risonhos, Pois só assim irei viver em calma. 23.10.1979
Vergonha Eu tenho vergonha de abrir os meus olhos E ver este mundo coberto de escolhos Com tantas crianças morrendo de fome... Vergonha de ver triunfar a maldade, Os homens matando sem ter piedade Lutando com armas às quais nem sei nome. Soldados vivendo nos vales de dores, – Trincheiras medonhas, cobertas de horrores, Distantes do mundo sonhando por tantos... Metralhas rugindo causando mais morte; Meu Deus! Ainda existe no mundo esta sorte Que traz mil desgraças e esquálidos prantos? É tanto infortúnio, tamanha é a cobiça... Os ares exalam a podre carniça E a terra é um horrendo lugar de destroços!... E o negro cenário faz parte da terra Que envolta no atro ódio, revolve-se em guerra, Com o negro e sinistro chacoalho dos ossos. As armas profanas não gostam das vidas... Arrasam os sonhos, destroem feridas, E expelem, nefastas, seus cantos de escória! Ao choro sentido das magras crianças, Exaltam mais alto com suas vinganças Dizendo que querem ter nome na História! Um nome na História que a sangue é escrita, O sangue inocente que, em vão, aos céus grita Que o amor é preciso na face da terra. Porém, na garganta tal grito é calado, No chão mais um corpo vai ser massacrado E gritos profanos, proclamam a guerra! A guerra nojenta, que mata, consome, Que faz o soldado perder o seu nome, E ao mesmo soldado lhe dá uma medalha. Meu Deus! Enfim quando terá paz no mundo? Será que o futuro nos é tão imundo E o amor infinito não nos agasalha?
Não mais a Esperança sagrada resiste... O mundo é uma gleba negra, atra e tão triste, E o corvo sinistro da guerra se exalta. Os pólipos crescem com força gigante, E vai cada dia ficando distante A Paz que no mundo nos faz tanta falta! Metralhas rugindo... profana é a algazarra; O mundo está esquálido... a negra fanfarra À marcha da morte convoca mais vidas... Os campos povoam-se em negros destroços, No chão amontoam-se os lívidos ossos, E nossas virtudes caminham perdidas. E quando teremos sorrisos no mundo? Daremos epílogo ao ódio profundo Que a tudo depreda com ira medonha? Ah! Quando teremos o Amor como meta, E a Paz que ansiamos de forma dileta E quando no mundo teremos vergonha? Não mais eu consigo cantar o meu canto, Pois ouço do mundo necrófilo pranto Que a guerra ainda paira, sangrenta, suprema... E tudo caminha com negros pesares, Essências da Morte povoam os ares, Porém, aqui paro com esse poema... 15.05.1978
Enchente Passaste como um rio em minha vida; Um grande rio em época de enchente. Que destrói tudo inopinadamente, E, os diques, levam todos, de vencida. Meus sonhos naufragaram na corrente Com fúria incontrolada e desmedida – E hoje minh’alma, triste e dolorida, Em destroços de sonhos, segue em frente... Chega, porém, o tempo de estiagem, A alma no sonho brota na folhagem E a rotina produz nova alvorada. E flores novas brotarão nos galhos, Regadas com as lágrimas de orvalhos Quando te vires só e desprezada. 27.09.1990
Encontro Num banco de jardim de abandonada praça, Quando a tarde morria em fulgores e graça, Sentaram certa vez, por capricho, ao acaso, A velhice a mostrar suas luzes de ocaso E a juventude em luz nos fulgores da aurora... ... Um silêncio sem fim aconteceu nest’hora. Envolta em luzes mil a bela juventude Passou a enaltecer toda a sua virtude: –“Tenho força e fulgor, anseios e beleza, A meus pés chego a ter tudo da natureza! Com passos firmes sigo e avanço na jornada, A vida para mim brilha sempre encantada! –“Por onde passo esparjo os louros da vitória, O que quero consigo e brilho nesta glória! Sei correr, sei pular, saltar, jamais me canso, E o que no céu cintila, em êxtase eu alcanço! O futuro me espera em luzes e fulgores, E a estrada onde palmilho é recheada de flores. –“Posso tudo vencer num rápido momento, E, uma vida sem fim tenho por mandamento! Posso abraçar o céu, pois o céu me pertence, E nem a Eternidade em seu fulgor me vence, O que quero conquisto e a conquista me chama, Em coroas de luz fulgura a minha fama! –“Se tudo posso ter, quando minh’alma sonha, Às glórias que acumulo eu me vejo enfadonha. Não preciso lutar para ter o que quero, E o que procuro ter nem um instante espero. É por esta razão que num brilho fremente, Penso ser uma Deusa eterna e Onipotente!...” E desatou a rir em sua garrulice Quando pôs-se a falar com ternura a velhice: –“Tudo o que hoje possuis, também já tive um dia Mas agora somente a esperança me fia. Já não posso correr e lutar já não posso, Mas não invejo, não, teus feitos de colosso.
–“Pensas na Eternidade e ela é veloz qual raio Que deslumbra e depois descamba num desmaio, Pretendes ser a luz, mas de forma aziaga, Na hora da precisão a luz também se apaga; Podes correr, subir e galgares montanha, Mas na encosta, porém, é que o mar alvo a banha; –“Se os sonhos podes ter a um teu único apelo, Ao fim desta existência é negro o pesadelo. Se te pertence o céu, se te pertence a glória, O que vale vencer, o que vale a vitória? Vives sempre correndo atrás da áurea esperança, Eu ando junto dela e de mim não se cansa. –“Vivo um dia por vez sempre com novo encanto E ele sempre me ensina um novo e terno canto. Se teu caminho azul é recheado de flores, A vida é meu caminho exótico de amores. Se perfumas ao vento eu perfumo os meus dias, Se vives o prazer eu vivo de magias, –“Pode ser que o porvir que em ânsias tu esperas, Jamais chegue a florir quais loiras primaveras. Olhas o imenso céu e as aves pensas tê-las, Eu já vivo no céu coroada de estrelas! O que pensas buscar e anseias num desejo, Encontra meu olhar na carícia de um beijo. –“Pensas dar teu amor a todas as pessoas, Eu deste amor tenho hoje as melhores coroas. Se queres ser o sol com a sua virtude, Tu somente terás a sua luz que ilude. Eu tenho a mansidão, e o afeto desta vida, E se olho para trás a estrada é colorida! –“Cuidado, juventude, esta incontida ânsia, Há de pôr entre nós um mundo de distância. Porém, se no amanhã venceres a jornada, Por certo irás ficar com a alma apaixonada. E sentirás por fim, presa à nova crendice, Que é prata a Juventude e o ouro é da Velhice!” 14.08.2001
Meninos de rua Um menino, com as mãos sujas de graxa, Que nos sapatos do Dr. capricha, De todos os moleques tem a ficha, – Quando passa a polícia, ele se agacha; Esse menino, em devaneios, acha Que entre todos existe muita rixa: Para quem cheira cola, a grana micha, E não ganha sequer para a bolacha... Alguns, não podem encontrar a brecha Numa loja qualquer, de dono trouxa, Que se tornam ligeiros como flecha: Entre graxas, escondem a garrucha, Brigam na rua e com a bochecha roxa Divertem-se assistindo ao Xou da Xuxa! 16.11.1990
Insônia Insônia! Insônia! Insônia! O desespero infando Que entra em meu corpo e não permite vir o sono... Desespero fatal! – fico acordando quando As pessoas estão em plácido abandono. Latem errantes cães pela rua deserta... Monótono, o relógio, em seu bater eterno, Traz as horas sem fim... em vão, sob a coberta, Não consigo dormir... E a insônia é meu inferno. Trabalha o pensamento... em coisas chulas pensa... Levanto-me da cama e vou olhar a rua. Silêncio e solidão... esbranquiçada e densa A bruma, num valsar, mostra e me esconde a lua. Um livro para ler é companheiro amigo Para o sono chegar... Trinta páginas leio! Emboscada fatal! Assassinos! Perigo! À trama do romance eu me pego em anseio... Outro cigarro acendo... Ininterruptamente Fico olhando a fumaça a boiar, e vou vendo A luz de meu passado a brilhar no presente; E imperturbavelmente, ouro cigarro acendo! As mulheres que amei vem-me fazer visita... Não chega o sono e então acendo outro cigarro... A fumaça flutua efêmera, esquisita... De súbito o pavor... Em fantasmas me agarro... Quatro horas da manhã... A insônia me acompanha; Parece que dormi por séculos seguidos! Sou capaz de subir e descer a montanha Andando sempre a pé, com passos decididos! Do cigarro a fumaça evola-se, enche o quarto, Parece até que a névoa entrou em minha casa. Sozinho! Com ninguém minhas dores reparto, No peito o coração arruiva como brasa.
Na rua um gato mia... Um cão em seu encalço! Noturno, o vento agride as flores do arvoredo... Divaga a fantasia... O pensamento é falso, Por instantes reais, da insônia sinto medo. Na sala, o carrilhão marca mais um quadrante... O sono não me vem e eu aproveito e escrevo... (Se eu tivesse ao meu lado a apaixonada amante, A insônia até seria um momento de enlevo!) Como é tarde! Oh, Morpheu! Aqueça-me em teu colo; As pálpebras me cerra... Eu preciso de sono. Mas angústia fatal! Aumenta o desconsolo! Amanhece e eis que estou em pálido abandono!... 16.07.1993
O desespero de Judas O sol caía junto às barras do horizonte E o pesadelo atroz pairava junto à fronte Do traidor contumaz, Judas Iscariote! No esgar desencadeado o vento – igual chicote! – Vociferava forte em remoinho imenso... Longe, o corpo de Cristo ao madeiro suspenso, Arquejava um gemido em hórrido contraste: “Eloí, Eloí, por que me abandonaste?...” Relampejava o céu escombros de violência E prenunciava em fúria a voz da Providência... Com o olhar febricitante o Apóstolo fitava Aquele que traíra... a multidão escrava De poder contemplar na cruz mais uma morte Exortava a sorrir tais momentos da sorte! Judas fitava mudo os delírios insanos De escribas, fariseus e soldados romanos. Mas de repente o sol brilha por uma fenda E ele pressente o fim desta visão horrenda. Uma voz interior em seu cérebro vibra E ele sente tremer no corpo, fibra a fibra, Da agonia fatal que padece o Traído... E neste instante então, percebe-se perdido, E o inferno do terror penetra em sua mente... Apavorado está... Sai correndo... demente Nas pedras tropeçando e segurando a capa Não consegue encontrar na própria mente o mapa Para onde quer seguir... Aflito vocifera E em seu rastro imagina ouvir o uivo da fera Do desespero atroz que persegue su’alma. Nada, nada o detém, nada no mundo o acalma, E uma voz interior em mil ecos propaga Como nefasta, fria, e supurada praga: “Traidor! Traidor! Traidor!...” mil caminhos procura, Mas não consegue achar lenitivo à loucura, Que enrosca no seu corpo... Alucinado, aflito, Corre a mais não poder... À distância o Infinito, Negreja o céu de fumo e ele vai, desvairado, Pelos campos sem fim como um desesperado.
– “Que foi que fiz? Senhor, tende de mim piedade; Com a ganância maior do que a necessidade Vilipendiei dos Céus o Teu Filho divino E eis-me agora a traçar o meu negro destino... Por certo Satanás penetrou em meu peito E eu fraquejei, pois não devia tê-lo aceito; Sou filho de Caim e perdão não mereço, Mas se devo pagar agora qual o preço E o que devo fazer? A loucura me invade. Sou o próprio Pecado, a própria insanidade, O Teu Filho traí e é horrível o meu crime, E nem o Teu perdão minha pena redime. Uivam feras no chão onde meus passos piso, Em reflexos o céu dá-me o mortal aviso Que contra Ele pequei... O que fazer agora Que percebo o meu crime e a culpa me devora? Eu que tanto busquei seguir o Seu caminho Como posso viver nesta angústia sozinho? Aos Outros que direi quando vierem falar-me? Sou covarde, Senhor! O inferno traz o alarme Anunciando que estou de partida para ele. Minh’alma é pura brasa, em cancros sinto a pele, O cérebro fervilha e eu não tenho sossego... Porém, para seguir às Geenas estou cego, E o terror queima em mim, queima as minhas entranhas, Sinto no coração os palpos das aranhas, Nojentos escorpiões os meus pés aguilhoam, E os gemidos de Cristo em meus ouvidos soam E é minha própria voz, Senhor, que me condena. Minha língua está grossa e já cheira à gangrena, O pus cobre meu corpo e é horrível este cheiro. Uma ave negra voa e o seu canto agoureiro Parece me dizer com seu grasnar eterno: Inferno! Inferno! Inferno! Inferno! Inferno! Inferno! Tudo é negro, Senhor... Pessoas apressadas Passam por mim agora em rudes gargalhadas E dizem sem parar: que sirva como exemplo Para Aquele que quis nos expulsar do Templo! O Seu corpo na cruz vaza em pus e excrementos, E das pernas escorre em pútridos tormentos E eu não O ouvi, Senhor, fazer um só reclamo, Da Sua dor pungente e agora em dores clamo
Mas perdão não mereço, eu sei que não mereço; Para tal atitude existirá um preço? Trinta moedas, Senhor, as minhas mãos seguram, Tatuam a minh’alma e em minh’alma supuram... Os lobos e os mastins perseguem os meus passos. Condena-me, Senhor, caiam em mim espaços, Teus Sidéreos sem fim que vagam no orbe imenso ... Estou fora de mim, e louco já não penso... Profanei minha vida em tal crime hediondo Por onde piso os pés, por onde os olhos sondo O terror é cruel... No inferno alguém me espera. Hei de viver na treva, entre grupos de fera, No delírio da dor, neste insano remorso. Impossível seguir... Sangram meus pés... O esforço É em vão... a noite está dentro de mim, sou noite; Não há lugar, bem sei, onde meu corpo acoite, Dá-me a morte, Senhor, que este sofrer eterno, Deve ser bem maior ao que terei no Inferno! O corpo de meu Mestre ainda está pregado E pende junto à Cruz... Parece estar alado Pronto para alcançar a imensidão celeste... Penso que vai voar, embora n’Ele infeste, Laivos fundos da dor... O vento sopra agora E seu rígido corpo atado à cruz é a Aurora De um dia que ainda está para chegar... Mas quando? Bem sei, não estarei por tal dia esperando... Tenho sede, Senhor, a boca queima em brasa, Não tenho onde seguir... Há muito estou sem casa, Onde agora viver?...” A Ganância e a Cobiça – Irmãs gêmeas do mal! – farão sua Justiça! E à árvore atando a corda em tenebroso trismo Judas precipitou-se à escuridão do abismo... 13.04.2000
Noturno Um grito de Poesia sai-me d’alma... Estou feliz... a noite segue calma O seu destino de trazer-me a aurora... – Quem foi que esborrifou o céu de estrelas? Sonâmbulo, ando pela noite e pelas Celestes trevas que meu ser adora. Amo a noite e os sarcófagos de prata Que iluminam a noite e a densa mata Onde meus passos seguem sem destino. Amo a noite de forma tão intensa, Que se possível fosse-me uma crença, A faria num verso cristalino! Oh! Noite, tua luz que me destila, Que minha vida deixa mais tranqüila, Por certo vem de uma destilaria Com new know próprio para filtrar luzes, Por isso, enquanto castiçais conduzes, À noite irei cantar minha Poesia! Minha Poesia pura, da pureza Dos anjos celestiais que sem defesa Nas florestas da noite andam e cantam. Ah, visitar constelações brilhantes, Onde as estrelas puras, coruscantes, À imensa solidão da terra encantam... Sou mais Poeta à noite, quando saio, E a lua preludia o mês de Maio Que das damas da noite traz o cheiro. Vicejam nos jardins rubras violetas, Aonde às centenas, vêm as borboletas Os perfumes sentir de um jasmineiro. A noite adquire vida própria quando Os seresteiros, aos violões, cantando, Fazem junto à janela uma seresta, E a Mulher que dormia enlanguescida, Em mágico torpor se enche de vida Enquanto os olhos buscam uma fresta...
Mas a Mulher que guarda algum segredo Oculta, entre cortinas, sente medo Enquanto o coração – traidor confesso! – Denuncia o que os lábios nunca dizem, Embora n’alma alegre se enraízem, Por outro coração – carinho e apreço! À noite é que o Poeta – missionário De Deus na Terra – como visionário, Despreza de Morpheu os róseos braços, Pois é que enquanto a noite arde e suspira, Deus desce à Terra e Seu cantar transpira Para alvejar de estrelas os espaços! 14.03.1993
O Lavrador Arde o sol. É manhã. No Cáucaso diário O velho lavrador – o Prometeu – arqueja – Sob o peso da lida e segue o itinerário Que mais parece ser um lúgubre Calvário Onde Cristo revê a Sua Mãe – que o beija! Manha. De sol a sol – no causticante inferno, Lavra a terra a sofrer... corre o suor no rosto... Suas rudes feições transmudam-se e o inverno De seu longo viver parece ser eterno E é eterno quando vê, no céu, o sol já posto. As calejadas mãos não sabem mais, na vida, Carinhos ofertas, pois o trabalho intenso Consome seu viver... a Esperança é perdida, As ilusões são vãs, e a estrada percorrida Lembra o inverno glacial que é nebuloso, denso... Trabalha tanto e tanto... a enxada corta o mato Que entre os canteiros cresce... o rastelo, em arrancos, Tira entulhos da terra e entre um ao e um outro ato, Vê, crescendo feliz, – desse doce contacto – Os frutos de um trabalho em honra aos Sonhos brancos. Trabalha e sofre, sofre e trabalha, e o trabalho, É um hino para Deus, pois enquanto padece, Não vê o tempo passar – o tempo é como o galho Da árvore centenária:– enquanto cai o orvalho A vida em flores vibra em poderes de prece! Bendito Lavrador! As tuas mãos são santas, Pois embora colhendo o puro Sacramento Eu quisera saber em casa, o que tu jantas? E não creio que tu, que a tantas bocas, tantas Bocas dás de comer, comas teu alimento! E mesmo assim tu vais – com puras Esperanças, Matar do mundo a fome: e o campo – terno abrigo – Forra-se de arrozais das sementes que lanças, As espigas de milho... ah!... são loiras crianças Que brincam sem parar com os cachos de trigo!
És um santo na terra, Artesão do futuro! Em tuas mãos está depositada a sorte Dos homens do porvir, porque tu és um Puro, Um seguidor de Cristo e de Buda e seguro Encontrarás a Vida onde, hirta, reina a Morte! 23.06.1981
Canção entre parêntesis Foi muito bom te ver naquele dia... (Um canário cantava na gaiola A sua serenata em sinfonia... Meu coração, em forma de viola, Fez repentes de mágica poesia... E cantando sentida barcarola A minh’alma fez hinos de alegria, E ao mais falar a minha voz se enrola...) Foi muito bom te ver naquele dia... 30.09.1999
Círculo – Por que chorar, amigo, a morta mocidade, Se ao morrer ela deu-te a calma, a experiência, O saber esperar os passos da prudência, Certa sabedoria e freios à ansiedade? Se antes, num atropelo e em tola insanidade, Prendias o teu sonho à vesga intransigência, Hoje tens certo estudo e sabes que a ciência É saber esperar com virtude e vontade! Podes ter menos força, entretanto, o que conta, É acariciar o tempo e o tempo sempre aponta Com pura exatidão o instante de ir-se à frente... Então, por que chorar num desespero aflito? Que diz a tua voz que mais parece um grito? –“Quem me dera outra vez ser moço e inexperiente!...” 29.01.1999
Incapacidade do Artista Às tardes, contemplando o sol no ocaso, Incendiando nuvens passageiras, As minhas vistas ficam prisioneiras Do espetáculo feito por acaso. E jamais um pintor, com mãos artistas, Conseguirá reproduzir na tela A paisagem tão límpida e tão bela Com pinceladas ágeis e (im)previstas. As nuvens mudam num vagar a esmo Em suas formas rápidas, constantes... E o que agora elas são não eram antes E o artista em sua vida é sempre o mesmo. 03.11.1999
Silêncio Melhor calor. Às vezes o silêncio Consegue traduzir mais que as palavras Que estão a embaralhar a nossa língua. Por vezes traduzir fica impossível – Lágrimas valem mais do que palavras. O silêncio de um túmulo reflete A verdade contida no segredo. 23.03.2001
Imprevisto Ela, às vezes, me dá uma alegria, No momento que menos eu suponho. Nessas horas parece até que sonho Mas estou acordado... em pleno dia. Chega sorrindo em forma de poesia E eu nos seus lábios, ternos beijos ponho. Sorri – meu mundo fica mais risonho! Canta – e me embalo nessa fantasia! Até parece que a felicidade É a coisa mais banal que há nessa vida, Pois ela, de maneira mais completa, Faz minh’alma cantar em ansiedade... A paisagem se torna mais florida E feliz eu me torno mais Poeta! 14.11.1995
Aparente mansuetude Se já não mais possuo o fogo antigo Que antes me enfebrecia de emoção, Ainda meu peito serve como abrigo Para um esperançoso coração. E mesmo às intempéries eu não ligo E ao redor me projeto em mansidão; Porém, sei muito bem que n’alma abrigo, Efervescentes lavas de vulcão! Assim, nesta aparente mansuetude Se se me extingue a airosa juventude, Nem por isso é que tranco-me à ilusão. As brasas tão-somente estão cobertas, Se minhas vistas lanço a áreas desertas, É que ainda espero o vento da Paixão! 23.05.1996
Matinal O dia amanheceu todo festivo! No jardim – lindas rosas encarnadas Desabrocharam pelas madrugadas Deixando meu jardim alegre e vivo! De monástico sonho sou cativo! Enlaço minhas rimas em baladas E os lábios escancaro em mil risadas E canto meu prazer afirmativo! Gotículas minúsculas de orvalho Mais parecem cristais que à luz do sol Ficam a refletir de cada galho Um arco-íris em forma de farol; E eu, num instante paro meu trabalho, E soletro cantigas em bemol! 25.06.1996
Preciso... Preciso que o silêncio das manhãs Seja quebrado apenas pelas aves Que em cantos matinais, calmos, suaves, Amadurem as frutas temporãs. Preciso que o vermelho das romãs Traga-me a sorte para meus entraves E em vôos andorinhas façam claves E musiquem as sombras das rechãs. Preciso que meus passos sejam certos Para encurtar estradas dos desertos E poder palmilhar pelo porvir. Preciso aos sonhos sigo sempre a esmo, E a cada dia mais me sinto eu mesmo Com mil facilidades para rir. 28.08.1998
Rua XV (esquina da Av. Armando de Salles Oliveira)
De chupetas na boca, essas crianças, Ficam brincando de pedir esmola, Não têm educação, não têm escola, E muitos menos sonhos e esperanças. Nos semáforos ficam, entre danças, Parecendo bonecos sobre mola, Mastigando passada mariola Com rosto sujo após tantas andanças... –“Me dá uma moedinha?!...” e andando a esmo Por entre os automóveis impacientes, Elas se esgueiram num furtivo riso. O tétrico cenário é sempre o mesmo: E eu vendo essas crianças inocentes, Penso que é fantasia o Paraíso. 13.12.1999
Soneto manco Marcas no chão definem-te a presença... E corrôo-me à angústia de estar só. Todo o nosso passado, a nossa crença, Resume-se hoje a pó. E o que nos resta – a tola indiferença – Põe à minha garganta amargo nó; Que a solidão é a mais cruel sentença Que á boca põe um oh! E assim, na solidão de estar sozinho, Os pés vão desenhando em meu caminho Este sonho cruel. E quando chego ao fim desta jornada, Tenho, para agravar esta cilada, Grossos favos de fel. 23.07.2000
Pedro Chiquito (repentista piracicabano, quando de sua morte)
Na carreira do Divino Hoje o canto é desatino E faço tanger o sino Num dobre muito magoado... Mas tenho um verso bonito Que leve ao mundo Infinito A alma de Pedro Chiquito Na carreira do Sagrado. Meu verso rola vazio, N’alma sinto enorme frio A tristeza é um arrepio Que deixa desesperado Este Poeta que insiste Em cantar seu canto triste E às intempéries resiste Mesmo com seu canto errado. Não sei moda de viola – Um dia fugi da escola E hoje guardo na cachola Somente um verso quebrado. Mesmo assim, com teimosia, Vou tentar minha poesia Que de sonhos é vazia Parece um jacá furado. Que importa seja meu verso Do modo todo diverso Da Lei que rege o Universo E tem contrato firmado? Socorro, Moacir Siqueira! Nhô Serra, marquei bobeira, Estou a fazer besteira Tô onde não fui chamado! Hugo Pedro Carradore – Jararaca do Folclore – Você, talvez, lendo chore, Ao ver meu verso engasgado... Amigo Toti me ajude! Sua eterna juventude
Vem do Rio sem saúde Ou vem do canto marcado? Outro mundo talvez herde A linda esperança verde Que no canavial se perde Na garapa e no melado... Mas eu tenho por herança Velha e magoada esperança Que labuta e não se cansa Em ver o verso rimado. Talvez as Luzes da Aurora (Que o céu de fogo colora) Doure a pérola que irrora E este canto derrocado... Ou será que a Semeadura Que rebenta a terra dura Consiga deixar madura A vida e o sonho dourado? Ou será que o Chiarini (Que Deus o tenha e o ilumine!) Qual um pintassilgo trine Para deixar inspirado Este verso pobre, chulo, Que não tem valor e é nulo, Que nas métricas dá pulo Pois quem faz não é letrado? Ah, tento um verso bonito Para cantar no Infinito O grande Pedro Chiquito Que está de peio calado... Mas a inspiração me falta, A noite imensa vai alta, A alma em sussurros se exalta E continuo acordado... Vou parar com a redondilha, E buscar outra cartilha, Acordar a minha filha E fundar outro condado... Vou ser rei em terra estranha, Da teia, tirar a aranha,
Pois à viola me acompanha Quem jamais ponteou errado. Já estou todo confuso, Pois do verso fiz mau uso, Desce do céu, Parafuso, E desenrosque o enroscado... O duo aí tá bonito? Pudera, o Pedro Chiquito Num desafio infinito Deixou Deus apaixonado... Depois de tanta besteira Eu salto dessa carreira, Rezo para a Padroeira Mais um terço devotado... E ao eterno repentista Que teve a grande conquista De ver o Maior Artista, Adeus e muito obrigado! Poema feito dia de sua morte 16.12.1991