derradeira plumagem

Page 1


derradeira plumagem

irineu volpato

derradeira plumagem renard

2


derradeira plumagem

direitos reservados V961P VOLPATO, irineu 1933 derradeira plumagem, poesia 2012/21 santa bárbara d´oeste-sp Renard ediç. 114 p. 21 cm. 1. Literatura Brasileira 1. Título CDD: 968.615

Capa – montagem com fotos do autor

Tipos : Arial/Georgia/ Juice Itc/New Roman

Papeis – Capa- cartão240 Miolo-Polem 80

3


derradeira plumagem

quanta vez remendei-me de viver... quanto valeu? vou trepando caminhos 80 cantoado em sítio de roça entre cercas ramadas em verde silêncio vizinhos e troças

“... chi siamo noi, chi è ciscuno di noi se non una combinatoria d´esperienze,d´ informazion i? Ogni vita è una enciclopedia, una biblioteca, un inventario d´oggetti, un campionato di stili,dove tutto può essere continuamente rimescolato e riordinato in tutti i modi possibili ? “... magari fosse possibile un´opera concepita al di fuori del self, un´opera che permetesse d´uscire dalla perspectiva limitata d´un io individuale, non solo per entrare in altro io simili al nostro, ma per far parlare ciò che non ha parola....”

Ítalo Calvino – Lezioni Americane (1988)_

4


derradeira plumagem

donde foram colheitados os motemas deste derradeira plumagem - enquanto já vou indo de metade e mais ½ desta vida - renovemos saudades

candeeiros familiares que sangram de poemas as

- tanta história que inventei de passagem em meu mar morto - auroras & ocasos - não me lembram se eram águas de janeiro - esse tosco rosto nosso...vez em quando - quando nosso quieto vier arrastar correntes no silêncio - de quando se consegue restar quieto sonhejando - quando vida vem nos devolver suas neblinas - é ... - ... ainda - enquanto - de quando se adivinha vesprando nossa hora - ... às vezes a vida não consegue maturar-nos - aquietamentos - a vida às vezes lírios outras tantas coisas lidadas - e por que não um vão um vau um vôo : - hei-de-me insistir por moradas transitórias

5


derradeira plumagem

que bom seria eu conseguisse achar-me nesses olhos seus

é nessas horas que nossa alma quer tocar eternidade e dói saber-se sozinho nesse sesmo

decidiu se aposentar nuns matos além das barras São Lourenço

e por que não se instruir de resignações ?

que a gente acaba se ajeitando aos sapés que nos encobrem

além de bananeiras em nosso quintal no Cateto forravam aqueles domingos dengosas umas amoreiras de sombras na nossa infância

6


derradeira plumagem

empregos que eu tive somaram-me 3/5 da vida e sempre briguei ser feliz em cada um desses deles

amor é que nem quiçaça que carece nele queimar-se de saber se levava graça

que gostoso em barra aos 80 sentir-se moleque diabrado em colo duma açucena

foi quando no tardezinho da vida achou de juntar a família que ia desperdiçada

pra que pressa na vida se a gente tem que tudo de primeiro costumar ?

e como saber dessas mágoas que às vezes vida nos cobra de dívidas que não cumprimos voltou se esmerar silêncio 7


derradeira plumagem

vindo pra aquelas distâncias de se empinar solidão

é quando esta vida obriga desapear nossos sonhos

ah dessas madeiras que mesmo já velhecidas não largam incenso que têm

e quando se espia a vida e vê nela a velhinha – da gente ...

e quem sabe se sol não se escondeu em triste da tarde pra onde poder chorar ?

e quando nem sobra n´alma um feijãozinho de fé...

e dentro então lhe desceu descorada alegria de brinquedo que nunca chegara ter

8


derradeira plumagem

um dia cabelos da gente vão se tecendo cansados

fui eu que nasci mais cedo ou você que demorou vir depois ?

era o que sobrara dela daquele loguinho bonito uma risada-sol que lumiava na gente

e quem não guarda a cor daquele sorriso alvo mais aqueles uns olhos verdes que ela vincava na gente ?

passaram ventos lanhando folhas das bananeiras

quando se era criança ao dar de fugir dum desastre se trancava duro os olhos da gente não ver doer

ai cheiro de mulher moça em seus rosados branquinhos... 9


derradeira plumagem

parecia desses lugares em que a vida inteira não acessara

bem naquela horinha em que dia se apronta manhecendo

era um boizinho tarraco que se vestia de branco com muito borrão marrom e ruim de raça e gênio

e no dia em que a vida gastar ou alguém vier lhe roubar essa moringa de alegres ?

dumas gentes de brandura d´alma tão à mostra quando se querendo da até pra palpar...

passou vida campeando sentando galopes e trotes sobre um cavalo Morcego

10


derradeira plumagem

meu cisne costuma ir cheirar suas saudades num canto de leira onde mãe um dia chocara

medonho era a gente de menino sozinho vir na noite já entrada por estrada e mato e nosso lado bulindo

era dessas capelinhas caipiras sem arrulho de um sino

é que homens e mulheres se juntam para consumo do corpo e o que depois são culpas dessas desculpas

fôra como se lá de novo nunca nada mais houvera

ali no varjão de Itapé quero-quero nunca deixou verde secar suas margens

11


derradeira plumagem

quantos conseguem cumprir histórias que sonhou ?

por que levar esta vida deixando coração sempre apanhando ?

fim de tarde sol um escorrer de ladeira pastos se amarelando em cores de dia morrendo

com todo azar de verão capim algum aqui morre que nosso sereno costuma ensopá-los todinhos de orvalho

quanto demorou-me ir desbotando daquela saudade ruidosa - ela

velhice é contemplar o mundo nesse seu indo-des-sendo

como andam quase ásperas as nuvens neste janeiro ...

12


derradeira plumagem

dos coitos que nos empataram quem vai nos recompensar ?

impressão que sou filho de saudade machucando um coração

quando nosso redor anda nos ocando não é hora de se dar-de indo embora ?

no último de nossa angústia se acaba sempre agarrando às santas abas de Deus

faz como em toda saudade ir se esquecendo aos pouquinhos da gente nem dar que sofreu

e no dia em que céus se cansarem de esperar madurecer-nos ?

vez derradeira que a vi trazia furioso frio no olhar de sei lá quantas raivas amassadas

13


derradeira plumagem

a gente um dia demorou naquele olhar quase reza - num alongado de afeto

triste é quando nesta vida maduramos ou já viramos rascunhos de antanhos mal gastando

quanto tempo alma da gente demora demudar-se do lugar onde morou ?

e aqueles olhos seus dela quando se femiavam azeitados...

janeiro inda sobram frissons dumas cigarras

quanta gente - uns até que prestavam outros não - que borraram olhos na gente e sumiram por adros do não

Cateto Ressaca Pinhal mais outros cantos foram esses alguns nacos onde vida me andou pinchando 14


derradeira plumagem

vamos largar que viaje nossa alma entre oriente e margens do ½ dia

quem aos 20 não se vestiu de Colombo e partiu pelos rosais e chuvas reinventado de dúvidas ?

quem não sonha contar histórias da viagem que uma noite não dormiu ?

ah esses capítulos nossos sujos que a gente amara apagassem

lembra meu pai que me ensinou chão trigo e outros simplezinhos de viver e muito arar

se nas horas preguiças costumássemos tocar sinos alegrando surdo de nossos vales ....

há dias em que nossas raivas uivam feito oitava rima 15


derradeira plumagem

impressão que me estou sempre partindo tentando sair de algum outono

vamos pascentar nossas vergonhas ordenhar nossos sulcos e cabalas antes que nos troquem legendas e epitáfios

tentemos consolar-nos com orvalhos caminhando paz dessas manhãs

e beber dos canaviais suas paisagens

ah rudes redes bandeirantes em que tremeram castidades de curiosas cunhatãs

num tempo de roça e pobreza em que pés nossos descalços conheceram brutos chãos

hoje se cria nome de tribos índias arrevezado - onde esconderam tupis tupinambás timbiras ? ou deles só sobraram essas mentiras ? 16


derradeira plumagem

nunca deixa o canto ensurdar-se em na garganta

enquanto só sucedem tantas coisas em nossas páginas - um rosto triste passa e do lado crocitam urubus

outra vez sinos vocativos levitam nossa aldeia - que adventa outro Natal

é tempo de rezar pelos orvalhos que estio andou a roubar de nossos olhos

ah falência da velhice açoitada que tropeçando anda à cata de quando se entender

va que nosso desespero acabe em alegria na travessia desses consolados...

vinde vós sujados das cidades lavar alma nos campos nas barrancas desses barros

17


derradeira plumagem

já reparaste a paz menina dos rosais ?

há um matuto mal ajambrado em mim apesar de estudos e cidades

paisagens de crepúsculos tristonhos assim dessas arcadas de templos bizantinos

até lua se afogou passando distraída por poças de ruas enxurradas

se carece rir cantar nunca chorar de nossos retalhos de vida comovidos

na paisagem apenas um longe e um cavalo pastando solitário

ô Ressaca dos corguinhos que passei inventando a vida toda

e esses nossos sonhos de afetos epicenos...

inda bem que essas venezas nunca tiveram enfeitando-as itaparicas nossas guanabaras 18


derradeira plumagem

ah não existissem as fábulas de fundir nos homens os sonhos além de ser vulgar ...

quanto sangue de nossos visionários esterca essa terra que hoje somos...

e essa vida que às vezes nos obriga a praticar funâmbulos...

que demora contente é a gente ir vivendo

e aquela alma nossa ensolarada onde a voz vai refrescar-se adolescente

quanto é percalça a travessia dos dias só se consegue afinalmente celebrá-la os que sonham com alma de cerejas

e os mitos como aniversariá-los se tantos já nem mais se repetem...

19


derradeira plumagem

espiar por que as esperanças em ocres distâncias dessas ruas azuis ....

quando nossos novembros sonhos barcos se sumirem da vida desenhada...

quanto se esquece do prazer de ouvir a vida recolhida em seus silêncios

que esse olho d´água que a vida nos plantou decorra sua senda entre virentes campos e nunca morra enquanto nossa sorte não cumprir-se

e quem sabe de que teia alma do poeta se ameia de motemas entrevistando a vida ?

não larguem que roubem alegrias das varandas que saudade alguma vai devolver-se eventual

quem não viveu na vida sua vaga incandescente ? 20


derradeira plumagem

por que vestir os meus sonhos somente desses anjos barrocos ?

tenho que nossas esperanças deviam ser assim como a fé - crê-se ou não sem nada mais de vir cobrar

tão infeliz vinha do desfecho dum emprego que nem ouviu o verbo caridoso numa esquina de ½ madrugada que queria ensiná-lo de como ir chorar

quanta vez vem a vida nos cobrar duns quantos prometidos não cumpridos

triste quando perde-se na gente um eu desses sumidos de nós mesmos

dum sabugo mais dois trapos inventava boneca que embalava

será que valeu brigar pelo pomo de ser gente ? - olhai lírios dos campos lhes os doces simplesmente 21


derradeira plumagem

dia de mormaço em que galos especialmente demoram meditando

essa múltipla minha alma - dum lado inteira avenca quando trata-se de afeto mas um vulcão voraz ao enroscar-se azares

que triste é poucas vezes conseguindo sermos nós

e que tal inventar vozes não de nossas mas dessas que nos sonhos nos assombram

ah de vez em quando vinhos para instigar nossa alma de alegrias

aquele triste de se ouvir vozes nos chamando de um tempo lá de trás ...

e como nos humilha esse zodíaco espelho - onde foram as vastidões que prometiam devolver-nos antigos sonhos ?

22


derradeira plumagem

inda prefiro essa poética de terrena eternidade que a promessa de eu amanhã não mais me ser

essa andrógina face que nós somos em delírios.... e nos devora amantes de incestos inacabados...

dali donde morava espiava cúpula da sé entre galhos dum salgueiro e sonhava que dela um dia visse elevar-se serafim celeste mensageiro no brilho inzoneiro dum ocaso

hora em que cume das montanhas se incendeia e sol tece pasteis de nuvens desenhadas ...

há quanto umas chuvas madrugadas não me embalam o dormir com suas goteiras

23


derradeira plumagem

quanto sagaz a vaidade dessa gente que inventou lavrar em mármores bronzes essas saudades amanhãs que inda vão ser ...

dôo minhas mãos que nelas plantem ervas que venham perfumar a paz do mundo

achou vida de fincar-lhe ricto no rosto de dor que machucou-o vida inteira

que inda não posso dispensar anjo da guarda que me leva não consegui me domar desse moleque

angústia não saber-se transitório mas ter promessa de fátuo amanhã nos esperando

cansa na vida a gente sempre sentir-se viandante sem teto ou uma estante onde juntar nossas tranqueiras

24


derradeira plumagem

depois desse pecado inicial no Paraíso ninguém mais inventou algum mantra de livrar-nos desse destino desatino ?

e essa criação que somos de simplória aritmética e tanta empáfia ...

e lá bom Deus anda ligado à nossa boca suja quando imprecamos pelos nossos sonhos sem nunca conseguimos ?

quando alma derruba-se na boca só grito pode nos aliviar

de quando nossos âmagos se apagam de lâmpadas cansadas

largue que eu pratique vez em quando umas insânias quando tédio do afeto vier de enviuvar meu peito

25


derradeira plumagem

oráculos - na vida ou aprendemos ou apanhamos

tolheram tanto minha infância que não sobraram mágoas pra viagem

quanta vez pássaro sozinho voei-me solidão por meus incertos

naquele tempo em que plumas já não iam-nos assim tão necessárias

por que além do azar de irmos juntos inda sobram reservas para tantas raivas...

é quando a gente percebe que nos estão roubando na outra concha da balança

parar pensando em dúvida com tanto impotente-nos lá dentro

26


derradeira plumagem

essas vielas de favelas onde vida se arrasta bêbada abissal com gente e tanta laia - carece de ajudar ?

é quando-nos achamos embramados no âmago do nada...

vamos desjudiar nossos pés que há sonhos muitos inda de se andar

nunca se apaixone por zíngara vulva enfurecida

quem sabe amanhã descansarei minhas ravinas nums despenhados vista para o mar

não impeça os girassóis quando entardece que venham celebrar teu desafeto

27


derradeira plumagem

um arroio aqui perto de águas suas cansadas que passa ignorando nossos crimes e virtudes

não é porque nosso dia se fez deserto que tudo perto deve plantar-se de infeliz

depois de dia tão judiado vento veio do vale jeito de velhinho abanando seu chapéu

nesses dias em que acordam nossos olhos ramelados com raiva deste mundo

se não conseguir ser o melhor brigue sempre por ser bom artesão na enfeitação de seus poemas

... dês que nossa vaidade não venha cobrir sombra da gente

nessa hora em que sol nos outeiros da coxilhas gastava suas rebarbas afinais 28


derradeira plumagem

perderam as pessoas o sabor de cruzar túneis que perpassam silêncio das palavras

sempre é tempo da gente profanar véu que recém veio dessas almas que dizem que nos amam e sempre passam

vamos vestir-nos para a vida inda que fé demore e a gente se tropece em nossos sustos

vamos adiar para novembro nossos sonhos - quem sabe os escorpiões ...

... e quantas fábulas já se desbotaram de orvalho na relva das manhãs

quando é que céus vão entendernos nesse esperma todo humano ?

29


derradeira plumagem

e desnuar por que os nossos ossos das túnicas ruínas que já somos ? hoje é lamento dos ventos que dialoga com taperas das casas descarnadas de portas e janelas da Colônia Velha

que pena gente ter que pinchar à-toa tanto afeto e voltar gramar sorte sozinho

me larguem acontecendo entre as vindimas que pelo menos vinho venha acontecer

por que andam matando infância assim de tão cedo ?

me desculpa perturbá-la sei que ias curtindo tuas saudades e eu nem que desconfiava

que vantagens levaremos se mordidos e tempo vier encontrar-nos destroçados ? 30


derradeira plumagem

ai do ruído atroz da luz quando nossa alma vai toda enlutada

silêncio é negação das vozes das presenças das quantas vezes queremos nos nuar

os bons da vida quantas vezes filtramse amargos por nossas cortinas estragadas

por que nos declinaram dês infância que esta vida é uma ópera de máscaras e é renegado quem não expõe suas vísceras nesse circo todo exangue ?

tenta perceber no sulco dos arados o roteiro que fizeram nossos semens

há um clima ablativo de calvário constante desfolhando-nos

depois somamos mais e nunca então sobrou-nos tempo de brincar com nosso umbigo

31


derradeira plumagem

um dia fomos estragados paisagens até que outros de outras margens cercaram-nos ficando

vamos rir de novo nessa teia nossa roca que a vida não se finde em vossoroca

que não aprendi inda domar-me quando largam-me humilhado

cada manhã que nos acorda não é uma vitória que ordenhamos dessa sorte ?

já reparou na avegraça que nos alinda o dia ?

quanto escangalha-nos a tarde dum dia se indo embora e tudo a derramar-se sobre nós quase saudade ?

ai quando tristeza duma rua nos tece de sua tarde ...

32


derradeira plumagem

que bom quando se sabe conseguir ir acordar noutra manhã

que alma não moita toda triste ouvindo tarde se manchar de lusco-fusco trás as torres da matriz de sua cidade ?

quantos pedestais de afeto leva-nos vida derrubá-lo de infrutificados ...

vamos deixar que as trombetas façam por nós os tigres gritos de inquietação da sorte

moldaram-nos libertos mas alguém achou de assustar nossos olhos de pecados

quem aqui se lembra das inquietas andorinhas que amavam desenhar tardes na praça ?

33


derradeira plumagem

deixa pra amanhã essas saudades que tarde como essa nenhum Almeida Júnior conseguirá tecer

quebrando andei compasso de meus passos e a vida ... a vida seguiu de sempre sendo

hei-de um dia transfundi-la num bom vinho de ir gostando-a na varanda de meu só nessas tardes amor e sol

o que sobrou-me foi laivo de capiau - um dia até judiou-me hoje exibo-o todo-me orgulhado

quanto amargo era-lhe o semblante de gente que velhou sem conhecer afeto

costumava carregar sobre seus flancos manto remendado de saudades

sei lá com que sol conseguira se vestir sempre sorrisos – alumiando vida dos quantos a conviviam 34


derradeira plumagem

- naquela idade em que devora-nos fogo gris qualquer paisagem

há quanto mora nesse peito essa lacraia maldade que o arreia ?

comum é que alma ardente de poeta é cheia sempre de palavras e umas loucuras

vão continuar a cantar por muito tempo bem-te-vis sabiás antes que acaso um dia voltes a sonhar comigo

nem pés de cabreúva ou ipê na estrada vão lembrar da estada que por aqui um dia cometeste

quando eu morrendo tomara que uma flauta venha tocar Ave Maria de Erotides e dum janelão aberto ver bordar nuvem sobre a serra e me lembre nonna a torrar amendoim em trempe da cozinha

35


derradeira plumagem

e duma horta junto à porta chegarem cheiro de alfazema e manjerona

estragaram nossa rua trazendo asfalto e quem mais foi brincar jogar ali com carros trapalhando ?

nossos campinhos – trás das freiras - virou vila no Areião - roubou-o ferro velho da Bimboca - sumiu num barracão - bom que crescemos e a saudade nos botou pra longe embora

e versos de afeto que cometo e que uns acham levam endereço - me conheço careço vez em quando alisar mentindo o ego

uns que gastam velas fora de hora ... e se cair-lhes de repente escuridão

36


derradeira plumagem

em museus mais me comovem o que sobrou de rústico e humilde das histórias - dizem mais n´alma da gente

ah resvalar os olhos em góticos contornos das laterais de catedrais em por-de-sol - divinamente humanos

único meu retrato em branco e torto se deu em Pirapora aos 4 anos

quanto duro é quebrar nossos muros a berros e murros

andam já difíceis rangendo minhas memórias que careço azeitá-las pra lembrar

... e a criança que há em nós quanta vez quer emergir para bestar

e quando nenhum cântico vier mais embalar nossos dias flagelados... 37


derradeira plumagem

é que a gente não aprendeu desesperar definitivo - por isso os goles desses desenganos

por que não conseguir desfigurar tragédias e dar tréguas a tudo que inventamos e nos amou ?

por que não nos dar prazo de silêncio e devolver-nos das dúvidas e dívidas que vieram-nos roubando ?

bom que sempre sobra um mago nos painéis de nosso sendo

ah conseguíssemos festivar com nossos sonhos beirais de nossa vida ...

por que se acomodar na untosa vida estanques adorando lírios ?

triste é quando brasas apenas já nos satisfazem

38


derradeira plumagem

há dias da gente se acordar salobros que até em caminhos planos tropeçamos ? seria que Deus entendeu quando criou-nos seríamos seus equívocos perfeitos ?

aceitando ou não teremos um dia de devolver a nossa sombra

me peja conformar de ser comum em qualquer vale deste indo por que não sempre cumprir excelência como sorte desenhou-me ?

há um rosto tosco em nós que só aprendeu face amarga desta vida

quanta vez nos lesma o silêncio em sua paz ?

inda é tempo de sustos em nossos leitos

que legendas estão-nos esperando nessas rochas ? 39


derradeira plumagem

quanta raça de gente se esconde em nossa pele ?

ali acontecia reunião dos buritis a cochichar nas margens do banhado

e não é que Deus foi até bonzinho de enfeitar caminhos de paisagens quando a gente se obriga caminhar ?

é o corpo de mulher nela contido ou a seda a cobri-la que me enreda ?

se ao menos as saudades devolvessem viço que roubaram-nos ...

que paisagens mais à bessa essas se o que interessa a muitos é só o que rezam seus umbigos ?

cuida que galho e corda que escolheste pra trepar possam te aguentar

40


derradeira plumagem

será que vale a pena dizer-se viveu tanto se a vida nos largou não prestando há quantos antes ?

e lá interessa se a mangueira é frondosa quando as mangas são gostosas ?

eram leituras no colégio vidas de santos que se judiavam de si para salvar outras vidas dos infernos

e daí que era dadivosa com sua carne ? - era dela e era bela

sei lá quantos parentes irei encontrar me esperando em margens doutro lado

quanto papel se gasta escrevinhando e quantos deles se baldeiam úteis de afeto derramados ?

bom que vida nos despenca por tantas ninharias

41


derradeira plumagem

por que vez em quando não ceder-nos alguns palmos de preguiça ?

e essa vida que balanga-nos gangorra de alegria e nostalgia ?

... é quando se vai limpar velhas gavetas quantas saudades sobraram porcarias

e quem de nós não teve idade de um dia se vestir marquês de Sade

a vida é essa empreitada do dia somando com noite e noite outra alvorada

ah quando tudo destrambelha nesse nosso jogo da velha

inda bem que pobreza sempre inventa outros úteis pra o chafariz da praça

temos de amansar as nossas nuvens que não consigam transmutarem-se tormentas 42


derradeira plumagem

trazia ar doente o tal beco que ali ninguém podia passar sem se tomar de dor

soneguemos nossas ânsias quando afetos já não nos pertencem

ajuda Senhor as tremebundas mãos já velhecidas que nem bordão mais conseguem segurar

superemos nossos espelhos fatigados com sorrir dessas paisagens

e quem de nós não será um dia parelhado no rente desse chão ?

larguemos tarde indo embora ficando a esperar as andorinhas nesta hora que acostumam travessar por sobre aqui

e a gente ter que ver as esperanças partindo minuindo a zerar nosso horizonte 43


derradeira plumagem

- nos largando seus rumores

não cederei minhas mãos para adeuses meu balaio de esperas anda vazio

já amarrei muito sonhos tempestados ... como dói aprender sob pedradas

em quantas bêbadas naus já expedimos-nos sem saber um dia como voltar

por que não juntar a nossos sonhos esse íris de muros remontados?

foi quando sol antes de afogar-se trás do morro inda pinchou aceno quase fogo ardendo em rio que ia se indo

que tempo inda me falha paginar nesta crestomatia da vida ?

e quem de nós não inventou sua Inês de .... era uma vez 44


derradeira plumagem

é quando se percebe que afeto que cevamos é apenas espelho que reflete-nos não alma vizinha que acaso acompanha-nos

e os navios ... esses nunca convidaram-me de com eles velejar

há-se que aprender conviver com as manias que nós somos - já que não há mais como trocar-nos

é que nossa alma insatisfeita sempre sonha com o pra lá das margens que nunca visitamos

era um rosto macerado com seus olhos bem lá dentro - dizendo das 10 quantas fomes que pobremente venceu

se pode até fingir mas sobram sempre umas saudades que não se pode rasgar

45


derradeira plumagem

é que não sinto inda minhas idades sossegando - ardem-me asmos

será que anda Deus atendendo mesmo nossas rezas ?

há uma idade em que se voa sem querer escutar trôo do vôo

barco ia - mar de Grécia e verdes uns olhos viajavam dois dias de pertinho cariciando-me

por que vida às vezes numa lasca de minuto faz a gente perder razão que somou no indo rolar de tantos anos ?

vez em quando carece da gente sair bateando um afeto de a vida não se embichar

46


derradeira plumagem

ruim ou bom todo amor mancha na gente sua nĂłdoa que nunca mais se desfaz

gosto desses caminhos em que um dia passamos com nossa capioa alegria

na Extrema as serras se partiam ali onde os ventos escolhiam velhecer

era no tempo dos riozinhos descerem nosso vale cuspinhando espumas de uns chovidos

e tomara que de em diante eu nĂŁo vaze mais minha bainha - que a vida de-me idade de mansar-me

era uma estrada de donzela areia clara a que levava do Cateto ao Catingal

de quando ĂŠ gostoso enfeitar nossa alegria

47


derradeira plumagem

bom mesmo é dessas cachaças alegrias vidando a sorte

foi quando viemos pra Vila onde eu iria velhar resto de infância

nuns dias em que alma da gente voa além das tempestades

há 10 safras que repito esses esconsos esperando ano que vem

e o amargo dumas tardes ali no beco sem ninguém com quem brincar

quem foi que nos peou com essas tordesilhas de pecados ?

por que não tingir nossas faces de timbiras e renovar mentiras nossos cantos ?

de quando inda trazias seus risos tão carinhos

48


derradeira plumagem

é que vez em quando carece da gente saber de nosso subsolo

quando tornares se lembra de trazer o mel que prometeste

acontece às vezes de nosso existindo empacar antes das coisas

cemiteriozinho simplesmente sem mausoléus trapalhando seu silêncio paisagem

imenso roxo ipê todo enflorado destoava ar caipira de Charqueada

naquela hora em que sabe-se lá dentro vem sangrar-nos um poema

nunca largue espaço algum entre ti e a sorte onde caiba grito de quem morre

49


derradeira plumagem

são mesmas sempre as horas nós é que as tecemos cores de tintas que coram ou se descoram

é que a cada dia mais cedo andam encurtando infância das crianças

inverno é quando nuvens perdem gosto de enfeitar

ah magos ângulos dos outeiros aqui vizinhos moldurando tardes e manhãs manchadas em sol

tenho que última ventania por aqui veio vestida de vozes de outros tempos

um dia também nossa sombra irá cansar-se carecendo de repouso

tempo houve em que carretéis caixas de fósforos botões tampinhas completavam bolsos de nosso mundo

50


derradeira plumagem

celebremos as mãos judiadas das avós que um dia encantaram mocidades

trocar por que anjo que me vigia se conhece tanto meus safados e manias ...

e lá sabiam meus pais da conjunção dos astros ao conceber-me ? que tudo aconteceu tão simplesmente em capioa cama de casal

foram tão ternas as sombras dos silêncios enquanto nos conhecemos

cidade acordando inda desfeita do sono que dormiu

há tempo não me sento em banco à sombra de ingazeira

não há mais brisas com quem eu conversar

51


derradeira plumagem

por que não tentar um dia dormir entre rochedos - vá que noite desespere suas trombetas pelos vales

por que não reciclar vez em quando nossa alma de veredas novamente as ilusões

quantos anteontens vimos largados nas estradas

nem foi trem que nos tirou do Paraíso um chevrolet que trouxe a gente mais os trens e despejou-nos na cidade

que brinquedos vou lembrar dos natais e das mais festas? carretéis botões caixa-de-fósforos inda bem que sempre nosso céu era imenso e tanta paisagem de sonhar

quando nossos limites são distâncias sumidouros por que não tornar de aquecido coração ao nosso anil ?

52


derradeira plumagem

quantos nossos afetos foram degredados pelos ácidos das horas amarguras ...

qual cor da solidão se vamos tristes ?

por que não largar que essa loucura vez em quando se desabe sobre o comumente desta vida antes que selvagem deserto nos domine ?

quantas estrelas talvez já se apagaram e a gente a insistir num ora direis ouvir...

vamos deixar tardes solfejando seus ocasos e nossa saudade implorando por socorro

nas missas desta vida quantos passam celebrando-as e outros acolitando ?

que tal substantivar o nosso orgulho vez em quando sem amargos soluços musicais duma tristeza

53


derradeira plumagem

e quando vamos àquela idade em que acontece doer-nos conhecendo

há umas saudades que quando tornam só filhadaputam nossa paz

é que voltaram as andorinhas brincar as minhas tardes

se voltares outra vez achegue-se pisando de brisas tenuemente

natal na roça era um trasgo que almoçávamos o dia como nos outros que acabavam indo embora

visitei meu Paraíso depois disso quanto dó na garganta ver nossa história derrubada em voçorocas

ou é a gente que rejeita aceitar nossa história se trocando ?

54


derradeira plumagem

estrada estragou serra dos padres do Barbosa arrancaram ossos suas costelas

e quando nossas máscaras nada mais disserem tão já desgastadas

luzes velam inda na noite o dormindo da cidade

não espalhe seus cacos de desgraça em caminhos que ao tornares podem deslembrada machucá-la

por que não colorar as solidões de vastas cores ?

quanto espaço inda vai durar nosso círio pra este resto de viagem ?

anda tão seco meu pomar entrando outono que nem os beija-flores já contornam por aqui 55


derradeira plumagem

eu devia ter aprendido flautar um instrumento pra me integrar à orquestra que festeja os arrebois

passeava pela tarde som de pistão em nosso vale - era meu pai que amava solfejá-lo

vamos varrer simplesmente nossa face das urtigas das urzes antes que aconteçam presentear-nos

inda que nos cortiços se salve alguma flor há muito esgoto lá encardindo ribeirinho

de que vale construirmos catedrais se não temos santidades que guardar

na verdade o que temos é expor nosso saco de vaidades ao opróbrio alheio de maldades

56


derradeira plumagem

é quando então vida nos estreita em purgatórios e carecemos de abraços consolando-nos

mesmo se sabendo que a fugacidade que teimamos é que nos da suas durações ...

e por que não nos devolver às fábulas que fomos?

pela porta aberta da cozinha mãe espiava umas saudades secando em quaradouros e quantas tardes na Ressaca ela demorava à janela da varanda a espiar seus cabelos branquejando nos varais

é que amanhã nossa tristeza vai saber que já não somos ... nem uns sonhos

quando nada mais sobrar que excelsa batuta dum maestro me ensine desistir ... 57


derradeira plumagem

bom quando sorte nos mistura sem caroços

caipira é isso de se ser humilde feitio de gente

duro é quando se apercebe que os ruinzados nascem comumente dos dobrados nossos de lá dentro

bom é sempre ter uma nesguinha de fé pra se perseguir vivendo

uma pausinha de mato se derrubava 100 metros de nossa Ponta do Morro às barrancas do Araquá

ah as borboletas maismente no entreato outro agosto

duns endereços da gente nunca mais neles tornar - do tanto que nos judiaram 58


derradeira plumagem

é que a gente traz mania de desenhar nossos sonhos maiores que nossas sombras

que às vezes conseguimos escapar dos que nos aborrecem ... mas como fugir de nós mesmos ?

e essas pausas nossas que conseguem ir dizendo mais do que sabemos ...

há dessas periferias que se trocam de pobreza por miséria

quanto doía vê-lo ali sua alma brigando num corpo que não mais resistia existir

de repente se da conta de ir faxinando esta vida - que não sobrem tantos inuteis da gente ter que levar numa extrema viagem

59


derradeira plumagem

é que vez em quando carece da gente prezar esses trapinhos da vida

é que somos cria do barro quando nossos sonhos vão acordando devagar desse silêncio

e chega um dia em que vida vem e avisa já ser hora da gente desencostar desses ... ens

ramal que ia por Sobradinho a caminho de Charqueada era dessas estradas não-onde que depois das 5 da tarde ninguém jurava passar

acontecia já pra tardecendo quando primo Bastião veio contar que raiva matou seu irmão - sua voz saía pelos seus olhos chorando

60


derradeira plumagem

vício pra mim seria - como eu não sei nadar me pinchar em rio bravio pra terceira margem alcançar

inveja - essa titica que nosso incapaz autentica

por que acontecem esses dias que nos maltrapilham as raivas ?

bom que às vezes uns passados tornam vir desemendar-nos

é que nem sempre se consegue a vida explicar seus etcéteras

de quando ali na primavera fica a cheirar quilômetros de flores

repente freia-nos a vida - quantas balas sobraram negociar ?

são espaços que se departem de nós e uns quietos vazios que teimam nos rodear 61


derradeira plumagem

e quando umas tristezas sem dono vêm reger mundo da gente

não me venha consolar que há amanhã - que o que dói é o covo desse hoje quando empaca nos passar

saí roubando cheiros da manhã em neblinados molhados de paisagem

numa casinha enfeitada de abandono no saindo da Vila inda demoram dois velhinhos ali coitados

na idade que nem orvalho em pastos demoram ½ caminhada

e quantos se embramam ao guiar as manivelas da vida

nuns dias em que a gente tem raiva até de prosear com a gente mesmo

62


derradeira plumagem

ali rio derramava sua pose em cachoeira

há um anjo arcanjo serafim dentro de mim obrigando-me achar palavras aos encantos que esta vida desperta

ah se se conseguisse velhecer como tardes de certos dias

às vezes raiva do mundo nos pincha nessas veredas como pedras arrependidas

... e aí choveram 3 dias com estradas e campos todos pesteados de lama

varjão - no meio corguinho deitado levando sua água moleca

sacou do bolso sua única bolinha e fitou-me com seus olhos de 6 anos que pediam – eu não aceitasse sua aposta 63


derradeira plumagem

sei lá porque nossa amizade fora sempre permeada dum quase meigo triste dela

e quem não se ensina rezar em desesperos da vida?

aquela carinha encardida aos 3 anos já na prática desses tantos sofrimentos

quando se gastou as tantas vantagens da vida por que ficar por aqui demorando se estorvando a si e aos demais ?

vinha andando seus passinhos aos 80 como estivesse a cuidar de não pisar ovos no pasto

e quando carece ir tolerando nossos próprios incapazes

quanta vez se acha que Deus puxou céu antes da hora 64


derradeira plumagem

as coisas não acontecem elas vêm ficando prontas com o tempo e se cobrem se descobrem se novelam ...

nossos dízimos ... se a gente antes da morte conseguisse cumprir cada ismo

desses caminhos que queremos esquecer mas re/voltam encontrar-nos sempremente

de repente preferimos esses olhos de olhar ungidamente o que já fomos

é que atrás das sombra das imagens dorme uma história da gente ir lembrando

era quando toda tarde tornavam as andorinhas à praça de ajudá-la celebrar em seu ângelus

foi quando deu nosso amanhã - um trenzinho fumarando nos baldeou para cidade

65


derradeira plumagem

... que sempre é bom mesmo descrente manter prudente poupança nas arcas de nossos deuses

a vida – é só deixá-la que ela cumpra seus compassos

quer página mais sinfônica - essa vida que nos deram ? questão apenas sabê-la orquestrar

azar mesmo é cruzar com figurinhas enroscadas mais que as nossas

choraram ambos morte dum afeto sepulto entre seus pés e alguns soluços

vamos celebrar ao menos com uns goles o fim da juntidade que não fomos

... e que não venham batizar minha alma de pecado

66


derradeira plumagem

quem dividirá conosco o prato de lentilhas no dia em que a nós nada mais sobrar ?

essa migalha de tudo que hoje desprezamos não há-de-nos faltar quando famintos voltarmos aos escorpiões ?

quantas vezes vamos além de nossos sonhos e restamos tristemente aquém da realidade ...

impressão que após 80 uma sempre ventania vai levando-nos na marra

como saber se seremos vinho ou festa nessa noite acontecida de nós mesmos ?

desesperar por que se podes ser vinho amanhã no vago dessa sorte ?

vamos construir de novo a ponte entre essa vã mesopotâmia 67


derradeira plumagem

e ir achar pra lá o poeta que desertou de nós

por que esse rosto penitentemente triste se podes sorrir em paz suavemente ?

... e copiar esse mudar das andorinhas que trocam de pousadas as estações

vem do mato cheiro amargo de fumaça que queimou

visitemos vez em quando esses pórticos largados onde saudades contentaramse urzes e outras heras

ruim quando vida-nos só oferta arestas mas quem sabe os desígnios que nos guardam

por que estorvar-me do grisalho que acontece e não me aproveitar das alfazemas ?

68


derradeira plumagem

em que vida se resolveria sem a gente se empacar sonhando inuteis

e por que vez em quando não se doar à voz do vinho para entender-se com sementes dos gerânios ?

vez em quando me revejo lembrando alguma infância entre neblinas

alegremo-nos viver enquanto arde em nós esses dias de tenras tardes

nosso ardido é que na dádiva da vida nos juntaram em contraponto a morte sem data de vencida

há quanto esquecemos nosso arado ... campos andam esperando novos sulcos

que poeta é o que se entrega que voa que navega e se esquece 69


derradeira plumagem

de viver para vivar tão as sublimes minudências simplesmente

sim – aprender com eles cujos pais os pincharam como coisas neste mundo e não perderam prumo agarrando-se a gravetos duma sorte sem prantear esse abandono sem revoltas ao desprezo sem vinganças contra o mundo só querendo superar e ser gente assim como as mais gentes ...

certos zelos passam por nós tão comovidos e costumados que esquecemos celebrá-los

se uns que antes de nós cuidaram do trigo e do algodão pra nossos pão e agasalho por que não inventarmos outros atalhos pra amanhã que os filhos e filhos desses filhos hão de por certo carecer ?

70


derradeira plumagem

ave-Maria cheia de tardes plenas de aves nos livra dos males - ámem

já notou que os olhos desses cães são os que mais bem sabem pedir ? - tintam-nos aguados de tanto tristemente

sempre haverá patina página a nos desornar da sorte

eternidade das pedras nos contemplam como se fôramos folhas derrubadas em outono

impressão que até árvores da rua solfavam enquanto retreta musical vinha empurrando procissão

vamos lá meus pés/ que aprenderam já tantos caminhos/ descansar porque agora/ inda demora tanto completar

71


derradeira plumagem

seria que espírito ou resser de Caravaggio que volta inspirar-me de eu ir catar luzes nas sombras dessas nuvens em fotos contra o sol ?

quanto eu amava ver tia Nena tricotar seus bilros numas rendas

como dói quando vida nos bisa dos mesmos desaforos

de primeira vez na Vila nossos quintais se emendavam aos dum ferreiro que calçava cravos nos burros dos fregueses com sua forja

sempre amei grávidas ternuras

por que não galopar relincho dessas éguas quando incitam nossos aços temperados ?

há quanto não visito esse meu outro lado onde esqueci muitos meus sonhos

72


derradeira plumagem

apenas não me impeçam orvalhar-me de poesia

que haja uma pedra a servir-nos de guarida por tudo que sobrar depois de nós

somos mais consequência de biologia que libido incontida de desígnios divinos

é quando vida vem-nos apagando tintas das velhas decisões e antigas geografias

quanto nos avilta transpassados querer tornar às portas da saudade que um dia não soubemos perdurar...

que vida não venha roubar-me candeeiro que eu careço caminhar-me muitas noites

... é quando lenha mais alguma sobrar para aquecer-nos ?

há um Araquá que insiste me lembrando 73


derradeira plumagem

pode doar depois disso esse meu jeito o caderno o guarda-chuva menos endereço onde nunca mais serei

nonna em seus ultimamente repetia ter que caprichar muito com Deus num orar sentidamente

cuitelo passou pela varanda sem sequer bulir som do silêncio

não me lembra da gente na roça reunir-se pra demão de oração será que ali se guardava algum nosso baguinho de fé ?

muita vez vida da gente ... essas tristezas

... e lavava uma vida mal desperdiçada enquanto decorria seus 50 travessava quiçaça duns amargos por mão dos azares que escolhera

74


derradeira plumagem

fim de janeiro quanto era lindo arrozal pendengando cachos loiros resmungando enquanto os ventos

vez em quando vem a dúvida que se empina sobre a gente

pode ser que o que nos volta um dia castigar é nossa carroça de erros mais fracassos nunca os berros altos de Deus

andou se violentando para caber-se numas costelas do tempo

se via que velho comia com gestos tristes seu paladar de velhice

bom mesmo é a gente desprezar qualquer saudade quando trocou de vizinhos e lugar

ah quando bate na gente dessas ruins tempestades ...

75


derradeira plumagem

até que nem era triste nossa miséria pobrinha naquelas aragens Ressaca

pode a vida até fiar-nos caderneta em seu empório mas nunca vai esquecer de um dia voltar nos cobrar

e por que algumas vezes não se rir sério da vida ?

talvez por isso os silêncios nos encantem

de repente por um truque qualquer nesta vida se passa a emendar sucedidos que a gente vai montoando de achar primeiro alinhavado do azar

e abate-se na gente aquilo de passar ferozmente interrogar-se

pode até que escrevendo me pareça mais comigo

76


derradeira plumagem

há dias em que desenhos da sorte costumam desordenar-se de nós

fizeram uma ponte nova sobre um rio de muito velho mas que se renova constante de outras águas mais novas vai a nova ponte velhar-se como outras pontes que um dia também se ergueram novas e o rio continuará sucedendo de nunca parar ficar e as pontes – essas pontes fincadas restarão sempre paisagem de não conseguir viagem e rio assim como a vida com ou sem pontes por sobre não desistirá de passar

que tal mais durar do que brilhar ?

quantas águas vi passar nesses monjolos

77


derradeira plumagem

é a nossa ou é outra essa cara que vemos no espelho ?

e a minha hoje mania sempiterna de tentar dizer curtamente em poemas - embora pouco isso importe aos que me lêem

e acaso relógio da vida tem conosco dessas piedades ?

quanta horta plantei em minha Extrema que as formigas desmancharam ...

nem sempre céu da amarelinha era aquele que buscávamos

e às vezes que vida cainhou na gente esterco de embair nos madurar ?

bom quando suor de nossa angústia consegue se enxugar serenidade

78


derradeira plumagem

lembro dos cabelos da nonna - enfeitados de virote se arranjavam de branquinhos

bom ter de lado uma voz que nos lambuze saudade

coração nunca velhece só se acontece amolado

bom que vezes vida nos ensina jejuar nossa soberba

por que às vezes não empacar pra se parelhar num afeto ?

vez em quando carece da gente arar a vida num desses barrancos agrestes

por que não comungar vez em quando com nosso vizinho pobre ?

79


derradeira plumagem

ter saudade - sei lá não é a gente se derrubar num adonde nem queria ?

impressão que silêncio da noite passeia com passos de vento

um mapa desenhando coqueiros brejava ao longo do vale

quando se futura na gente espera com demora de chegar ...

éramos tão pobres assim que nem bocorinhos tínhamos fuçando nosso quintal ?

onde estaria inglesinha que me manchou de olhos verdes naquele passeio ao mar por Egeu daquela Grécia ?

impressão que nalguns a vida avisa sua pressa de morte

80


derradeira plumagem

... e ver por-de-sol lumiando flancos sobrados que um dia foram Acrópole - Atenas

será que meu sono é tão pressa que meus sonhos se perdem a caminho ?

até garças celebravam com seus vôos àquela hora sol morrendo outra tarde

trazia mãos sempre disfarçando naqueles trabalhos bordados

no sítio a sala em silêncio cansado lumiada de 2 lamparinas cada uma em quina da mesa

quem disse que nossa humildade não se veste às vezes de orgulho ?

costumava medir seu tempo no mato pelo ploc dum monjolo

81


derradeira plumagem

é que às vezes nos crocitam medos que tão desesperam

nem é fácil aprender ser sozinho

é quando rios inventam remanso onde suas águas descansem

dizia que ouvia na noite formigas roçarem caminhos

é quando horas se enroscam pelo miolo das trevas - por isso demoram passar

trazia umas psiquicagens zuretando-lhe o lá dentro

pelo sul verdavam uns pastos de calombos colinas em viagem

dizia que carecia pensar bem devagar seus caminhos - que podiam-no embaraçar

82


derradeira plumagem

um dia acabou percebendo que existir nem doía inda mais se conseguisse sonhar que tudo no mundo era azul...

nem bem morreu padre Galo bispo vestiu sua casa dum soturno seminário

era nem bambus beira Araquá que velheciam - percebia ir perdendo flácidos seus acentos de viver

foi quando pai se entranqueirou na cama - uma tristeza funda arrastava-o de morrendo devagar

seria Deus essa dúvida da vida da gente não desesperar ?

sou eu ou essas saudades que vão tristecendo essa tarde ?

pena que meus instintos não andem mais me chucrando 83


derradeira plumagem

que eu não morra me desculpando não ter sido ou conseguido

o quanto sobrar de mim depois ao primeiro que passar que proveite

há um dia em que vida nos endivida ambição

que bom chegar até aqui sem tantos problemas com o mundo e raras raivas comigo

estou juntando bornal meu boné que vim a pé a um convite que aceitei - não deu certo vou tornar trepar morraria que nunca eu devia ter deixado

quantas vezes nesta vida tem a gente que beber dumas águas emprestadas

84


derradeira plumagem

se há trem nesta vida que nunca carrega pressa é saudade - como ama vadiagem quanta

e quantas vezes na vida não se passa dum teimoso pobre diabo tristonhando

e quantos é que costumam desculpar-se dos pecados ?

saiu um dia com sua alma navegando e se despreparou feliz para outro lado

de tarde quando sol como capiau qualquer vai lavar cara atrás da serra socós se erguem da lagoa ali na beira procurando capoeira onde dormir

cigarra solitária veio estrear temporada de rilhar num tronco de ipê aqui pertinho

nos confins destes pastos gasto quantas vezes meus dias 85


derradeira plumagem

sem responder um bom-dia dalgum vivente que passe

que saudade das chuvinhas que vinham sapateando tamboril pelo telhado e agora essa tanta demora

dona Carolina benzia – nada pedia pelas bênçãos sugeria – que se gostara e valera e algo fosse doar em troca lhe trouxessem dessas garrafas de Porto

será que a vida é-mente como tanta gente a depinta esses tristes àsvezesmente ?

andam céus de setembro repetindo aqueles de agosto escamados de algodão

há quanto tempo n´aqui nossos dias não se molham dalguma chuvinha que preste 86


derradeira plumagem

o triste é mirar em espelho e se saber já sem elixir

voltaram as garças na tarde embarcadas de vôo catando ninhal

ah não fossem as horas alegrinhas nos tristezinhos dos pobres ...

... lá naquele quilombo de longe onde foi morar tioGelim

por que a gente não inventa ir-se desentendendo de novamente voltar vestir-se menino ?

acho que tudo que nasce na gente é Deus que plantou previamente e a vida só faz madurar

à sombra de taiuva me emburrei saudade tristecendo vendo vale pesteando canaviais

87


derradeira plumagem

e quem disse que meu silêncio não costuma se vestir passarinho ?

um sitioínho nanico aliabeirando estrada que dentro bem nem cabiam seu dono um galo e saudade

aprenda prestar atenção na música desses silêncios

quantos nossos desaventos resultam dumas essas lentes que esquecemos de limpar

foi quando nesse tempo uns homens vieram cavar ladeiras do Barbosa - diziam que abriam estradas que iam viajar o interior

e com eles vieram uns burrinhos com carrocinhas sozinhas que iam e vinham lotadas derramar terra em aterro

88


derradeira plumagem

nossa pobreza na infância contentava-se com bolas de pano inventadas carretéis que nos brincassem pés descalços e liberdade da gente viver e apanhar para sermos gente de amanhã poder prestar

devolvam-nos as plantas que mezinhavam sem carecer de esculápios e hospitais

de quando fomos tangas miçangas tacapes e chocalhos nesse atalho

é que sempre nos ataram vivendo a essas ações nossas falhadas

sei lá ... mas por que pear os sonhos que voltam criançar nossos silêncios de signos crispados ?

quanta vez decorremos nossa vida como essas pás de moinhos voluteando

89


derradeira plumagem

da janela eu via telhado de certa casa velha na rua que umas plantas já trepavam seu beiral

sabe daquelas saudades setembro que aconteciam chuvas nas vidraças ....

vamos deixar que sinos vocativos digam o que pode estar judiando aqui em nós

é quando os olhos que nos cercam perderam orvalho e não há como colher neles olivas que nos ternem

ah dias esses em que a gente cansa de apenas indo atrás como outras vacas

que nos ouçam enquanto nossa voz soa reboos antes que em piedade venham ouvi-la sopros já doentes

90


derradeira plumagem

é que às vezes têm os numes sádico prazer de nos pinchar em gumes que amam nos lanhar

não quero raiva rubra dos desesperados vá que dessa minha travessia insana emane razões de eu perpetuar viver ...

não vamos imprecar por tempestades porque apenas nossa casa carece se lavar

eram 5 as estradas que saiam de Pito Aceso 2 sofridas de subidas iam às colônias outras afora davam embora

era relincho de jumento de seu Bento que costumava acordar nosso dia no Quadrado

no Onça moravam parentes nossos desgraçados de misérias

nonno se inventou de benzedor de caxumba e desentortar 91


derradeira plumagem

quebrados nos sofridos e receitava sempre mesmo fubá assado de compressa pra tirar as does que seguiam

um outubro qualquer me despojei de cidade e 13 anos estou aqui a me amolar de pernilongos aranhas até bicho de pé

é que as geórgicas gentes desta roça estão se preferindo mais consumo nas cidades

minha varanda anda cheirando quente desses tempos sem chuvas de já meando outubro

outro sábado silêncio nesse outubro que as roças andam ocupando muitamente meus vizinhos

que ao menos essas tardes sem vergonhas juntassem umas nuvinhas algodoadas para enfeitar o sol se caipirar de ocaso 92


derradeira plumagem

e o rio envergonhado de seu sujo passa por aqui todo humilhado

e as manhãs por 5 meses não irão sobressaltarem-se acordar com apito da usina às 4 horas do dia

pra onde seguem os bulhentos paturis que passam por aqui antes da aurora ?

adonde essas flores vão catar as cores de primavera se enfeitar ?

impressão que trompa doce se derrama em melodia sobre vale fim de dia enquanto tarde quase dói numa saudade

foi quando Tonico se casou com uma Jandira caipira que caçou no Sobradinho indo com ela morar lá no Quadrado

93


derradeira plumagem

quando eu morrer não me devolvam a inferno algum além da terra que labrego me torne simplesmente pó com tudo que carrego

um dia pomares de fruta que Paraíso exportava foram arados por canaviais que uma usina comprou dês então muita gente se trocou pela cidade largando terras pra usina

de que adianta detestar novembro se mal me lembro é mês que me nasceu e despejou em mim bons e uns ruins

é bom acreditar que ali na frente de repente acontece a primavera

quando a encontrei já em fins de sua meada lesmava vida em seu pasmado passo perdera riso e tudo nela se resumia tão gasto

94


derradeira plumagem

aconteço-me feliz quando recostas em meu ombro essa fronte para enxugar o que sobrar de teu sorrindo

que bom a gente conseguisse em encrencados da vida driblá-la moleque à moda Garricha

por que ficar catando incerto bestamente a nosso lado se a vida nos propõe tantos acertos ?

já andei gastando tanto meu silêncio - será que realmente vale a pena deixar-me baralhar desses momentos ?

por que contar que erro de vizinho nos ensine ?

aos 80 comprou meu pai flauta feliz como um menino de aprender - que já sabia solfar pistão violão clarim e bombardino

95


derradeira plumagem

triste a vida empurrando-nos pra frente - de repente quem vinha em nosso adiante não é mais e nos põe ocupar esse lugar renovando cadeia desta sorte que amanhã vai trocar-nos pela morte...

como quantificar prazer de nosso olhar quando caipira adiante se confeita um coqueiro na paisagem ?

por que estragar esse mel de vida nesse brodo amargo que nos trava o prazer de até viver ?

obrigado por ter feito enganar-me feliz por algum tempo

por que insistir-me resmungando se vida derredor é toda festa ?

que merda seria vida se todos pintassem-na esparrela

96


derradeira plumagem

quanta gente guarda em si ar dessas poças de ruas depois que chove

quando minha vela andar fim de pavio derramando-se ao pires que me sobre prazer duma janela aberta ao contorno duma serra no horizonte com céus a sobrar se despedindo

e aquelas bananeiras acenando adeus quando trem partia embora nas costas da estação...

tetas de amoras não inda pojaram neste agosto

quanto será bom da gente vez em quando se juntar a esses deuses para um papinho simplesmente e dizer nossos revezes

bom seria se se pudesse continuar fabulando essas nossas meninices 97


derradeira plumagem

queiramos ou não um dia sem perceber crepusculamos

mania essa nossa rechear a algibeira de condutas

onde esquecemos o menino que não conseguimos repetir em nosso homem ?

sinto-me às vezes dessas imagens fatiadas em águas se movendo

de quando trepávamos na vida a catar modelos para sermos outros

vamos largar nossas roupas ao sol quarando e que estejam merecidas quando outro dia chegar

que nunca maldiga da luz duma candeia sempre haverá um escuro de carecer usá-la

se tornares um dia não te esqueças de trazer do mel que daqui um dia levaste 98


derradeira plumagem

triste é quando só nos sobra joio nos trigais dessas amadas

quem vai por a ranger som da porteira de peroba depois que os Barreiros deram-se embora ?

inda bem que eram barrocos os 15 anos ao-nos noviciávamos

tudo bem que eram tristinhas as luzes que lumiavam as ruas outrora mas quanto assim amavam os namorados

por que bestas sempre escolher esses caminhos de espinhos e pedras em que iremos andar ?

quanta vez carecemos apanhar madurecer e aprender - ruim que às vezes nosso tempo esgotou

99


derradeira plumagem

desbeiçaram nosso morro pra trepar nele uma estrada que ia pra uns longes que ninguém inda sabia

quantas vezes caem-nos sobre chumbos derrubados dos silêncios

será que um dia nos aprenderemos de cor ?

duns que passam mastigando fome sem sequer saliva de molhar o pão

largue que eu aprenda me viver com meus pecados

carecemos dos afetos que nos molhem não amolem

já era tempo de as painas se abrirem e viajar suas sementes

100


derradeira plumagem

nem tudo é épico em assuntos cotidianos

como é triste saber-se apenas desinências

um rio sua cachoeira suas beiras e uma saudade lá longe quinando curva adejando

hei-de-me um dia ser verbo com todos tempos e modos conjugados

que sempre haja em nossa rota um regato onde possamos regar nosso rosto dos cansaços e vésperas

tétrico é já não se importar com segundo botão que perdeu nossa camisa de esquecer-se pentear... desesquecer levantar ou...

101


derradeira plumagem

... é quando ouvimos que nos chamam e em derredor só há deserto - ou se trata de nossa alma sagitária ?

bom de às vezes se entregar a efêmeras loucuras descansando nosso senso verdadeiro

102


derradeira plumagem

Teu livro, como sempre, me encantou quais outros (teus) que já li. Em “ Derradeira Plumagem” existe vida. E, em toda vida que se preze há dor (e quem sabe se sol/não se escondeu em triste da tarde/pra onde poder chorar ?), frustração (é quando esta vida obriga/desapear nossos sonhos), tédio (parecia desses lugares/em que a vida inteira não se acendera), tristeza (era dessas capelinhas caipiras/sem arrulho dum sino), fé ( é bom acreditar que ali na frente/ de repente acontece a primavera), alegria (aconteço-me feliz quando recostas/em meu ombro essa fronte/para enxugar o que sobrar/de teu sorrindo), remorsos (ah esses capítulos nossos sujos/que a gente amara apagassem), ironia (é que homens e mulheres/se juntam para consumo do corpo/e o depois-de-depois são desculpas dessas culpas), filosofia (e quem disse que meu silêncio/não costuma se vestir passarinho?), saudade (quanto demorou-me ir desbotando/daquela saudade ruidosa – ela?). Outras qualidades humanas vêm à tona: lembranças (vez em quando me revejo lembrando/minha infância entre neblinas), paixão (quem não viveu na vida/sua vaga incandescente?), projetos (vamos construir a ponte /entre essa vã mesopotâmia/e ir achar pra lá a porta/que desertou de nós), preocupação ambiental (devolvam-nos as plantas/que mezinhavam/sem carecer de esculápios e hospitais),, dúvida (sinto-me às vezes dessas imagens/fatiadas em águas se movendo), amor (e aqueles olhos seus dela/quando se femiavam azeitados...), sonho (que bom seria eu conseguisse/achar-me nesses seus olhos), sarcasmo(e o rio envergonhado de seu sujo/passa por aqui todo humilhado), certa ingenuidade (e aquela alma nossa ensolarada/onde a voz vai refrescar-se adolescente), oração (avemaria cheia de tardes/plenas de aves/nos livra dos males – ámem), Virtudese desvirtudes desfilam, sem parar, nesse sambódromo, filho do teu viver com tua arte. Irineu, acredito que esta vida transbordante é que me cativa tanto. Esse esbanjo de sentimentos, emoções e pensares, falas criam eco em mim. Volto a ser criança brincando de amarelinha, pescando lambaris no Iburapuitã. Adolescente, coração em festa. Adulta cheia de grilos, dúvidas, amores. Em te lendo me revivo.Cada motema está grávido de mil interpretações, é caleidoscópio que, conforme o movimento, mostra diferentes aspectos. Este livro vive, ama e padece nos porões 103


derradeira plumagem

da alma de quem que o lê. Não é horizontal, nem vertical, é holográfico Morde,instiga, acarinha, deleita, atormenta, fere e pensa machucados. Eu o li de vereda, depois voltei saboreando, matutando em cada linha. Percorri devagarinho esse caminho cheio de curvas, moitas, encruzilhadas e largas pastagens. Já não me assombro como da primeira vez que te li, mas continuo me encantando, sorrindo enviesado quando me deparo com ironias travestidas e, muitas vezes, quando encontro dor pungente fantasiada de guizos, uma lágrima rola. Frente a certas passagens que dizem, sem querer dizer, rio com vontade: “ é nossa ou é outra/essa cara que vemos no espelho?),ou : “bom que às vezes vida nos ensina/jejuar nossa soberba;” Irineu, falo, na qualidade de leitora. Minha formação é Matemática. Não sei interpretar linguística, figura, estilo e sei lá mais quê. Só consigo dizer do que mexe comigo, alegra ou não meu coração. E “ Derradeira Plumagem” faz isso à perfeição. Parabéns a ti, a mim que tivemos a oportunidade de vivenciar pura poesia. Tu, por escrevê-la, eu (e demais leitores) por degustá-la. Sarita V. Barros Poetisa/Professora de Ioga e Matemática

Bagé, uma semana antes da sexta da paixão/2013

104


derradeira plumagem

Volpatodos bons poetas vivos do Brasil. Seus ousados escritos desconstroem a linguagem bagunçando o coreto do pensamento careta, a cada renascimento sua palavra alavanca e ganha nova vida, atitude, significância.

Eduardo Waak Matão-SP Editor do Jornal O Boêmio Poeta, Ensaista

105


derradeira plumagem

endereço do autor:

e-mail : volpato.irineu@gmail.com blog: http//paginadoirineuvolpato.blogspot.com facebook : https://www.facebook.com/pages/IrineuVolpato/425943214182364?ref=hl rua otávio angolini, 235 - cruzeiro 13459-467 santa bárbara d´oeste - sp BRASIL 2013/6 XXIII

106


derradeira plumagem

107


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.