derradeira plumagem
irineu volpato
derradeira plumagem renard
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derradeira plumagem
direitos reservados V961P VOLPATO, irineu 1933 derradeira plumagem, poesia 2012/21 santa bárbara d´oeste-sp Renard ediç. 114 p. 21 cm. 1. Literatura Brasileira 1. Título CDD: 968.615
Capa – montagem com fotos do autor
Tipos : Arial/Georgia/ Juice Itc/New Roman
Papeis – Capa- cartão240 Miolo-Polem 80
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derradeira plumagem
quanta vez remendei-me de viver... quanto valeu? vou trepando caminhos 80 cantoado em sítio de roça entre cercas ramadas em verde silêncio vizinhos e troças
“... chi siamo noi, chi è ciscuno di noi se non una combinatoria d´esperienze,d´ informazion i? Ogni vita è una enciclopedia, una biblioteca, un inventario d´oggetti, un campionato di stili,dove tutto può essere continuamente rimescolato e riordinato in tutti i modi possibili ? “... magari fosse possibile un´opera concepita al di fuori del self, un´opera che permetesse d´uscire dalla perspectiva limitata d´un io individuale, non solo per entrare in altro io simili al nostro, ma per far parlare ciò che non ha parola....”
Ítalo Calvino – Lezioni Americane (1988)_
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derradeira plumagem
donde foram colheitados os motemas deste derradeira plumagem - enquanto já vou indo de metade e mais ½ desta vida - renovemos saudades
candeeiros familiares que sangram de poemas as
- tanta história que inventei de passagem em meu mar morto - auroras & ocasos - não me lembram se eram águas de janeiro - esse tosco rosto nosso...vez em quando - quando nosso quieto vier arrastar correntes no silêncio - de quando se consegue restar quieto sonhejando - quando vida vem nos devolver suas neblinas - é ... - ... ainda - enquanto - de quando se adivinha vesprando nossa hora - ... às vezes a vida não consegue maturar-nos - aquietamentos - a vida às vezes lírios outras tantas coisas lidadas - e por que não um vão um vau um vôo : - hei-de-me insistir por moradas transitórias
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derradeira plumagem
que bom seria eu conseguisse achar-me nesses olhos seus
é nessas horas que nossa alma quer tocar eternidade e dói saber-se sozinho nesse sesmo
decidiu se aposentar nuns matos além das barras São Lourenço
e por que não se instruir de resignações ?
que a gente acaba se ajeitando aos sapés que nos encobrem
além de bananeiras em nosso quintal no Cateto forravam aqueles domingos dengosas umas amoreiras de sombras na nossa infância
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empregos que eu tive somaram-me 3/5 da vida e sempre briguei ser feliz em cada um desses deles
amor é que nem quiçaça que carece nele queimar-se de saber se levava graça
que gostoso em barra aos 80 sentir-se moleque diabrado em colo duma açucena
foi quando no tardezinho da vida achou de juntar a família que ia desperdiçada
pra que pressa na vida se a gente tem que tudo de primeiro costumar ?
e como saber dessas mágoas que às vezes vida nos cobra de dívidas que não cumprimos voltou se esmerar silêncio 7
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vindo pra aquelas distâncias de se empinar solidão
é quando esta vida obriga desapear nossos sonhos
ah dessas madeiras que mesmo já velhecidas não largam incenso que têm
e quando se espia a vida e vê nela a velhinha – da gente ...
e quem sabe se sol não se escondeu em triste da tarde pra onde poder chorar ?
e quando nem sobra n´alma um feijãozinho de fé...
e dentro então lhe desceu descorada alegria de brinquedo que nunca chegara ter
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derradeira plumagem
um dia cabelos da gente vão se tecendo cansados
fui eu que nasci mais cedo ou você que demorou vir depois ?
era o que sobrara dela daquele loguinho bonito uma risada-sol que lumiava na gente
e quem não guarda a cor daquele sorriso alvo mais aqueles uns olhos verdes que ela vincava na gente ?
passaram ventos lanhando folhas das bananeiras
quando se era criança ao dar de fugir dum desastre se trancava duro os olhos da gente não ver doer
ai cheiro de mulher moça em seus rosados branquinhos... 9
derradeira plumagem
parecia desses lugares em que a vida inteira não acessara
bem naquela horinha em que dia se apronta manhecendo
era um boizinho tarraco que se vestia de branco com muito borrão marrom e ruim de raça e gênio
e no dia em que a vida gastar ou alguém vier lhe roubar essa moringa de alegres ?
dumas gentes de brandura d´alma tão à mostra quando se querendo da até pra palpar...
passou vida campeando sentando galopes e trotes sobre um cavalo Morcego
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meu cisne costuma ir cheirar suas saudades num canto de leira onde mãe um dia chocara
medonho era a gente de menino sozinho vir na noite já entrada por estrada e mato e nosso lado bulindo
era dessas capelinhas caipiras sem arrulho de um sino
é que homens e mulheres se juntam para consumo do corpo e o que depois são culpas dessas desculpas
fôra como se lá de novo nunca nada mais houvera
ali no varjão de Itapé quero-quero nunca deixou verde secar suas margens
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quantos conseguem cumprir histórias que sonhou ?
por que levar esta vida deixando coração sempre apanhando ?
fim de tarde sol um escorrer de ladeira pastos se amarelando em cores de dia morrendo
com todo azar de verão capim algum aqui morre que nosso sereno costuma ensopá-los todinhos de orvalho
quanto demorou-me ir desbotando daquela saudade ruidosa - ela
velhice é contemplar o mundo nesse seu indo-des-sendo
como andam quase ásperas as nuvens neste janeiro ...
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dos coitos que nos empataram quem vai nos recompensar ?
impressão que sou filho de saudade machucando um coração
quando nosso redor anda nos ocando não é hora de se dar-de indo embora ?
no último de nossa angústia se acaba sempre agarrando às santas abas de Deus
faz como em toda saudade ir se esquecendo aos pouquinhos da gente nem dar que sofreu
e no dia em que céus se cansarem de esperar madurecer-nos ?
vez derradeira que a vi trazia furioso frio no olhar de sei lá quantas raivas amassadas
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a gente um dia demorou naquele olhar quase reza - num alongado de afeto
triste é quando nesta vida maduramos ou já viramos rascunhos de antanhos mal gastando
quanto tempo alma da gente demora demudar-se do lugar onde morou ?
e aqueles olhos seus dela quando se femiavam azeitados...
janeiro inda sobram frissons dumas cigarras
quanta gente - uns até que prestavam outros não - que borraram olhos na gente e sumiram por adros do não
Cateto Ressaca Pinhal mais outros cantos foram esses alguns nacos onde vida me andou pinchando 14
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vamos largar que viaje nossa alma entre oriente e margens do ½ dia
quem aos 20 não se vestiu de Colombo e partiu pelos rosais e chuvas reinventado de dúvidas ?
quem não sonha contar histórias da viagem que uma noite não dormiu ?
ah esses capítulos nossos sujos que a gente amara apagassem
lembra meu pai que me ensinou chão trigo e outros simplezinhos de viver e muito arar
se nas horas preguiças costumássemos tocar sinos alegrando surdo de nossos vales ....
há dias em que nossas raivas uivam feito oitava rima 15
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impressão que me estou sempre partindo tentando sair de algum outono
vamos pascentar nossas vergonhas ordenhar nossos sulcos e cabalas antes que nos troquem legendas e epitáfios
tentemos consolar-nos com orvalhos caminhando paz dessas manhãs
e beber dos canaviais suas paisagens
ah rudes redes bandeirantes em que tremeram castidades de curiosas cunhatãs
num tempo de roça e pobreza em que pés nossos descalços conheceram brutos chãos
hoje se cria nome de tribos índias arrevezado - onde esconderam tupis tupinambás timbiras ? ou deles só sobraram essas mentiras ? 16
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nunca deixa o canto ensurdar-se em na garganta
enquanto só sucedem tantas coisas em nossas páginas - um rosto triste passa e do lado crocitam urubus
outra vez sinos vocativos levitam nossa aldeia - que adventa outro Natal
é tempo de rezar pelos orvalhos que estio andou a roubar de nossos olhos
ah falência da velhice açoitada que tropeçando anda à cata de quando se entender
va que nosso desespero acabe em alegria na travessia desses consolados...
vinde vós sujados das cidades lavar alma nos campos nas barrancas desses barros
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já reparaste a paz menina dos rosais ?
há um matuto mal ajambrado em mim apesar de estudos e cidades
paisagens de crepúsculos tristonhos assim dessas arcadas de templos bizantinos
até lua se afogou passando distraída por poças de ruas enxurradas
se carece rir cantar nunca chorar de nossos retalhos de vida comovidos
na paisagem apenas um longe e um cavalo pastando solitário
ô Ressaca dos corguinhos que passei inventando a vida toda
e esses nossos sonhos de afetos epicenos...
inda bem que essas venezas nunca tiveram enfeitando-as itaparicas nossas guanabaras 18
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ah não existissem as fábulas de fundir nos homens os sonhos além de ser vulgar ...
quanto sangue de nossos visionários esterca essa terra que hoje somos...
e essa vida que às vezes nos obriga a praticar funâmbulos...
que demora contente é a gente ir vivendo
e aquela alma nossa ensolarada onde a voz vai refrescar-se adolescente
quanto é percalça a travessia dos dias só se consegue afinalmente celebrá-la os que sonham com alma de cerejas
e os mitos como aniversariá-los se tantos já nem mais se repetem...
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espiar por que as esperanças em ocres distâncias dessas ruas azuis ....
quando nossos novembros sonhos barcos se sumirem da vida desenhada...
quanto se esquece do prazer de ouvir a vida recolhida em seus silêncios
que esse olho d´água que a vida nos plantou decorra sua senda entre virentes campos e nunca morra enquanto nossa sorte não cumprir-se
e quem sabe de que teia alma do poeta se ameia de motemas entrevistando a vida ?
não larguem que roubem alegrias das varandas que saudade alguma vai devolver-se eventual
quem não viveu na vida sua vaga incandescente ? 20
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por que vestir os meus sonhos somente desses anjos barrocos ?
tenho que nossas esperanças deviam ser assim como a fé - crê-se ou não sem nada mais de vir cobrar
tão infeliz vinha do desfecho dum emprego que nem ouviu o verbo caridoso numa esquina de ½ madrugada que queria ensiná-lo de como ir chorar
quanta vez vem a vida nos cobrar duns quantos prometidos não cumpridos
triste quando perde-se na gente um eu desses sumidos de nós mesmos
dum sabugo mais dois trapos inventava boneca que embalava
será que valeu brigar pelo pomo de ser gente ? - olhai lírios dos campos lhes os doces simplesmente 21
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dia de mormaço em que galos especialmente demoram meditando
essa múltipla minha alma - dum lado inteira avenca quando trata-se de afeto mas um vulcão voraz ao enroscar-se azares
que triste é poucas vezes conseguindo sermos nós
e que tal inventar vozes não de nossas mas dessas que nos sonhos nos assombram
ah de vez em quando vinhos para instigar nossa alma de alegrias
aquele triste de se ouvir vozes nos chamando de um tempo lá de trás ...
e como nos humilha esse zodíaco espelho - onde foram as vastidões que prometiam devolver-nos antigos sonhos ?
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inda prefiro essa poética de terrena eternidade que a promessa de eu amanhã não mais me ser
essa andrógina face que nós somos em delírios.... e nos devora amantes de incestos inacabados...
dali donde morava espiava cúpula da sé entre galhos dum salgueiro e sonhava que dela um dia visse elevar-se serafim celeste mensageiro no brilho inzoneiro dum ocaso
hora em que cume das montanhas se incendeia e sol tece pasteis de nuvens desenhadas ...
há quanto umas chuvas madrugadas não me embalam o dormir com suas goteiras
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quanto sagaz a vaidade dessa gente que inventou lavrar em mármores bronzes essas saudades amanhãs que inda vão ser ...
dôo minhas mãos que nelas plantem ervas que venham perfumar a paz do mundo
achou vida de fincar-lhe ricto no rosto de dor que machucou-o vida inteira
que inda não posso dispensar anjo da guarda que me leva não consegui me domar desse moleque
angústia não saber-se transitório mas ter promessa de fátuo amanhã nos esperando
cansa na vida a gente sempre sentir-se viandante sem teto ou uma estante onde juntar nossas tranqueiras
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depois desse pecado inicial no Paraíso ninguém mais inventou algum mantra de livrar-nos desse destino desatino ?
e essa criação que somos de simplória aritmética e tanta empáfia ...
e lá bom Deus anda ligado à nossa boca suja quando imprecamos pelos nossos sonhos sem nunca conseguimos ?
quando alma derruba-se na boca só grito pode nos aliviar
de quando nossos âmagos se apagam de lâmpadas cansadas
largue que eu pratique vez em quando umas insânias quando tédio do afeto vier de enviuvar meu peito
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oráculos - na vida ou aprendemos ou apanhamos
tolheram tanto minha infância que não sobraram mágoas pra viagem
quanta vez pássaro sozinho voei-me solidão por meus incertos
naquele tempo em que plumas já não iam-nos assim tão necessárias
por que além do azar de irmos juntos inda sobram reservas para tantas raivas...
é quando a gente percebe que nos estão roubando na outra concha da balança
parar pensando em dúvida com tanto impotente-nos lá dentro
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essas vielas de favelas onde vida se arrasta bêbada abissal com gente e tanta laia - carece de ajudar ?
é quando-nos achamos embramados no âmago do nada...
vamos desjudiar nossos pés que há sonhos muitos inda de se andar
nunca se apaixone por zíngara vulva enfurecida
quem sabe amanhã descansarei minhas ravinas nums despenhados vista para o mar
não impeça os girassóis quando entardece que venham celebrar teu desafeto
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um arroio aqui perto de águas suas cansadas que passa ignorando nossos crimes e virtudes
não é porque nosso dia se fez deserto que tudo perto deve plantar-se de infeliz
depois de dia tão judiado vento veio do vale jeito de velhinho abanando seu chapéu
nesses dias em que acordam nossos olhos ramelados com raiva deste mundo
se não conseguir ser o melhor brigue sempre por ser bom artesão na enfeitação de seus poemas
... dês que nossa vaidade não venha cobrir sombra da gente
nessa hora em que sol nos outeiros da coxilhas gastava suas rebarbas afinais 28
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perderam as pessoas o sabor de cruzar túneis que perpassam silêncio das palavras
sempre é tempo da gente profanar véu que recém veio dessas almas que dizem que nos amam e sempre passam
vamos vestir-nos para a vida inda que fé demore e a gente se tropece em nossos sustos
vamos adiar para novembro nossos sonhos - quem sabe os escorpiões ...
... e quantas fábulas já se desbotaram de orvalho na relva das manhãs
quando é que céus vão entendernos nesse esperma todo humano ?
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e desnuar por que os nossos ossos das túnicas ruínas que já somos ? hoje é lamento dos ventos que dialoga com taperas das casas descarnadas de portas e janelas da Colônia Velha
que pena gente ter que pinchar à-toa tanto afeto e voltar gramar sorte sozinho
me larguem acontecendo entre as vindimas que pelo menos vinho venha acontecer
por que andam matando infância assim de tão cedo ?
me desculpa perturbá-la sei que ias curtindo tuas saudades e eu nem que desconfiava
que vantagens levaremos se mordidos e tempo vier encontrar-nos destroçados ? 30
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ai do ruído atroz da luz quando nossa alma vai toda enlutada
silêncio é negação das vozes das presenças das quantas vezes queremos nos nuar
os bons da vida quantas vezes filtramse amargos por nossas cortinas estragadas
por que nos declinaram dês infância que esta vida é uma ópera de máscaras e é renegado quem não expõe suas vísceras nesse circo todo exangue ?
tenta perceber no sulco dos arados o roteiro que fizeram nossos semens
há um clima ablativo de calvário constante desfolhando-nos
depois somamos mais e nunca então sobrou-nos tempo de brincar com nosso umbigo
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um dia fomos estragados paisagens até que outros de outras margens cercaram-nos ficando
vamos rir de novo nessa teia nossa roca que a vida não se finde em vossoroca
que não aprendi inda domar-me quando largam-me humilhado
cada manhã que nos acorda não é uma vitória que ordenhamos dessa sorte ?
já reparou na avegraça que nos alinda o dia ?
quanto escangalha-nos a tarde dum dia se indo embora e tudo a derramar-se sobre nós quase saudade ?
ai quando tristeza duma rua nos tece de sua tarde ...
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que bom quando se sabe conseguir ir acordar noutra manhã
que alma não moita toda triste ouvindo tarde se manchar de lusco-fusco trás as torres da matriz de sua cidade ?
quantos pedestais de afeto leva-nos vida derrubá-lo de infrutificados ...
vamos deixar que as trombetas façam por nós os tigres gritos de inquietação da sorte
moldaram-nos libertos mas alguém achou de assustar nossos olhos de pecados
quem aqui se lembra das inquietas andorinhas que amavam desenhar tardes na praça ?
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deixa pra amanhã essas saudades que tarde como essa nenhum Almeida Júnior conseguirá tecer
quebrando andei compasso de meus passos e a vida ... a vida seguiu de sempre sendo
hei-de um dia transfundi-la num bom vinho de ir gostando-a na varanda de meu só nessas tardes amor e sol
o que sobrou-me foi laivo de capiau - um dia até judiou-me hoje exibo-o todo-me orgulhado
quanto amargo era-lhe o semblante de gente que velhou sem conhecer afeto
costumava carregar sobre seus flancos manto remendado de saudades
sei lá com que sol conseguira se vestir sempre sorrisos – alumiando vida dos quantos a conviviam 34
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- naquela idade em que devora-nos fogo gris qualquer paisagem
há quanto mora nesse peito essa lacraia maldade que o arreia ?
comum é que alma ardente de poeta é cheia sempre de palavras e umas loucuras
vão continuar a cantar por muito tempo bem-te-vis sabiás antes que acaso um dia voltes a sonhar comigo
nem pés de cabreúva ou ipê na estrada vão lembrar da estada que por aqui um dia cometeste
quando eu morrendo tomara que uma flauta venha tocar Ave Maria de Erotides e dum janelão aberto ver bordar nuvem sobre a serra e me lembre nonna a torrar amendoim em trempe da cozinha
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e duma horta junto à porta chegarem cheiro de alfazema e manjerona
estragaram nossa rua trazendo asfalto e quem mais foi brincar jogar ali com carros trapalhando ?
nossos campinhos – trás das freiras - virou vila no Areião - roubou-o ferro velho da Bimboca - sumiu num barracão - bom que crescemos e a saudade nos botou pra longe embora
e versos de afeto que cometo e que uns acham levam endereço - me conheço careço vez em quando alisar mentindo o ego
uns que gastam velas fora de hora ... e se cair-lhes de repente escuridão
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em museus mais me comovem o que sobrou de rústico e humilde das histórias - dizem mais n´alma da gente
ah resvalar os olhos em góticos contornos das laterais de catedrais em por-de-sol - divinamente humanos
único meu retrato em branco e torto se deu em Pirapora aos 4 anos
quanto duro é quebrar nossos muros a berros e murros
andam já difíceis rangendo minhas memórias que careço azeitá-las pra lembrar
... e a criança que há em nós quanta vez quer emergir para bestar
e quando nenhum cântico vier mais embalar nossos dias flagelados... 37
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é que a gente não aprendeu desesperar definitivo - por isso os goles desses desenganos
por que não conseguir desfigurar tragédias e dar tréguas a tudo que inventamos e nos amou ?
por que não nos dar prazo de silêncio e devolver-nos das dúvidas e dívidas que vieram-nos roubando ?
bom que sempre sobra um mago nos painéis de nosso sendo
ah conseguíssemos festivar com nossos sonhos beirais de nossa vida ...
por que se acomodar na untosa vida estanques adorando lírios ?
triste é quando brasas apenas já nos satisfazem
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há dias da gente se acordar salobros que até em caminhos planos tropeçamos ? seria que Deus entendeu quando criou-nos seríamos seus equívocos perfeitos ?
aceitando ou não teremos um dia de devolver a nossa sombra
me peja conformar de ser comum em qualquer vale deste indo por que não sempre cumprir excelência como sorte desenhou-me ?
há um rosto tosco em nós que só aprendeu face amarga desta vida
quanta vez nos lesma o silêncio em sua paz ?
inda é tempo de sustos em nossos leitos
que legendas estão-nos esperando nessas rochas ? 39
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quanta raça de gente se esconde em nossa pele ?
ali acontecia reunião dos buritis a cochichar nas margens do banhado
e não é que Deus foi até bonzinho de enfeitar caminhos de paisagens quando a gente se obriga caminhar ?
é o corpo de mulher nela contido ou a seda a cobri-la que me enreda ?
se ao menos as saudades devolvessem viço que roubaram-nos ...
que paisagens mais à bessa essas se o que interessa a muitos é só o que rezam seus umbigos ?
cuida que galho e corda que escolheste pra trepar possam te aguentar
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será que vale a pena dizer-se viveu tanto se a vida nos largou não prestando há quantos antes ?
e lá interessa se a mangueira é frondosa quando as mangas são gostosas ?
eram leituras no colégio vidas de santos que se judiavam de si para salvar outras vidas dos infernos
e daí que era dadivosa com sua carne ? - era dela e era bela
sei lá quantos parentes irei encontrar me esperando em margens doutro lado
quanto papel se gasta escrevinhando e quantos deles se baldeiam úteis de afeto derramados ?
bom que vida nos despenca por tantas ninharias
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por que vez em quando não ceder-nos alguns palmos de preguiça ?
e essa vida que balanga-nos gangorra de alegria e nostalgia ?
... é quando se vai limpar velhas gavetas quantas saudades sobraram porcarias
e quem de nós não teve idade de um dia se vestir marquês de Sade
a vida é essa empreitada do dia somando com noite e noite outra alvorada
ah quando tudo destrambelha nesse nosso jogo da velha
inda bem que pobreza sempre inventa outros úteis pra o chafariz da praça
temos de amansar as nossas nuvens que não consigam transmutarem-se tormentas 42
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trazia ar doente o tal beco que ali ninguém podia passar sem se tomar de dor
soneguemos nossas ânsias quando afetos já não nos pertencem
ajuda Senhor as tremebundas mãos já velhecidas que nem bordão mais conseguem segurar
superemos nossos espelhos fatigados com sorrir dessas paisagens
e quem de nós não será um dia parelhado no rente desse chão ?
larguemos tarde indo embora ficando a esperar as andorinhas nesta hora que acostumam travessar por sobre aqui
e a gente ter que ver as esperanças partindo minuindo a zerar nosso horizonte 43
derradeira plumagem
- nos largando seus rumores
não cederei minhas mãos para adeuses meu balaio de esperas anda vazio
já amarrei muito sonhos tempestados ... como dói aprender sob pedradas
em quantas bêbadas naus já expedimos-nos sem saber um dia como voltar
por que não juntar a nossos sonhos esse íris de muros remontados?
foi quando sol antes de afogar-se trás do morro inda pinchou aceno quase fogo ardendo em rio que ia se indo
que tempo inda me falha paginar nesta crestomatia da vida ?
e quem de nós não inventou sua Inês de .... era uma vez 44
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é quando se percebe que afeto que cevamos é apenas espelho que reflete-nos não alma vizinha que acaso acompanha-nos
e os navios ... esses nunca convidaram-me de com eles velejar
há-se que aprender conviver com as manias que nós somos - já que não há mais como trocar-nos
é que nossa alma insatisfeita sempre sonha com o pra lá das margens que nunca visitamos
era um rosto macerado com seus olhos bem lá dentro - dizendo das 10 quantas fomes que pobremente venceu
se pode até fingir mas sobram sempre umas saudades que não se pode rasgar
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é que não sinto inda minhas idades sossegando - ardem-me asmos
será que anda Deus atendendo mesmo nossas rezas ?
há uma idade em que se voa sem querer escutar trôo do vôo
barco ia - mar de Grécia e verdes uns olhos viajavam dois dias de pertinho cariciando-me
por que vida às vezes numa lasca de minuto faz a gente perder razão que somou no indo rolar de tantos anos ?
vez em quando carece da gente sair bateando um afeto de a vida não se embichar
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ruim ou bom todo amor mancha na gente sua nĂłdoa que nunca mais se desfaz
gosto desses caminhos em que um dia passamos com nossa capioa alegria
na Extrema as serras se partiam ali onde os ventos escolhiam velhecer
era no tempo dos riozinhos descerem nosso vale cuspinhando espumas de uns chovidos
e tomara que de em diante eu nĂŁo vaze mais minha bainha - que a vida de-me idade de mansar-me
era uma estrada de donzela areia clara a que levava do Cateto ao Catingal
de quando ĂŠ gostoso enfeitar nossa alegria
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bom mesmo é dessas cachaças alegrias vidando a sorte
foi quando viemos pra Vila onde eu iria velhar resto de infância
nuns dias em que alma da gente voa além das tempestades
há 10 safras que repito esses esconsos esperando ano que vem
e o amargo dumas tardes ali no beco sem ninguém com quem brincar
quem foi que nos peou com essas tordesilhas de pecados ?
por que não tingir nossas faces de timbiras e renovar mentiras nossos cantos ?
de quando inda trazias seus risos tão carinhos
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é que vez em quando carece da gente saber de nosso subsolo
quando tornares se lembra de trazer o mel que prometeste
acontece às vezes de nosso existindo empacar antes das coisas
cemiteriozinho simplesmente sem mausoléus trapalhando seu silêncio paisagem
imenso roxo ipê todo enflorado destoava ar caipira de Charqueada
naquela hora em que sabe-se lá dentro vem sangrar-nos um poema
nunca largue espaço algum entre ti e a sorte onde caiba grito de quem morre
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derradeira plumagem
são mesmas sempre as horas nós é que as tecemos cores de tintas que coram ou se descoram
é que a cada dia mais cedo andam encurtando infância das crianças
inverno é quando nuvens perdem gosto de enfeitar
ah magos ângulos dos outeiros aqui vizinhos moldurando tardes e manhãs manchadas em sol
tenho que última ventania por aqui veio vestida de vozes de outros tempos
um dia também nossa sombra irá cansar-se carecendo de repouso
tempo houve em que carretéis caixas de fósforos botões tampinhas completavam bolsos de nosso mundo
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derradeira plumagem
celebremos as mãos judiadas das avós que um dia encantaram mocidades
trocar por que anjo que me vigia se conhece tanto meus safados e manias ...
e lá sabiam meus pais da conjunção dos astros ao conceber-me ? que tudo aconteceu tão simplesmente em capioa cama de casal
foram tão ternas as sombras dos silêncios enquanto nos conhecemos
cidade acordando inda desfeita do sono que dormiu
há tempo não me sento em banco à sombra de ingazeira
não há mais brisas com quem eu conversar
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por que não tentar um dia dormir entre rochedos - vá que noite desespere suas trombetas pelos vales
por que não reciclar vez em quando nossa alma de veredas novamente as ilusões
quantos anteontens vimos largados nas estradas
nem foi trem que nos tirou do Paraíso um chevrolet que trouxe a gente mais os trens e despejou-nos na cidade
que brinquedos vou lembrar dos natais e das mais festas? carretéis botões caixa-de-fósforos inda bem que sempre nosso céu era imenso e tanta paisagem de sonhar
quando nossos limites são distâncias sumidouros por que não tornar de aquecido coração ao nosso anil ?
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quantos nossos afetos foram degredados pelos ácidos das horas amarguras ...
qual cor da solidão se vamos tristes ?
por que não largar que essa loucura vez em quando se desabe sobre o comumente desta vida antes que selvagem deserto nos domine ?
quantas estrelas talvez já se apagaram e a gente a insistir num ora direis ouvir...
vamos deixar tardes solfejando seus ocasos e nossa saudade implorando por socorro
nas missas desta vida quantos passam celebrando-as e outros acolitando ?
que tal substantivar o nosso orgulho vez em quando sem amargos soluços musicais duma tristeza
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e quando vamos àquela idade em que acontece doer-nos conhecendo
há umas saudades que quando tornam só filhadaputam nossa paz
é que voltaram as andorinhas brincar as minhas tardes
se voltares outra vez achegue-se pisando de brisas tenuemente
natal na roça era um trasgo que almoçávamos o dia como nos outros que acabavam indo embora
visitei meu Paraíso depois disso quanto dó na garganta ver nossa história derrubada em voçorocas
ou é a gente que rejeita aceitar nossa história se trocando ?
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derradeira plumagem
estrada estragou serra dos padres do Barbosa arrancaram ossos suas costelas
e quando nossas máscaras nada mais disserem tão já desgastadas
luzes velam inda na noite o dormindo da cidade
não espalhe seus cacos de desgraça em caminhos que ao tornares podem deslembrada machucá-la
por que não colorar as solidões de vastas cores ?
quanto espaço inda vai durar nosso círio pra este resto de viagem ?
anda tão seco meu pomar entrando outono que nem os beija-flores já contornam por aqui 55
derradeira plumagem
eu devia ter aprendido flautar um instrumento pra me integrar à orquestra que festeja os arrebois
passeava pela tarde som de pistão em nosso vale - era meu pai que amava solfejá-lo
vamos varrer simplesmente nossa face das urtigas das urzes antes que aconteçam presentear-nos
inda que nos cortiços se salve alguma flor há muito esgoto lá encardindo ribeirinho
de que vale construirmos catedrais se não temos santidades que guardar
na verdade o que temos é expor nosso saco de vaidades ao opróbrio alheio de maldades
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derradeira plumagem
é quando então vida nos estreita em purgatórios e carecemos de abraços consolando-nos
mesmo se sabendo que a fugacidade que teimamos é que nos da suas durações ...
e por que não nos devolver às fábulas que fomos?
pela porta aberta da cozinha mãe espiava umas saudades secando em quaradouros e quantas tardes na Ressaca ela demorava à janela da varanda a espiar seus cabelos branquejando nos varais
é que amanhã nossa tristeza vai saber que já não somos ... nem uns sonhos
quando nada mais sobrar que excelsa batuta dum maestro me ensine desistir ... 57
derradeira plumagem
bom quando sorte nos mistura sem caroços
caipira é isso de se ser humilde feitio de gente
duro é quando se apercebe que os ruinzados nascem comumente dos dobrados nossos de lá dentro
bom é sempre ter uma nesguinha de fé pra se perseguir vivendo
uma pausinha de mato se derrubava 100 metros de nossa Ponta do Morro às barrancas do Araquá
ah as borboletas maismente no entreato outro agosto
duns endereços da gente nunca mais neles tornar - do tanto que nos judiaram 58
derradeira plumagem
é que a gente traz mania de desenhar nossos sonhos maiores que nossas sombras
que às vezes conseguimos escapar dos que nos aborrecem ... mas como fugir de nós mesmos ?
e essas pausas nossas que conseguem ir dizendo mais do que sabemos ...
há dessas periferias que se trocam de pobreza por miséria
quanto doía vê-lo ali sua alma brigando num corpo que não mais resistia existir
de repente se da conta de ir faxinando esta vida - que não sobrem tantos inuteis da gente ter que levar numa extrema viagem
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derradeira plumagem
é que vez em quando carece da gente prezar esses trapinhos da vida
é que somos cria do barro quando nossos sonhos vão acordando devagar desse silêncio
e chega um dia em que vida vem e avisa já ser hora da gente desencostar desses ... ens
ramal que ia por Sobradinho a caminho de Charqueada era dessas estradas não-onde que depois das 5 da tarde ninguém jurava passar
acontecia já pra tardecendo quando primo Bastião veio contar que raiva matou seu irmão - sua voz saía pelos seus olhos chorando
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derradeira plumagem
vício pra mim seria - como eu não sei nadar me pinchar em rio bravio pra terceira margem alcançar
inveja - essa titica que nosso incapaz autentica
por que acontecem esses dias que nos maltrapilham as raivas ?
bom que às vezes uns passados tornam vir desemendar-nos
é que nem sempre se consegue a vida explicar seus etcéteras
de quando ali na primavera fica a cheirar quilômetros de flores
repente freia-nos a vida - quantas balas sobraram negociar ?
são espaços que se departem de nós e uns quietos vazios que teimam nos rodear 61
derradeira plumagem
e quando umas tristezas sem dono vêm reger mundo da gente
não me venha consolar que há amanhã - que o que dói é o covo desse hoje quando empaca nos passar
saí roubando cheiros da manhã em neblinados molhados de paisagem
numa casinha enfeitada de abandono no saindo da Vila inda demoram dois velhinhos ali coitados
na idade que nem orvalho em pastos demoram ½ caminhada
e quantos se embramam ao guiar as manivelas da vida
nuns dias em que a gente tem raiva até de prosear com a gente mesmo
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derradeira plumagem
ali rio derramava sua pose em cachoeira
há um anjo arcanjo serafim dentro de mim obrigando-me achar palavras aos encantos que esta vida desperta
ah se se conseguisse velhecer como tardes de certos dias
às vezes raiva do mundo nos pincha nessas veredas como pedras arrependidas
... e aí choveram 3 dias com estradas e campos todos pesteados de lama
varjão - no meio corguinho deitado levando sua água moleca
sacou do bolso sua única bolinha e fitou-me com seus olhos de 6 anos que pediam – eu não aceitasse sua aposta 63
derradeira plumagem
sei lá porque nossa amizade fora sempre permeada dum quase meigo triste dela
e quem não se ensina rezar em desesperos da vida?
aquela carinha encardida aos 3 anos já na prática desses tantos sofrimentos
quando se gastou as tantas vantagens da vida por que ficar por aqui demorando se estorvando a si e aos demais ?
vinha andando seus passinhos aos 80 como estivesse a cuidar de não pisar ovos no pasto
e quando carece ir tolerando nossos próprios incapazes
quanta vez se acha que Deus puxou céu antes da hora 64
derradeira plumagem
as coisas não acontecem elas vêm ficando prontas com o tempo e se cobrem se descobrem se novelam ...
nossos dízimos ... se a gente antes da morte conseguisse cumprir cada ismo
desses caminhos que queremos esquecer mas re/voltam encontrar-nos sempremente
de repente preferimos esses olhos de olhar ungidamente o que já fomos
é que atrás das sombra das imagens dorme uma história da gente ir lembrando
era quando toda tarde tornavam as andorinhas à praça de ajudá-la celebrar em seu ângelus
foi quando deu nosso amanhã - um trenzinho fumarando nos baldeou para cidade
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derradeira plumagem
... que sempre é bom mesmo descrente manter prudente poupança nas arcas de nossos deuses
a vida – é só deixá-la que ela cumpra seus compassos
quer página mais sinfônica - essa vida que nos deram ? questão apenas sabê-la orquestrar
azar mesmo é cruzar com figurinhas enroscadas mais que as nossas
choraram ambos morte dum afeto sepulto entre seus pés e alguns soluços
vamos celebrar ao menos com uns goles o fim da juntidade que não fomos
... e que não venham batizar minha alma de pecado
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derradeira plumagem
quem dividirá conosco o prato de lentilhas no dia em que a nós nada mais sobrar ?
essa migalha de tudo que hoje desprezamos não há-de-nos faltar quando famintos voltarmos aos escorpiões ?
quantas vezes vamos além de nossos sonhos e restamos tristemente aquém da realidade ...
impressão que após 80 uma sempre ventania vai levando-nos na marra
como saber se seremos vinho ou festa nessa noite acontecida de nós mesmos ?
desesperar por que se podes ser vinho amanhã no vago dessa sorte ?
vamos construir de novo a ponte entre essa vã mesopotâmia 67
derradeira plumagem
e ir achar pra lá o poeta que desertou de nós
por que esse rosto penitentemente triste se podes sorrir em paz suavemente ?
... e copiar esse mudar das andorinhas que trocam de pousadas as estações
vem do mato cheiro amargo de fumaça que queimou
visitemos vez em quando esses pórticos largados onde saudades contentaramse urzes e outras heras
ruim quando vida-nos só oferta arestas mas quem sabe os desígnios que nos guardam
por que estorvar-me do grisalho que acontece e não me aproveitar das alfazemas ?
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derradeira plumagem
em que vida se resolveria sem a gente se empacar sonhando inuteis
e por que vez em quando não se doar à voz do vinho para entender-se com sementes dos gerânios ?
vez em quando me revejo lembrando alguma infância entre neblinas
alegremo-nos viver enquanto arde em nós esses dias de tenras tardes
nosso ardido é que na dádiva da vida nos juntaram em contraponto a morte sem data de vencida
há quanto esquecemos nosso arado ... campos andam esperando novos sulcos
que poeta é o que se entrega que voa que navega e se esquece 69
derradeira plumagem
de viver para vivar tão as sublimes minudências simplesmente
sim – aprender com eles cujos pais os pincharam como coisas neste mundo e não perderam prumo agarrando-se a gravetos duma sorte sem prantear esse abandono sem revoltas ao desprezo sem vinganças contra o mundo só querendo superar e ser gente assim como as mais gentes ...
certos zelos passam por nós tão comovidos e costumados que esquecemos celebrá-los
se uns que antes de nós cuidaram do trigo e do algodão pra nossos pão e agasalho por que não inventarmos outros atalhos pra amanhã que os filhos e filhos desses filhos hão de por certo carecer ?
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derradeira plumagem
ave-Maria cheia de tardes plenas de aves nos livra dos males - ámem
já notou que os olhos desses cães são os que mais bem sabem pedir ? - tintam-nos aguados de tanto tristemente
sempre haverá patina página a nos desornar da sorte
eternidade das pedras nos contemplam como se fôramos folhas derrubadas em outono
impressão que até árvores da rua solfavam enquanto retreta musical vinha empurrando procissão
vamos lá meus pés/ que aprenderam já tantos caminhos/ descansar porque agora/ inda demora tanto completar
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derradeira plumagem
seria que espírito ou resser de Caravaggio que volta inspirar-me de eu ir catar luzes nas sombras dessas nuvens em fotos contra o sol ?
quanto eu amava ver tia Nena tricotar seus bilros numas rendas
como dói quando vida nos bisa dos mesmos desaforos
de primeira vez na Vila nossos quintais se emendavam aos dum ferreiro que calçava cravos nos burros dos fregueses com sua forja
sempre amei grávidas ternuras
por que não galopar relincho dessas éguas quando incitam nossos aços temperados ?
há quanto não visito esse meu outro lado onde esqueci muitos meus sonhos
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derradeira plumagem
apenas não me impeçam orvalhar-me de poesia
que haja uma pedra a servir-nos de guarida por tudo que sobrar depois de nós
somos mais consequência de biologia que libido incontida de desígnios divinos
é quando vida vem-nos apagando tintas das velhas decisões e antigas geografias
quanto nos avilta transpassados querer tornar às portas da saudade que um dia não soubemos perdurar...
que vida não venha roubar-me candeeiro que eu careço caminhar-me muitas noites
... é quando lenha mais alguma sobrar para aquecer-nos ?
há um Araquá que insiste me lembrando 73
derradeira plumagem
pode doar depois disso esse meu jeito o caderno o guarda-chuva menos endereço onde nunca mais serei
nonna em seus ultimamente repetia ter que caprichar muito com Deus num orar sentidamente
cuitelo passou pela varanda sem sequer bulir som do silêncio
não me lembra da gente na roça reunir-se pra demão de oração será que ali se guardava algum nosso baguinho de fé ?
muita vez vida da gente ... essas tristezas
... e lavava uma vida mal desperdiçada enquanto decorria seus 50 travessava quiçaça duns amargos por mão dos azares que escolhera
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derradeira plumagem
fim de janeiro quanto era lindo arrozal pendengando cachos loiros resmungando enquanto os ventos
vez em quando vem a dúvida que se empina sobre a gente
pode ser que o que nos volta um dia castigar é nossa carroça de erros mais fracassos nunca os berros altos de Deus
andou se violentando para caber-se numas costelas do tempo
se via que velho comia com gestos tristes seu paladar de velhice
bom mesmo é a gente desprezar qualquer saudade quando trocou de vizinhos e lugar
ah quando bate na gente dessas ruins tempestades ...
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derradeira plumagem
até que nem era triste nossa miséria pobrinha naquelas aragens Ressaca
pode a vida até fiar-nos caderneta em seu empório mas nunca vai esquecer de um dia voltar nos cobrar
e por que algumas vezes não se rir sério da vida ?
talvez por isso os silêncios nos encantem
de repente por um truque qualquer nesta vida se passa a emendar sucedidos que a gente vai montoando de achar primeiro alinhavado do azar
e abate-se na gente aquilo de passar ferozmente interrogar-se
pode até que escrevendo me pareça mais comigo
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derradeira plumagem
há dias em que desenhos da sorte costumam desordenar-se de nós
fizeram uma ponte nova sobre um rio de muito velho mas que se renova constante de outras águas mais novas vai a nova ponte velhar-se como outras pontes que um dia também se ergueram novas e o rio continuará sucedendo de nunca parar ficar e as pontes – essas pontes fincadas restarão sempre paisagem de não conseguir viagem e rio assim como a vida com ou sem pontes por sobre não desistirá de passar
que tal mais durar do que brilhar ?
quantas águas vi passar nesses monjolos
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derradeira plumagem
é a nossa ou é outra essa cara que vemos no espelho ?
e a minha hoje mania sempiterna de tentar dizer curtamente em poemas - embora pouco isso importe aos que me lêem
e acaso relógio da vida tem conosco dessas piedades ?
quanta horta plantei em minha Extrema que as formigas desmancharam ...
nem sempre céu da amarelinha era aquele que buscávamos
e às vezes que vida cainhou na gente esterco de embair nos madurar ?
bom quando suor de nossa angústia consegue se enxugar serenidade
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derradeira plumagem
lembro dos cabelos da nonna - enfeitados de virote se arranjavam de branquinhos
bom ter de lado uma voz que nos lambuze saudade
coração nunca velhece só se acontece amolado
bom que vezes vida nos ensina jejuar nossa soberba
por que às vezes não empacar pra se parelhar num afeto ?
vez em quando carece da gente arar a vida num desses barrancos agrestes
por que não comungar vez em quando com nosso vizinho pobre ?
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derradeira plumagem
ter saudade - sei lá não é a gente se derrubar num adonde nem queria ?
impressão que silêncio da noite passeia com passos de vento
um mapa desenhando coqueiros brejava ao longo do vale
quando se futura na gente espera com demora de chegar ...
éramos tão pobres assim que nem bocorinhos tínhamos fuçando nosso quintal ?
onde estaria inglesinha que me manchou de olhos verdes naquele passeio ao mar por Egeu daquela Grécia ?
impressão que nalguns a vida avisa sua pressa de morte
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derradeira plumagem
... e ver por-de-sol lumiando flancos sobrados que um dia foram Acrópole - Atenas
será que meu sono é tão pressa que meus sonhos se perdem a caminho ?
até garças celebravam com seus vôos àquela hora sol morrendo outra tarde
trazia mãos sempre disfarçando naqueles trabalhos bordados
no sítio a sala em silêncio cansado lumiada de 2 lamparinas cada uma em quina da mesa
quem disse que nossa humildade não se veste às vezes de orgulho ?
costumava medir seu tempo no mato pelo ploc dum monjolo
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derradeira plumagem
é que às vezes nos crocitam medos que tão desesperam
nem é fácil aprender ser sozinho
é quando rios inventam remanso onde suas águas descansem
dizia que ouvia na noite formigas roçarem caminhos
é quando horas se enroscam pelo miolo das trevas - por isso demoram passar
trazia umas psiquicagens zuretando-lhe o lá dentro
pelo sul verdavam uns pastos de calombos colinas em viagem
dizia que carecia pensar bem devagar seus caminhos - que podiam-no embaraçar
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derradeira plumagem
um dia acabou percebendo que existir nem doía inda mais se conseguisse sonhar que tudo no mundo era azul...
nem bem morreu padre Galo bispo vestiu sua casa dum soturno seminário
era nem bambus beira Araquá que velheciam - percebia ir perdendo flácidos seus acentos de viver
foi quando pai se entranqueirou na cama - uma tristeza funda arrastava-o de morrendo devagar
seria Deus essa dúvida da vida da gente não desesperar ?
sou eu ou essas saudades que vão tristecendo essa tarde ?
pena que meus instintos não andem mais me chucrando 83
derradeira plumagem
que eu não morra me desculpando não ter sido ou conseguido
o quanto sobrar de mim depois ao primeiro que passar que proveite
há um dia em que vida nos endivida ambição
que bom chegar até aqui sem tantos problemas com o mundo e raras raivas comigo
estou juntando bornal meu boné que vim a pé a um convite que aceitei - não deu certo vou tornar trepar morraria que nunca eu devia ter deixado
quantas vezes nesta vida tem a gente que beber dumas águas emprestadas
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derradeira plumagem
se há trem nesta vida que nunca carrega pressa é saudade - como ama vadiagem quanta
e quantas vezes na vida não se passa dum teimoso pobre diabo tristonhando
e quantos é que costumam desculpar-se dos pecados ?
saiu um dia com sua alma navegando e se despreparou feliz para outro lado
de tarde quando sol como capiau qualquer vai lavar cara atrás da serra socós se erguem da lagoa ali na beira procurando capoeira onde dormir
cigarra solitária veio estrear temporada de rilhar num tronco de ipê aqui pertinho
nos confins destes pastos gasto quantas vezes meus dias 85
derradeira plumagem
sem responder um bom-dia dalgum vivente que passe
que saudade das chuvinhas que vinham sapateando tamboril pelo telhado e agora essa tanta demora
dona Carolina benzia – nada pedia pelas bênçãos sugeria – que se gostara e valera e algo fosse doar em troca lhe trouxessem dessas garrafas de Porto
será que a vida é-mente como tanta gente a depinta esses tristes àsvezesmente ?
andam céus de setembro repetindo aqueles de agosto escamados de algodão
há quanto tempo n´aqui nossos dias não se molham dalguma chuvinha que preste 86
derradeira plumagem
o triste é mirar em espelho e se saber já sem elixir
voltaram as garças na tarde embarcadas de vôo catando ninhal
ah não fossem as horas alegrinhas nos tristezinhos dos pobres ...
... lá naquele quilombo de longe onde foi morar tioGelim
por que a gente não inventa ir-se desentendendo de novamente voltar vestir-se menino ?
acho que tudo que nasce na gente é Deus que plantou previamente e a vida só faz madurar
à sombra de taiuva me emburrei saudade tristecendo vendo vale pesteando canaviais
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derradeira plumagem
e quem disse que meu silêncio não costuma se vestir passarinho ?
um sitioínho nanico aliabeirando estrada que dentro bem nem cabiam seu dono um galo e saudade
aprenda prestar atenção na música desses silêncios
quantos nossos desaventos resultam dumas essas lentes que esquecemos de limpar
foi quando nesse tempo uns homens vieram cavar ladeiras do Barbosa - diziam que abriam estradas que iam viajar o interior
e com eles vieram uns burrinhos com carrocinhas sozinhas que iam e vinham lotadas derramar terra em aterro
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derradeira plumagem
nossa pobreza na infância contentava-se com bolas de pano inventadas carretéis que nos brincassem pés descalços e liberdade da gente viver e apanhar para sermos gente de amanhã poder prestar
devolvam-nos as plantas que mezinhavam sem carecer de esculápios e hospitais
de quando fomos tangas miçangas tacapes e chocalhos nesse atalho
é que sempre nos ataram vivendo a essas ações nossas falhadas
sei lá ... mas por que pear os sonhos que voltam criançar nossos silêncios de signos crispados ?
quanta vez decorremos nossa vida como essas pás de moinhos voluteando
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derradeira plumagem
da janela eu via telhado de certa casa velha na rua que umas plantas já trepavam seu beiral
sabe daquelas saudades setembro que aconteciam chuvas nas vidraças ....
vamos deixar que sinos vocativos digam o que pode estar judiando aqui em nós
é quando os olhos que nos cercam perderam orvalho e não há como colher neles olivas que nos ternem
ah dias esses em que a gente cansa de apenas indo atrás como outras vacas
que nos ouçam enquanto nossa voz soa reboos antes que em piedade venham ouvi-la sopros já doentes
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derradeira plumagem
é que às vezes têm os numes sádico prazer de nos pinchar em gumes que amam nos lanhar
não quero raiva rubra dos desesperados vá que dessa minha travessia insana emane razões de eu perpetuar viver ...
não vamos imprecar por tempestades porque apenas nossa casa carece se lavar
eram 5 as estradas que saiam de Pito Aceso 2 sofridas de subidas iam às colônias outras afora davam embora
era relincho de jumento de seu Bento que costumava acordar nosso dia no Quadrado
no Onça moravam parentes nossos desgraçados de misérias
nonno se inventou de benzedor de caxumba e desentortar 91
derradeira plumagem
quebrados nos sofridos e receitava sempre mesmo fubá assado de compressa pra tirar as does que seguiam
um outubro qualquer me despojei de cidade e 13 anos estou aqui a me amolar de pernilongos aranhas até bicho de pé
é que as geórgicas gentes desta roça estão se preferindo mais consumo nas cidades
minha varanda anda cheirando quente desses tempos sem chuvas de já meando outubro
outro sábado silêncio nesse outubro que as roças andam ocupando muitamente meus vizinhos
que ao menos essas tardes sem vergonhas juntassem umas nuvinhas algodoadas para enfeitar o sol se caipirar de ocaso 92
derradeira plumagem
e o rio envergonhado de seu sujo passa por aqui todo humilhado
e as manhãs por 5 meses não irão sobressaltarem-se acordar com apito da usina às 4 horas do dia
pra onde seguem os bulhentos paturis que passam por aqui antes da aurora ?
adonde essas flores vão catar as cores de primavera se enfeitar ?
impressão que trompa doce se derrama em melodia sobre vale fim de dia enquanto tarde quase dói numa saudade
foi quando Tonico se casou com uma Jandira caipira que caçou no Sobradinho indo com ela morar lá no Quadrado
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derradeira plumagem
quando eu morrer não me devolvam a inferno algum além da terra que labrego me torne simplesmente pó com tudo que carrego
um dia pomares de fruta que Paraíso exportava foram arados por canaviais que uma usina comprou dês então muita gente se trocou pela cidade largando terras pra usina
de que adianta detestar novembro se mal me lembro é mês que me nasceu e despejou em mim bons e uns ruins
é bom acreditar que ali na frente de repente acontece a primavera
quando a encontrei já em fins de sua meada lesmava vida em seu pasmado passo perdera riso e tudo nela se resumia tão gasto
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derradeira plumagem
aconteço-me feliz quando recostas em meu ombro essa fronte para enxugar o que sobrar de teu sorrindo
que bom a gente conseguisse em encrencados da vida driblá-la moleque à moda Garricha
por que ficar catando incerto bestamente a nosso lado se a vida nos propõe tantos acertos ?
já andei gastando tanto meu silêncio - será que realmente vale a pena deixar-me baralhar desses momentos ?
por que contar que erro de vizinho nos ensine ?
aos 80 comprou meu pai flauta feliz como um menino de aprender - que já sabia solfar pistão violão clarim e bombardino
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derradeira plumagem
triste a vida empurrando-nos pra frente - de repente quem vinha em nosso adiante não é mais e nos põe ocupar esse lugar renovando cadeia desta sorte que amanhã vai trocar-nos pela morte...
como quantificar prazer de nosso olhar quando caipira adiante se confeita um coqueiro na paisagem ?
por que estragar esse mel de vida nesse brodo amargo que nos trava o prazer de até viver ?
obrigado por ter feito enganar-me feliz por algum tempo
por que insistir-me resmungando se vida derredor é toda festa ?
que merda seria vida se todos pintassem-na esparrela
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derradeira plumagem
quanta gente guarda em si ar dessas poças de ruas depois que chove
quando minha vela andar fim de pavio derramando-se ao pires que me sobre prazer duma janela aberta ao contorno duma serra no horizonte com céus a sobrar se despedindo
e aquelas bananeiras acenando adeus quando trem partia embora nas costas da estação...
tetas de amoras não inda pojaram neste agosto
quanto será bom da gente vez em quando se juntar a esses deuses para um papinho simplesmente e dizer nossos revezes
bom seria se se pudesse continuar fabulando essas nossas meninices 97
derradeira plumagem
queiramos ou não um dia sem perceber crepusculamos
mania essa nossa rechear a algibeira de condutas
onde esquecemos o menino que não conseguimos repetir em nosso homem ?
sinto-me às vezes dessas imagens fatiadas em águas se movendo
de quando trepávamos na vida a catar modelos para sermos outros
vamos largar nossas roupas ao sol quarando e que estejam merecidas quando outro dia chegar
que nunca maldiga da luz duma candeia sempre haverá um escuro de carecer usá-la
se tornares um dia não te esqueças de trazer do mel que daqui um dia levaste 98
derradeira plumagem
triste é quando só nos sobra joio nos trigais dessas amadas
quem vai por a ranger som da porteira de peroba depois que os Barreiros deram-se embora ?
inda bem que eram barrocos os 15 anos ao-nos noviciávamos
tudo bem que eram tristinhas as luzes que lumiavam as ruas outrora mas quanto assim amavam os namorados
por que bestas sempre escolher esses caminhos de espinhos e pedras em que iremos andar ?
quanta vez carecemos apanhar madurecer e aprender - ruim que às vezes nosso tempo esgotou
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derradeira plumagem
desbeiçaram nosso morro pra trepar nele uma estrada que ia pra uns longes que ninguém inda sabia
quantas vezes caem-nos sobre chumbos derrubados dos silêncios
será que um dia nos aprenderemos de cor ?
duns que passam mastigando fome sem sequer saliva de molhar o pão
largue que eu aprenda me viver com meus pecados
carecemos dos afetos que nos molhem não amolem
já era tempo de as painas se abrirem e viajar suas sementes
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derradeira plumagem
nem tudo é épico em assuntos cotidianos
como é triste saber-se apenas desinências
um rio sua cachoeira suas beiras e uma saudade lá longe quinando curva adejando
hei-de-me um dia ser verbo com todos tempos e modos conjugados
que sempre haja em nossa rota um regato onde possamos regar nosso rosto dos cansaços e vésperas
tétrico é já não se importar com segundo botão que perdeu nossa camisa de esquecer-se pentear... desesquecer levantar ou...
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derradeira plumagem
... é quando ouvimos que nos chamam e em derredor só há deserto - ou se trata de nossa alma sagitária ?
bom de às vezes se entregar a efêmeras loucuras descansando nosso senso verdadeiro
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derradeira plumagem
Teu livro, como sempre, me encantou quais outros (teus) que já li. Em “ Derradeira Plumagem” existe vida. E, em toda vida que se preze há dor (e quem sabe se sol/não se escondeu em triste da tarde/pra onde poder chorar ?), frustração (é quando esta vida obriga/desapear nossos sonhos), tédio (parecia desses lugares/em que a vida inteira não se acendera), tristeza (era dessas capelinhas caipiras/sem arrulho dum sino), fé ( é bom acreditar que ali na frente/ de repente acontece a primavera), alegria (aconteço-me feliz quando recostas/em meu ombro essa fronte/para enxugar o que sobrar/de teu sorrindo), remorsos (ah esses capítulos nossos sujos/que a gente amara apagassem), ironia (é que homens e mulheres/se juntam para consumo do corpo/e o depois-de-depois são desculpas dessas culpas), filosofia (e quem disse que meu silêncio/não costuma se vestir passarinho?), saudade (quanto demorou-me ir desbotando/daquela saudade ruidosa – ela?). Outras qualidades humanas vêm à tona: lembranças (vez em quando me revejo lembrando/minha infância entre neblinas), paixão (quem não viveu na vida/sua vaga incandescente?), projetos (vamos construir a ponte /entre essa vã mesopotâmia/e ir achar pra lá a porta/que desertou de nós), preocupação ambiental (devolvam-nos as plantas/que mezinhavam/sem carecer de esculápios e hospitais),, dúvida (sinto-me às vezes dessas imagens/fatiadas em águas se movendo), amor (e aqueles olhos seus dela/quando se femiavam azeitados...), sonho (que bom seria eu conseguisse/achar-me nesses seus olhos), sarcasmo(e o rio envergonhado de seu sujo/passa por aqui todo humilhado), certa ingenuidade (e aquela alma nossa ensolarada/onde a voz vai refrescar-se adolescente), oração (avemaria cheia de tardes/plenas de aves/nos livra dos males – ámem), Virtudese desvirtudes desfilam, sem parar, nesse sambódromo, filho do teu viver com tua arte. Irineu, acredito que esta vida transbordante é que me cativa tanto. Esse esbanjo de sentimentos, emoções e pensares, falas criam eco em mim. Volto a ser criança brincando de amarelinha, pescando lambaris no Iburapuitã. Adolescente, coração em festa. Adulta cheia de grilos, dúvidas, amores. Em te lendo me revivo.Cada motema está grávido de mil interpretações, é caleidoscópio que, conforme o movimento, mostra diferentes aspectos. Este livro vive, ama e padece nos porões 103
derradeira plumagem
da alma de quem que o lê. Não é horizontal, nem vertical, é holográfico Morde,instiga, acarinha, deleita, atormenta, fere e pensa machucados. Eu o li de vereda, depois voltei saboreando, matutando em cada linha. Percorri devagarinho esse caminho cheio de curvas, moitas, encruzilhadas e largas pastagens. Já não me assombro como da primeira vez que te li, mas continuo me encantando, sorrindo enviesado quando me deparo com ironias travestidas e, muitas vezes, quando encontro dor pungente fantasiada de guizos, uma lágrima rola. Frente a certas passagens que dizem, sem querer dizer, rio com vontade: “ é nossa ou é outra/essa cara que vemos no espelho?),ou : “bom que às vezes vida nos ensina/jejuar nossa soberba;” Irineu, falo, na qualidade de leitora. Minha formação é Matemática. Não sei interpretar linguística, figura, estilo e sei lá mais quê. Só consigo dizer do que mexe comigo, alegra ou não meu coração. E “ Derradeira Plumagem” faz isso à perfeição. Parabéns a ti, a mim que tivemos a oportunidade de vivenciar pura poesia. Tu, por escrevê-la, eu (e demais leitores) por degustá-la. Sarita V. Barros Poetisa/Professora de Ioga e Matemática
Bagé, uma semana antes da sexta da paixão/2013
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Volpatodos bons poetas vivos do Brasil. Seus ousados escritos desconstroem a linguagem bagunçando o coreto do pensamento careta, a cada renascimento sua palavra alavanca e ganha nova vida, atitude, significância.
Eduardo Waak Matão-SP Editor do Jornal O Boêmio Poeta, Ensaista
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endereço do autor:
e-mail : volpato.irineu@gmail.com blog: http//paginadoirineuvolpato.blogspot.com facebook : https://www.facebook.com/pages/IrineuVolpato/425943214182364?ref=hl rua otávio angolini, 235 - cruzeiro 13459-467 santa bárbara d´oeste - sp BRASIL 2013/6 XXIII
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