Quando Às vezes VIDA NOS DEVOLVE PARA DENTRO DE NÓS MESMOS

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às vezes vida nos devolve...

Irineu VOLPATO

Quando Às vezes VIDA NOS DEVOLVE PARA DENTRO DE NÓS MESMOS RENARD

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às vezes vida nos devolve...

DIREITOS RESERVADOS V961P VOLPATO Irineu, 1933... ÁS VEZES VIDA NOS DEVOLVE...Poesia, 2010® Santa Bárbara d´Oeste, SP, BRASIL Renard ediç. 112 p. 21 cm. 1. Literatura brasileira 1. Título CDD: 968.615

Foto das Capas: do autor Papeis: Capa Chamois 180 Miolo Polen 80 Tipos: Emgravers MT/Arial/Georgia /Times new Roman

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“ Porque o extraordinário não consegue convicção e, sim, encantamento (ekstasis) do ouvinte; o que nos arrebata a admiração é, em todo sentido, superior àquilo que é convincente e agradável “. Longino

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largo que Verdi conduza este domingo de sol nos campos que eu cuido dos avessos ia na noite de olhares medrontados de outras sombras de primeiro levaram-nos os sonhos largaram nossa infância pinchada por quiçaça nossas vozes que às vezes ficam demoradas em casa que mudamos o vôo das garças no fechar da tarde e desses silêncios que se prestam eternam-se as palavras quando internam-se em nós não me venhas embalada de contrastes mentida de sutis inúteis por que culpar-te do júbilo perdido incógnita revolta que sobrou-me ? que verdades da pureza humana Climério urdira com seus naives burrinhos coloreados ? se foi o temporal ? vamos atrás dos perdidos dos quebrados já é tempo se varrerem os cacos das estátuas em que tempo nos partiu meu berço era bacia de zinco forrada de trapos que sobravam e as saudades que lhe iam descarnando pelas rugas as idades...

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guardou durando toda uma sessão de filme vazia uma cadeira ao lado sonhando ela viria vez em quando trazias cara dessas fotos mal focadas cadê meu cheiro de infância quando eu pisava esta terra ? é preciso vez em quando ir em gavetas catando-nos minha alma já nasceu arregaçada a encantações eram fumos de glória demasiado pra um minuto e dês sobrou silêncio imenso esse coro de bocas oprimidas sem trombetas aos gritos e humilhações ô vida que nos obriga conjugar subjuntivos dessas vagas quando invadem os porões de nossas almas... quanto tempo passamos rabiscando a vida sem um esboço quase de emendar nossa candeia... às vezes descuidamos seu petróleo se um dia me vires tristemente embala-me nas horas de teus braços deu-se num fugaz agosto o amor resistira suas calendas um dia nosso poema desistiu

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ousar caminhos até a loucura de alcançá-los e que interessa à fome o nome da comida ? meu dia se esgueirou feito bandido entre ramas de cedrinhos... era à tarde esses ocos intervalos loucos entre nossas emoções e alguns cenários ah pudéssemos trocar de nossos sonhos... quantas vezes passam pisando-nos lembranças felicidade seria esse sorrir que nos pôs desistir desesperar ? circunscreve de silêncio tua última pergunta quando veio vida descorando-nos já ventos cansavam nossos dias mesmo porque nem mais somos personagens que valham narrativas céu rabiscou dia de coriscos e apagou-os seguidinho derrubando tempestade assegura que teus gritos não mintam além do que vai de tua dor continuas ainda te esperando antigo pelas tardes ? se carecer levanta o tampo dos signos pra que digam algo de ti

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por que demorar-se além da nostalgia ? é o que me apavora apresentar ao espelho este velho que não se acredita mais abre tua janela para que ventos tragam sortilégios tremularem tuas cortinas escreve como que arrancando ossatura desses termos este inverno se achegou tão pobrezinho que nem roupa lembrou-se de trazer um barco - esse gesto docemente que navega águas que sonhamos e adiantou os deuses projetarem-nos eternos? um dia inventamos a mentira de morrer... outubro/novembro quando as cigarras tornavam inaugurando cantos domingo dói outro dia que segunda leva embora aprendi quando as coisas me ardíam ir gastando umas demoras de pincel apesar da crueldade como sabem porem-se épicas as águas tempestades ah – os amores moleques que como águas de rio mal molham nem demoram passam

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preocupar-me com eterno se malemal cumpro-me efêmero ? e aqueles sobrados poitados onde rua pregueava-se em morro o jeito é insistir teimando que os fados um dia possam errar e acolher-nos em seus mantos - não tô dizendo sozinha – vô estou falando meu outro (minha neta que nem leva inda 3 anos) ainda me enroscam sons uns sinos de convento tece as palavras assim vestidas de noivas vamos gostar deste vinho na varanda enquanto tarde inda se ostenta e não importa se nada sobrar-nos pra dizer inda bem que mãe-vida propicia-nos às vezes recomeços vamos nos despir de ácidos da vida e salvar no coração vozes de mel que andam se apagando em nós tintas palavras pobre história a dele dum jeito tão pungida bom seria se nossa vida se assentasse em risos e verdades sem tristezas cópias despentear por que as flores que nascem amáveis arrumadas ? naquele estágio em que nem vale mais trocar de máscaras... 9


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já é tempo de cuidar desses que mastigam a própria fome senão virão cobrar em breve a porção que deles roubamos e punha-se ao espelho ver se via virem de volta suas saudades céu de nuvens repolhudas em cansaço de dia teimosamente acho que já me conhecia aquela casa que tristemente me olhava hei-de um dia aprender esperar pelas horas dumas coisas é só vacilar que o tempo vem almoçar vida da gente que sorte a nossa por tanta gente ter errado antes de nós larga as cigarras fatiando a tarde que o mundo continua se inconsútil era um trator cavando violando alma do chão me sinto em estado de glória quando poema me veste quanto é doce um rostinho lambrecado de pitangas amoras nuns felizes olhos seria que mania de perfeito fazia de meu pai parnasiano e eu não entendia ? como amava ver o mar à tarde levando sol pra ir dormir 10


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e passou vida a escutar vozes das próprias arestas enquanto voltam visitar-nos solidões tornei à antiga casa velha bastante de me judiar saudade de nosso vale ficou-me monótono monjolo cachoando em vale água dum corgo e quando eu me encontrar entre meu declínio e o nada ? e minhas rapsódicas vertigens infantis larguei-as penduradas em tábuas duma porteira em Z ah – ver um sonho abastardar-se realidade há quanto não me lembra olhar estrelas ? mais que moveis pontes estradas casas submersas de enxurradas punge-lhe dor de mudo olhar que perdeu tudo mareia mar sem descansar de desenhar-se em praia compassam distantes daqui colinas embaçadas de mais longes quem não lembrava das quireras risadas cariadas na cara duma Odila ? e a gente de repente já não tinha mais a “nonna” e a doce sua vó/zinha

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dessas gentes simplesmente mas que são bonitas de bondades magrinha alma empenada Antonieta filha da vizinha e ficou manhã inteira em derrubado de morro malhando ardido seu canto a siriema dessas dores pingadas levianinhas a judiar do coração há um tempo da tristeza doer até se coar devagarzinha era quando mãe derrubava seus olhos de sorrisos na alegria dos filhos ali brincando ... e “nonna” que morria: - Iaco (seu filho - meu pai) stà zito que voglio ascutá os barulho desto indo encontrei Marilis - nossa infância judiada tão velhinha ah – desses infaustos que levam a gente de fasto até acontecer se encontrar como uma saudade parada minha irmã toda perdida de dor diante do que sobrou de seu gato assassinado por que se importar com ruins de em volta se dentro da gente alumiam-se alegrinhos ? amava pisar descalça sentindo pele do chão

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tornaram os fumos da Usina a corrigir de estragado o cheiro de nossos matos de quando tudo na gente ressente que nosso barco já anda embicando estuário... dessas gentes que mal um gole na goela é conta pra ser ruim quando se vai perdendo desenho do corpo temperos da alma e tudo na gente empaca... 1/2 tarde é quando verão costuma arrebanhar pelas corcovas do céu dessas nuvens invocadas para escarcéu de chover ... e nossa eternidade nesta vida é como água de rio num sempiterno estar de sempre se indo embora era desses que levam n´alma muita ronha de impiedade também os marimbondos têm os seus favos de mel ia noite derrubada e dormíamos à latada dum bambuzal ... enfiados de viagem que os céus me emprestassem velhice sem miseriá-la de sonhos foram dias de muitos dias encarreirados de mata até que lá nos cataram perdidos

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quanta saúva andou desmanchando horta e plantados nossos em Ressaca até de ser-se feliz alma carece de manhas a gente nasce briga sonha padece existindo e num dia sabe-se lá quem vem e rouba lumeio de nossa candeia... por mais desornado da existência sempre sobra em cada um toquinho de competência ia naquela estação em que as pernas já estranham peso da gente montoeira de caras consumidas em adro de ermida a rezar terço rogando milagre do santo nenhuma trazendo traço que desenhasse pra gente remota obra de Deus dumas dessas vantagens que nós velhos derrubamos sobre os jovens: guardamos em baús muitas saudades para em tempo gastá-las de ir contando lembrava namorada imaginando-a - ô Paraopebas longes desta terra ! em vôo vadio gavião rascunha desenhados em chão do céu eram de família tão tristezas que todos desenhavam-se cansados eram 10 eram 100 quantas eram nossas fomes em desnome de pobreza ? ah – geografias que já fomos dum sono repetindo-nos antigos 14


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quanta vez nossa solidão foi catar cores em flores desses campos ? desses risos desgraçados que nos trombam quando vida negaceia-nos mentiras candeeiro levitando sobre nós e nossas vozes breves que apagavam-se dormir tarde de nuvens estragadas assim pobres trapos em varais nossa casa na Ressaca não guardava nas paredes nem estampa de santo ô distâncias demoradas que até tristezas desbotam nossos nomes que gravamos numas cascas de figueiras ... de tão magra duração não me olhe como antigo salmo que ninguém mais decora recitar alma não envelhece derruba-se judiada àsvezesmente que seria desses humanos rebotalhos que brigam de viver não fossem mãos piedosas com que orapronobis lhe valessem engoliu sozinho seu roçado sem prever fome dos filhos e dos filhos de seus filhos é que a vida não perdoa à-toa vai-nos todos desflorando tinha alma e trato dum tronco todinho paineira - de espinhos 15


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como eram contentes dias de nossa infância mesmo rés a tanta pobreza desses filhos resultados de saudade catada em paixão março trepando ano tempo da gente ir pensando não ser derradeiro ir-se embora quem é que não se encalha em Deus quando se está bem madurando esse verde demais depois do chuvaral duns já três meses com sorriso de tersa malícia seus olhos brenhavam na gente assim como quem sai duma briga de afeto carregando brasas atoladas no peito é quando a gente acha que o mundo deveria de guardar algum silêncio solidário à nossa dor... era inteiro um homem bom seu Oclides quando é que alguém sentiu uma tristeza o ajudando ? dessas gentes que costuma ir alimando os beiços com a serpente da língua

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na roça se tira leite aquele tantinho pro gasto que o resto resta no pasto em tetas das vacas para sustento das crias extêmporas sempre sobram nestas quebradas umas cigarras fringindo quanto as pessoas velhecem quando apartadas da gente guardara da mocidade aquele carão guzerá desses sonhos que acordam vestidos de suas felizes risadas bom quando alma da gente consegue nesses calmos se enxugar certo é que minha sombra sobrará sempre comigo dessa gente que passa pela gente e num estalar de dedo de repente desfazem-se embora sempre achei que qualquer outro lugar andava à espera por mim amanhã quem vai adivinhar onde estaremos o que seremos e se alguém cuidará do que já fomos ? desses que se levantaram outrora nossos precursores... celebremos unge-te com pedras que as palavras mesmo as persignadas não te devolverão às perplexidades 17


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quantas vezes sapateamos nossos pés pelas loucuras enquanto coração moi-se de espinhos sonde vez em quando voz que lhe intervala o coração sovai bem as palavras que quando forem aplicadas não se despojem do que intentavas dizer de quem cobrar nossos brinquedos da infância sonegados ? ah – úmidas tardes de nossas confidências desses nossos subsolos açoitados de censuras vez em quando vinham visitar-me viúvas solidões de antigas mágoas vamos cuidando deste chão vão que um dia nos aguarda se trazia com mulher 3 tranqueirinhas de filhos cão feiinho e nos todos olhos deles tanta fome esses sonhos de esperanças que nos chegam já meio ladroando-nos quanta gente se contenta só com vésperas será que eles bandidos guardam alma alguma dentro deles ? tanto era-lhe o medo que a resposta se veio em dissezinho 18


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eram demais tristezas em prantos aquela gente quanto grátis nos oferta a vida sem a gente proveitar passou tropa de mulos em-vindo-indo ecoando cascos seus tons de quantos cânones vida nos empilha ? foi bom desmanchá-la numa ausência antes de loucar-me outro afeto quanta vez deu-nos Deus brinquedo que nem aprendemos um dia brincá-lo ? levantou se abotoou de roupa e foi respirar manhã duma sacada até que um dia obriga-se apear desta vida e doar nosso eito em mutirão íamos por nós passaram uns morros 4 pontes mais seus rios... foi um dia árduo de chegar dessas pessoas programadas pobremente que brigam enraivadas pela vida é quando olhos da gente se pincham em nosso dentro à cata duns escuros naquela hora da tarde em que ventinhos sobem ê-vindo de vale conversando com folhas e árvores vizinhas e eu que pensei que 48 anos de trabalho iriam me descansar dengozinho em varanda sonhejando... 19


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sei lá que resultou depois de meus 40 sei-me que travessei fantasmas e por anos - mais errei do que acertei será que Deus às vezes faz de conta que não ouve e dá as costas ao gemer de nossas preces... de interesses ? é quando vai-se à caça doido com a sorte e erramos personagens que escolhemos... safa-te da fama essa fronteira do desdém dessas coceiras esperas de vésperas proibindo-nos dormir que metro vai medir-nos as fantasias dessas gentes que se empacam de palavras mas guarda atento aceso olhar... já não é tempo de trocar os sabores desses vinhos e odores vizinhos desse fado ? sempre um âmago trágico se esconde em cada lenda e foram na cidade 2 janelões de ido sobrado que me aprenderam ver a rua com seus líricos cenários quantos proibidos foram consumindo nossas ternuras de infância sufocadas de silêncios ... como doem saudades nesses quietos vamos devolver-nos de crianças a brincar sorrir coçar...

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um dia nos levaram pau de tronco em que a gente se arrimava... dessas crianças nuvenzinhas que lá sobre passam sombrando nossas coisiquinhas esperanças e lá um dia na gente se arrebentam forças dormidas com que a vida se alumeia e vem nos acordando horizontes de repente num cotó de minuto por nervosias incontidas estragam-se tantos duma vida inteira nessa hora de céu se consolar do calorão esperto sobre meio dia num tempo em que nossa alma lagartixa vivia de inventar pecados em cada uma dessas nossas vizinhas castidades que micra de profetas permeia nosso sangue que nos apeia àsvezesmente entre vozeios pentateucos ? quem não sonha com sua graça acontecida ? houve um tempo que nos adestraram ir com(o) as demais vacas agradecidos pelos pastos até achar a verdade na rubra razão dos desesperos... ... e tomara quando achá-la não nos troquem em tempestade dona duns olhos negros que quando passavam até manchavam na gente

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fica sempre um espinho atravessado de afeto que por nós andou tenho que os céus nos misturaram a certas almas pequenas da gente ir aprendendo se humildar na caridade Pinhão - nosso burro avinhado decorou todas ruindades de estradas que costumava trepar naquelas arestas do morro Barbosa os ventos xingavam com vozes trastinhas janeiro tempo dos rios passarem babados de espumas no lombo quando nossa alma salta fora da baínha sem tempo da gente nem pensar havia no Quadrado beirando nossa casa engenho de pau em pé onde nunca se moeu uma cana de garapa era tempo de abril trocar-se maio com neblinas dormindo nas baixadas vamos lembrar minha amada do futuro que seremos ermos conseguir o que dos desenganos ? ah – regatos com suas águas afogadas vamos tornar a nosso vale catar vozes de infância lá enterradas quantos estigmas restam machucando dobras rejuntadas de nossa alma meninos - quantas vezes fingimos homens feitos... 22


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veteranos – acabamos abobando-nos outramente uns meninos há-que-se aprender da vida quando é o minuto quando a hora azada e dia chegou já lavado de suas chuvas e roncos de trovões no céu a trovejar dessas palavras que sem dono sobram vale esse preço a paz que tão buscamos ? coisas pequenas sempre amei-as humildes me emprestadas vem que lumiaremos nossa noite de poemas que nos limpem de outros males até quando ficaremos resistindo-nos Casimiro aos oito anos ? se ergueu baita lua arredondada atrás dos morros assim de alguém que vem querer poitar nosso sozinho é quando se deixa silêncio compridando pra se ter tempo de rachar um pensamento morreu e não havia um lume-lhe vizinho ajudasse no caminho que sua alma ia escolher quanta vez nos ermos de Extrema ficava a namorar as tardes reformando umas saudades pouco lembro dos m´emboras que troquei em tantos indos

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já nos-quando mexericas apetecem-se em abril e de apás e ferramentas vieram os operários deflorar nossas colinas - inventavam uma estrada meu sentimento do mundo nesse dia ia tão inho que cabia em minha sombra ao ½ dia fumejam chaminés na paisagem - tempo das canas moerem açúcar e álcool esse círculo de luz que trago aceso agonia em mim palavras presas que se livram só quando poema me porfia quanta vez vida é-nos mais sádica que épica ? ah heróis que somos todos peitando as enxurradas meus olhos aprenderam ver o céu entre trapos conchegados a uma bacia em dias que minha mãe alvava roupas atolada em ribeirão morrer é quando nos sobra o nem do nada dessas fotos mal tiradas em álbuns de família onde cada um se adivinha sempre alguém longe onde vento punge sentimento de paisagem outono e o desmentir de cores de folhas despojadas

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vinhos e seus múltiplos vermelhos novos... velhos vou jejuar umas férias em minha senda de ser gente esses que fogem de silêncio de nunca se encontrar por que se envenenar castigalmente dúvidas ? quantos fantasmas já topei a sorrir de meus fracassos veredemos as vertigens vez em quando a surpreender a vida em seus arcanos é bom treinar lidar inquietações de quando elas chegarem não doer se arranharem há dias que a gente sente alma todinha de pedriscos por angústias derramadas nem teças arrogante tuas estrofes que os símplices da vida é que evocam quando um dia aprendemos polir ásperos que rangiam nossos colóquios nossos mundos já não convergiam cansou de se judiar de sustos e passou a margear bordas da vida onde conseguisse congregar outros distantes não deixa teus olhos se poírem esperas aveluda tua boca doutra estrofe de quando idade vem nos apagando com silêncio volúpias que trouxemos da alvorada

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essa vontade minha traquinas de passar pé em carreiro de saúvas enquanto seguem seu ofício comportadas... velhice foi como a vida se tramou de oposição à pressa por que achar que versículos da Bíblia apocalipsam o que singelo autor queria dizer ? de fininho ocaso passou aqui de trás que nem tempo deu ao sol para abluções antes do sono o que levam de comum as gentes que se enforcam além da corda ? esperança – esse branco intervalo da emoção que nos rouba de cenário dessas lembranças que contamos muitamente inventadas meu vizinho tem um cão cuja feiúra é de desenho canhestramente naif tamanhos dos nossos sonhos importa é cevar os que nos sobram ardendo em nossa vida havia um poste que estorvou nosso namoro ali na esquina ando cumprindo minha parte na saga desta vida - dizendo do quanto me estorva outonas andam as folhas de ipês já desistindo fiquei demorando nuns olhinhos nem ainda seus 3 anos 26


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atolados em vão de porta que teimavam sobre mim hoje passei viver à procura de entender-me gostosamente escrevendo quanta vez não cabemos em nosso instante sou desses de palavras empacadas inda bem que grisalho consigo me reinventando nuns dias em que nem promessas acodem animar-nos de consolo já não é tempo de parar e escutar o que esta vida vem tentando nos dizer ? promessa é quando nossa alma se enfeitiça de preguiça e dispensa de lutar as pernas das mocinhas em nosso tempo quanto substantivas as sonhávamos dessas cuneiformes palavras das crianças inventando-se falar ah – esses de repente docemente duns olhos que demoram-se nos nossos moramos um Caiapiá com mato a querer entrar nos vagos de nossa casa sustentou-se quanto pode impoluta até que amor botou-a de fogo ateado era quando se pensava que tudo se dava loguinho sem muita dor de esperar 27


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e a gente que nem sabe onde nossa alma começa órfão é última lição dos pais quando nos largam sós na vida aos 15 somava mais maldade que sua idade e você mata uma árvore desses tamanhos portentos sem um fisgado de dor nessa sua alma danada ? e a gente vai aprendendo que nas viagens de ir só estorvam as bagagens sei lá se já não estou a termo de largar dessas sombras que me levam de repente o imensamente de gente no teatro do colégio eu a recitar Castro Alves aprendi de silêncio em silêncio acostumar-me comigo e se nada amanhã sobrar de tudo isso valeu o sacrifício ? se ao menos qualquer dia neblinassem aqueles olhos varrendo deles esses ódios quando a gente se acha só cercado duns nunca mais... ele partiu ela ficou cada um cumpriu-se judiado nas pontas duma saudade

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continuaremos sendo as velhas fábulas ainda que versões delas se lambuzem de inovadas a vida - esse sopro sempre a tentar apagar nossa candeia o ódio já nasce machucado aos cacos por que não respeitar vontade de morrer dessas taperas obrigando-as a história ? Ícaros quanta vez sol nos pinchou aos nossos prosaicos de volta ah ter que deixar envelhar outro domingo fresquinho há uns dias que nos cercam desertos de nós mesmos dessas vidas que só romanceiam desgraças e há gente que inda ama tais paisagens vestidas cor de maleita em outono a gente parece que ouvia silêncio subindo do mato quando noite acontecia ... mas as árvores é que inventaram o mato ali que podreciam as águas que eram largadas de enchente nas várzeas de Cuvitinga quando voltou da cidade trouxe trouxas de sonhos para um tempo sem fim de gastar alguém desenhou araucária nesses gestos de rezando 29


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de redor de nosso sítio pastavam bois xucros com olhos quentes de raiva de entremeio nadava Araquá com sol lustrando suas águas estirava as mãos inocentes a nascer verbo impossível que o conseguisse dizer além do pólen trocado que outro gesto de afeto doam-se as flores se amando passaram nadando o rio umas trombas capivaras aquele encurvado do vale proibiu do rio se encurtar e a rutilância das risadas que só crianças conseguem desenhar... tinham uns olhos tão jabuticabas os seus dois anos... e aqueles olhinhos soslaios já se ensaiando trapaça ... quanta pena pesa mão da mãe ao cariciar nosso sono ? umas águas de cara assustada remoinhavam no encontro dos rios quando às vezes a gente se perde nesses rastros de tristeza essas paredes de casa que como a gente andam velhando nunca deixe que te roubem o humor 30


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tempo outra vez das cigarras retornarem inauguradas de cantos é que nem sempre a sorte ama nossa companhia vestir-me da azeda cara de Sócrates vai eleger-me filósofo ? vamos felizes juntar nosso feijão e se um dia conseguirmos strogonoff vamos comê-lo sem dor alguma na alma de repente jardineira foi levando tantos vizinhos pra cidade secando o Paraíso se mudou para Tungal onde serra se empina ali nasceram as meninas e um filho que o fez pagar os seus pecados na vida e quando é que os rios vão conseguir-se aprontados ? e grilo não desistia de incomodar nossas noites foi quando negros aqui chegaram trazendo noite na pele e uns olhos em que doíam outras vozes e os trovões ensinaram nossos índios esconderem-se nas matas com medo do céu desabar cantar foi o jeito que se achou de limpar a alma dos trapos velhos das nossas dores no só do vale dormia uma casinha em finzim de caminho que tocava pra lá 31


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quantos eram os mandamentos dos índios antes dos frades degredados governadores chegarem ? e que o silêncio me fique escutando ah - fora fácil esta vida se pra tudo se arrumasse mandinga ? bandeirantes não respeitaram as preguiças do Brasil ah - não fosse essas velhinhas e suas rezas enredeiras com seus dedos em nós dos terços pra amansar os bofes de Deus... ah - por que nos estragam de medo e depois inventam de vir curar a gente ? duns pecados que só se curam com setenta orapronobis ai compadre Almeida Júnior me pinta com caras ladinas outros caipiras matreiros amarrou sua paciência à espera dum afeto um nosso amigo morreu como uma frase apagando-se pendura ali no silêncio dos fumeiros essas saudades malemal de resolvidas vou largar vida aprendendo que aos 70 nem treinei quase viver esse ser habitual que a gente é... senão como sustentar-se continuando ?

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nunca te exponhas vísceras nesses varais da vida por que sair doando-nos bisonhos ? e se amanhã tornarem os espantos pedindo repetir-nos ? prosaico derramava-se vivendo simplesmente por não veludar-nos àsvezesmente maciados dos ásperos e ácidos a que nos obrigam o escalar da vida ? eternidade ... acaso somamos validade até transpô-la ? e o triste de se ir procurando nos trecos perdidos de aís? manhã acordou desses perfumes quase amargos de madeira descores os campos dormem hibernos de inverno um dia diário - jeito de se vagar ao sabor de mentiras consteladas há mais ecumênica palavra que a latina etecetera ? ter por que piedade da miséria sem a caridade de adestrá-la ? ruim que nossos ontens acabam sempre voltando resmungar em nosso hoje saber-se incógnita quimera que se trocou de cores no caminho aquela ausência fizera-se cansaço valia ainda buscar por outras margens ? 33


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e o dia vai catando o que a noite derramou edifica afeto que caiba além dos olhos em teu peito um dia nosso endereço irá morar numa placa de bronze ou num desses envelopes frios de mármore ah – a gente entendesse as entrelinhas da sorte que viaja a nosso lado essas cores lindas lendas de quando a gente nasce e que a vida vai trocando sempre os tons... triste o dia em que a gente passa sentindo-se cinzas duns restos que se queimou dessas saudades que a gente anda trombando e não sabe depois como cuidar quantas lembranças nossas careciam se limpar das teias desses vinhos sem nobrezas as virtudes de meus pais : - driblar rudeza da vida manter alto o mastro da honra mesmo que afagos mal sobrassem entre eles ainda nos lecionavam travessia de pinguela nunca pemita espiem-lhe a alma acrescentar por que outras palavras se na prosa não sobra mais que dizer ?

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dê-me o silêncio que eu devolverei muitas saudades sem fé – em que segurar-se-ia nossa essência ? ah essa paciência nos doada destreinada... é quando nosso vôo de amor não mais se inventa quantas vezes nos obrigam enroupar de novo a vida minta que foram os pássaros que acordaram a manhã não o grito do sol madrugando será que um dia juntos outra vez iremos semear nosso trigal? iam comigo as ruas de madrugada quantos sonos ficavam a espiar-me das janelas ? esqueceu os olhos perdidos na areia que lhe escorria da mão quando enfim aceitarei cumprir-me senda que a sorte esculpiu ? o trágico da gente ganhar da vida uma história pra viver e ornar de mentira mesma história ao contar não estaria de novo em tempo de se caiar nossa fé ? ah – maldosa idade que fez daqueles rindo lindos lábios dela esses vincados beiços tristecidos

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houve tempo em que se amava o veludo dum colóquio passa o vento a cariciar o costado da lagoa que dengosa se arrepia que sorte das paisagens que não padecem de humores quanta vez vida é esse branco que nos encalha ao partir viemos escoando quantidade de Deus que havia em nós ... e agora que zeramo-nos de nada ? inda bem que a vida nos deixou esse poço de inventando espera de silêncio após última pergunta... e a briga de nossa alma conseguir fina harmonia da orquestra... que minhas necessidades não almocem meus princípio foi se deixando endurecer acostumado à solidão do mato não me afronte com tua maldade risada lá onde tudo é importante mesmo a mentira da gente deixou sorriso de seus dentes lindos demorando dó naquela despedida e nos varais a farra das roupas a balangar de vento que soprava desbocado

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- pai – como era mesmo Araquá que inventei ? uns símplices meus olhos ah – tivessem insistido minha singeleza... foi ruim levar a vida a comer um feijãozinho mais arroz torresmo ovo frito e vez em quando um virado incrementado ? você já bebeu água de mina em corgo catada no conco da mão ? num aquele vasto minuto duma espera de quantas ruas nossos passos infiéis mais não se lembram ? e os nossos gestos caipiras em que fiamos... é quando dor desperta em nós potestades mal dormidas o triste duma banda batestaca é tentar afinar em fim de festa uma berceuse há quanto vimos nos levando nos cascos destes dias ? sequer carece o afeto de beleza pra instalar-se ? é precisava ser domingo para o dia se enfeitar assim de cores ? o triste às vezes é que a vida não passa do prefácio

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às vezes vida nos devolve...

quantos sonhos fiz largando por estradas que não queriam companhar-me ? foi quando se deu conta que o calvário dela se apropiara e seus dias que iam de vir seriam de apóstrofes inúteis velho todo teimoso nodoado me espia do quintal um cedro como parente chegado que meus olhos não percam de ver poema em cada gota de orvalho nesses matos meus passos pisam mansos de inverno na tarde quantas pombas vão mergulhadas em vôo de indo embora ? é que os ipês costumaram decorar de flor nossos chãos e de arrasto com as chuvas veio vagando verão chuchu mamão pimentão com 4 palitos espetados e mais um curral já prontinho costumava demorar-se no verão suas tardes na sacada lá de casa e 1/2 copo de pinga à mão assistia outro dia que se ia abraçada a tronco dum coco me sorri ½ vermelha bromélia que sina a da cigarra cantar até se secar ... e o sol que desenha redes nas caras dos pescadores 38


às vezes vida nos devolve...

acaso céus vêm-nos questionar se somos impuros ou malditos se margaridas ou putas quando em suas noites dormimos ? quando secam capins pelos barrancos é que outono sonegou orvalho de quando ventos chegam assanhando as virgens saias das plantas apaguemos a candeia que a lua cheia quer entrar nossa janela ouço na noite fome das saúvas devorando meu pomar que é tempo dos coquinhos pestearem chãos dos nossos pastos era tempo da gente nas noites de roça posar de sombra em paredes enquanto doía inverno lá fora há um point aqui vizinho em que urubus crocitam-se pulinhos essa mania das copas dos bambus vergarem-se orando... Deus às vezes tem cada uma conosco - largar doenças reiunas feitar feiúras avessas numas maldades cruéis largou alma se goivando ao sol num desses varais de quintal que pecado ensinar as crianças aprenderem-se assustadas 39


às vezes vida nos devolve...

pobres daqueles que desacreditam de si e se acodem em igrejas... tenho que alho sativo mezinha pra toda obra (num destempo de Ressaca) só não curava dores de amores sofridos foi quando brasou naquele olhar olhos de ódios ergueu-se desafeto pelos ares e saiu lobo a ulular por rua e lua é lá me importa alguém que herde minha voz para canção nunca ser interrompida ? minha cidade não gosta de saudade vive a trocar cores das casas a cada ano e derrubar lindas velhices ... onde vão sobrar suas histórias ? dessas tardes bonitamente tardes sem carecer adjetivos advérbios ah – espelho não erre em meu rosto rugas de meu pai nunca confia na perfeição das coisas os retratos dos “nonnos” em parede da sala eram receita de perpetuar vigilância às nossas vidas ? nos beirais moravam ervas festando vetusteza do telhado naquelas horas em que ruas descansam de andar na madrugada quando expunha suas idéias 40


às vezes vida nos devolve...

a gente nele percebia dessas ruins engrenagens de motor que demora um sem fim para engrenar Deus é muito mais fácil que explicados de fé será mesmo que algum dia esse deusinho pai nosso passou por este caminho onde sobrou-nos tranqueira ? outra vez agosto e os eucaliptos se despem sãofranciscos envergonhados não entorte esses meus ventos eles sabem bem o endereço de minhas saudades encalhadas se forem proibidas no céu dessas risadas por que pra lá levaram tia Izabel cujos sofridos da vida ela os brincava sorrindo ? por que empurrar meu sonho pra lá do dia que existo ? uma pracinha preguiçando ao sol do ½ dia seus retalhos de silêncio aquela janela acesa acordava a madrugada morrer não é da gente devolver-se novamente a nada ? quando empenho emocionar-me não vou ler poema algum desses fractais hojemdia mas esses desesperados pequenos anúncios em jornais

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às vezes vida nos devolve...

amar é a gente ficar emprestando d´outrem nossa alma era uma rua velhada duma cidade vencida apropriada a fotógrafos lamparina de óleo lumiava o Santíssimo no susto noturno duma capela quem está ouvindo nesta hora em casa que deixamos no Quadrado portas batendo de vento encanado berros tristinhos de cabras vizinhas bochichos pecados de meninos safados ? multidão dum só cão cortava viés a praça de preguiça ½ dia em varais do matadouro em dias de sol cascas de couro conversam suas histórias de bois e sol vagabundo costumou quentar tantos velhos desusados em bancos de jardim quanto doeu-me quando mindinho cresceu pareceu nem era meu nem morte teve piedade de vir beijar nosso primo mordido de cachorro louco cadê nosso silêncio quaternário depois que entrou em casa certo piano multifário desses pecados que nunca chegamos pecar porque eram mais supinos que nós 42


às vezes vida nos devolve...

ah se nosso anjo não fosse tão pidão em prol da gente... quanta vez fui mais medo que meu medo ? era só noite chegar viver é também a gente ir arrastando saudade foi quando caiu-me sobre aquele indeciso caipira assombro primo Tonico era daqueles que trazia na algibeira sempre um metro do que papear atrás da casa passava riozinho brincado de lambaris quanto a gente àsvezesmente carece de mentir no varejo da vida bem pra lá onde céu bebe águas dum rio num arco íris foi um hirsuto inverno bravio inteiro cabelos brancos todo em frio tremebundo ... e o mar brigava seus rochedos naquele pátio de colégio somávamos 6 sotaques de Brasil ...em que nem sabíamos trocar nossas dores de feridas ah – despojar-me por que das miudinhas alegrias corriqueiras que lumiam alguns de nossos dias

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às vezes vida nos devolve...

não me desobrigue na vida de rir minhas risadas dessas pregas mal feitas lá no dentro da gente... ah – de quando vão os anos nos arcando e na gente inda apetecem liberdades meu vizinho era uns desmandos duma hora bandeou-se para Deus... haja agora agüentá-lo se emendar aproveitemos dessas sombras que inda prestam refrescar em perigo de viver nunca abro mão de amizade a muitos santos em especial os mais chegados a Deus aquele um primo de pai seu Zebatista de habilidades raposas... uns que se escondem em casca de ½ risada de nunca deixarem a gente ler seus dentros seu Estevo tão lerdo de cuca que até Deus gastejava de indulgência quando ele um primo Tonico que a vida nunca deixou que passasse dum pobre destino menino um dia desarreou-me um colégio para um prazo nunca mais de vir-me esbornear neste mundo por que sempre nos espeta um azedinho em gostoso de saudade ? pinchando das costas as cobertas dia se dizia com assovios de manhã 44


às vezes vida nos devolve...

que saudade que não é um judiado que se gosta ? lembranças de minha mãe são saudades que gastaram antes mesmo que elas fossem era uma alegria de colméia com vespas em flor de pitanga vadio morro Barbosa debruçava sobre as herdades dos padres essa precisão de fé que todos somos na burrice da vida se Deus não houvera havíamos de inventá-lo já está na idade de meu coração parar... tentar me ouvir dessas gentes que deviam nascer nunca já sendo amor é esse macio que só olhar não satisfaz carece mãos em corpos que se t®oquem de quanta coisa se erra o nome nesse mundão de trecos ... a vida sempre um manhecendo e a gente um destrinçando-se em miúdas miserinhas nas contações de saudade quanto de fato é mentira quando no fundo é verdade ? ruim quando raiva trepa a mandar nalma da gente

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às vezes vida nos devolve...

de quando coração põe despovoar-se e este mundo se torna uma tranqueira inda bem que nosso anjo que dormia acorda e nos guia pelas léguas seguintes de esperanças quanta vez a gente de repente percebe-se perdido num certo de sozinha travessia... ai quanto dói se perceber despojado do somado disso tudo será que um dia a gente pode se dizer definitivo em conta desta vida ? o bom de repassar tanta paisagem indo a vida é que quando dizem delas dá um gostoso de alembrar... seu Belaires – um sorriso despachado atrepado em alto dum alpendre nossas lembranças às vezes dão impressão que ficam se escondendo de lugares quanto a gente é permissivo com nósmente e nosso indo acompanhava estrada com quilômetros perfumes de cedrinhos ventinho relava de bulha nas folhas e silêncio madrugava já na barra da velhice e quanto sobra aprender... ôta Araguaia arrumadinho em muitas águas !

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às vezes vida nos devolve...

é quando se percebe que velhice é um ir gastando mocidade das poucas matas que por aqui inda sobram vão-nas bebendo-as paulatinos canaviais soprava vento azul na galhada dos pinheiros quanta vez botamos ao colo essas saudades que ficamos relembrar ? é que hoje vacas viajam embaladas em caminhões ir de a pé por que se o trato das estradas andam proibidos por asfalto sem poeira ? Araquá partiu-me a vida de incertezas como costumar olhos em paisagem na pressa que leva indo de carro ? que de repente nos desbotam solidões até que um dia aprenderam minhas mãos gostar da pele dela há umas horas em que é preciso sonhação pra tempero da vida ela guardava umas saudades em que eu não conseguia figurar no meio delas desses lugares em que a gente nunca devia ter vindo ah quanto eu carecia duma saudade àquela tarde

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às vezes vida nos devolve...

e quanto seria acautelado à gente escutar primeiro os próprios dentes antes de sair se pronunciar... esses sozinhos que despencam-nos por nossos cavernos dentros quanta vez se vai embora oquinho do que não se conseguiu brigando a vida naquele tempo da gente quando se demorava poder passear as mãos de carinhos em faces das namoradas... os olhos nossos voando adeuses a vida inteira em paisagens quando nossa metade de fora não consegue coincidir com a outra metade lá dentro o infinito seria desses esticados do nunca ? e às vezes a gente se empacando etc.s todo prefácio n´é esse iscar de luz em nhenhenhém duma história ? não posso atravessar meus fantasmas quantos pai avô vieram somando neles ? dessas igrejas silêncios e seus macios incensos que às vezes se carece pra nossa alma encostar

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às vezes vida nos devolve...

quando fundiram minhalma naquele onze em novembro chovia demais e no barro esqueceram galhos e espinhos hoje Paraíso não passa dum triste arraial doutros tempos naquela estação em que dias acordam brumados de sono era um arruado coitado de gente que ali campara já cansada de caminhos guardava inda desenho da linda musa que fora na mocidade esses que hoje oram mãos tornadas de palma para o céu como se Deus fora obrigado a essas esmolas... é que a gente anda tomando emprestado tanta crise deste mundo que os tempos repetem-se miúdos e vão-nos obrigando viver ruins que inda nos faltam íamos - Goiás mostrando tristes uns pastos judiados de inverno com árvores coitadas do serrado só buritis vez outra formoseavam verdes alguns banhados desses mazelos que a vida vem botando na gente que nunca logra livrar-se

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às vezes vida nos devolve...

até que um dia se consegue arrancar-se da baínha para empreitada da vida que fazer esperar é jeito da vida judiar da gente sempre há um envelhado aprender de ir vivendo duns ontens que tornam-se amanhãs sem tempo saberem dos hojes e quando os limites nos ficam questionando ? quanta coisa fora agosto em minha vida e no entanto finco-me esperando outras tardes não fotografem os cacos destas dúvidas que ainda não aprendi compor-me inteiro na verdade desses dias que se passam em eterno despedindo... ou são sonhos meros grafitados ? consolar-nos por que com defeitos dos vizinhos a paz do mundo não acrescenta para nós ? e lá está vida interessada se conseguimos aprendê-la ? e depois que a gente aprende a vida não passa duma insossa brincadeira quando se vive tanto perde-se empenho de entender as coisas que desimportantes se repetem

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às vezes vida nos devolve...

já se estava no acabar do dia quando voltávamos das distâncias do Zambom - nos doíam 18 horas de caminho nessas horas em que medo se aproveita dos silêncios e se agiganta quantas vezes vida nos põe muito além das vossorocas dessas batalhas que tristemente se ganha e sol a se vestir de flamejantes tons de conhaque ali na tarde o quadrado branco duma página em capítulo final de nosso enredo - quem vai ajudar-nos desenhá-lo ? já íamos em tempo de dezembro quando mangas dependuramse mocinhas outra primavera se inaugura e inverno para celebrá-la gasta seus últimos ventos nas folhas novas trocadas ... nestes dias de solitárias travessias dessas casinhas matutas que nascem tristezamente já velhas ô serrinhas enfiadas umas poucas de Goiás mal vestidas de cerrado não me lembra de meus pais capricharem-se de Deus de vez em quando rezando

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às vezes vida nos devolve...

umas pressas que passam tropelando nossa espera naquele morre-não-morre do sol longo pio quase risada de inhambu que despedia a gente do dia setembro já maduravam daquelas azedas uvaias tem gente que nunca se lava da cara ruim da maldade encontrei-o 20 anos que não via trazia-se tão envelhado lhe também nem perguntei como seus olhos me achavam sempre que vinha trazia alegrias limpinhas naqueles olhos sorrindo era dessas caras que dianho empresta pra ruins pessoas gente cujas vidas vão podrecendo amassadas de tristezas que nelas costumam empacar umas tristezas assim de quando tudo foi embora quem largou uma sapucaia em triângulo de estrada Paraíso Bacuri Cuvitinga que nos setembros florava irmãzinhas dos ipês ? desses nascidos em dias de noite que guardam uns tristes em tudo que trazem

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às vezes vida nos devolve...

e já nascem preparados pra desamigarem-se ruins ah – mentiras obrigadas a que a gente se sujeita nuns baralhados da sorte... velhava e não perdera aquele sujo brilho dos olhos que tecera quando mulher de muitos em bordel entrando a cidade uns que sempre vivem a contra-pé da sorte e os que levam a vida a torcer sorte ao avesso e acham de reclamar quando-a tenta desvirar dessas dores que com o sarando dos dias vão mais amenas doendo são desses tratos que a gente quer negociar com a vida quando já se viveu as medidas da gente por que se amolar com tristezas dos outros matos do mundo ? música não isso mesmo de cada um nela ir amolar sua dor ? primo nosso Jesuíno gentinha mais preparada pra desastrados destinos Zecan daqueles de alma pequena em que tristezinha nenhuma cabia por que invejar daquilo que nunca Deus prometeu ?

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às vezes vida nos devolve...

fiquei catando poemas naquelas folhinhas caídas no inverno da cabreúva e quem às vezes não é fruta dependurada em galho de beira estrada ? daquelas mocinhas sólindas não prometidas a nada assim almofadas de renda em que se proíbe sentá-las e quando àsvezesmente a vida nos larga adros sozinhos ? quantos rascunhos da sorte a gente armou e pinchou ? ah – bondade de Deus de ensinar-nos sonhar... ficou demorando aqueles olhos de lembrar - não achou onde atar continuação quanto mais vai a vida nos letrando mais incapazes crescemos de opinar 6 castiçais no altar devotos enquanto prosseguiam as rezas com umas velas lagrimando parou junto de Deus olhos duros tanta angústia do filho que lhe morrera e Deus... iam-se garças na manhã de vôos costurando daqueles telhadinhos tristemente derramados de mal feitos à entrada da cidade

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às vezes vida nos devolve...

que Deus o livrasse desses uns que nasceram bem-armados de maldades foi um tempo de miserere nobis quase réquiem um que passamos em Caiapiá com braba sezão toda família será que os céus derrubaram a gente no mundo só pra resistir quaresmando ? inda bem que sobraram uns verdes onde brincassem as mãos naquele instante humilhado a tarde - assim de janelas se fechando uma paineira de vaso florando louvava cores da paisagem vez em quando carece arear-nos dumas cracas a que alma acostumou-se por que vida que ultimamente anda tão nua não foi presa por atentado ao pudor ? até que um dia esse espelho não mais refletirá este meu velho será que a gente retorna a lugares nossos antigos para vir catar umas vozes que se perderam de nós ? impressão que nas noites janelas vão derrubando de sono as pálpebras das luzes quando eu morrer quero deixar uma saudade indez para em caso de eu tornar se não gostar do céu onde os que demoram na rua hospedam seus sonhos fantasmas ? 55


às vezes vida nos devolve...

que antes da morte sobre-me tempo de eu banhar minha alma pra quando eu entrar no céu não chegue cheirando à gente não te untes de cinza não te regues de sangue que se chegares exangue quem vai arriscar somar de amor contigo ? por que olhos das estátuas ficam espiando pro nada ? acho que por isso anjos amam-nos tanto esperando que um dia de espanto se tornem humanos assim gente Deus é isto que faz a gente continuar teimar vivendo foram meninos tristes que inventaram brinquedos de manobrá-los sozinhos ? se quiserem marcar dia de eu dormir que seja de manhã quando tudo acontece vagarinho não me leguem estátuas gregas quando eu for morrer sozinho que elas trazem olhos ausentes de não me ensinarem o caminho essas flores de dores mal vividas que esquecemos secando pelos livros... sempre sobra ao poeta um poema mesmo desses judiadinhos pra umas tristezas comezinhas

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às vezes vida nos devolve...

impressão que se não empurrassem com as mãos aquelas horas empacavam se envelhece porque os gastos na gente já não tem como suprir dos desgastes - mas quanto santas eram rezas as de Carolina d´Inácio até que um dia se desmancharam do casamento que tinham desses que não aprendem alguns atalhos da vida e vão atolar-se em brejos sei que um dia estarão confusos meus pertos meus desertos e pra não me incomodar sei que até lá não estarei mais dono de mim ah – um dia vou cariciá-la com o desejo de meus dedos amar é a gente arrumar encrenca de nunca saber onde vai dar tristes e alegres de paisagem não é carbono do mel ou fel que copiam-se de nós ? nem chá mais sobrou para ofertar aos fantasmas que costumam visitar-me por que não deixar que a mentira tenha também um dia de glória ? dessas ternuras inúteis nossas... nem percebeu da rosa que deixei à mesa junto a xícara e o pão

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às vezes vida nos devolve...

democracia seria deixar os pés decidirem por seus passos quando não sobrar mais cor alguma nesta vida por que não coloreá-la cor-de-não ? se me dessem escolher por outra infância não trocaria aquela que vivi em Paraíso visitar almas alheias se nem aprendemos conversar com a nossa ... por que não surpreender-me de dizer diverso do que ia dizer ? foi então que mundo se ferrou ousou criar o próprio sendo diverso do Deus lhe deu para criar um riso em alma triste não valeria a patranha da mentira ? costumo em vez de carneiros nessas minhas noites sem sono ficar ouvindo o quieto dormindo dos campos arredores envelhecer é quando se aprende adivinhar os antes desses irem acontecendo sorria dum sorriso quieto sem os lábios se largarem parecia silêncio se gastando pelas beiras as vozes no velório ao borrar da madrugada em gesto de mulher toda dengada lânguida garça ergue-se vôo em vago de rio meu eucalipto continua se inventando crescido para o céu

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às vezes vida nos devolve...

bom de vez em quando é por-nos escutando as tempestades há uns dias em que corpo e alma da gente andam atrás de vadiagem quantos silêncios quebram nossas pontas de não alcançarmos dizendo das palavras afeto – essa carência que se tem de outro vir ocupar brancos no dentro da gente meninas que aos 15 anos já andam empapadinhas de boas carícias de carnes quando se é pobre tudo se resume no alcançar essas coisinhas à-toas sem conseguir sacrifícios quem na roça não vestiu roupa com rasgos cicatrizados de remendos ? desses amargos de desprezo que raspelam pela gente uns encardidos de ódio que mais esperar de amizades quando jorram de seus verbos só maldades ? sempre achei que Natal só existia pra gente criança e quem disse que não se é ditoso parvamente ? ah – esses cuidados medrosos em nossos sonhos

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às vezes vida nos devolve...

foi quando meu pai se apercebeu dos últimos seus dias e foi se hospedar de hospital e na mesma noite viajou para onde nem se sabia é preciso da gente insistir inventar o milagre de continuar acreditar neste mundo se queres estar em paz quando morrer não largue aqui na terra um empenho inacabado quanto é difícil acertar os passos parelhos da felicidade que ora louca dispara à nossa frente e tanta vez empaca nem querendo seguir com a gente crer noutro mundo para lá encontrar uma nova espera... por que não insistir por aqui mesmo e largar essa partida zero-a-zero ? há outro jeito de se inteirar da vida senão tecendo-a por imagens? o que nos move é aventura de fazer que quando se tem em mãos a coisa feita perde-se em nós o gosto que a confeita não é tomando de vinho um tonel que vamos nos polir do seu “buquê” tentar alegrar por que uns que choram se o deleite deles é prosseguirem chorando ? até mel em demasia enfastia conhecer-se a si mesmo já não é um pouco de ser louco ?

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às vezes vida nos devolve...

te rega de paciência cada dia sempre até que um dia acostumes por que pejar-nos das tolices ditas quando tantos filósofos deixaram-nas escritas ? calcemos as idéias que não se machuquem quando trombarem contra outras das mais chucras como medir nossa massa de ridículos ? ah – equânime mundo sapiente que consegue normalmente equilibrar engenho e estupidez da gente quanto épico é o olhar duma mulher ao perceber sua inimiga se ruindo por que valem mais as coisas que já foram ? se te derem pra escolher certa amizade entre homem e um cão abraça-te ao cão para amanhã continuares crendo na amizade já consegui mudar-me tanto de idéias bem mais que as estações há sempre um lenço demorado a despedir na vida e a gente a correr trás da ventura e sempre descontente de se sentir feliz há manto perfeito de vizinho ? nenhum é sem emenda e tantos outros defeitinhos... iam na estrada em por-de-sol dona virtude e sua sombra a vaidade

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às vezes vida nos devolve...

tão bestial às vezes o ser humano que consegue transvestir-se de animal ate´que um dia a gente sente ser a saudade uma ventura maior que a constância ao lado da amada criatura só a complicada paixão do vizinho é ridícula - a nossa não... todo segredo neste mundo geralmente possui olhos ouvidos boca indiscreção pode alguém invadir sem licença nossa alma? ainda bem que me sobrou certa preguiça pra não cometer tantos pecados inda na vida será não haverá alguém um dia que dome esses moinhos de vento ? que régua nesta vida nos baliza a tênue linha entre o louco e o sizo ? que tal um vinho bom junto à lareira que a teimosia de gênio demorando-se besteiras ? eu levarei o arco-íris tu trarás o sorriso pra gente celebrar a vida em piquenique só partirei em dia que tiver as malas prontas e minhas contas em dia

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às vezes vida nos devolve...

quando vida dum casal se compõe mais de silêncios... umas ninhadas de alegria que de repente se juntam a brincar vida da gente... e esses dias que demoram-se depressa ? era daquelas que até as coisas revezavam-se por ela era assim um desenho de gente que nunca foi caprichado começara se estragar mal de saúde inda novinho judiou-se e da família uma empreitada incomodar-se por que com essas vozeságuas sujas que escorrem nas valetas ? vez em quando alma da gente põe a se estragar dessas perrengues tristezas de repente anéis de sua vida desandavam com cada vez vãos menores pra conserto mesmo nas intempéries da dor conseguia um sorriso evangélico aos mais quantos perto sofriam e mentirosamente quantas vezes se vai escorrendo em palavras... daquelas mulheres que nossos olhos já as chegam despenteando em suas partes quanta gente faz da vaidade religião... aprendessem ajudarem-se os casais durar em êxtase o afeto desta vida... foi quando começaram tristezar o Paraíso de tanta gente se mudando 63


às vezes vida nos devolve...

vez em quando até alma nos escapa quanta coisa se rasga no vago dum grito ? umas pessoas que não conseguem senão sempre demoradas ao me obrigarem tornar para a cidade trarei comigo a paz caipira que aprendi vestir a boca se escreveu entre-parêntesis os olhos acortinaram-se de dor - diziam da morte da mãe de prosa em prosa em velório entortaram a noite em madrugada por que saudades guardam uns ares tristes de vencidas viagens ? que vida não me invente de pensar esparramado as páginas que vou escrever prefiro demorarme dizendo esses golinhos ah – nossas essas eternidades quando vão se murchando humanamente andam as manhãs com cheiros de matos a querer ser doces como conseguir refabular meus pedaços que obrigaram-me ir desmistificando a vida ? e aqueles lugares que a gente nem sabia e longes os desenhava...

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às vezes vida nos devolve...

trazia um bigode sem zelo de fios encardidos de sarro juntou quanto cabia no bornal sem adeus nem chapéu veredou por uns trilhos indo estradas e demorou de nunca voltar de quanto se arrastando depressinha vida vai nos gastando de velhice benditos esses ancestrais que erraram primeiro que nós e adiantava eu dizer às gentes daquele velório que a morta andava com pressa de ir ocupar lugar seu de santa no lado de lá ? até que por uns tempos vai dar certo o teatrinho de sombras na parede onde fingimos uns durantes mas quando a noite acabar ... razão quem tem é a boa cigarra que entre tantas mortes escolhera a de cantando desses tempos verbais que nem mais prestam mas resistem pendurados na gramática que tudo continue acontecendo nesta vida Senhor - com os mesmos desafios naqueles tempos da gente cuja nossa ignorância sabia tudo do mundo quem não leva lá dentro seu lado escuro de gente ?

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às vezes vida nos devolve...

é que passamos a vida a cuidar mal de nossa lamparina contra os ventos e queremos razão de reclamar eram ainda amarelos os ipês quando agosto poitamos no Araguaia viveu vida bordejando escapando sempre de entendê-la era um aprazível longe muito quieto ainda que às vezes ruim de muitas chuvas lamas e vasto inverno nessas datas em que a gente a andorinhar criança quer aprender de pressa o mundo... minha neta deitada de bruços ensina o dedinho indicador ir aprendendo sujeiras avulsas do tapete já inventava seu mundo aos dois aninhos e na tarde trovão troou arrastando-se desastres e esses medos da gente que nos pererecam em 2 extremos da saudade desses que a vida não consegue prendê-los num abraço como se caminho fosse empurrando-o pra longe numa noite vagalumes vestiu sua solidão sem despedir-se e foi de estrada longamente embora esse mundo com tudo que o trapalha - ahg ! 66


às vezes vida nos devolve...

já nem se carregar podia sozinho seu Bartocchio mas orgulhava-se gente saber errar sem ajuda de ninguém nenhum de meus Volpato - e todos pela vida vadearam em tanta idade – vazou cercas de maluco na velhice amava demorar-se no pomar detrás de tronco atlético de jaca a espiar o mundo vizinho que ia pela estrada que fui um menino feliz e seria bem cachorro se me queixasse da sorte e lá touro zebu queria saber se era gente ou se padre semovente que encontrou desembestado do morro ante espelho de sua raiva ? quem conseguia viver com a capetagem vizinha dos filhos de seu Lazinho ? há dias que se pescando anzol só acerta tranqueira como enquanto não se costuma com os demorados da vida quer mais judiado no peito - nisso de abotoando-se o dia uns ventos soprando na gente uns toques de Ave Maria ?

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às vezes vida nos devolve...

ah – dos avessos que se carece de nos irem ensinando nesses pautados da vida aos rios como a gente a vida não nos ensina nos devolver marcha-ré inda bem que Deus guarda pra si muitos desígnios em muita gente só bate a devoção depois dos encantos carcomidos se nem no espelho te pejas de te cometeres velhaca qual o pudor de expor tua cara ao sol ? que poema já não nasce sua angústia de poema ? já ando cobrando da morte que mixarias consente que eu carregue em picuá dessas desimportâncias na minha viagem pra lá como nessas páginas brancas há dia que nossa alma anda árdua árida áspera visitei colégio antigo que padres abandonaram - encontrei inda silêncios rezando iguaizinhos os dias que morei assassinar por que um poeta ? largue-o que a vida o esgote brigando dizer das coisas esqueceram o morto em velório e foram em madrugada celebrar em bar próximo a lembrança do passado

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às vezes vida nos devolve...

única vez que família celebrou-o – ao morrer trazia na boca gosto da noite quando morro enterrou-o derrubado em volta de estrada em águas vales dum corgo até que um dia exausto de claustro saiu a sondar o gravitar da vida esse hálito em cio que noite inventa tentações pelos caminhos esquecer como ? se fora quando minhas rugas aprenderam me ensinar ? dormiam janelas enquanto jasmins damas da noite iam comigo as madrugadas achava que no Natal vinha um anjo marcar antes as portas dos meninos que na terra inda prestavam de papai Noel presentear e a última candeia quem na apagará quando tudo se acabar ? dessas viagens sonhadamente preparadas nem sempre acontecidas ... reparou como quase tristemente os olhos das cabras reparam na gente? é a vida uma dádiva ou danada dívida divina ? era um desses rios virgens que nunca celebrou um afogado

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às vezes vida nos devolve...

e estão as aves sequer preocupadas quanto medem suas sombras quando voam ? nossas vozes meninas é que adoçavam de boninas o monótono coro gregoriano dumas missas seminárias dos domingos dessas imensas igrejas sem almas de oração - que rezar é a gente vir cochichar num quieto conchego com Deus não passo dum tosco capiau que aprendeu amar a vida ternamente tinha uma fé tão febre o fogueando que a gente sua vizinha desistia de compartir com seu canto obstinado já é tempo de sentarmos beber desses orvalhos aninhar algum cauim e soltar nossas ternuras amarradas por que-nos essa dor de anjos renegados um dia do éden ? enfeitavam nossa escola 6 palmeiras dessas do Império com manias Castro Alves um dia mais nada vai sobrar do desmazelo e devolveremos nossas naus de Monte Pascoal aos embarcadouros de Restelo em Portugal por que fazer-se epiceno se a vida nos multiplica fascínios ?

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às vezes vida nos devolve...

vamos indo a conversar fulanamente pela noite – pode ser que um meteoro de repente assuste-nos à frente ah sonhos que todos fabricamos - que filhos nossos saiam vitoriosos dos afogados sonhos que não fomos eu contemplava minhas mãos essas mãos que sempre foram inquietas ferrujadas-se velhas descansando em braços de cadeira eram sépias e roucos os mugidos dos bois amedrontados dos raios no adro do curral assim umas tardes irreais de sem umedecidas confidências houve um tempo - nosso olhar adusto nos queimando mutuamente de desejos Ah – Araquá quando molecavas ambulando nossas várzeas... por que nossos palmos de medir-nos sempre são mais-nos esganados que para sombras vizinhas desenhadas ? será que vida não nos planta de insônia pra vez em quando a gente faxinar lixo interno que-nos cumulamos ? é quando silêncios avultam-se em nós essas ilhas que habitamos fui arrumar meu borralho de memórias ver se encontrava ali meu supino homem ...sobravam cinzas que pareciam repetindo minhas risadas guardadas de menino

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às vezes vida nos devolve...

que praga estão latindo as sujas águas que se despejam nos degraus do Salto ? esses que somos pela vida tentando modelar-nos outros... da vida que esperar senão o mosaico trastejado de nós mesmos ? estaria já nesse confuso tempo de trocar coisas largadas por sonhos que venturos ? no de aprendermos amar na dor das coisas é que estaremos mais gente em dia que marcares virei lumiar de candeia o copiar de sua varanda para a gente desarmar-se no morro nem de mel cuidávamos lá em cima tinha cada qual seu mundo a girar redor do umbigo quando vieres traz o que puderes pra viagem que na passagem da noite ao outro dia do caminho eu cuidarei quem pode garantir se amanhã não dormirei já noutro lado de meu dia que empacou ? quantas viagens ficaste devendo a vossos pés ? há amor na vida por + breve que não quebre arcabouço de duas almas ? não me entendo ainda como rito de lembranças 72


às vezes vida nos devolve...

há capítulos que inda devo completar na minha história resmunga uma chuvinha há ½ hora descompassos em folhas ali fora aquele prima nossa de Mombuca vez por ano chegava-se ali em casa sentava-se à esquina da mesa da cozinha e se entretinha a distribuir os olhos mansamente ouvindo cada um como se agasalhasse no colo o que falávamos até que se aprenda sorrir da loucura cotidiana... que vida tem mais vida que os regatos que nunca são os mesmos onde passam não respondas com urzes das palavras há sempre um mel para açucar esses momentos não escames tua vida só de arestas tece-a às vezes dum sorrindo ... era eu mesmo minhas quimeras pelo espelho ? silêncio há-os que cada um visite seu interno ... ainda me prefiro um desses comumente pela vida que dormido herói lavrado em mármore da praça quanto é fantástisca esta vida inda que facetada a sabor de cada olhar... é quando sol fica na tarde a espreitar que dia venha derrubando-se viés nas cumeeiras

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às vezes vida nos devolve...

por que teimosamente cometemos pela vida como se átimos fôramos transitórios rezemos por essa gente que por nós ambígua passa em seus crepúsculos quantos vão em romarias esquecidos do encardido que nas aldeias largaram... vale ser parte dessa dor do mundo a ouvir dos ventos que costumam contar quando passam por aqui ? de bubuia barco descia em pescaria a ouvir múrmure voz do Araguaia será que um dia até abandono irá nos deslembrar ? se buscamos defeitos imperfeição de quem amamos é que nossas entranhas já estão a descosturar-nos dessa gente nunca busques meu lado treva de escorpião embora tragas teu signo placebo o trágico é maturar a vida com filtros descorados demorando-nos e quando é que um dia vai a gente realmente se saber ? duns que bebem acreditando que então vão se abraçar com a verdade

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às vezes vida nos devolve...

que importância lembrar de quanto éramos se nem geografia hoje mais somos inventa teu retorno de saudade poupa-me saber-te que nunca me soubeste como demora a vida da gente se esquecer ah – o árduo de se desamar amando talvez sobre em nós alguma brasa de saudade que insiste em demorar apesar dos 70 quando a alma negadamente nem apetece quando sobrar outro silêncio em tua vida convida-me dividi-lo e à lua cheia delongar uma noite só nós ambos temo que meus amores sempre foram teimadas travessias que amizade pode interessar de pós a morte ? vai fundo a teus abismos ao tornares consulta se és o mesmo em teu espelho o tempo é fugaz é peregrino perdurável nem o sonho que nos leva não teças de cores palavras que amanhã poderão te envergonhar e quando tornar a lucidez aos cálidos amantes ? ah licorosa ventura de existir mesmo com ranhuras entre espinhos 75


às vezes vida nos devolve...

ainda me restam contentes de estar vivo mesmo que em ilhas dessas escondidas sempre haverá um sonho ensolarado dês que prossigamos avivando-nos crianças ei - flor sempre haverá um vaso e sombra e sol para que cumpras esse destino de sem sustos enfeitar-nos o que se diz num quarto entre 4 de seus muros nem sempre pode ser contado ao sol do cinismo nosso humano um dia inda alcançarei a imperfeição a quem o amor não foi magia e trigo ? há sempre um adeus nos encalhando em espaços de tempo que vivemos sempre há um dia de se purgar de afeto findo será valem a pena os desgostos que plantamos ? é por isso que a vida vai velhando nosso rosto e resto é que gastamos viver fora de hora dessas medidas que cada qual põe no amor era mulher de viagens demoradas com seu corpo o que não é véspera na vida é partida

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às vezes vida nos devolve...

quantas perguntas antigas ainda nos demoram ? sempre achamos que há um rochedo sustentando quando preferimos confiar ah conseguíssemos de novo nossas meninices amanhã junta-te aos poucos loucos lúcidos da vida há uma ponte onde todos vamos encontrar-nos de passagem - a da morte um silêncio que a gente conchegava entre ambos nós sempre que decidíamos ir embora e esses morrendo que conosco acontecem de não saber cuidar nosso jardim quanto nos custa um sorriso a um rosto ácido que na rua cruza conosco ? a alquimia da vida entregue-a ao poeta que com sua louca lucidez haverá de repensar noite do mundo não deixemos as coisas infinitas ir morrendo gastando nosso mundo já pequeno há quantos mil anos andam os homens estercando de adeuzinhos seus caminhos é fatal um dia hemosde pousar as nossas sombras

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às vezes vida nos devolve...

qualquer hora irão nos despojar desses vestidos e mãos nos porão no nada que seremos em qual de nossas mãos está a verdade ? e essa inquietude 15 anos que nos põe tarzã inventa-nos marujos em busca de índias atlântidas ilhas maravilhas... até tarde nesse dia desenhou-se sem gosto dumas nuvens trovoando é quando se põe a vida à reboque do nada ... que às vezes pego-me ouvindo umas preces de silêncios poeta é o que se esmera solilóquios há quanto não paramos ante espelho visitando-nos ? e esse salobro vez-em-quando que é-nos a vida sempre se dá fingir ser dia de festa pra gente se vingar dos dias que nos judiam já demoramos demais a nossa espera e ainda não soubemos inventar-nos há uns dias tão inutilmente que nem nosso anseio de viver recria nossa alegria conseguimos com o tempo plantar doce silêncio entre nós e contemplar as tardes que lá nos desenhavam 78


às vezes vida nos devolve...

de que adiantam tantas consoantes sem alma vibrante das vogais ah – tentar voltar catando nos caminhos naquinhos de tempos que perdemos duns que temem despedirem-se da vida e restam por aís obrados esmos vez quando a vida se lhe dói amoita cabeça em qualquer canto colo ou travesseiro e sonda coração lhe ouvindo a voz ... que na Grécia tudo é do que sobrou cínico é o que se enverniza das virtudes que não tem hás de um dia aprender quando se é festa ou vinho convidado arruado de casinhas se relando dos dois lados em renque duma rua que sai do povoado ficou-me foto dum cacto único gesto decente na miséria da caatinga quantos da gente podem ao chegar no céu ir entrando sem rogar licença ? um dia também hei-de me esquecer efêmero e me tornar granito como castos eram os dias antigos desses incensos de igrejas é nosso medo de cedo apagar-nos essa nossa fome de juntar fotos antigas ? 79


às vezes vida nos devolve...

ah eletrônicos brinquedos que andam secando a castidade das almas dessa infância em acordos que fazemos com a vida no geral somos roubados sobrará algum tóteme amanhã após tanto egoísmo ? e outro novembro de escorpião se foi de tanta chuva... ainda bem que vem a vida àsvezesmente derramar modéstias em nosso orgulho costumo ter em punho minha câmera de fotos que sempre a vida vem de surpresa em cada gole

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às vezes vida nos devolve...

Títulos 2009 que ajudaram neste título:

- Por onde poitar um etc. - Enquanto voltam visitar-me solidões - Quando pararmos para ouvir nossos anjos concertando - Inventemos meigamente outros sorrisos ... e quem nunca desenhou sua imagem de mentira? - De quantos gestos canhestros caipiras nos fiamos - Numa cidade que não gosta de saudade - Um dia apearei das peias que me atam certos signos - Das vezes que esta vida nos sozinha - Duns lugares em que noite é mais que em outros - Por que não tecer azul nossa lembrança - Volúpia de ser pássaro asa vôo

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Os Fotopoemas de Volpato Carla Ceres (*) Um leitor desavisado poderia imaginar que este livro contém um grande poema dividido em pequenas estrofes e, partindo desse engano, concluir que sua leitura é dificílima. Já vi isso acontecer. É com alívio que as pessoas descobrem que cada “estrofe” é um poema independente. O erro ocorre porque estamos acostumados a poemas com títulos, algo raro na obra de Irineu Volpato. Reparem que o título do livro é, na verdade, um poema sem título, como os demais neste álbum de fotopoemas. Fotografrar com palavras, mais uma arte sobre a qual o poeta/fotógrafo Irineu Volpato demonstra domínio. Literatura e fotografia unem-se na criação dos pequenos poemas deste livro. O autor os chamou “motemas”, neologismo composto por “mote” e “poemas”. Ocorreu-lhe também o termo “lampoemas”, por serem “lampejos”, retratando instantes da mesma rapidez com que os flashes fotográficos capturam imagens: era uma rua velhada/duma cidade vencida/apropriada a fotógrafos . Irineu Volpato é um excelente fotógrafo. Seus trabalhos estão longe dos meros instantâneos tirados sem elaboração técnica. O mesmo ocorre com seus poemas: sovai bem as palavras/que quando forem aplicadas/não se despojem/do que intentavas dizer. São breves linhas costurando a beleza do instante, porém utilizam recursos sofisticados. Neologismos inovações sintáticas recriam o ambiente rural e a fala caipira. Alguns motemas assemelham-se ao haicai pela brevidade,por retratar a natureza simples enquanto mudam as estações do ano e por uma forma quase zen de elaborar a impermanência. Outros lembram minicontos: se mudou para Tungal/onde serra se empina/ali nasceram as meninas/e um filho que o fez pagar/os seus pecados na vida. Neste livro a poesia inconfundível de Irineu ganha em subjetividade, apresenta-se mais compassiva, afetuosa, compreensiva. Os sofredores recebem carinhos acanhados de quem, acostumado à aspereza, procura vencer seus modos bruscos: ah – não fosse essas velhinhas/e suas rezas enredeiras/com seus dedos em nós dos terços/pra amansar os bofes de Deus... A aridez fica na paisagem e é digna de lástima quando se comunica às pessoas. 82


às vezes vida nos devolve...

Quando terminamos a leitura, concluímos que, de certa forma, o livro talvez contenha um poema único: a história dum artista que teve uma infância feliz, mas sem mimos, em um ambiente rude, onde a sensibilidade se educou para perceber e revelar a alma alheia sem revelar-se a si mesma. (*) Escritora e membro da Academia Piracicabana de Letras

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endereço do autor: rua otávio angolini, 235 – cruzeiro 13459-467 santa bárbara d´oeste - sp BRASIL 2010/7 XIX

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