Piracicaba a Pirapora a pÊ Lembranças de 42 anos ininterruptos de caminhada
Esio Antonio Pezzato Poeta e Romeiro Piracicaba, 1968 a 2009
Um pequeno comentário Este é um livro que conta parte das minhas caminhadas de Piracicaba a Pirapora a pé. Nada mais. Quis deixar gravadas minhas memórias, pois a Romaria faz parte da minha vida há 40 anos, portanto é um fato importante dela. Sei que muitos acham loucura, outros um despropósito mesmo, carregar uma mochila nas costas ou ainda uma cruz e percorrer os cento e vinte quilômetros que separam Piracicaba de Pirapora. A mim é um delicioso passeio. Nas páginas seguintes irei narrar um pouco de minhas viagens. Poderia ser repetitivo dizer, ano após ano, todas elas, tanto que selecionei alguns fatos que julguei interessantes, engraçados, trágicos e outros mesmos memoráveis sob diversos aspectos. Espero que, aquele que se tornar leitor dessas páginas, curta, um pouco, o que é ir a Pirapora a pé. Que se vista também do espírito aventureiro, e caminhe comigo, com o Pedrão
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e tantos outros amigos, espiritualmente, por essas estradas... Definição Peregrinação: (Do latim peregrinatione) ato de peregrinar. Viagem a lugares santos ou de devoção, romaria. Peregrinar: (Do latim peregrinare) viajar ou andar por terras distantes, correr por diferentes partes. Ir, em romaria, percorrer, viajando. Romaria: (do top. Roma Itália) centro de peregrinações cristãs. Peregrinação a algum local religioso. Reunião de devotos, que participam de uma festa religiosa. Festa que se realiza em arraial. Aglomeração de pessoas em jornada. Ajuntamento de pessoas, multidão. Romagem. Essas são as definições de Aurélio para definir o que é peregrinar, peregrinação e romaria.
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Pirapora
Pirapora do Bom Jesus entrou em minha vida ainda criança. Tinha os meus sete ou oito anos e, durante a quaresma eu via diversos moços com as barbas e cabelos crescidos. Isso era estranho naqueles tempos, início dos anos sessenta. Era estranho porque naquela época os jovens costumavam barbear-se quase que diariamente e cortavam os cabelos também quase que de quinze em quinze dias. Portanto cabelos e barba com mais de mês eram estranhos. Mas depois que passava a Semana Santa lá eu os via novamente de barba e cabelos feitos. E tudo voltava à normalidade. Em casa e mesmo nas ruas, brincando com amigos, e a gente ouvia dizer que, ou o primo ou o irmão mais velho ou mesmo o pai havia ido pagar promessa, portanto eis o motivo dos cabelos e das barbas crescidos. E sempre a forma de pagamento das promessas era a mesma: haviam ido a pé a Pirapora do Bom Jesus.
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Isso causava em mim um espírito de aventura imenso. Imagine só ir de Piracicaba a Pirapora andando. Eu nem sabia onde ficava Pirapora do Bom Jesus. Apenas sabia que iam a pé. Quando eu estava com meus doze ou treze anos, era vizinho nosso o Sebastião Sanches de Oliveira. Quando chegou Semana Santa seu irmão mais novo, o Zé Antonio veio me dizer que seu irmão iria a Pirapora a pé, que já havia ido vários anos. Então passei a ver o Sebastião como a um ídolo. Era a primeira pessoa que conhecia que ia a pé a Pirapora. Uma noite durante o início da Semana Santa, me lembro bem o ano, era 1967, estava eu com alguns amigos à noitinha, no Dom Bosco quando chega um bando de jovens com mochila nas costas. Eram conhecidos meus alguns, e fiquei sabendo que iriam fazer a romaria até Pirapora. Tomaram a benção do Padre e partiram. No mesmo instante veio em mim o desejo muito forte de ir também fazer tal aventura. E passei a sonhar durante o ano todo. Sempre em casa dizia para meu pai e minha mãe que iria a pé até Pirapora no próximo ano. Meus pg5 de 191
pais não diziam nada, ou por vezes diziam que eu poderia ir. E a vontade foi crescendo, crescendo, crescendo...
1968 Minha primeira caminhada
Chegou o ano de 1968. Chegou o Carnaval, a Quaresma e eu no firme propósito de também me fazer romeiro e ir a pé até Pirapora do Bom Jesus. Eu tinha então 15 anos, estudava no Dom Bosco. Falei com vários amigos de meu intuito, mas em nenhum deles encontrei eco aos meus desejos. Sei que no Colégio trabalhava um moço, Pedro Brancalion, conhecido por Pedrão. E eu falei para ele que ia a Pirapora a pé. Ele me perguntou com quem eu iria e disse que não sabia com quem, mas que iria, isso estava certo. E para minha surpresa me disse que se eu quisesse, poderia ir com ele, pois iria sair naquela noite para a tal romaria. Fiquei ainda
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mais eufórico. Agora eu sabia com quem iria fazer minha caminhada. Com o Pedrão! Cheguei em casa depois das aulas e falei para minha mãe que iria a Pirapora. Ela me disse para esperar que meu pai chegasse para ele decidir. Tardinha chega meu pai. Vou falar com ele. E a surpresa veio com uma resposta clássica: Vai, sim de “carcanhá pra frente!” Isso queria dizer que eu não iria. Chorei, gritei, esperneei. Então veio a hora do jogo do empurra-empurra: fale com sua mãe. Lá ia eu falar com minha mãe que dizia: fale com seu pai... Estávamos jantando, eram mais ou menos sete da noite e eu ainda chorando, pois queria ir para Pirapora. O Pedrão falou que iam sair oito da noite... Eu ainda sequer havia conseguido convencer meus pais, e muito menos arrumado minha mochila. Mas o propósito estava firme: eu iria a pé até Pirapora! Fosse como fosse, eu iria. Até que minha mãe perguntou com quem eu iria e eu disse que iria com o Pedrão. Ela falou: quero falar com ele! Foi falar e eu saí correndo... correndo... correndo... fui à casa do Pedrão! Ele morava quatro quadras de minha pg7 de 191
casa, mas creio que em um minuto estava em sua casa. Lá chegando encontrei-o já preparado para a caminhada. Juntos estavam outros rapazes com mochilas nas costas, prontos para partirem. Sei que falei para o Pedrão se ele poderia ir até minha casa, pois só assim teria permissão também de ir. Ele foi. Chegamos em casa. Meus pais o conheciam. E foi uma saraivada de perguntas... perigos, canseira, que eu era muito novinho para ir, se ele olharia e cuidaria de mim... e mais, mais, mais perguntas. Eu ansioso pelo sim que veio logo mais... que eu poderia ir fazer a caminhada... Em menos de cinco minutos arrumei minha mochila, que por ser arrumada às pressas, foi faltando inúmeras necessidades e sobrando outras coisas supérfluas... Mas pus a mochila nos ombros, meu pai perguntou para o Pedrão quanto precisaria levar em dinheiro e me lembro que me deu Cr$ 30,00 (trinta Cruzeiros) para minhas despesas. Foi uma choradeira em casa... meus pais e minhas irmãs dizendo centenas de conselhos, cuidados que deveria tomar, e eu querendo mesmo partir... Me pg8 de 191
lembro que minha mãe descascou algumas laranjas e colocou na minha mochila, que ficou ainda mais pesada... Eram quase oito da noite e fomos nos encontrar com os outros que estavam nos esperando... Era uma turma boa... além de mim e do Pedrão, o Zé Pretinho, o Zezo Coimbra, o Carlinhos, Rato, Gelson, Danilo, Milton e outros mais que agora nem me lembro... Exultante, saímos da casa do Pedrão, que ficava à rua Manoel Ferraz de Arruda Campos quase esquina da Ipiranga. Partimos sob olhares de curiosos que desejavam uma boa viagem para todos. Chegamos até a rua Moraes Barros e a subimos. Passamos em frente ao Cemitério da Saudade, e mais cem metros, a avenida Piracicamirim, que era toda de terra... Era mesmo um arrabalde da cidade... Descemos a avenida e era muito bonito e gostoso ouvir os desejos de boa viagem que recebíamos de todos que cruzávamos.... Estávamos em quatorze jovens entre os quais eu era, com certeza, o mais novo, e, além disso, marinheiro de primeira viagem... E que viagem... mas tudo ainda era surpresa, pg9 de 191
novidade, cansaço, muito cansaço, sono, mas uma perseverante vontade de resistir e vencer... Oito e meia da noite estávamos cruzando a ponte sobre o ribeirão do Piracicamirim e tomando caminho através da avenida Rio das Pedras, para os primeiros doze quilômetros que nos levariam até a cidade do mesmo nome da avenida... Era terça-feira... O projeto era chegar em Pirapora quinta-feira à tardinha. Perto das dez e meia da noite chegamos em nossa primeira parada: Rio das Pedras. A empolgação era grande. Os sapatos nos pés não incomodavam ainda... Ali pouco nós paramos... Talvez quinze minutos, o suficiente para tomar um refrigerante. E seguimos para Mombuca. A estrada ainda era de terra, estava sendo asfaltada. Passando a linha do trem, havia, bem me lembro, cavaletes impedindo a passagem, mas ignoramos os mesmos e então, no asfalto novinho e ainda não permitido para veículos, seguimos até Mombuca. Na cidadezinha pequena chegamos perto de uma hora da manhã. Estava lotada de romeiros...
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Uns dentro dos bares, outros sentados nas calçadas, outros deitados. Enquanto uns partiam, outros chegavam... o fluxo era imenso... Pouco nós permanecemos na cidade. O mesmo tempo de Rio das Pedras. Mochila nas costas e partimos até Capivari. Estrada de terra. O sono e o cansaço já se faziam sentir. Minha vontade era mesmo sentar e dormir, mas com o comentário de descanso em Capivari, pernas cansadas e doídas, passos mais lentos, e chegamos em Capivari perto das duas da madrugada. Atravessamos a cidade toda e já na saída da mesma, paramos num bar. Minhas pernas pegavam fogo. Meus pés queimavam. O sono era forte. Havíamos andado perto de 40 quilômetros. Perto das quatro horas da manhã decidiram partir... por mim eu ficaria ali dormindo mais uns dois dias... O cansaço era imenso. Mas não teve mesmo jeito. Coloquei a mochila nos ombros, e fui no embalo... Fazia frio. Fazia muito, mas muito frio mesmo. Enrolado no cobertor, tremendo de frio, andava com todos. Poucas falas. A lua cintilava embaçada no céu. Perto das seis horas a neblina era imensa. pg11 de 191
Cobria tudo. Pouco nós conseguíamos enxergar. Eu havia levado uma lanterninha pequena, daquele tipo de caçar rãs à noite. Servia mais para gozação do que para iluminar. Mas, focando para o chão seu pequeno facho, que encontramos enrolado num pacotinho três notas de dez Cruzeiros. Era um bom dinheiro. Era a mesma quantia que meu pai havia dado para toda a minha caminhada. Estávamos em um grupo de quatorze pessoas. Foi então que o Zé Pretinho falou: se a gente ficar procurando quem perdeu o dinheiro, vai aparecer todo mundo dizendo que perdeu. Vamos ficar quietos. Se alguém reclamar a gente devolve. Certo? Todos concordaram. E ficou combinado o seguinte: a gente iria almoçar em Samambaia e gastar desse dinheiro. Continuamos nossa caminhada. O dia clareou. Perto das seis e meia da manhã chegamos em Samambaia, no bar do senhor Ricieri. Perguntamos para um de seus filhos, o Tico, quanto ficaria o almoço para nós todos e, ele nos disse que ficaria em trinta Cruzeiros. Era o dinheiro que havíamos achado. Ficou acertado assim, o almoço. pg12 de 191
Enquanto lavávamos os pés com salmoura, e outros descansavam, veio o aviso que o almoço estava pronto. Eu estava com uma fome de leão. Olhei para meu relógio e pensei que ele estivesse quebrado ou que eu houvesse me esquecido de lhe dar corda, pois os ponteiros marcavam sete e meia. Mas não, eram mesmo sete e meia da manhã e nossa turma sentada à mesa para almoçar! Sei que almoçamos mesmo. O mais interessante foi quando pedimos a conta e ao contrário do que havia sido combinado, queriam cobrar pelo nosso almoço, a quantia de quarenta Cruzeiros! Os mais velhos como o Zé Pretinho e outros começaram a discutir, eu, garoto de primeira viagem e o mais novo da turma, fiquei quietinho só ouvindo a discussão. Mas não sei lá a quantas, o Zé Pretinho arrancou os trinta Cruzeiros e jogou sobre a mesa, dizendo que ia apenas pagar o combinado. Como a discussão continuasse, ele sacou do bolso da calça uma garrucha 22 e deu uns dois tiros para o alto! Foi uma correria. Imaginem que os tiros foram dados dentro do casarão onde todos estávamos. Foram para o alto certo, mas foram pg13 de 191
dados. Depois disso saímos da casa, largamos o dinheiro sobre a mesa e pusemos os pés novamente na estrada. Eu estava além de assustado com muito medo também. Sei que os familiares do senhor Ricieri se puseram nas janelas da casa e ficaram xingando nossa turma, especialmente o Zé Pretinho. Mas nessa de sairmos meio que às pressas, fui alertado pelo Pedrão, pois nem percebia que estava tomando o rumo para Elias Fausto, e não para Salto. Andamos uns quatro quilômetros e numa enorme sombra fomos descansar. Não eram mais que dez horas da manhã. Dormi pesadamente. Era mais ou menos uma da tarde quando fui acordado pelo Pedrão, pois precisávamos ir para Salto. Cambaleante, pus novamente os pés na estrada. O cansaço era imenso... mas não pensava, não, em desistir. Fomos andando, andando, andando. Três da tarde chegamos ao local chamado Pinheirinho. Era uma fazenda muito bonita, com várias árvores da espécie de paina, que nessa época estão todas floridas. Também existe uma igrejinha na beira da estrada. Descansamos aí por mais de uma pg14 de 191
hora. Novamente pusemos os pés em marcha e à tardinha chegamos em Salto. Devo dizer que esse trecho de quase quarenta quilômetros é todo de terra e areia, ainda hoje. Além da poeira, o sol escaldante chega a queimar os miolos. E nada, nada de sombra... Chegando em Salto à noitinha, fomos jantar num barzinho à beira do rio, e depois procurar um cantinho para dormir e disputamos com outros tantos romeiros, um local na estação de trem. O chão todo de paralelepípedos. Mas a gente estendia o cobertor nele pela metade e com a outra metade cobria o corpo. Eram pouco mais de nove horas da noite. O cansaço era forte. Não havia lugar para tomar banho também. Estávamos além de cansados, sujos e suados. Dormimos pesadamente. Perto das três horas da manhã acordamos. Fomos para uma lanchonete, comemos e seguimos até o Atalho. Se o cansaço era imenso, como que por encanto ele havia passado totalmente. Um forte cheiro de eucalipto exalava o ar. Estava pisando firme. Forte. Tudo havia se renovado. A conversa do dia anterior que havia rareado, vicejava forte pg15 de 191
em toda a turma. Eu estava empolgado. Queria falar com todos. Me lembro que o Carlinhos, primo do Zezo ficou junto andando comigo e fomos papeando... Quase sem perceber, andamos perto de dez quilômetros, e chegamos no pé do Atalho. Ainda estava escuro. Devia ser perto de cinco da manhã. Havia uma casa com luzes acesas, portas abertas. Chegamos. Dentro da casa havia mais de 40 romeiros. Os donos da casa serviam café e bolo de fubá. Não cobravam nada, mas quem comia ou tomava café deixava algum trocado. Era uma paga justa pelo que faziam. Depois fomos nos aconchegar na grama fronteiriça à casa esperando o dia raiar. E quando o céu tingiu suas primeiras cores da alvorada, partimos nós. Alegres e confiantes. Me lembro que o Tiquinho, Haldumont Nobre Ferraz Junior, estava com a bunda toda assada, por isso procurava maisena. O Atalho todo atravessou quase que carregado pelo Pedrão. O Atalho, (trecho mais lindo de toda a viagem) fica no entroncamento da rodovia Marechal Rondon, que vai de Itu a Jundiaí, junto com a pista que segue de Salto. Localiza-se na Serra pg16 de 191
do Japi. É um conjunto de várias fazendas. E por elas passamos cruzando cercas, passando mato fechado, nessa época havia cafezais, cana, capim, muitos eucaliptos, pinhos, e pedras, pedras, muitas pedras, imensas pedras, que fazem um cenário maravilhoso ao nascer do dia. O Sol vai procurando se infiltrar por entre fendas, grotões, aqui uma pedra isolada, à frente um conjunto de várias pedras imensas, com mais de dez metros de altura. E a gente vai subindo a serra, vendo aquela paisagem linda, um cheiro de mato forte entra pelas narinas, o suor do corpo é forte também, a neblina encobre a floresta, depois no alto da serra a gente divisa bem abaixo, um fio de água... que nada mais é do que o velho e lendário rio Tietê. As nuvens estão baixas, parece até que estamos no alto do céu... E a gente subindo a serra... o dia clareando, a beleza de um cenário de indescritíveis palavras... Mas de repente, uma porteira... e a gente começa a descer... de início leve, depois mais forte, mais forte, e de repente, outra vez, uma descida forte, mata da floresta Atlântica ainda intocada, e descida mais forte, mais pg17 de 191
forte... as pernas já não conseguem andar... o corpo é impulsionado para baixo, e começa-se a correr... correr.. não se consegue parar... e é correndo fortemente, que de repente abre um túnel de ar à nossa frente, e nos vemos cair na estrada... mais uns passos apressados e iríamos direto para as águas do rio Tietê, bem à nossa frente... Agora fim de mato, de estrada de terra, o asfalto brilha, carros passam, passam bicicletas, charretes, cavalos, motos, muitos romeiros... todos felizes, andando, falando alto, gritando, berrando mesmo... A canseira desaparece por completo. Andamos algumas centenas de metros e bem à direita do rio Tietê, aparece a Gruta. Imenso conjunto de pedras com mais de trinta metros de altura. Bica de água fresca e cristalina e, muitas bancas vendendo café, pão com manteiga, leite, biscoito, lanches, churrasco e mais, mais, mais coisas... Paramos um pouco. Ainda oito horas da manhã. Fico curtindo a manhã maravilhosa. O sol fica escondido atrás da serra, mas mostra seus raios do outro lado do rio Tietê. Um pouco de descanso e partimos para Cabreúva. Seis pg18 de 191
quilômetros apenas. Pouco mais de uma hora de viagem. Vou com o Carlinhos à frente. Falando de bailes, namoradas, desejos e vontades. Cabreúva logo aparece como por encanto... Pouco mais de nove da manhã. Chegando à cidade sinto um pé queimar. O dedinho do pé direito está ardendo. Tiro o sapato e, ela está lá, brilhante, estufada... uma bolha de água quase que deixa o dedinho do tamanho do dedão do pé... Furo com uma agulha e deixo a linha para que a água escorra e ela seque. Assim doi menos, dizem. Vamos para uma pensão. Um banho faz muito bem. Revigora. Traz novo ânimo. Duro que não levei além de um par de sapatos. Tivesse um par de chinelos e não teria tanto incômodo. Mas não faz mal. Almoçamos antes das onze. A fome estava um caso sério. Depois vamos para a praça central da cidadezinha e lá ficamos em animados grupos. São muitos romeiros... uns descansam, outros partem enquanto outros chegam. Não dá para saber quantos somos. Perto do meio-dia a turma decide partir. Faltam ainda vinte e quatro quilômetros até chegar Pirapora. Já andamos quase cem quilômetros. pg19 de 191
Faltam apenas vinte e quatro. A gente sai em bandos... Vários bandos. Estamos animados todos. Andamos sob sol forte e inclemente. Logo chegamos no Japonês, que nessa época era apenas um bar cujo proprietário era um japonês chamado Mário.(ainda hoje, 2009, vivo e bem falante. Recorda com saudade dessa época) Isso em 1968. Hoje o bairro cresceu e tem outro nome: Bananal. São várias casas. Igreja, supermercado, escola. Paramos sob a sombra de imensos eucaliptos. Ficamos ali meia hora mais ou menos. Andamos apenas oito quilômetros. A vontade de chegar é grande, mas a tristeza pelo final da viagem começa a aparecer. Continuamos a andar. Chegamos na bica. Agora faltam apenas onze quilômetros para Pirapora. Descansamos à sombra de imensos bambuais. Passam muitos romeiros. Alguns estão também descansando e ao lado diversas cruzes. São os romeiros pagadores de promessas. Perto das seis da tarde a noite começa a pintar suas cores. O sol já desapareceu. Fica melhor para andar. Decidem partir e eu vou junto com a turma... quero chegar logo... pg20 de 191
Logo, o Tira-saia aparece. É temido. Apenas uma subida de dois quilômetros. Mas a subida é forte. Muito forte para o corpo cansado e castigado, mas não intransponível. Questão de meia hora e estamos no alto da Serra...Algumas luzes aparecem... no corpo os pelos ficam arrepiados. Uma vontade de chorar. Correr. Voar. Os pés estão leves, o corpo flutua. Eu quero flutuar... faltam ainda poucos quilômetros para final de viagem. Os passos são firmes e fortes, certeiros. Pisam duros no chão. Uma curva e as luzes desaparecem. Onde foi a cidade? Sumiu. Outra curva. Mais luzes. Outra curva. Agora as luzes não somem, vão ficando mais perto, mais perto. Ouço de um alto-falante a voz de alguém que parece ser de um padre convidando todos para a missa das oito. Tento correr. A vontade é maior do que as forças do corpo. Escorrego. Caio no chão. Grito um Bom Jesus de Pirapora e antes de gritar estou em pé novamente. O Zé Pretinho pergunta se me machuquei. O Pedrão pergunta se estou bem. Digo que sim. Ainda ouço a voz do padre. De repente a Igreja aparece à minha esquerda. Imponente, cheia pg21 de 191
de luzes. Vamos andando. Falta pouco. Poucas centenas de metros. A Igreja fica à minha frente. Depois andamos mais um pouco e ela fica atrás de mim. Uma curva e, a Igreja fica mais perto. Mais perto. As vozes agora são nítidas. A noite brilha. A lua fulgura no céu. Uma curva e, a Igreja está pertinho, basta atravessar o lendário rio Tietê. Outros passos e, ela desaparece. Uma ponte de madeira. Atravessamos e entramos na cidade. Curiosos nos olham. Estamos todos emocionados. Mais quinhentos metros e eis a Igreja do Senhor Bom Jesus de Pirapora. Estamos no átrio dela. Muita gente. Muitas cruzes encostadas nos balaústres. Subimos alguns degraus e estamos na porta da Igreja. A emoção é forte. Entramos juntos. No Altar a imagem majestosa de Bom Jesus de Pirapora. A emoção é forte; o brilho dos lustres ilumina nossas cabeças. Mais uns passos e estamos a seus pés. A emoção brinca com as lágrimas que escorrem pelas faces. Todos nós ajoelhados rezamos aos pés da imagem milagrosa do Bom Jesus de Pirapora. Em silêncio, olhares fixos, pg22 de 191
agradecemos. Cada um no silêncio faz sua prece e seu agradecimento. No altar o Padre que convocava pelos alto-falantes os fiéis para a missa, dava as boas-vindas a todos os peregrinos e iniciava a missa. Era quinta-feira, oito da noite. Saímos em silêncio para o átrio da Igreja. Agora o cansaço que estava escondido, começa a aparecer. As pernas estavam ficando duras, doídas, os passos lépidos de minutos atrás, começavam a ficar trôpegos. Doía tudo. Pés, pernas, barriga, braços. A emoção ainda pairava no semblante de cada romeiro. Fomos procurar um lugar para jantar. Banho nem pensávamos. A barriga chegava a doer de fome. Achamos um restaurante. Passado hoje mais de 40 anos, muitas imagens ainda estão fixas na minha mente. Enquanto estou escrevendo essas páginas, me vejo menino de 15 anos fazendo minha primeira romaria em 1968. Hoje é dia 29 de março de 2005. Portanto não me lembro o que fomos comer, mas me lembro do restaurante, não seu nome. Mas comemos e festejamos nosso final de viagem. pg23 de 191
Depois tentamos sair do restaurante. Se os passos para se chegar até ele foram difíceis, agora parecia que tínhamos uma tonelada de em cada pé. Eles tentavam, tentavam mas quase não saíam do lugar. Era difícil a locomoção para onde quer que se fosse. Mas fomos arrumar um local e aí nos acoitamos. Era a entrada de um clube social da cidade que, se bem me lembro, estava em construção. Não foi difícil para nossa turma aí achar abrigo. Estava calor, portanto o cobertor apenas servia de colchão, não também de coberta, como nas noites anteriores. Dormimos pesadamente. Ainda hoje quando passo em frente a esse clube, me lembro que dormi nele na minha primeira peregrinação, em abril de 1968. Acordamos na manhã de sexta-feira. Cedinho. O burburinho do povo era imenso. Se na noite anterior a cidade trazia uma população um tanto acima da média, nesta manhã a população praticamente havia se multiplicado em mais de 20 vezes. Para ir agradecer a Bom Jesus de Pirapora, beijar os pés da imagem, havia uma fila que dava a volta na igreja várias pg24 de 191
vezes. Em frente à igreja os fotógrafos lambe-lambe ofereciam a todos uma lembrança, através de fotos. Nossa turma não deixou por menos, fez pose e depois de mais ou menos uma hora tínhamos em mãos, cada um, uma foto para guardar de lembrança da cidade e também da viagem feita a pé. Perto das nove horas começamos a procurar algum meio para voltarmos para nossa Piracicaba. Condução era o que não faltava: peruas ofereciam vagas, mas como tudo era mesmo uma grande aventura, subimos na carroceria de um caminhão, e acomodados cada um à sua maneira, mais de 40 ao todo, iniciamos a viagem de volta. Uns cochichavam, outros ainda cansados tentavam dormir sentados... mas o mais importante era a vitória que cada um trazia dentro de seu coração: ter feito sua peregrinação a pé a Pirapora do Bom Jesus. Essa foi, em síntese, minha primeira peregrinação, em 1968, que hoje já completou ininterruptas trinta e oito voltas. Agora irei contar das outras viagens. Se esta primeira ainda está viva na minha memória, as outras não ficam a dever. Cada uma tem um pg25 de 191
momento de alegria, descontração, fatos engraçados, dramas, quase tragédias e tragédias mesmo... Espero que viagem comigo através dos anos...
1969 e anos seguintes Depois do primeiro ano, esperei ansiosamente que chegasse logo 1969 para novamente fazer a peregrinação. Quando se tem de quinze para dezesseis anos tudo parece demorar uma eternidade. Mas os anos seguintes foram viagens onde a juventude fazia com que as pernas caminhassem rápidas. Isso muito embora o jeito de se caminhar ainda fosse totalmente errado. Andava-se sempre na mesma marcha, no mesmo passo, na mesma batida, e isso fazia com que depois de algumas dezenas de quilômetros, após uma parada as pernas ficassem doídas e o recomeço fosse sempre difícil. Hoje, ao contrário, mudo constantemente o modo de andar. Uso todos os tipos de musculação durante a caminhada, e embora tenha mais de cinquenta anos, hoje, pg26 de 191
jamais chego a ficar cansando. Raramente uma bolha aparece nos pés. Mas depois de várias caminhadas, 1972 foi um ano muito legal, pois pela primeira vez levamos mulheres na nossa turma, a Célia, a Cleusa e a Adélia, que não conseguiu chegar... Em 1974 eu havia começado a trabalhar numa nova Empresa um pouco antes do carnaval, portanto eu nem tinha ainda dois meses quando fui pedir para meu chefe se ele me daria permissão para ir a Pirapora. Eu pensava que ele não fosse deixar, mas para minha surpresa, a permissão veio imediata. Já em 1975 estava de chefe novo e ele não me deixou sair na terça-feira à noite, como saíamos então. Foi um suplício para mim. Todos em frente de casa, que era o local de partida e eu ali. E saiu a turma toda: Pedrão, João, Carlos, Armando, Gato, Célia, Cleusa, enfim a turma era grande. Eu fiquei. Somente na quinta-feira à noite é que eu poderia ir. Mas ir sozinho? De jeito algum. Eu era cobrador. Viajava todos os dias. Ao saber dias antes que não poderia faltar, uma semana antes fui adiantando o serviço a ser feito. Na verdade fiz pg27 de 191
todas as cobranças exigidas até quarta-feira na hora do almoço. Mas mesmo que eu aparecesse no local de serviço dizendo isso, meu superior era um tanto chato e por prazer não me deixaria ir. Fiz o seguinte: na quarta-feira de manhã apareci no serviço e mostrei que estava tudo bem. Saí para fazer minhas cobranças e retornei hora do almoço. Depois saí dizendo que iria fazer as cobranças (que eu já havia feito) em Araras, Leme e Pirassununga. Mas fui direto para casa, almocei, tomei banho, peguei minha mochila e caí na estrada. Sabia que a essa hora minha turma já estava em Samambaia, mas saí. Andava e corria pela estrada. Seis da tarde estava em Capivari. Tomei um fôlego e fui para Samambaia. Lá cheguei perto de nove da noite. Jantei, descansei meia hora e parti para Salto. Cheguei simplesmente arrebentado em Salto duas horas da manhã. Se ficasse ali iria desmaiar ao dormir. Vi meus amigos dormindo já há horas. Acordei um deles e disse que os esperaria na Boca do Atalho e que me acordasse quando lá chegasse. pg28 de 191
Mais morto do que vivo cheguei no local quatro da madrugada e dormi até seis horas, quando meus amigos chegaram. Eu acordei e segui junto. Atravessamos o Atalho e chegamos em Cabreúva perto das dez da manhã. Descansamos umas quatro horas ali. Depois partimos para Pirapora. Aí o cansaço apareceu com toda a sua força. Eu fui chegar em Pirapora mais de oito da noite. Estava em frangalhos. Arrumamos um hotel para tomar banho e dormir. Foi providencial. Depois fomos jantar. Voltamos para o hotelzinho e capotamos. Acordamos na sexta-feira cedo. Ainda o corpo todo dolorido. Pela primeira vez fiz o percurso em tão pouco tempo. Em 30 horas fui de Piracicaba a Pirapora. No serviço jamais descobriram, pois, na segunda-feira fui trabalhar e levei todas as cobranças feitas inclusive as que eu mudei as datas para quinta-feira. Assim não deixei que fosse interrompida em seu oitavo ano, a minha caminhada.
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Depois em 1976, ano da chuva foi tudo bem, e em 1977, em nova Empresa, não tive problemas, somente em 1978, quando usei do mesmo artifício, porém, saindo na terça-feira à noite mesmo. Já em 1979 descontei de minhas férias, assim como 1980 e 1981. Teria ainda muitas coisas para contar de cada ano, mas farei uma síntese de algumas passagens apenas, para não me tornar repetitivo, cansativo e igual em tantas coisas... As Saídas Depois da minha primeira caminhada, como diversos amigos sob minha influência decidiram também fazer tal loucura, as saídas passaram a acontecer em frente à minha casa. Bem me lembro que chegava do Colégio e anos depois do serviço, e ao abrir o portão de casa que dá para o quintal, e minha mãe aparecia sorrindo, mostrando ali muitas mochilas de amigos meus. Era então tomar banho, jantar e a turma começava a surgir... e ao bando de mais de 30 pg30 de 191
amigos, vinham os pais, os irmãos, namoradas... e então em frente à minha casa ficava uma multidão. Os vizinhos saíam para ver aquele bando de malucos que iriam fazer a Romaria. E mais de cem pessoas ali aglomeradas esperando dar oito da noite, que era o nosso rígido horário de saída. E vinha minha Tia Mariquinha, que dava beijos molhados em todos e chorava, vinha a Tia Margarida e tantos, tantos mais... Mas o relógio marcando oito horas, fazia estourar uma salva de tiros de rojão e iniciávamos a caminhada. Eram as despedidas, abraços, beijos dos pais, das namoradas, dos irmãos, dos vizinhos, os votos de cuidados e boa viagem a todos, crianças menores de bicicletas nos acompanhando até o Cemitério, as namoradas também nos seguindo nos primeiros passos... e logo mais a descida da Avenida Piracicamirim toda de terra... as casas se tornando raras, nossa turma imensa fazendo enorme vozerio, todos falando, conversando alto, dando risadas, e mais gritos de boa viagem recebíamos... pg31 de 191
Quanta saudade... daqueles tantos de outrora, hoje somente o Pedrão e eu nos fazemos presentes. Perseverantes. Ainda confiantes. Muitos já partiram para outra caminhada, outros se casaram, se mudaram de cidade, e poucos mesmo os vejo...
MILTON O Milton era um moço calado, quase não falava durante a caminhada. Não me lembro do sobrenome dele, mas sei que trabalhava numa companhia de entregar gás. Quantos anos ele teria? Sinceramente não sei. Para quem tem quinze anos qualquer pessoa que tenha perto de trinta é considerada velha. Bem o Milton devia ter isso, perto dos trinta anos. O que me faz lembrar dele, se fomos apenas duas vezes juntos na peregrinação? Apenas um fato curioso e outro engraçado. Primeiro, vou dizer o fato engraçado: durante a viagem, depois de Capivari, estávamos com fome. Era madrugada. Sei que ele tirou da mochila um saco de papel todo engordurado e disse que pg32 de 191
trazia ali “bolinhos de chuva” da mamãe. Como a fome era um tanto forte, caímos com as mãos naquele saquinho cada um pegando alguns bolinhos de chuva. Vixe! Era um bolinho danado de ruim. Ninguém conseguiu, apesar da fome, comer além de um. Mas o Milton, esse comia saborosamente aqueles bolinhos frios, engordurados, sem sabor algum. A fome não nos matou, mas a piada com os bolinhos de chuva de mamãe perduraram durante anos, mesmo quando ele já não viajava mais... pudera... gostava, e como gostava de encher um copo de pinga em qualquer barzinho que a gente encontrasse ao longo da estrada. Agora vou dizer do fato curioso. Lá pelos idos dos anos sessenta, para ir à igreja aos domingos, os homens colocavam suas melhores roupas, assim como as mulheres. Tanto que existe o termo “roupa dominical”. Eram aquelas roupas mais bonitas, as melhores que possuímos. Portanto nada mais natural para o Milton: se ele iria a Pirapora e iria à Igreja, ele não teve dúvidas, colocou sua roupa dominical. Mas o que era essa roupa dominical do Milton? Oras, um terno. Isso pg33 de 191
mesmo, o Milton foi daqui até Pirapora usando terno preto e gravatinha, daquelas tipo marril se sapatos, que eram as gravatas que estavam na moda. E de sapatos pretos é claro. Não se permitia o uso de terno sem calçar sapatos pretos. Se houve gozação, só quem viveu o momento. Foram dois dias e duas noites imperdíveis na estrada. Era a gente chegar num local para comer que, primeiramente o Milton estendia a mão fazendo o gesto característico de quem pede um trago de cachaça. Depois quem nos servia, quando vinha trazer a conta, olhava quem estava melhor vestido e lascava a conta. E o Milton foi durante dois dias assim distinguido em todos os lugares. Podem imaginar naqueles tempos, estradão de terra, areia, sol, calor e o Milton andando de terno e sapatos pretos? Depois de uns tempos que deixou de peregrinar com a gente, soube que faleceu... Mas seu nome sempre é lembrado por mim e pelo Pedrão em todas as peregrinações que fazemos. Os mais novos não acreditam, mas é a mais pura verdade.
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Piracicaba a Pirapora Piracicaba até Rio das Pedras :12 quilômetros Rio das Pedras até Mombuca :12 quilômetros Mombuca até Capivari :11 quilômetros Capivari até Samambaia :17 quilômetros Samambaia até Salto:19 quilômetros Salto até o Atalho:10 quilômetros Trecho do Atalho:06 quilômetros Do atalho até Cabreúva:07 quilômetros Cabreúva até Pirapora:24 quilômetros Essas distâncias são aproximadas. São mais ou menos medidas de saída da cidade à entrada na seguinte. Talvez juntando tudo chegue ou mesmo passe dos 120 quilômetros. Não mais do que isso.
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Poesia Nessa mesma época, 1967/1968, começava a brotar em mim, uma vontade de me fazer entender através da Poesia. Portanto creio que, 1968 é um marco importante na minha vida, pois comecei a fazer minhas peregrinações a Pirapora, e a rabiscar os primeiros versos. Depois de muito tempo como poeta, em 1989, fiz os primeiros versos falando sobre Romarias. É um poema todo em redondilha maior e com estrofes de seis versos regulares, no esquema rimário aabccb. Esse poema que irei transcrevê-lo abaixo, também é o poema-título de meu quarto livro de versos, publicado em 1997, quando completei meus trinta anos de peregrinação. Eis o poema e com uma pequena consideração: em 1997 quando o publiquei em livro, esqueci de inserir uma estrofe, que vem a ser a 5a. do poema. Apenas notei o esquecimento quando o livro já estava pronto, portanto aqui segue o poema na íntegra:
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Romaria Início de romaria Que todo o ano principia Com um materno sermão: – “Meu filho, tome cuidado, Não fique muito cansado, Vá sempre junto ao Pedrão!...” No início é sempre alegria; Um rosto alegre assobia, Um outro, canta feliz... Se alguém fica reclamando Ouve logo alguém falando:– “Você veio porque quis!...” Tudo vira brincadeira Para driblar a canseira E as bolhas d’água nos pés. As pernas ficam cansadas... O frio das madrugadas É denso e não tem revés. Para o novato mentimos E às escondidas sorrimos pg37 de 191
Para ele não descobrir A caminhada que falta. – Se o desespero lhe assalta Começamos a sorrir. A estrada de terra é longa, Se se cansa mais alonga E parece não ter fim... Sobe morro, desce morro, Que adiante pedir socorro? Minha mãe olhe por mim. Rio das Pedras, Mombuca, – O sol queimando na nuca, Afinal, Capivari!... – “Vamos descansar um pouco?” – “Ai, meu Deus, como fui louco, Eu vou ficar por aqui...” – “Fui doido ao sair de casa... Os meus pés estão em brasa... Esio, Pedrão, só vocês Podem me ajudar agora... Samambaia ainda demora? Quantos quilômetros? Três? pg38 de 191
– “Ai, socorro, eu não agüento, Me dói cada movimento, Não consigo mais andar... Olhem, a Célia não pára... O que foi que ela fez para Andar e não se cansar?” – “Estou com fome e com sede, Ai, quem me dera uma rede E dormir até amanhã. Ai, nada enxergo, estou cego!... Ai, meu Deus, estou no prego, Loucura, loucura vã!...” Continua a caminhada... Ressurge outra madrugada Então vamos é dormir... Ao pé da serra, no Atalho, É bom ter um agasalho E todo o corpo cobrir... Mas quando o dia clareia Novamente os pés na areia, Novamente caminhar... pg39 de 191
Cabreúva nos espera, O cansaço se supera, – Nós não podemos parar! – E enquanto o sol no horizonte Jorra luz de sua fronte, Mato adentro vamos nós... Pedras fazem o cenário Deste lindo santuário Que até perdemos a voz. Agora não tem mais “truta”, Logo chegamos à Gruta Que de longe a gente vê... É manhãzinha, faz frio, – “Olha a neblina no Rio, É o velho Rio Tietê!...” Agora está tudo perto, E o romeiro segue certo, Pouco falta a caminhar” – – Trinta quilometrozinhos! – – “Escutem os burburinhos; Todos vêm incentivar!...”
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– “Olhem aquele romeiro, Ás costas leva um madeiro, Para promessas pagar... Como vai devagarzinho, Caminha sempre sozinho, Mas caminha sem parar...” – “Ai, meu Deus, eu fui cobaia, Ainda tem o Tira-Saia? Eu acho que vou morrer...” No alto da serra o amplo espaço... – “Ai, acabou meu cansaço, Eu acho que vou correr...” E o Romeiro apruma a vista, Pois a distância ele avista Pirapora e Bom Jesus... – Esio, Pedrão, conseguimos!...” Nós todos então sorrimos, E Pirapora reluz!...
Piracicaba, fevereiro de 1989.
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Bem me recordo que o Milton Mastrodi, que fez a Romaria com nossa turma nesse ano e depois no ano de 1994, quando estávamos chegando à Gruta, ele me chamou e teceu esse comentário: “Olhe, Esio, é a sua poesia que estou vendo aqui”. Isso depois de inúmeras mentiras que eu havia lhe contado para que sua canseira passasse. Depois em 1999 a inspiração veio novamente em estrofes regulares de seis versos e em redondinha maior, me fiz poetar, porém inverti o esquema rimário (abaccb) e assim ficou o poema: Depois da leitura do mesmo irei tecer alguns comentários a respeito do mesmo que penso ser importantes.
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Os Romeiros
Pomos felizes os passos Em mais uma caminhada. Amigos – damos os braços E repletos de alegria Seguimos em romaria À Pirapora sonhada. No início a conversa afia: Todos alegres, contentes... A subida desafia – Nos impulsiona a descida... À paisagem colorida Nós seguimos displicentes. Pedrão, meu bom camarada, D’onde vem força tamanha Que te faz o rei da estrada? – Segue sempre sorridente, Sempre pondo os pés à frente Nossas forças mais assanha. Primeiro, terra batida, pg43 de 191
Logo após asfalto ardente. A estrada se faz comprida: – Subida, descida, morro, Um pedido de socorro – Descansar de faz urgente! Rio das Pedras, Mombuca, E o cansaço já aparece... – “Como fui nesta cumbuca Pôr os meus pés atrevidos?” Eu já os sinto moídos, E o delírio me entorpece!...” Porém, seguimos em frente: Capivari nos espera... A turma vai sorridente E eu não desisto por hora... Se a caminhada demora A canseira se supera. – “Não posso fugir da raia..." Mas mal amanhece o dia Seguimos a Samambaia Sob um forte sol que queima. – “A minha vontade teima pg44 de 191
E vence a minha agonia". – “Minha vontade é mais forte Não vou perder este assalto!" – “Quase após me ver com a morte Mais uma etapa é cumprida". – “A estrada ficou vencida E já chegamos a Salto!" O sol esplêndido doura Numa aleluia de festa. – Lava-se os pés com salmoura E para cima os estica. Bebemos água da bica Numa alegria de orquestra. Às vezes a chuva forte Todo o caminho enlameia, Mas bendizemos a sorte Da chuva que cai do espaço, E tira o nosso cansaço E nosso passo meneia. As árvores fazem sombra E a turma toda descansa. pg45 de 191
As folhas fazem alfombra E a vista embaralha em sono. – No letárgico abandono Renovamos a esperança. A noite toda dormimos Num bom “Hotel das Estrelas!...” Em devaneios sorrimos E se acaso as vistas pomos No céu, em grandes assomos, Mil estrelas vamos vê-las! Se o frio da noite é denso Buscamos achar abrigos, E nessas horas eu penso: – Se o frio a muitos padece, A nossa amizade aquece E nos torna mais amigos. Festivo o dia amanhece E nós na alegria imensa Fazemos a nossa prece Para nova caminhada. No reinício da jornada Firmamos a nossa crença! pg46 de 191
Lindo atalho é nossa meta E na beleza da serra Eu me sinto mais poeta. E Japi bela e altaneira Parece imensa bandeira Tremulando sobre a Terra. É o Atalho! com passadas Precisas nós caminhamos – Com as vistas extasiadas Este Altar da Natureza Exibe sua beleza Em todos os seus recamos! Vestígios da virgem mata É esta Flora brasileira. Veios d’água cor de prata Escorrem por entre as fendas, E a beleza das fazendas Faz passar nossa canseira. Pedras fazem o cenário Que se torna majestoso. Parece imenso Templário pg47 de 191
Onde Deus Onipotente Faz a vida ficar crente Do mundo maravilhoso! Aves multicoloridas Fazem um balé aéreo, No chão as ramas floridas Exalam suave essência – Que inaprendida ciência Exorta tanto mistério? Numa estreitíssima trilha Pisamos os nossos passos. O sol causticante brilha Por entre as nuvens suspensas, As nossas almas em crenças Se abraçam a esses espaços! Eis-nos ao alto da serra! E a visão se contagia. Neste pedaço de terra A inspiração logo acusa O nascimento da Musa Que declama uma Poesia.
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A vista corre o Infinito: Com meus olhos tudo rondo. Até que um mágico rito Em meus ouvidos clangora E o Tietê revigora Com as águas num forte estrondo. Estrada aquática! estrada Onde sonhos fulgurantes De uma época já passada Fez os sonhos pioneiros Dos ousados Brasileiros, Dos ousados Bandeirantes! Parece que o rio exala Em suas águas barrentas Dos Bandeirantes a fala Em busca de áureas conquistas. – Todos buscando com as vistas Pedras e minas sangrentas! Velho tronco a mim parece Uma piroga esquecida. Cada murmúrio é uma prece De um ousado bandeirante pg49 de 191
Buscando febricitante A glória desconhecida! Esses ousados guerreiros Seguindo o rio por dentro Sonhavam sempre altaneiros Alcançar – num sonho ousado Algum distante Eldorado E do Brasil – o seu Centro! À sua margem estamos Mas a paisagem deplora... Se de longe seus recamos Parecem hinos de glória, Ai, de perto toda a história Poluída e triste – chora. O velho e altaneiro rio Com destino largo e incerto, Procura em seu desafio Mostrar que inda é rude e forte, Mas mostra em panes de morte Que é um esgoto a céu aberto. Numa ambição mais profana pg50 de 191
Da lei divina e sagrada, Na cobiça soberana O Homem – no sonho profundo, Pôs morte à glória do mundo D’uma forma deplorada. – “Pedrão, meu sincero amigo, Nós, há décadas passadas Por este caminho antigo Víamos outra paisagem, Que hoje parece miragem Às nossas vistas cansadas. – “O velho Tietê outrora Dos rumos – era o primeiro, Mas hoje, magoado chora Na mais profana agonia, Por isso agora a Poesia De restilo traz o cheiro." Porém, a estrada margeada Pela formosa floresta Põe nossa vista encantada Em matizes de mil cores... Exalam frescos amores pg51 de 191
Toda a paisagem de festa. Na matinal alegria Seguimos a caminhada. A algazarra contagia Nossa turma de romeiros, Que caminham sobranceiros Nessa constante jornada. Cabreúva é logo à frente, Seis quilómetros distante! A gente segue contente Porém, à canseira bruta Nós vamos parar na gruta Que é outra visão deslumbrante! Um conjunto bem montado Pela sábia natureza: Com o coração encantado Tal construção eu contemplo; Parece sagrado Templo No resplendor de beleza. São várias pedras unidas Pelo Divino Arquiteto pg52 de 191
Em épocas já vividas; Quando um dia, em Dom profundo, Estava a criar o mundo Fez inspirado projeto! A Cabreúva nós vamos, O cansaço se supera! Já não se ouvem mais reclamos Nem atos de desistência. Vale a nossa persistência, Vale o apoio da galera! A pequenina cidade Lembra um recanto encantado. A nossa felicidade Trazemos no rosto exposta E temos pronta a resposta: – “Eu sequer estou cansado!" Se nos pés há bolhas d'água A gente pouco se importa. Nossa força não tem mágoa E ninguém se mostra triste. Nossa vontade persiste E jamais se mostra morta! pg53 de 191
Dormimos em plena praça Num pequenino coreto. Uma galera faz graça A todo e qualquer motivo. – Poeta me sei ativo, Compondo mais um soneto. A noite passa. Amanhece. D. Maria, querida, À nossa turma oferece Um cafezinho bem quente. E a gente toma-o contente Que é um elixir na partida! Agora é o último trecho Até chegar Pirapora. O tênis é um apetrecho Que pode ser dispensado. Com o chinelo calçado Partimos sem mais demora. O ânimo volta com tudo E a brincadeira começa. Ninguém mais caminha mudo pg54 de 191
E a alegria a tudo infesta. No meio de tanta festa Nós caminhamos sem pressa!... À beira da velha estrada Que de curvas serpenteia, Uma cascata encantada Convida a toda a um banho. E a turma – como um rebanho Molhada se devaneia. O Miguel de carro passa E cruza a nossa passagem. Pára, brinca e num abraço, Deseja felicidade Porém, já sente saudade, De sua finda viagem. Chega o Laércio Moretti (Artista que fiz romeiro.) Todo orgulhoso promete Que vai me dar uma tela, Bem sei, porém que é balela, Pois diz isso o ano inteiro...
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Nós chegamos ao distrito Que Bananal é chamado. Singelo, simples, bonito, Já foi "Japonês" um dia, – Um recanto de alegria Mas ninguém se vê cansado. Agora se abre o cenário Em dezenas de montanhas. Belo é nosso itinerário; E são tantas, tantas curvas, Que as vistas se tornam turvas, Embaralhadas, estranhas. Mas firmes são nossos passos Nosso lema é Pirapora! O verde colore os espaços Em todos os seus matizes. – Nós caminhamos felizes Em busca de nossa Aurora! Subida, longa descida, E a gente num transe segue. Descida, longa subida, Nada nosso ânimo trava. pg56 de 191
A gente tem a alma escrava Quando um ideal persegue! Com Pedrão os passos sigo Fazendo um passo marcado. O carinho é tão antigo Que a um olhar nos entendemos. Somos barco e somos remos Já de distante passado. Todos na mesma cadência Vamos seguindo – uns à frente Vão numa cega obediência E vigiamos os passos De quem quer voar espaços, De quem quer ser diferente. Os filhos vão aninhados Pois se sentem protegidos. Ouvem os "causos" contados No arrolar de nossa história Que é toda feita de glória E de carinhos vividos. Passa alguém e nos saúda: pg57 de 191
–“A todos boa viagem! Ninguém precisa de ajuda, Quem quer seguir de carona?..." – Nossa alma, da estrada dona Brinca e faz camaradagem. Novamente um'outra bica E todos, num alvoroço, Bebem a água pura e rica Que desce pela montanha, Um ou outro, ali se banha Pois quer esperar pelo almoço. E o mesmo pouco demora, O Cícero logo chega E a gente tanto o adora Que faz uma festa imensa, E ele como recompensa Nos serve um arroz à grega! A Célia e o Sérgio a distância Espoucam o céu de tiros. Nós esperamos em ânsia Esta sincera amizade Que é feita toda bondade pg58 de 191
Dos mais longínquos retiros. Porém, a turma os espera, Numa inaudita alegria. – Sorrisos de primavera Invadem os nossos sonhos, E nós em poses, risonhos, Tiramos fotografia. É que o Cícero deseja Eternizar tal instante. Sua máquina maneja Com rapidez e destreza. Sua vista firme, tesa, Põe flachs em cada flagrante. Descansamos mais um pouco E a viagem reinicia. O nosso desejo louco É chegar ao Tira-saia, E nossa vista se espraia Numa sincera alegria. E o Tira-saia aparece Após cruzarmos a ponte. pg59 de 191
– O corpo já não padece E o passo é firme e preciso. – Com certeza o paraíso Tem este belo horizonte! Passo a passo na subida E o Tira-Saia vencemos! Apogeu de nossa vida E estamos no alto da serra: Por pedestal – eis a Terra! Pisamos os seus extremos! É montanha após montanha E o Tietê mais parece A longa serpente estranha A cordear lerdo, vago, Sendo invisível o estrago Que silencioso padece... Mas numa lareira imensa – Como um presépio incrustado – Motivo de nossa crença, E Pirapora aparece – A distância se parece Um paraíso encantado. pg60 de 191
Ladeira abaixo nós vamos A serpentear a estrada. Fazemos nossos recamos Numa festa de alegria... Folia, imensa folia, A jornada está acabada! Atravessamos a ponte Onde o Rio vaga morto. O sol brilha no horizonte E um cheiro acre, podre, azedo, Que chega a causar-nos medo, O nosso olhar deixa absorto. É profanada a paisagem E a cidade é prostituída. As indústrias assim agem: Do Tietê a água tiram Porque depois nele atiram A podridão sem medida. Por uma ruazinha estreita E então chegamos ao Templo Belo, imponente, que é feito pg61 de 191
Em cada um de seus tijolos Parte de nossos consolos Que presos à Fé contemplo! Pedrão, amigo querido, Contigo foi no passado Que o louco sonho atrevido De uma sincera criança, De olhos cheios de esperança Pôde ser realizado. Agora nós dois já velhos, Após tantas caminhadas, Temos nossos Evangelhos Dentro da fé Nazarena; É ela que nos acena Em nossas firmes passadas. Eis nos em frente da Igreja E nós dois emocionados, Que mais a gente deseja? Que o Bom Jesus nos consagre À nossa fé - um milagre: Nossos sonhos realizados.
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Que assim, no próximo ano, Presos à luz da Poesia, Tenhamos o mesmo plano Que o nosso peito clangora: Vir de novo a Pirapora Em mais uma Romaria! 28.09.99
Um período de quatro décadas foi o suficiente para que eu notasse as mudanças de clima e de paisagem. Se no início quase todos os anos o tempo tendia mais para o frio intenso nas noites e nas madrugadas, depois de 1980 a mudança foi brusca. Levamos hoje cobertas e blusas mas quase sempre ficam no fundo das nossas mochilas. O rio Tietê sim, mostra as marcas profundas do progresso. A poluição está em toda a sua extensão e suas margens. Flocos de espuma densos bóiam sobre suas águas, milhares e milhares de garrafas plásticas em alguns locais cobrem sua superfície.
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Na serra do Japi a devastação também se faz notar em muitos trechos. As pedras que faziam um cenário colossal foram quebradas por operários. Ano após ano vamos vendo que elas se fazem raras em muitos locais. Às vezes chega a nos dar vontade de chorar, mas o progresso e a devastação do meio ambiente são notórios. Este poema enfim além de narrar a saga dos peregrinos, também serve como um grito de alerta. Se nada for feito num futuro breve, as paisagens serão desoladoras. Tanto o Tietê, como a serra do Japi e outras localidades, estarão irremediavelmente comprometidas. Carregar Cruz Carregar uma cruz de Piracicaba até Pirapora, nos ombros, não é fácil. É difícil, muito difícil, mas não impossível. Sei que é preciso ter um pouco de paciência (aliás, muita paciência) coragem, fôlego, algum treinamento físico, e disponibilidade, para ficar alguns dias andando pelas estradas. Se o percurso a pé pode ser feito em dois dias e duas noites, já com cruz pg64 de 191
nas costas o mesmo percurso demora um pouco mais. Isso também depende do tamanho da cruz e seu peso. Tem pessoas que ficam até 30 dias pelos caminhos, o que acho um exagero. No máximo 10 dias e o romeiro pagador de promessa consegue, quase que sem transtornos, atingir seu objetivo. No ano de 1980, decidi que levaria uma cruz às costas de Piracicaba até Pirapora. Tinha vários amigos que já haviam percorrido o trecho levando cruz. Fui primeiro falar com o Rodolfo Salvaia e o Kiko. Eles me incentivaram, dizendo que eu conseguiria, sim, também levar minha cruz até Pirapora. Peregrino, esperto, já havia feito doze vezes a caminhada, escolhi a madeira: 5 metros de vigota por três para a trave. Muitas pessoas que viram a cruz diziam que eu não chegaria até Rio das Pedras. Eu tinha certeza que conseguiria atingir meu objetivo. Conversei com o Tone dos Santos, ele também iria levar uma cruz até Pirapora. Decidimos que faríamos juntos a caminhada. Marcamos a saída para o dia 29 de março de 1980, um sábado logo após o almoço. Sei que à hora marcada ele apareceu em casa e eu pg65 de 191
também já estava esperando-o Houve uma aglomeração imediata, mas, pouco nós ficamos ali. Decidimos partir logo, logo. Aí então foi o desespero. A cruz devia pesar perto de 70 quilos e ao colocá-la nos ombros e dar os primeiros passos, quase fiquei sem fôlego. Senti que as pernas dobravam, e puxar a cruz era muito, muito difícil mesmo. Andamos três quadras, e na esquina da rua Moraes Barros meu corpo estava todo empapado de suor. Quando chegamos em frente ao Cemitério pensei seriamente na loucura que estava fazendo e por pouco não larguei a cruz ali mesmo, mas como poderia desistir assim tão fácil e tão sem ao menos tentar mais um pouco? Oras, a caminhada era de 120km. e eu estava querendo parar antes mesmo do primeiro quilômetro? Descemos a avenida Piracicamirim, que estava sendo toda reformulada, portanto cheia de terra e poeira. O calor estava imenso. Suávamos em bica. Eu olhava para o Tone e via-o arfar, estava pálido. Creio que ele me olhava e via um fantasma. Atingimos a avenida Rio das Pedras e iniciamos de fato nossa pg66 de 191
caminhada. Era andar cinquenta metros e dar uma parada para pegar fôlego. Cada parada um litro de água garganta abaixo. Paramos num barzinho e compramos algumas garrafas de água, pois as que tínhamos levado já estavam vazias. Amarramos as mesmas nas nossas cruzes e partimos. Era um tal de parar, beber água, descansar, parar novamente. Comentário algum nós fazíamos. Passamos pelo bairro Rolador, depois chegamos a uma subida onde ficava a Cidade dos Esportes, do XV de Novembro, que não vingou. Creio que já eram mais de quatro horas da tarde. Chegamos no bairro do Taquaral e enchemos na bica todas as nossas garrafas que já estavam vazias. Continuamos. Perto das seis horas já estávamos a cinco quilômetros de Rio das Pedras. Havíamos andado bem. O duro era o arrastar silencioso de nossas cruzes sobre o chão todo acidentado. Anoiteceu e ainda estávamos na estrada. Fome, sede, solidão, vontade de chorar. A noite estava iluminada por estrelas e pela lua que dias mais estaria toda cheia no céu. Andamos mais um pouco. Agora ventava pg67 de 191
forte. O corpo todo suado e o vento frio. Perto das nove da noite chegamos em Rio das Pedras. Era um poste e uma parada para fôlego; outro poste e, outra parada. Estava eu a menos de duzentos metros de um barzinho e não conseguia chegar antes de quinze minutos. Nisso vejo o Moisés, o Tecão, o Lilo e o Paulo que vêm se encontrar comigo, dizendo para eu ter força. Afinal cheguei em frente ao bar. Desabei no chão. Estava com fome, muita, muita fome e mais sede ainda. Bebi creio que dois litros de água. Fui comer. Estava arrebentado. Aí o Moisés perguntou como eu tava e eu disse que tava uma loucura. Que a cada cinqüenta metros eu parava para respirar. Então ele me disse que eu tava muito bem, pois ele andava vinte metros e parava para respirar. Aí meu ânimo voltou um pouco. Olhei para a cruz dele e era maior do que a minha, devia ter sete metros de comprimento. Animado, muito animado mesmo eu disse: vamos dormir aqui e amanhã saímos juntos. Se ele para a cada vinte metros, vou descansar mais ainda. pg68 de 191
Mas ele me pôs um balde de água fria. Nada disso. Vamos sair à meia-noite, assim amanhã cedo estaremos em Mombuca. Ai, minha vontade era esticar o cobertor e dormir uns três dias. Mas não houve mesmo jeito. Meia-noite e pusemos nossas tralhas amarradas na cruz, ela em nossos ombros e partimos. Foi bom, pois a cruz dele mais pesada exigia maior esforço de sua parte e eu ia levando a minha numa boa. Andamos uns dois quilômetros e paramos na bica para beber água, encher nossas garrafas e descansar um pouco. Perto de uma da manhã partimos novamente. Andamos mais uns cinco quilômetros e paramos novamente para descansar. Aí o cansaço bateu fundo em todos. Eram mais ou menos umas quatro horas da manhã. Fomos nos amoitando, esticando as cobertas e em pouco mais todos dormiam profundamente... Acordei assustado com a velocidade de um caminhão que passou fazendo enorme barulho. Mais assustado ainda fiquei quando percebi que dormia no acostamento e o travesseiro era o degrauzinho que havia entre a terra do pg69 de 191
acostamento e o asfalto. Nossas cabeças todas estavam no asfalto e corpo no acostamento. O susto foi geral. Levantamos. Não eram sete horas ainda. Mais cansados do que quando nos deitamos, pusemos as cruz nas costas e partimos. O sol já estava forte. Muito forte. Estávamos todos em jejum. Apenas a água tirava nossa sede. Andamos um pouco e paramos para descansar. Quem vai levando uma cruz nos ombros sabe que o descanso é fundamental. Anda-se um pouco e descansa-se muito, mas por mais que se descanse nunca é suficiente o tempo de repouso. Basta colocar a cruz nos ombros e o peso dela incomoda muito e as pernas dão passos dobrando os joelhos. Aí o Moisés, que me disse que andava vinte metros e parava, desembestou pela estrada... andava, andava, andava e não parava... eu o chamei e disse sobre ele parar a cada vinte metros e ele me disse que quando se sentia bem não parava de andar. O fiadaputa me enganou. Eu agora queria era parar a cada dez metros, mas para não deixá-lo distanciar muito, tentei ir no ritmo dele. Quase pg70 de 191
morria de sono, de cansaço, e o suor empapando o corpo. A fome era já um caso mais sério ainda. Perto do meio-dia chegamos em Mombuca. O calor arrebentava os miolos. Paramos num barzinho, descansamos mais de uma hora, depois fomos almoçar. Depois do almoço um morador da cidade nos ofereceu um galpão para a gente dormir. Foi sopa no mel. No silêncio, dentro do barracão, estendemos nossas cobertas e dormimos pesadamente até uma cinco da tarde. Decidimos partir para Capivari. Arrumamos as coisas, cruz nas costas e partimos... A noite estava estrelada e enluarada. Estava gostoso caminhar. A cruz já não incomodava tanto. O trecho foi feito sem resmungos de ninguém. Andávamos, parávamos um pouco, cantávamos, ríamos. Não demorou muito, perto das dez da noite chegamos em Capivari. A praça estava apinhada de gente ainda. Foi a gente encostar nossas cruzes nos postes e formou logo uma roda de gente que veio falar com gente. Era estranho, até, mas demos atenção a todos. Logo o movimento diminuiu, pg71 de 191
depois fomos no restaurante do Galo. Comemos um lanche reforçado e esticamos nossas cobertas no jardim central da cidade. Dormimos todos como uns anjos. Acordamos na manhã de segunda-feira. Eram mais ou menos sete da manhã. Compramos pão com mortadela e um pacote de margarina e água. Não muita, pois uns três quilômetros à frente havia um restaurante onde poderíamos comprar mais água. Chegamos nesse restaurante que fica na estrada que vai de Tietê a Campinas. Cruzamos a estrada e chegamos ao restaurante. O Moisés queria porque queria tomar caracu com ovo. Tomou. Ficou com sono. Deitamos no acostamento da estrada e ele dormiu mais de duas horas. Como estávamos juntos, ninguém arredou pé. Depois ele acordou disposto. Azar o nosso. Ele colocou a cruz nas costas e andou, andou, andou, andou... era subida, descida, e nós o acompanhávamos... estávamos todos bem, firmes e decididos. Quando foi mais ou menos umas duas da tarde paramos na sombra de uma árvore. Comemos pão com mortadela e pg72 de 191
água. O pão estava seco e a gente o lambuzava de manteiga para umedecê-lo um pouco e assim com a saliva a gente engolia mais fácil. O sol estava muito, muito forte mesmo. Descansamos até umas quatro horas da tarde e partimos novamente. Estávamos a uns oito quilômetros de Samambaia. A água estava no fim, por isso necessário se fazia chegar logo no local para descanso. Depois que passamos um local onde existe uma enorme cruz enterrada no chão, tem uma descida longa, muito longa e cheia de pedras. Dos dois lados da estrada, desde Capivari, somente canavial, portanto sombra alguma. Quando chegamos perto de Samambaia a água já não existia mais. Vimos umas luzes e umas jovens conversando. Elas estavam mesmo era vendo a gente caminhar, já que a noite estava clara pela lua. Paramos e pedimos água. Uma delas entrou, e cerca de uns trinta metros começou a tirar água do poço. Logo voltou com um caldeirão cheio de água fresquinha. A caneca que ela nos ofereceu era grande, portanto eu bebia a pg73 de 191
água e parte dela me escorria pelo peito. Acho que foi a água mais deliciosa que bebi até hoje. Esvaziamos o caldeirão que ela nos trouxe. Mais um quilômetro e chegamos a Samambaia. Eta subida de lascar. Forte, tortuosa, cansativa. Parece que Samambaia fica se escondendo da gente, mas de repente, o barzinho do senhor Ricieri aparece e ele, mesma cara de sempre, nos dá boa noite, pergunta como estamos e se vamos jantar. Claro, a fome que sentimos era de leão! Suas filhas nos preparam arroz, feijão, bife, salada de tomate, batatas e ovos fritos. Devoramos com furor. Depois ficamos conversando. Banho mesmo nada de nada. Perto das onze da noite vamos dormir. Acoitamos no chão mesmo do casarão e antes de dormir o Moisés diz que vamos partir duas da manhã. Eu quero morrer! Andar o dia inteiro, descansar somente três horas? Mas estou junto e novamente xingo-o amistosamente. Perto das duas horas da manhã, acordo. Minha garganta está seca, seca, seca. Seu Ricieri ainda está acordado, servindo mais romeiros que chegam. Eu olho nossa turma toda pg74 de 191
dormindo. Compro uma garrafa de dois litros de água, bebo-a quase inteira e volto para meu cantinho dormir. Se alguém disse que íamos sair as duas da manhã, esse alguém era o Moisés. Portanto que ele acordasse e a nós todos. Eu não iria fazer isso. Estava cansado e com sono. O Tecão teve até febre durante o dia. Dei-lhe magnopyrol. Ele abriu a boca, eu dei três esguichadas do remédio e ele tomou um copo de água. Transpirava muito, mas não tinha mais febre. Quietinho, quietinho e fui para meu lugar e me deitei, esperando o Moisés acordar a todos. Eram duas e meia da manhã. Mas ele também estava cansado. Sei que acordamos sete da manhã. Ele estava bravo por ter dormido a noite toda e ninguém acordou para que fôssemos dali. Eu disse que havia acordado, mas ele dormia tão gostoso que fiquei com dó de acordá-lo. Ele me xingou. Eu ri. Pusemos nossas coisas amarradas na cruz, ela às costas, e saímos. Era terça-feira. Nosso destino agora era Salto. O sol para variar causticava. O saco de pão com mortadela e pg75 de 191
manteiga o Paulo levava. Além das garrafas de água, que não podiam faltar mesmo. Fomos andando, andando, e há uns sete quilômetros existia um ribeirão de águas límpidas. Corria entre a mata. Sem dúvidas tiramos as roupas e caímos nele. Todos pelados claro. A estrada de terra tinha pouco, bem pouco movimento. Mesmo que passasse alguém a gente pouco se importaria. Sei que parecíamos crianças brincando na água. Ali nos divertimos bons momentos. Depois pusemos as roupas, e mais adiante tem a fazenda Pinheirinho, onde ainda hoje tem belos eucaliptos e enormes paineiras, sempre cheias de flores nessa época do ano. Ali chegamos mais de meio-dia. Comemos pão com mortadela azeitada com manteiga. Depois dormimos na gostosa sombra. Perto das quatro horas da tarde saímos novamente para andar. Enchemos antes nossas garrafas de água no poço. Faltavam apenas sete quilômetros para Salto. Uns setecentos metros adiante e cruzamos a rodovia do Açúcar. Ali paramos novamente. Queríamos coca-cola. Como? Somente um milagre. E foi o que pg76 de 191
aconteceu. Nesse momento passa um carro na pista e pára em seguida. Desce um moço. Ei, Esio, o que você está fazendo aqui? Era um colega de profissão. Nessa época eu era viajante, vendedor e uns dias antes estava num supermercado em Limeira e eu dizia que iria levar uma cruz até Pirapora. Esse rapaz, que hoje não me lembro o nome, estava junto e duvidou que de fato fosse fazer aquilo. Mas agora ele via não só a mim, mas alguns amigos, fazendo a peregrinação. Sei que disse a ele que queríamos tomar coca-cola. Ele entrou no carro, foi até Salto e vinte minutos depois voltava com duas garrafas de coca-cola litro. Foi uma delicia. Ele ficou mais um tempo conversando com a gente e como começava a escurecer, foi embora. Nós, agora que tínhamos tomado coca-cola, estávamos no pique total. Nos pusemos novamente em marcha. Salto nos esperava. Andávamos rápido. Quando chegamos na subida que antecipa a cidade de Salto, o luar impregnava o céu. Também os pernilongos. Em bandos teimavam em nos picar. E mesmo com calças compridas e meias cobrindo as canelas, os pg77 de 191
mesmos atingiam nossas peles. E passe repelente... Mas de repente Salto se vislumbrava à nossa frente. Ufa! Mais uns dois quilômetros por longa descida. Oito e meia da noite paramos no primeiro bar da cidade, que tem uma tabuleta com as seguintes inscrições: para quem entra na cidade, Bar do Primeiro Gole. Para quem sai da cidade, Bar do Último Gole. Ali paramos um pouco, comemos paçoquinha, tomamos mais coca-cola e fomos para o centro da cidade, quase saída para o Atalho no dia seguinte. Bem, dormimos todos na praça da concha acústica, em frente à ponte do rio Tietê. Comemos um lanche reforçado numa lanchonete e empacotamos todos atrás da concha. Amanheceu quarta-feira. Logo de manhã tomamos café num barzinho e partimos para o Atalho. Apenas dez quilômetros. Foi aí que a coisa pegou. Não sei como, mas minhas costas começaram a doer. Ardia forte. Andava um pouco e precisava parar para descansar. Quanto mais tentava andar, mais doía. Eu não conseguia colocar a cruz no ombro direito. Queimava tudo. Fui andando. Lentamente. A pg78 de 191
turma diminuía o passo para que eu acompanhasse. Em vão. Sei que ao meio-dia chegamos ao pé do Atalho. Estávamos com fome. O seu José, que morava na casa ao pé do Atalho, veio nos encontrar. Éramos já amigos de longa data. Ele disse se queríamos comida. Nossa, era tudo naquele momento. Depois de meia hora ele nos traz numa panela uns pedaços de pato frito e arroz. Foi um banquete. Descansamos um pouco, mas em mim a dor era intensa. Eu pensava desistir. Não conseguia mais andar. Muito menos colocar a cruz nas costas. Mas tentei mais um pouco. Subimos a primeira parte do Atalho, cerca de dois quilômetros. Eu ia ficando para trás. Quando chegamos na igrejinha existente, todos me esperavam. Eu cheguei bufando. Paramos um pouco e eu disse que ia ficar por ali, passar mesmo a noite na igrejinha. Outros romeiros se achegavam a nós. Sei que ninguém queria que eu ficasse ali sozinho. Também não podiam ficar ali comigo. Eu bati o pé e disse que não ia mais andar. Iria abandonar minha cruz ali. O Moisés disse que era chato isso, que estávamos juntos. O Paulo pg79 de 191
disse para me animar que ali era um lugar bonito para deixar a cruz. Comecei a chorar. De dor. De raiva. De ódio. Havia enfim caminhado quase cem quilômetros e a menos de trinta iria desistir. Mas não havia jeito mesmo. Nisso chegou a Margarida Lopes, que em Piracicaba trabalhava com enxovais e vestidos de noiva. Irmã de um amigo meu. Ao me ver naquele estado perguntou o que estava acontecendo e eu lhe disse. Ela pediu para ver minhas costas. Ergui a camiseta e ela disse: nossa, está tudo fora de lugar. Tem um calombo aqui. Posso ajudar você? Oras, eu tava era é morto. O máximo que ela poderia fazer era me enterrar. Claro que pode, falei, faça o que quiser, depois cubra bem com terra para não feder! Foi só risada. Ela mandou eu me deitar no chão da igrejinha. Sei que os amigos limparam o chão para eu me deitar. Nem precisava. Eu tava morto. Ela falou para eu ficar de bruços. Obedeci gemendo.
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Ela começou a fazer umas massagens e eu ouvia uns barulhos. De repente senti alguma coisa se encaixando dentro de mim. Não sei até hoje, mas eu dei um pulo, saí da igrejinha, coloquei minha cruz às costas e saí quase que correndo pelo mato. Não doía nada. Eu estava novo em folha. Ninguém acreditou que ela houvesse me curado. Mas sei que fui andando até chegar na fazenda Pedra Azul. Ali achei um pé de carambolas e chupei mais de dez. estava sozinho e feliz. Os outros meus amigos vieram me encontrar e não acreditavam no que a Margarida havia feito comigo. Mas eu era a prova que ela tinha feito alguma coisa em mim. E das boas. Andamos o Atalho todo e chegamos ao descidão, na Garganta de Lobo, onde a descida é íngreme, e a mata totalmente fechada. Nesse momento me encontrei com o Mirinho, que também estava levando cruz. Estava ele e o Dinhão. Cruzes pesadas. O Mirinho naquele meio de mato me oferece café. Era tudo o que eu queria naquele momento. Mas ele tira do bolso alguns grãos de café e me oferece dando gostosa risada. Xinguei e ri ao mesmo tempo. pg81 de 191
Descemos com nossas cruzes não sei até hoje como, mas quando demos pelo sentido das coisas, estávamos no asfalto todos. Anoitecia. Paramos na Gruta e comemos nas barraquinhas ali existentes. Eram mais de dez horas da noite quando o Moisés queria dormir. Aí eu é que não queria dormir. Queria, sim, chegar em Cabreúva naquela mesma noite. Eu com o Paulo decidimos ir. Eles queriam ficar. Sorte que começou a chover e ficar na chuva e no relento ia ser difícil. Fomos parar em Cabreúva. Chovia forte. Muito forte. Andamos firmes. Perto da meia-noite chegamos na entrada da cidade. Agora poderia dormir até ao meio-dia da quinta-feira. E foi o que fizemos. Eu com o Paulo arrumamos um lugar para dormir bem na entrada da Caixa Econômica. Os outros ficaram no coreto mesmo. Acordamos depois das oito da manhã. Estava nublado o dia. Durante a noite creio que pg82 de 191
choveu muito, mas dormimos pesadamente. Fomos para a Praça Central que é bem pequena. Em frente fica a Matriz. Logo os outros amigos chegaram também. Ficamos todos conversando. Meus amigos que vinham a pé somente, começaram a chegar em Cabreúva: Pedrão o Ivan, Ninhão e outros mais. Todos queriam sabem como era carregar uma cruz de Piracicaba até Pirapora. Eu me mostrava estar bem. Não tinha bolhas nos pés, nem mais doíam minhas costas. Conversamos um pouco e eles logo partiram para chegar em Pirapora naquela mesma tarde. Nosso destino era outro. Iríamos sair de Cabreúva somente meio-dia e chegar em Pirapora na sexta-feira de manhã somente. Almoçamos antes da onze da manhã, descansamos mais um pouco e na hora prevista, meio-dia pusemos nossas cruzes nas costas e partimos para os últimos vinte e quatro quilômetros. O tráfego na estrada era imenso. Muitos carros e muitos peregrinos. Antes de chegarmos no Japonês, a chuva caiu forte. Muito forte. Nisso ouço barulho de rojão. pg83 de 191
Era a caravana do Cícero que todos os anos vai levar almoço para os romeiros na Bica. Este ano eu não iria aproveitar o delicioso almoço. Estava longe do local. Mas quem conheceu bem o Cícero, bem sabia do que ele era capaz: sob forte aguaceiro desceu do carro e tirou uma foto, onde apareço eu, o Moises, o Tecao, o Paulo e o Gafanhoto. Depois ainda a Célia desce do carro e me oferece uma coxa de frango. Estava deliciosa. Ficamos ali sob a chuva e quando tentei andar pisei numa poça de óleo e capotei. A cruz caiu sobre meu corpo. Mas por pura sorte nada me aconteceu. Levantei de pronto, mais assustado do que qualquer coisa. Andamos mais um pouco e paramos todos, numa cancha de bocha para esperar a chuva parar. Eram mais ou menos umas três horas da tarde. Aproveitamos para ir ao supermercado existente em frente e comemos muito chocolate, doce, e coca-cola. Anoitecia e a chuva não parava. Perto da meia-noite sob chuva ainda mais intensa, resolvemos partir. Não havia mais o pg84 de 191
que e porque esperar. Mais um pouco amanheceria sexta-feira e o melhor a se fazer era andar. E falavam ainda dezoito quilômetros! Foi o que fizemos. A chuva alagava a pista de um lado a outro. A cruz escorregando no asfalto molhado deslizava e já parecia não ter peso. O cansaço inexistia. Quando chegamos à Bica, faltavam onze quilômetros para o nosso destino final, eram perto de três horas da manhã. Chovia muito forte. Junto de nós ia um grupo com mais de trinta peregrinos, todos de Itu, cidade distante menos de 40 quilômetros. Portanto havia o grupo andado talvez uns 30 quilômetros, não mais. Nisso pára um caminhão e todos sobem na carroceria do mesmo. Eu indaguei: De onde vocês são? Disseram que de Itu. E eu falei: Puxa vida, faz uma semana que estou na estrada carregando essa cruz e pretendo chegar lá ainda hoje de manhã. Vocês a pé andando apenas, mais duas horas e estarão lá. Não acham que é uma vergonha pegarem carona estando já tão perto? pg85 de 191
Sei que um a um foram descendo todos da carroceria do caminhão. Disseram que eu tinha mesmo razão e que iriam seguir a pé comigo. Sei que fiquei emocionado. Era um grupo imenso que não conhecia, mas andamos juntos mais de dois quilômetros. Depois eles percebendo que podiam andar mais rápido do que eu, disseram que iriam me esperar em Pirapora... Eram quase cinco horas da manhã quando cheguei no pé do Tira-Saia. A íngreme subida com mais de dois quilômetros. Foi aí que encontrei o Carlinhos, conhecido meu de Piracicaba, que também estava levando cruz. Fazia frio, mas ele estava descalço. Eu de tênis e meia, certo que todo molhado e ele descalço...Subimos conversando todo o morro do Tira-Saia. Eram quase sete horas e avistamos Pirapora. A emoção era forte. Nesse momento eu estava adiante dos meus companheiros. Falei para o Carlinhos que iria esperá-los, pois somente com eles eu iria entrar na cidade. Ele achou certo e também disse que ia entrar com a gente.
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Eram mais ou menos oito e meia quando chegaram o Moisés, o Lilo, o Tone, o Tecão e o Paulo. Ficamos juntos contemplando a cidade. Chovia finamente, quase uma garoa. Decidimos que íamos descer os dois quilômetros e entrar na cidade. Fizemos um comboio de cruzes e nessa fila fomos seguindo. Outros romeiros foram engrossando nossa fila, os romeiros que desceram do caminhão vieram se encontrar comigo. Entramos na cidade e éramos mais de cem pessoas. Todos emocionados. Como por encanto a garoa parou, o céu abriu uma frincha e o sol brilhou forte, talvez para saudar aqueles peregrinos que terminavam suas caminhadas. Em frente à Igreja a emoção tomou conta de todos. Eram abraços, beijos e choro convulsivo. Tínhamos terminado nossa caminhada e nossas cruzes encarrilhadas duas a duas, tomavam toda a frente da Igreja. Nosso grupo entrou de mãos dadas na Igreja e aos pés da Imagem do Bom Jesus de Pirapora, todos agradecemos pela viagem e pelos pedidos feitos. pg87 de 191
Depois ainda em frente à Igreja recebíamos os parabéns das pessoas, mas isso pouco nos importava, importava sim, que havíamos caminhado sozinhos por 120 quilômetros em estradas de asfalto, terra, trilhas e florestas com nossas cruzes nas costas, e ali estávamos cúmplices de nossos sonhos e de nossos pedidos. Logo chegou uma caminhonete, que era do irmão do Tecão, todos subimos nela e viemos em viagem de volta para Piracicaba. Foi assim que levei minha primeira cruz em Pirapora. Em 1981 eu deveria levar minha segunda cruz e, a ânsia vivida dois dias antes, valeu por toda a viagem. Eis como ela aconteceu. 1981 Era início de março e eu já havia combinado com o Lilo, o Reinaldo e o Sapo, que iríamos juntos para Pirapora, levando cruz. O Edson, mais conhecido como Sapo, iria com a gente dando apoio, no que ele foi de fundamental pg88 de 191
importância e se demonstrou o grande amigo que era e ainda é. Fizemos eu e o Lilo as nossas cruzes juntos. O Edson foi à minha casa ver como seria a cruz que eu iria levar e ficou ansioso para que o dia dez de abril chegasse logo. Eu também sonhava com o dia dez de abril... Mas ainda estávamos em meados de março. Foi nesses dias que recebi um convite de um amigo meu vendedor, para ir fazer uma entrevista na Empresa Moinho Santista SA Indústrias Reunidas. Sei que peguei o ônibus e fui a São Paulo. Lá conversei com o Senhor Edgar Perez. Mas ele me disse que por estar em reunião, eu lhe deixasse o telefone que ele me ligaria assim que a vaga fosse aberta. Chegou final de março e ele não me telefonou. Pensei que não tivesse sido aprovado no curriculum que deixei e também na entrevista que realizei. E na época eu ganhava em média trinta mil cruzeiros por mês e caso fosse admitido, iria ganhar noventa mil cruzeiros por mês. Um aumento considerável. Passou a primeira semana de abril e nada de notícias. Já não acreditava mesmo nela quando chego em pg89 de 191
casa tardinha do dia oito de abril e recebo a notícia que o senhor Edgar Perez havia me telefonado. Esperei o dia seguinte e liguei para ele. Estava ansioso pelo serviço, porém, um tanto apreensivo. Se por acaso desse certo, adeus sonho de ir a Pirapora levar minha segunda cruz. E foi assim o telefonema: Oi, Seo Perez, é o Esio, o Senhor me telefonou ontem e eu estava pensando que como hoje é quinta-feira, amanhã sexta e a semana próxima a Semana Santa, se o Senhor não pretende que eu vá aí depois dela, ou melhor, no dia vinte e dois de abril, já que depois da Páscoa, dia dezenove, vinte e um é feriado de Tiradentes. Ele foi curto e grosso comigo: Eu preciso de um vendedor desde o mês passado e você quer vir depois da Semana Santa? Você está ou não interessado no serviço? Retruquei: Estou indo agora mesmo para São Paulo. Peguei o ônibus e onze horas eu descia na
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Estação da Luz e ia para Barra Funda, no escritório da Empresa. Cheguei lá conversamos muito. Fui admitido. Ele apenas falou que eu poderia dormir em São Paulo, pois o gerente nacional, o senhor Vicente Genícola Júnior estava em Santos e eu deveria falar também com ele. Eu falei que não havia levado roupa, que voltaria para Piracicaba e estaria em São Paulo na sexta logo de manhã. Ele perguntou o porque de eu querer voltar para Piracicaba. Comigo eu pensava que precisava avisar meus amigos que não iria fazer a peregrinação desse ano, pois um novo emprego estava me esperando. Não queria dizer nada para ele. Então ele me perguntou porque eu falei de ir somente após a Semana Santa, e eu desviei o assunto, não queria falar de algo particular. Mas ele insistia muito em querer saber. Eu ia fugindo até que eu falei assim, bem me lembro: Olha, Senhor Perez, o que eu ia fazer era um particular, mas bem pode esperar. Estou muito mais interessado neste novo emprego do que qualquer outra coisa. Tenho família, dois filhos pg91 de 191
e isso é bem mais importante. Não me ache louco, não, mas é que fiz uma promessa e havia combinado com amigos e amanhã, dia dez, iria sair para pagar a tal promessa. Eu iria sair de Piracicaba levando uma cruz nos ombros até Pirapora. Por favor, não me ache louco e não pense que isso vai me atrapalhar, não. Deixa para lá... quando eu tirar férias daqui um ano ou mais eu cumpro essa promessa. Sei que ele deu um pulo na cadeira que me assustou e disse assim: Meu filho, essa coisa de promessa é coisa séria mesmo. Eu sei muito bem o que é isso. Todos os anos eu saio de Taboão da Serra e vou também a pé a Pirapora, mas no mês agosto, quando se comemora a data de fundação da cidade. Aí quem ficou assustado mais ainda fui eu. Ele continuou: Meu filho vá embora agora, o emprego é todo seu. Pague sua promessa, e só volte aqui dia vinte e dois de abril. Mas uma condição: leve meu cartão, e de onde quer que você esteja, a qualquer hora do dia ou da noite, se precisar pg92 de 191
de alguma coisa me ligue em casa, que vou até você. Cuidado, filho, vá embora agora e me ligue durante todo o trajeto para eu saber se você está bem. O emprego é seu. Eu não sabia se chorava ou se sorria. Não era possível que aquele senhor de mais de 60 anos estivesse falando sério comigo. Mas antes que ele se arrependesse, pisei firme o caminho de volta e voltei para Piracicaba leve, leve e feliz. Iria a Pirapora, pagaria minha promessa, e quando voltasse teria um emprego novo que me daria um salário três vezes mais do que o atual. Cheguei em casa eram mais de onze da noite. Havia mais de vinte telefonemas dos amigos querendo saber de mim, o que havia acontecido, se eu iria ou não a Pirapora. Liguei para todos confirmando a peregrinação para o dia seguinte oito da manhã. Era o horário que deveríamos sair. Fui dormir. Estava cansado, mas ansioso. Foi difícil conciliar o sono. Mas o relógio não marcava ainda seis horas e ouço tiros de rojão. Acordei assustado. Campainha tocando. Olho e era o Sapo, que já estava de mochila nas pg93 de 191
costas. Puxa, se eu estava ansioso ele estava ainda mais... Levantei, abri a porta, ele entrou, fiz café, e depois tiramos a minha cruz que estava no quintal e a pusemos na rua, encostada num poste. Os filhos Thaís e Thalles pularam da cama também e ficaram agarrados em mim e ao Sapo fazendo mil perguntas. Bastava portanto esperar o Lilo e o Reinaldo, depois iríamos até o ponto onde estava o Mirinho mais sua turma, para iniciarmos nossa viagem... Ainda assim fui com o Sapo até o cemitério para rezar no tumulo do Nicolinha, que havia falecido alguns meses antes, e companheiro velho de estrada, seria uma ausência sentida... No caminho encontramos o Lilo e o Reinando que já desciam a avenida Piracicamirim, para chegarem em casa. Foi o tempo de rezar, e voltar. Logo os dois chegariam. Em frente de casa havia uma aglomeração de gente. Vizinhos amigos estavam ali para nos desejar boa viagem. Lembro do rosto de quase todos. Alguns nos olhando incrédulos, duvidando mesmo que fôssemos levar aquelas cruzes nos ombros até pg94 de 191
Pirapora, outros nos perguntavam quanto tempo iríamos demorar. Mas tudo bem. O Lilo e o Reinando chegaram. O Edson soltou outra salva de tiros, pusemos as cruzes nos ombros, e em meio aos gritos de boa viagem, cuidado, tenham fé, partimos. Os filhos e as crianças vizinhas nos acompanharam algumas quadras. Ao chegarmos na avenida Dois Córregos já estavam nos esperando o Mirinho, o Tarzan, o Dinho e outros mais que eu não conhecia. Continuamos a viagem. Estava um dia de muito sol. Logo no Rolador paramos para um fôlego. Minha cruz estava um tanto maior que a do ano anterior, media 7x3 metros de vigota de peroba. Não me incomodava tanto seu peso, mas o duro era arrastá-la vagarosamente. Ao meio-dia estávamos no Taquaral e ali mesmo a esposa do Mirinho foi levar almoço para a gente. Já havíamos andado uns bons quilômetros. Mas o cansaço do primeiro dia é sempre mais denso, e nos derruba facilmente. Nos falta o costume de caminhar arrastando a cruz. Era já de tarde e estávamos a uns cinco quilômetros de Rio das Pedras. Pela hora que pg95 de 191
havíamos saído, tínhamos caminhado muito poucos. Necessário era apertar um pouco o passo. As turmas dos bóias-frias passavam em caminhões e nos desejavam boa viagem. Anoiteceu e ainda estávamos a três quilômetros de Rio das Pedras. Havia uma escola na beira da estrada e ali paramos um pouco. Novamente trouxeram nosso jantar. Estava delicioso. Eu queria, junto com o Lilo, o Reinaldo e o Edson, ir dormir em Rios das Pedras, a outra parte queria mesmo era pernoitar ali. Conversamos e decidimos: quem quisesse ficar ficaria, os outros poderiam ir até Rio das Pedras. Fiz parte dessa turma. O Lilo, o Reinaldo e o Edson saíram na frente, eu ainda fiquei conversando um pouco. De repente fiquei sozinho na estrada. Estava uma noite muito linda. Caminhei sozinho. Senti dor de barriga e não teve mesmo jeito, encostei minha cruz num poste e na beirada de um barranco, fiz ali mesmo... Depois segui até Rio das Pedras sem grandes dificuldades. Mas antes de chegar à cidade, havia andado menos de um quilômetro e me deu tremenda dor de barriga. Não tive dúvidas, pg96 de 191
encostei minha cruz a um poste e... bem, em menos de dois minutos estava aliviado. Cheguei à cidade onde o Lilo, o Sapo e o Reinaldo já haviam chegado. Lá nos juntamos e fomos tomar banho no posto de combustível. Comemos novamente alguma coisa e bebemos muita água. Procuramos um lugar para dormir e foi ótimo, um caminhoneiro deixou a gente dormir na carroceria do caminhão, portanto não iríamos dormir no chão, embora o relento fosse o mesmo. Acordamos sábado, dia onze perto das sete da manhã. Tomamos café e a turma que havia ficado na escolinha, ainda não havia chegado, já que ficaram de sair do local ás cinco da manhã. Estavam atrasados. Resolvemos ir esperá-los em Mombuca. Saímos e fomos nós... Estava calor. Paramos para beber água na bica e encher nossas garrafas de água. Onze horas o calor estava insuportável. Sombra apenas de canavial, o que não adiantava muito. Sei que paramos numa moita de cana. Eu estiquei a coberta e deitei. O Lilo queria ir embora, mas eu disse que somente iria me levantar onze e pg97 de 191
meia. Ele aquiesceu. Depois ele disse que eram já onze e meia e me levantei, arrumei minhas coisas e quando olhei no relógio, eram apenas onze e vinte e oito. Não tive dúvidas: tornei a me deitar por mais dois minutos, no que gerou protestos, xingos e muita risada entre nós. São coisinhas miúdas, que agora aqui relembro e bem sei que não querem dizer nada, não trarão risos nem nada, mas quem vive ou já viveu tal experiência, sabe o quanto isso diverte no momento. Aqui contando esses pequenos detalhes, não têm muita graça, mas no momento, todos cansados, com sono e com fome, o melhor jeito era rir, rir, rir... Novamente caminhamos. Perto de uma hora da tarde paramos novamente para descansar. O asfalto sob o calor do sol, chegava a derreter. Nossos pés, com o peso do corpo e também da cruz, afundavam nele. As pernas queimavam, o suor escorria denso, empapava o corpo todo e formava uma crosta de barro das canelas para baixo, pois a poeira grudava e aderia à pele, formando quase que como uma bota de barro...
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chegamos mortos de fome e sede e cansaço em Mombuca três horas da tarde. Fomos antes de tudo tomar banho num posto de combustível. Depois ficamos esperando o almoço no restaurante, que quase serviria de jantar também. Aí o Lilo começou a dizer que estava cheirando carniça... eu disse que havia tomado banho e estava limpo, idem o Reinaldo e o Sapo, mas quando cheirei a pele de meu corpo, senti o cheiro. Era um azedo incrível, um cheiro forte de suor. O banho não havia adiantado. Sei que voltei para o chuveiro e gastei quase que um sabonete no banho. Esfregava forte, cheguei a passar areia no corpo no lugar de bucha e finalmente senti que estava no normal. Voltei e todos riram muito disso. Depois perto das cinco da tarde comemos deliciosamente. O dono do restaurante era o Lourenço, meu velho conhecido, que, quando morou em Piracicaba foi meu vizinho. Ficamos por lá descansando e minha mãe, irmã e cunhado, sobrinha e meus dois filhos foram se encontrar comigo. Eu estava legal e bem na caminhada, embora ela ainda estive pg99 de 191
praticamente em seu inicio. Era sábado já noitinha. Mas no meu pensar continuávamos mesmo atrasados, já que no ano anterior havia saído no sábado à tarde e no domingo, hora do almoço estava em Mombuca. Agora ao contrário, havia saído sexta de manhã e sábado à noite ainda estava em Mombuca. Isso não era bom para nossa turma. Quando eram nove horas da noite decidimos ir para Capivari. Seria bom se lá estivemos no domingo ainda de manhã. Saímos. Minha mãe havia levado algumas laranjas para a gente chupar. Sei que andamos uns quatro quilômetros e paramos para descansar num abrigo de ônibus. Chupamos as laranjas e o sono veio caindo em mim. É bem notório que não gosto da noite para caminhar. Prefiro o dia. Sei onde estou, vejo onde estou, as facilidades são maiores e os perigos podem ser vistos... embora haja o sol... Sei que fui me amoitando e tentando incutir em todos que deveríamos passar a noite ali. Não houve mesmo jeito. Todos puseram nos ombros suas cruzes e decidiram partir. Sonolento, cansado e bravo acompanhei a pg100 de 191
todos. Chorava de raiva, de sono, de cansado. Mas recebi o apoio dos amigos. É sempre assim: quando um está pior, o outro ajuda... depois a situação se inverte, com certeza. Meia-noite, uma, duas, três horas da manhã e chegamos em Capivari. Após e descida íngreme, uma subida de amargar. Eu e o Lilo chorávamos pela nossa vitória. Ele me perguntou se eu preferia estar ali ou ainda dormindo no abrigo de ônibus. Pergunta de resposta óbvia. Fomos comer numa lanchonete e depois dormimos num estacionamento que estava aberto. Foi boa a noite, mas acordei e bebi água duas vezes. Agora estávamos quase no nosso horário previsto. Sei que muitos conhecidos foram se encontrar com a gente em Capivari e decidimos sair uma da tarde com destino a Samambaia. Quando estava já no início da estrada eis que chega o Kiko, o Rodolfo, o Lambari que foram levar almoço para a gente. Como havíamos comido, eles foram até Samambaia e na volta ficaram de parar onde estivéssemos para que a gente comesse. pg101 de 191
Embora o sol fosse muito forte e as sombras raras, seguimos firmes. Perto de três da tarde os amigos vieram ao nosso encontro e comemos uma belíssima macarronada! Depois ainda eles voltaram para Samambaia e no retorno trouxeram água para a gente. Não voltamos a comer. Eram mais ou menos cinco e meia da tarde e me avisam que para Samambaia faltam apenas onze quilômetros. Andando na base de dois quilômetros por hora, meia-noite chegaríamos. E foi o que houve. Meia-noite em ponto e chegamos a Samambaia. Jantamos. Que fome! Como sempre o seo Ricieri nos atendeu com carinho. Fomos dormir, já que banho mesmo era impossível. Na manhã de segunda-feira vimos que havia chegado um outro grupo de peregrinos que levava cruzes também. Logo acordaram. Eu pensava em almoçar em Samambaia, mas o Cidinho que levava cruz com outros seis ou sete amigos e tinha seu pai que o acompanhava, disse que se quiséssemos daríamos uma quantia para o pai dele e o pg102 de 191
mesmo faria também almoço para a gente. Foi sopa no mel. Com o pai dele fazendo comida e levando água, nossa caminhada iria ficar mais fácil, com certeza. Tanto foi que decidimos sair logo cedo de Samambaia e quando chegou hora do almoço estávamos perto do riozinho onde havíamos tomado banho no ano anterior. E repetimos o banho. A sombra era convidativa e a comida muito gostosa. Eu nunca havia comido pimentão, mas foi o único e o mais gostoso que comi até hoje, coisa que não voltei a fazer... Descansávamos ainda quando o café ficou pronto. Uma delícia! Comida gostosa, água sempre à mão e um cafezinho... o resto era ter forças para andar, andar, andar... Descansamos bem, tanto que quase perdemos hora para andar... mas quando foi seis da tarde estávamos já na fazenda Pinheirinho. E tome água, tome café... Quando chegamos no cruzamento da rodovia do Açúcar, o pai do Cidinho faz uma panelada de salsinha com molho que foi um saboroso cachorro-quente. Depois seguimos para Salto. Lá chegamos perto das dez da noite. O cansaço era forte, pg103 de 191
mas todos estávamos animados. A caminhada seguia muito bem. Jantamos novamente e fomos dormir. Banho mesmo só nos rios que havíamos cruzado nas estradas... deliciosos, por sinal. Acordamos na terça-feira feira cedinho. Animados. Partimos para o Atalho. Lá chegamos perto do meio-dia. Almoçamos e descansamos mais um pouco. Havia sido boa a caminhada. Subimos a serra do Japi e quando chegamos na garganta do lobo, mata fechada mesmo, a noite caiu como que por encanto. Ficar ali no meio do mato a noite toda ninguém queria ficar. Atravessar a mata era também perigoso. Mas entre ficar a noite toda ali e por uma hora atravessar a mata fechada, decidimos partir. Fui na frente, já que minha cruz era a maior. Se ficasse encalhada entre galhos e cipós, os outros deveriam me ajudar, ou ficariam também presos. Mas nem liguei... ia levando tudo com força... o Edson segurava a cruz depois a gente a empurrava e ela ia arrebentando os cipós. A descida foi até mais rápida do que havíamos imaginado.
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Ainda no Atalho tirei fotografia de um conjunto de pedras muito bonito. Mas comum. Apenas quando revelei o filme e mostrei as fotos para minha mãe ela queria saber o que era aquele rosto de pedras desenhado na foto, Incrível! Virando a foto na vertical um rosto perfeito é formado pelas pedras. Foi de arrepiar. Mostrei depois para os outros amigos e todos ficaram impressionados. Até hoje quando passo no local tento localizar o rosto, mas jamais consegui outra foto com tanta nitidez. Chegamos à Gruta. Eram ainda menos de oito horas de terça-feira. Então decidimos dormir, pois caminhar para chegar em Cabreúva não ia adiantar muito... Preferimos o Lilo, o Edson e o Reinaldo e eu pernoitarmos ali. A turma do Cidinho queria chegar em Pirapora na manhã de quinta-feira, portanto decidiu partir. Nos despedimos e agradecemos ao seu pai os dois dias que nos serviu e nos ajudou em muito. Ficamos na Gruta, tomamos um banho na bica e depois jantamos numa das barraquinhas ali existentes. Dormi em frente à Gruta, num chão de paralelepípedos, mas dormi a noite toda. pg105 de 191
Acordamos na quarta-feira feira logo de manhã. Vi minha cruz encostada no barranco da serra e quase não acreditei que estava a trinta quilômetros de Pirapora e dois dias ainda para caminhar... quiséssemos e na mesma noite chegaríamos em Pirapora. Mas decidimos ir vagarosamente. Tinha um caminhão vendendo laranjas polcãs e comprei um saco das mesmas, perto de duas dúzias. Fiquei descascando uma por uma e depois chupamos. Passou um rapaz esquisito, vestia-se todo de roxo, na fronte trazia uma réstia de alho comprida. Parou um minuto. Colocou minha cruz nas costas, sentiu o peso e compreendeu que era muito maior do que a cruz que ele levava. Disse apenas: essa eu respeito! E sem mais nada foi embora. Fiquei sem saber o que falar... Onze da manhã chegamos em Cabreúva. A cidadezinha estava apinhada de peregrinos. Fomos tomar banho em uma pensão, depois fomos almoçar. Ficamos na praça a tarde toda conversando com muitos amigos. Quando foi anoitecendo percebi que ia chover. Fui até a pg106 de 191
Delegacia de Polícia e perguntei ao Delegado se ele não deixava a nossa turma dormir dentro de uma cela, já que a mesma estava vazia. Ele riu e permitiu. Levamos nossas mochilas para dentro da cela e voltamos para a praça. O Delegado falou que podíamos entrar até dez horas da noite, que depois ele iria embora. Quando chegou o horário fomos dormir na cadeia. Ele foi solícito, mas quando foi saindo atendeu ainda a um meu pedido: queria que ele fechasse a cela. Ele perguntou o por quê e eu disse que jamais teria outra chance como aquela de passar uma noite na cadeia, e queria que fosse uma noite justa e perfeita. Ele riu muito, mas nos trancafiou a todos dentro da cela. Lá fora a chuva caía forte... fazia frio. Estávamos em quatorze dentro da cela. Eram amigos que conhecíamos e foram passar também a noite com a gente na... cadeia. Depois de um tempinho com todos dentro da cela de mais ou menos três por quatro, não mais do que isso, o calor era insuportável. Mas
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estava muito melhor do que o frio e a chuva lá de fora. Dormimos a noite toda. Acordamos cedo. Mas quando acordamos o Delegado já estava em seu gabinete de trabalho. Ficamos todos apinhados na porta de grade e ele nos olhava a todos. Ei, Doutor, precisamos sair daqui. Ele apenas olhava e sorria. Enquanto mexia em alguns papéis dizia que o advogado de defesa logo chegaria para nos tirar dali. Depois de um tempinho veio abrir a cela e saímos todos. Simpático ele nos serviu café. Agradecemos a noite passada na cadeia, mas com certeza todos tínhamos que seria somente dessa forma que nela passaríamos. Rimos muito, muito, muito. Depois já na praça, arrumamos nossas coisas, amarramos as mochilas nas cruzes e sob uma garoinha fina, fina, partimos de Cabreúva. Fui eu andar menos de vinte metros e ouvi alguém me chamando. Era a Margarida. Estava toda estropiada, mancando, de porretinho nas mãos. Na gíria de quem anda estava com os pg108 de 191
joelhos estourados. Nos pés várias bolhas. Sei que ela se apóia em mim, e com passos firmes vamos seguindo. Lembro-lhe que no ano anterior ela me colocou os nervos das costas no lugar, e agora ela ali, comigo, e eu dando-lhe a mão para seguir comigo... andamos juntos por um bom tempo. Rimos muito. Eu trocava a cruz de ombros e ela mudava de lado para conversarmos. Andando comigo foi firmando os passos e antes de chegarmos ao Bananal, ela seguiu em frente, agradecendo o apoio que eu lhe dera. Disse que iria me esperar em Pirapora na manhã de sexta-feira. Chegamos no Bananal e descansamos um pouco. O sol brincava entre as nuvens, depois parecia que o tempo havia se firmado. Ele, o sol, brilhou forte. Era meio-dia. Paramos em uma barraquinha de ocasião, bebia café quando chega uma turma de carro. A turma desce. Diversos rapazes. Um deles, bem alto e forte perguntou quanto pesava minha cruz. Eu não disse a ele que pesava perto de 100 quilos, mas disse que já havia me acostumado com o peso dela. Ele riu e disse pg109 de 191
que se a colocasse sobre os ombros, levaria a mesma correndo até Pirapora. Eu também ri e sapequei: pois me faça este favor. Ela é toda sua. Faça isso. Ele foi até minha cruz encostada a um poste. Quando tentou erguê-la, não conseguiu... tentou novamente e os seus amigos passaram a debochar dele. Então fui até a mesma, com um golpe de prática trouxe-a junto a mim e disse: coloque-a no ombro e pode arrastar. Não, não é força, é jeito mesmo. E aquele rapaz muito mais forte do que eu ficou vermelho e não deu mais que dois passos e desistiu. Falou algumas palavras e deu os parabéns a nós que levávamos nossa cruz de maneira até fácil... rimos e ele então um tanto envergonhado, pagou a café para todos nós. Andamos mais um pouco quando ouço o barulho de uma buzina. Olho para ver quem era. Era o Delegado da Delegacia de Cabreúva. Veio ver como estávamos indo de viagem. Desceu do carro, quis carregar nossa cruz, depois tirou uma caixa cheia de caquis e nos ofereceu. Eu chupei alguns e um que sobrou
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enfiei num prego que estava na cruz para chupar mais tarde. Ainda dando risadas do ocorrido, um carro de aproxima. Para e desce um meu amigo. O Bastião Sanches de Oliveira. Aquele mesmo que foi meu ídolo há quase vinte passados anos... Sei que nos abraçamos e ele pega no carro um saquinho com alguns salgadinhos. Quando vai me dar um quibe o mesmo cai no chão e o outro amigo que estava junto dele joga o mesmo no meio do mato, pois havia ficado sujo, segundo ele. Mas desperdiçar comida nunca. Vou correndo onde ele jogou o quibe e trago-o de volta, dizendo que à noite ele ainda iria me matar a fome. Foi só risada. Mas ainda assim ficamos com vários salgadinhos que nos entregaram... Depois se foram e nós pusemos novamente nossas cruzes nos ombros e seguimos... faltava pouco... pouco... Andamos mais um pouco. Queria estar na bica assim que o Cícero chegasse, junto com seus familiares. Mas ele chegou antes. Sorte que faltavam apenas dois ou três quilômetros para chegarmos à bica. Foi um grande espocar de pg111 de 191
rojões. O Cícero desce do carro e se põe a tirar fotografias da gente carregando a cruz. Depois disse que nos esperaria na bica. Andamos rápido e lá chegamos. Foi um almoço maravilhoso. Estávamos com fome. Ficamos ali até quatro horas. A caravana do Cícero partiu para Pirapora e nós buscamos andar mais um pouco para chegar logo ao pé do morro do Tira-Saia. Era nosso desejo. O tempo que tinha ficado firme mudou rapidamente. Começou a chover. Veio a noite e estávamos todos molhados. Subir a serra e ficar ao relento esperando o dia amanhecer seria bobagem. Decidimos dormir num galpão existente. Lá havia muita gente descansando. Devia ser umas oito ou nove horas da noite. Estava frio. Não havia lugar para esticar o corpo. Sei que passei até quatro horas da manhã de cócoras para não ficar com o corpo molhado. Vi várias aranhas enormes andando no chão e fiquei mesmo é com medo de me deitar. Quatro horas da manhã eu, o Lilo, o Reinaldo e o Edson, pusemos a cruz nas costas e subimos o morro do Tira-saia. Demoramos exatas duas pg112 de 191
horas para tal jornada. Quando atingi o alto do morro vejo o Kiko que vem ao meu encontro. Pergunta se eu gostaria de tomar café. Naquela hora era tudo o que eu mais queria. Ele foi até o carro, e trouxe uma garrafa térmica com café bem quentinho, feito na hora mesmo. Depois disse que quando trouxe cruz fizeram isso para ele vários anos e ele sabia o quanto tinha sido bom, portanto quis retribuir a camaradagem. Olhei uma placa e a mesma indicava que faltavam apenas cinco quilômetros para Pirapora. Eram seis e meia da manhã. Comecei a chorar de emoção. Foram chegando amigos, outros romeiros foram engrossando nossa turma e decidimos descer a serra para chegar a Pirapora. O tempo que ficou chovendo e nublado, como por encanto começou a ficar limpo. O sol passou a brilhar. Faltando menos de dois quilômetros meus filhos, levados pelo Elias Niquito e sua esposa Marta chegaram para se encontrar comigo. Assim que me viram pularam no meu colo. Estavam com saudade do pai. O Thalles pg113 de 191
com menos de três anos, coloquei-o sentado na cruz e carreguei-a com ele sentado. Não pesava tanto. Eu olhei para o Lilo que chorava, idem o Edson e o Reinaldo. Todos nós estávamos emocionados. Havia oito dias que estávamos na estrada e agora faltavam algumas centenas de metros para o final de nossa jornada. Assim que chegamos à ponte o Ivan, meu primo, foi se encontrar com a gente, assim como o Pedrão e outros amigos. Tirou várias fotos da nossa chegada. Assim que chegamos colocamos nossas cruzes encarrilhadas em frente à igreja e fomos agradecer aos pés da imagem do Bom Jesus de Pirapora, nossa viagem, nossos pedidos. Estava cumprida a nossa jornada. Andamos cento e vinte quilômetros carregando nas costas um peso incômodo de 100 quilos! Parece fácil mas nem tanto... ou parece difícil, mas nem tanto... Foi essa uma viagem maravilhosa, que sempre recordo com carinho imenso. A amizade que tivemos durante os oito dias, nos fez pg114 de 191
cúmplices de uma irmandade que não se encontra em qualquer lugar. Bebemos água no mesmo cantil, na mesma garrafa, dormimos lado a lado. Falamos tantos assuntos que até hoje, e lá se vão vinte e tantos anos, a amizade entre nós continua imutável. Viajar com o Lilo, o Edson e o Reinaldo, foi maravilhoso. 1986 quase (fui) preso
Esse ano teria sido um ano de viagem normal, não fossem dois fatos que merecessem registro. O primeiro aconteceu entre Capivari e Salto. É que nesse ano, junto foi um garoto que em nada condizia à nossa turma. Era agressivo, rebelde, malcriado, estúpido e idiota. Queria ser o dono da verdade sempre. Nós com mais de trinta anos, e aquele fedelho a torrar a paciência. Era irritante. Não digo o seu nome, nem irei dizer mais tarde, pois o mesmo é
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capaz de achar que estou fazendo-lhe cartaz. Mas não é isso. Muito pelo contrário. Ele tanto torrou a paciência, irritou tanto que perto da Gruta eu ainda lhe disse pela última vez que se ele continuasse a nos irritar eu iria pegá-lo à força e fazer-lhe coisas para que se envergonhasse. Ele ainda falou que sairia correndo. O Pedrão lhe disse que eu o alcançaria. Ele me chamou de velho. Eu ri. Ele não parou. Continuou. Eu perdi a paciência. Saí em sua busca. Ele deu meia volta e saiu correndo. Fiz o mesmo e uns quinhentos metros correndo alcancei-o. Sendo mais forte agarrei-o e o trouxe para onde todos esperavam rindo. Eu o deitei no chão, coloquei meus joelhos sobre seus braços e fiz o que falei que ia lhe fazer. Ele se irritou muito, mas eu lhe disse para que não me perturbasse mais. Disse que iria contar para seu pai, um velho conhecido meu, não amigo, que vivia pelos bares enchendo a cara. Depois ele ficou um tanto amuado, envergonhado, mas ainda falou que eu iria pagar a vergonha que o fiz passar.
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Durante muitos anos ele tentou, sem sucesso, me agredir. Engraçado que, covarde, vivia mandando outros fazerem o que não tinha coragem de fazer sozinho. Vivia me arrumando confusões pela estrada e tentava estragar um local onde eu trazia amizade. Não conseguiu, claro, apenas no ano de 2000, como direi adiante, tentou a última vez, depois a estrada ficou livre desse traste que talvez esteja preso hoje. O outro caso é mais engraçado. Uns vinte dias antes o governo José Sarney baixava o Plano Cruzado, de maléfica memória. Coloca preço em tudo, tablita e mais, mais, mais coisas. Pois bem. Em Cabreúva o Adãozinho e o Marcos, vêm me dizer que na padaria o cara está vendendo cerveja a sete cruzados, quando o preço baixado pelo governo era de cinco cruzados apenas. Não tive dúvidas, fui até a padaria discutir com o proprietário. Ele não me leva em conta. Vou à Delegacia denunciá-lo; continua a mesma coisa. Sei que é parente do prefeito e que o mesmo o apóia em seus desmandos contra a população. pg117 de 191
Poderia aqui dizer o nome de todos os envolvidos, mas não o farei. Mas na hora fiz outra coisa pior: subi no coreto e fiz um discurso inflamado contra o prefeito, dizendo um blá-blá-blá daqueles. Que éramos fiscais do Sarney, que o povo estava sendo roubado, que deveríamos fechar a padaria. Falei uns dez minutos. Fui aplaudido. O Adãozinho com o Marcos me apoiaram. A turma toda me aplaudiu Me senti forte e poderoso. Coitado de mim! Sei que pusemos os pés na estrada para os últimos vinte e quatro quilômetros. Estávamos nós na bica e chega uma viatura policial. Um guarda nanico vem falar comigo. Diz estar procurando um elemento calvo, um outro mulato e um outro ainda que estava ao volante de um Opala marrom. Eu ri. Tirei meu velho chapéu e disse que não era calvo, mas era careca. E ri. Daí mostrei-lhe o Marcos e o Adãozinho. Pois sabem o que ele fez? Nos deu voz de prisão por baderna e por incitar a população contra o prefeito. Eu disse que não tinha feito nada, apenas falado a verdade. Mas o guarda nanico além de pg118 de 191
ser parente do dono da padaria, também o era do prefeito. Entrei numa fria, pensei. E entrei mesmo. O Adãozinho e o Marcos sumiram. Eu fiquei com o Pedrão (coitado) tentando explicar. Não havia jeito do guardinha ser convencido. Então chegou o Mestre Dick, velho amigo e conhecido. Tentou interceder em meu favor. Nada. Depois chegaram o Sérgio Signorelli, a Célia e o Cícero. Nada. O guardinha tentava se impor naquela farda. Então chega minha salvação. O Hélio Furlan era Deputado Estadual por nosso Estado. Havia ido se encontrar comigo por pura amizade. Ele intercede. O guarda ainda teima em manter sua vontade. O Hélio, advogado também, lhe diz ser Deputado, que é meu amigo, que eu apenas estou fazendo a peregrinação e nada mais. O guardinha meio aturdido afrouxou por um momento. Eu caí fora junto com o Pedrão. Andamos uns quinhentos metros e ríamos da situação quando a viatura policial nos alcança e dá a mim, e ao inocente do Pedrão, voz de prisão. Entramos na viatura e voltamos para a bica. Lá o Hélio Furlan começa a falar ainda pg119 de 191
com o pequeno guarda e enche minha bola. Diz que sou o maior Poeta do Brasil, que sou jornalista, advogado, professor, amigo de não sei quem. Que eu iria ainda mandá-lo, com minhas amizades políticas, para Mato Grosso, diz que sou muito influente, e diz muitas outras mentiras para me livrar a cara. Então eu também cresci. Falei que iria mesmo tomar minhas providências contra ele assim que voltasse para Piracicaba. Ele, eu acho que ficou com medo, mas em me vendo pôr as asas de fora, o Helio me chamou de lado, me xingou e disse para eu ir embora, que a situação tava resolvida e se eu ficasse ali ainda iria passar a noite preso. Eu com o Pedrão rimos e fomos embora de vez. Antes ainda ouvi o guardinha dizer que iria passar um rádio em Pirapora e que se eu me metesse em confusão iria ser detido. Ri e fui embora com o Pedrão. Já em Pirapora agradeci ao Hélio por ele interceder por mim. Ele conversava animadamente com um Senhor, ao qual fui apresentado como romeiro e Poeta. O tal Senhor era apenas o Delegado da cidade. pg120 de 191
Ficamos amigos e conversamos até mais de duas da manhã. Teria sido muito engraçado ser preso e ir para a mesma cela onde cinco anos antes passei uma noite... Esse ano de 1986 foi o último ano que pernoitei de quinta para sexta-feira em Pirapora. E me lembro que dormi num corredorzinho estreito, bem estreito, e que ao meio existia uma escada. Eu dormi de um lado e o Pedrão do outro. Tentássemos virar o corpo e cairíamos escada abaixo...
Outros fatos engraçados Cantando o Hino Nacional
Corria o ano de 1970. Era a minha terceira caminhada. Ir a Pirapora nessa época era febre. Centenas e centenas de jovens faziam a caminhada. Lembro que quando saímos de Salto na madrugada de quinta-feira, formamos um enorme grupo com mais de oitenta pg121 de 191
pessoas. Todos eram amigos ou conhecidos uns dos outros. Foi uma farra. Como fazia frio e na estrada não havia quase movimento, formamos um imenso batalhão marchando direitinho e todos cantávamos o Hino Nacional. Era uma forma da gente caminhar... Se era proibido, pelo menos naquela época todos sabiam cantar o nosso Hino, coisa que hoje dificilmente acontece... A Carona Foi no mesmo local, ano antes, que o Gelson, um negro falante e bem-humorado, numa íngreme subida, ao passar um caminhão, não teve dúvidas: agarrou na rabeira do mesmo e se livrou de andar mais um menos um quilômetro... Se livrou? Mas o caminhoneiro ao chegar ao término da subida parou o caminhão, desceu e falou com o Gelson (ele nos contando depois) Rapaz, se você está fazendo promessa não pode pegar carona. O Santo vai ficar sabendo. Pois você deve voltar o pedaço que andou de carona e refazer o mesmo... Então enquanto pg122 de 191
subíamos o morro vimos o Gelson descer resmungando, até o início de onde houvera minutos antes se agarrado ao caminhão para carona, depois voltar a pé o mesmo trecho... Todos cansados e rimos muito, enquanto o Gelson vinha ao nosso encontro... Querendo levar vantagem, foi obrigado a fazer o percurso de ida e volta...
A pedrada na andorinha Esse fato é recente, mas foi engraçado... No ano 1997, estávamos chegando em Samambaia. No céu bandos de andorinhas sobrevoavam... Algumas delas pousavam nos fios... Então o Esio, meu filho, ficava jogando pedras para o alto. Foi quando o Kleber, um meu ex-aluno que seguia junto falou que acertaria com pedrada uma das andorinhas. O Thalles (assim como todos) achando ser impossível ou improvável tal façanha, falou que se ele acertasse uma delas, ele a comeria na hora. Pois o Kleber pegando de uma pedra atirou com tanta violência, que ela bateu nos pg123 de 191
fios, correu por eles alguns metros, e quando uma das andorinhas viu ou sentiu o pelotaço vindo, tentou voar, mas a pedra ricocheteou no fio, e acertou a andorinha em pleno voo. Ela caiu mortinha no chão. O Thalles ficou todo chateado. Nós gozamos e mandávamos ele cumprir o que havia falado. Mas ele não fez. Ao mesmo tempo que ficamos atônitos com o fato, ficamos tristes pela morte da avezita... Casa de marimbondos Outro fato engraçado aconteceu no ano de 1996. Num riacho que cruza a estrada o Esio como sempre, foi tomar banho. Mas ao entrar no rio havia uma casa de marimbondos... ele não se apercebeu e no minuto seguinte estava coberto pelos insetos. Tomou várias ferroadas, tanto que, para escapar das picadas, afundou o corpo todo na água. Depois saiu reclamando e disse que por causa disso bebeu água e com certeza engoliu juntos alguns girinos... Foi muito engraçado...
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Uma bicicleta entre dois ônibus. Esse fato ocorreu no ano de 1969. Nessa época a estrada vicinal que ainda hoje nos leva de Capivari a Salto era a única que existia entre as duas cidades, portanto todo o tráfego de carros, ônibus, caminhões, dividia a estrada com os romeiros, que iam a pé, de bicicleta, de charrete. Numa curva existente, a pista era, e ainda é estreita, eu percebi que dois ônibus iam se cruzar justamente onde estava a nossa turma. Fomos para o meio do mato para que nada acontecesse. Acontece que ultrapassando um dos ônibus, um romeiro de bicicleta... Incrível, mas ele ficou entre os ônibus no instante crucial que ambos se cruzavam. Pensei num acidente fatal, mas em seguida vi o rapaz todo assustado parando na estrada. Tremia como vara verde pelo perigo que havia terminado de passar. Não aconteceu nada... Apenas o susto que foi imenso.
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Apelido engraçado
Este fato aconteceu no ano de 1983. Era a primeira vez que o Fábio, (Vermelho) menino esperto e gozador, ia fazer sua primeira caminhada. Junto com a nossa turma ia o Ninhão, companheiro de todos os anos. Rapaz simples gostava, na época, de uma bebida. Não tinha malícia para entender logo as coisas. Foi então que falei para o Vermelho que o apelido do Ninhão era jacintopaunorego. E se ele começasse a chamar o Ninhão por esse apelido ele iria ficar bravo. Pois foi eu falar, avisar o Pedrão do fato, e ele começou a falar para o Ninhão: Ninhão,jacintopaunorego! jacintopaunorego! Ele falava alto, o Ninhão não entendia e ficava bravo. Quanto mais bravo ele ficava mais o Vermelho gritava: Ninhão,jacintopaunorego! jacintopaunorego! pg126 de 191
O Vermelho não entendia também o que falava e enquanto o Ninhão ficava mais nervoso, a turma toda entendendo a gozação, ria muito. Ria do Vermelho, pela auto-gozação, e ria do Ninhão, que pensava que o Vermelho estava xingando ou zombando dele. A coisa chegou a um ponto que o Ninhão queria mesmo bater no Vermelho. Para a coisa não chegar a tal fato, eu com o Pedrão explicamos para o Ninhão toda a brincadeira. Aí ele entendeu e riu. Então mudou a cena. Agora era ele que falava para o Vermelho: Como é meu apelido, Vermelho? E o Vermelho gritava: Ninhão, jacintopauno rego, jacintopaunorego! E ria, ria, ria... Só em Samambaia expliquei para o Vermelho o real significado da frase. Ele ficou chateado, mas levou numa boa. A coisa parou por um instante. Quando estávamos chegando em Salto, havia um bando com mais de 40 moleques brincando. Eu cheguei para um deles e disse que o apelido do Vermelho era jacintopaunorego, e se eles o chamassem assim ele iria ficar muito bravo. Falei e continuei a caminhada. Foi o bastante. Assim pg127 de 191
que a molecada avistou o Vermelho, começou a gritar: Vermelho, jacintopaunorego, jacintopaunorego! O Vermelho já sabedor da gozação investia sobre todos, mostrando estar bravo. Quanto mais ele se mostrava bravo, mais a molecada gritava: Vermelho, jacintopaunorego, jacintopaunorego! Nossa turma ria muito. Todos riam. E seguimos a caminhada deixando para trás a molecada gritando... Assim rindo, chegamos a Salto logo depois do almoço... Hoje ambos, Vermelho e Ninhão, são uma saudade... O Tiziu Quem conhece passarinho conhece o tiziu. É um passarinho de porte pequeno, tamanho do papa capim, do pintassilgo, de penugem azulada escura. pg128 de 191
Esse fato aconteceu agorinha mesmo, em 2006. Estávamos na quinta-feira de manhã, indo para Cabreúva. Eu, o Thalles, o Néri e o amigo do Thalles, que indo pela primeira vez, estava com os pés cheios de bolhas. Era manhãzinha, não mais que oito horas. Caminhávamos rindo. A estrada estava toda meio que nublada de neblina. Dezenas de tizius cantavam nos galhos, nas moitas de capins e nos arames das cercas. Engraçado que o tiziu, quando canta, seu nome é uma onomatopéia ao seu canto – tiziu! – Ele canta e dá um pulinho de mais ou menos vinte centímetros e volta ao lugar de pouso... E nós íamos vendo eles cantarem e pularem quando todos miramos por acaso, o mesmo tiziu. Acho que secamos seu pulo, pois o mesmo pousado numa cerca de arame, pulou ao cantar, mas ao voltar... caiu. Caiu no chão. Ele, o tiziu, errou o pulo. Todos nós caímos na risada. Viram, vocês viram... era a pergunta de todos soltando risadas... Eu que conheço passarinhos desde a infância, e tanto já tive tizius em casa, nunca havia visto antes um
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tiziu errar o pulo. Foi muito engraçado na hora... Meus filhos 1992
Desde que nasceu minha primeira filha, Thaís, em 1977, depois o Thalles, 1979 e mais tarde o Esio, 1986, meu maior sonho passou a ser que um dia eles fossem comigo. O tempo foi passando e a cada ano que eu arrumava minha mochila, lá estavam eles querendo saber quando eu ia, quando iria voltar, se era longe, onde dormia. Eu ia falando e colocando na alma de cada um deles, o desejo de também um dia, com o pai, fazerem a peregrinação. Pensava em levar a Thaís primeiro, por ser a mais velha, mas era menina. O Thalles ainda era muito novo e o Esio novinho de tudo. Pensava comigo: quando a Thaís fizer 15 anos eu a levo comigo, depois vai o Thalles, e por fim o Esio. Bem, chegou 1992, a Thaís estava com 15 anos. Era chegada a hora dela se aventurar comigo. Mas pg130 de 191
eu fiquei um pouco com medo. Então fiz uma loucura maior: levei o Thalles comigo, então com quase 13 anos. Saímos com um tempo maior, para que, se ele se cansasse, houvesse tempo para recuperação. Saímos na segunda feira à noite. Para mim seria importante que ele chegasse, pois eu estava nesse ano completando 25 anos de romaria, ou seja, meu jubileu de prata. Saímos eu e o Thalles, o Pedrão, o Netinho e o Marcelo. Choveu o dia todo na segunda-feira, o que fez meu temor crescer um pouco mais... Mas na segunda-feira, à noite, iniciamos nossa peregrinação. Era também a primeira vez do Marcelo, um moço que havia me procurado para ir junto. Sabia que ele era músico de uma orquestra de Ribeirão Preto e nada mais. E foi apenas isso e mais algumas coisinhas que soubemos dele, porque depois disso ele desapareceu... nunca mais deu notícias... ficou a saudade... Bem, saímos à noite e chegamos em Capivari quatro da madrugada. Para mim e o Pedrão estávamos adiantados, pois sempre saíamos na terça-feira feira de manhã... mas o andar à pg131 de 191
noite sempre me fez mal... mesmo assim fomos... Antes pedi para o Rogério Pousa se ele levaria nossas mochilas até Capivari e ele fez esse favor. Certo que foi se encontrar com a gente chegando em Mombuca e eu até pedi para ele deixar ali mesmo nossas mochilas, mas ele não deixou... foi até Capivari... isso nos adiantou um tanto, mas nos fez caminhar durante a madrugada. O Thalles foi bem. Com seus doze, quase treze anos, tinha vitalidade e energia. O Pedrão no seu passo marcado de sempre, o Netinho, na sua segunda viagem também ia bem e o Marcelo também andou bem durante essa primeira parte da viagem. Chegamos em Capivari quatro horas da madrugada e fomos dormir dentro do restaurante do Galo. Lá encontramos o Chupeta, com a Magda e o Adãozinho. Dormimos até nove horas da manhã. Acordamos, tomamos café e seguimos para Samambaia. O dia nublado durou pouco tempo e logo abriu o sol majestoso. O calor se fez imperativo. Levei pela primeira vez, a tira colo, uma filmadora para ir gravando as passagens de nossa caminhada. pg132 de 191
Paramos um pouco para descansar o Marcelo mexia e remexia em sua mochila. Estava com fome. Nossa! Quando vimos sua mochila quase caímos de costas. O que a mãe dele havia colocado de comida nela daria para abastecer um batalhão... eram pacotes de biscoitos, doces, pão com presunto... e outras coisas mais... avançamos nos chocolates... com o puro propósito de aliviar o peso da sua mochila... (risos) Em Samambaia filmei o seu Ricieri e sua família e demos muitas risadas juntos. Então ele me confirmou que era proprietário do bar havia 45 anos... Depois almoçamos ali e descansamos um pouco antes de seguirmos para Salto. Como estava muito abafada a tarde, demoramos para chegar em Salto, que só foi alcançada no anoitecer. Lá chegamos e paramos um pouco no Bar do Primeiro Gole. Entrevistei o Genésio, proprietário do mesmo e depois fomos para o Hotel Central, onde por vários anos íamos tomar banho e almoçar. Nesse ano lá apenas tomamos banho. Eu estava com a bunda toda pg133 de 191
assada e emprestei Hipogloss do Chupeta. Foi um alívio quase que imediato. Depois eu, o Netinho, o Marcelo e o Thalles fomos jantar e nos perdemos do Pedrão. Jantamos e fomos dormir na praça da Concha Acústica. A noite esfriou bastante. Ainda bem que o paredão da concha nos protegia. Foi emotivo para mim o momento que acordei durante a noite e senti que o Thalles me cobria as costas. Conversamos um pouco e voltamos a dormir. Acordamos eram sete e meia da manhã. O dia estava brilhante de uma forma que até hoje não me esqueço. Parecia que a gente podia pegar flocos de neblina com as mãos. Eram minúsculas partículas que brilhavam ao sol. O Marcelo estava um trapo de cansado. Fomos para o restaurante do Laércio, tomamos café e seguimos para o Atalho. Quase que chegando eu torci o pe direito de uma forma esquisita, do lado de fora... eu estava pisando no asfalto, nada me atrapalhava. Na hora eu senti a dor. Começamos a atravessar o Atalho e o pé direito me incomodava muito. Passei a andar mancando. Não reclamava, pois não adiantava. Era o mais experiente e sabia que não podia pg134 de 191
demonstrar fraqueza. Chegamos ao final dele e eu sofria dores horríveis. Queria chegar logo em Cabreúva para tomar um banho e dormir a noite toda, quem sabe assim no dia seguinte estaria melhor. Doce ilusão... chegamos em Cabreúva à noitinha. Tomamos banho, jantamos, e depois ficamos na praça conversando. O Thalles estava exultante. Estava já em Cabreúva e se divertia muito. Sei que perto da meia-noite fomos dormir. Meu pé doía muito forte. Devo também contar que só em Cabreúva fomos novamente nos encontrar com o Pedrão. Dormi incomodado com o pé. Tomei um relaxante muscular, Tandrilax, mas pouco adiantou. Na quinta-feira de manhã acordamos. Dona Maria, que nos cedia a área de sua casa para dormirmos, nos trouxe café quentinho. Depois seguimos para terminar nossa viagem... o Marcelo sofria muito. Capengava mesmo. Eu também sofria, mas não reclamava. O Thalles e o Netinho flutuavam com seus passos leves. O Pedrão e eu conversávamos... Na bica paramos para descansar. Não demorou muito e o Cícero, com sua família chegava estourando pg135 de 191
rojões e nos servindo um delicioso almoço. Pelos meus vinte e cinco anos ininterruptos de viagem mandei vir um barril de chopp que foi aberto na estrada para todos os que passassem por ali no momento. A Célia, para variar, levou um bolo delicioso para me oferecer. Ficamos ali um pouco e a família do Marcelo também chegou. Ele querendo mostrar que estava forte, não reclamou nada para a mãe, mas depois que ela chegou suas forças parecendo que, adormecidas, revigoraram seu corpo e ele passou a andar confiante. Eu mesmo com minha Mãe presente, sendo rotina já a sua ida para me encontrar, continuei com o pé direito doendo muito. Mas não reclamava, apenas mancava sensivelmente. Seguimos para nosso final de viagem e subimos o Tira-Saia. Mais um pouco e chegamos a Pirapora. Pela primeira vez em todos os meus anos de viagem, fui obrigado a entrar na cidade pela ponte nova, que na verdade, tem mais de vinte anos, pois a velha ponte de madeira estava sendo substituída. Nos meus vinte e cinco anos queria tanto entrar pela pg136 de 191
tradicional, mas não me foi possível. Mesmo assim já em Pirapora a primeira coisa que fizemos foi entrar na Igreja e agradecer por mais uma viagem. Em frente a velho bar o barril de chopp foi colocado e bebido até que se esvaziasse todo. Cantamos os parabéns pelo meu jubileu de prata e ficamos conversando animadamente. Depois como a tarde caía lentamente, decidimos vir embora... entramos no carro e o Thalles veio durante a primeira parte da viagem contando as maravilhas de sua primeira peregrinação, mas logo depois de Cabreúva foi vencido pelo sono só vindo acordar em Piracicaba... Dirigindo o pé não doía tanto, mas foi chegar e colocá-lo no chão para sentir a dor ainda mais aguda... mas a viagem já havia terminado... 1993
Em 1993 não teve mesmo jeito, além do Thalles a Thaís também pôs a mochila nas costas e se fez peregrina... Saímos à noitinha mesmo da segunda-feira. Havia mais gente pg137 de 191
nova no pedaço... O Leandro, o Paulo Henrique, o Paulo Ricardo, o Ricardo, todos amigos de escola da Thaís, que os convenceu a ir juntos... além deles, eu, o Thalles, o Netinho, o Pedrão... como sempre ao meu lado. O Thalles ia contando para Thaís e os outros novatos as delícias da viagem, mas não contava o cansaço... A viagem correu normal até Samambaia. Depois ali almoçamos e seguimos para Salto. Quase chegando em Salto, num morro da estrada estávamos eu e a Thaís, uns passos atrás o Thalles e o Netinho... nisso no alto do morro uma galinha com cerca de uns dez a doze pintinhos passeavam e ciscavam... Então a Thaís me pergunta por que os pintinhos sempre acompanham a galinha... Eu sorridente expliquei-lhe que eles a seguiam por ela ser a mãe deles, oras. Nesse momento a galinha decidiu descer o morro, de uns três metros de altura. Desceu calmamente, sem se preocupar com os pintinhos de uns dias apenas... mas esses, vendo sua mãe morro abaixo, tentavam descer e escorregavam morro abaixo parecendo bolinhas de penas... pg138 de 191
eles um a um desciam o barranco rolando como bolinhas e em seguida passavam a acompanhar a mãe. Eu e a Thaís caímos na risada. O Netinho e o Thalles vendo o final da cena, riam também. A Thaís estava tão cansada, mas tão cansada que soltou essa frase linda: Pai, nunca mais vou ficar triste na vida. Cada vez que eu ficar triste vou lembrar dos pintinhos para sorrir. Isso acontece até hoje. E ela, embora não tenha mais podido caminhar com a gente, cada vez que passo no local, procuro ver se encontro uma galinha com pintinhos, e rio, rio, rio e rio muito, e me lembro da minha filhota... Depois desta cena continuamos a andar, e o trecho é bem difícil. Uma longa subida antes de ser chegar em Salto. No alto do morro a Thaís se pendura em mim e diz que não está agüentando mais... eu lhe pergunto se então ela não vai mais querer andar e ela mais que de imediato: Claro que vou, né, pai, e o ano que vem vou estar aqui novamente... Rimos e chegamos em Salto... pg139 de 191
Já em Salto fomos tomar banho no Hotel Central e depois nos dirigimos até o bar do Laércio para jantar e depois dormir... dormir... dormir... Quarta-feira amanheceu brilhante e com muito calor. Saímos cedo de Salto e seguimos para o Atalho. Os novatos estavam radiantes pelas histórias contadas pelo Thalles e pelo Netinho. Chegamos ao Atalho ainda cedo, antes das dez horas da manhã. Começamos a atravessá-lo. Em frente ao casarão paramos um pouco para descansar e o Thalles falou que ia ao pomar pegar laranjas. Nisso ouvimos uma voz dizendo que era proibido entrar no pomar. Era o Getúlio, zelador da fazenda há muitos anos e meu velho amigo. Quando o ouvi dizendo aquilo, virei e falei para ele: nem meu filho, Getúlio, pode ir pegar laranjas? Ele me vendo disse: Claro que pode, filho do Esio é meu amigo... podem entrar no pomar e peguem quantas laranjas quiserem... Caímos na risada e nas escadas do casarão ficamos conversando um pouco enquanto as
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crianças chupavam laranjas... depois nos despedimos e entramos Atalho adentro... A alegria de estar ali naquele trecho da viagem com meus dois filhotes, era impagável. Chegamos em Cabreúva logo após, tempo de tomarmos um banho e depois almoçarmos um marmitex. Foi muito engraçado: a Thaís foi comprar marmitex com o Juliano e ela disse a ele que não estava com muita fome, e ele disse a mesma coisa. Então decidiram comprar um marmitex e dividir em dois. Mas assim que sentiram o cheiro da comida, a fome abateu nos dois e então a Thaís falou: aí, estou mesmo com fome, acho que vou pedir um marmitex só para mim. Ao que o Juliano falou: isso mesmo, também deu fome em mim. Vamos pedir dois marmitex e dividimos metade para cada um... (risos) Depois do almoço ficamos a tarde toda na praça descansando. A noite chegou e com ela muitos amigos romeiros e charreteiros que vinham conversar com a gente. D. Maria na área de sua casa ficava conversando com a gente, também sua filha Dalva, a neta Tânia e
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demais parentes. Amigos, formávamos ali uma amizade intensa. Depois a noite chegou ainda mais e fomos dormir... como sempre dormimos no abrigo da casa da d. Maria... Acordamos quinta-feira feira cedo, antes das oito, mas não tínhamos tanta pressa em seguir viagem. Estávamos adiantados. Porém, antes das nove, estávamos já na estrada. Ao chegarmos no Bananal havia uma turma de cavaleiros de Porangaba, todos velhos conhecidos de estrada. A Thaís e o Thalles quiseram dar uma cavalgada, no que foi atendida pelos nossos amigos. O Adãozinho querendo mostrar que também sabia montar, todo fazendo pose, à direita do cavalo, colocou no estribo o pé direito e pimba! Subiu no cavalo, porém, ficou montado de costas... o acesso de riso na turma toda foi geral... ele ainda querendo mostrar que sabia montar, ficou a querer dar explicações para o inexplicável... Depois continuamos viagem e chegamos a Pirapora antes das três horas da tarde.
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Foi ficarmos lá uma hora mais ou menos e montamos no carro para nossa viagem de retorno, todos ansiosos para que 1994 chegasse logo, logo... 1994 Em casa com os filhotes não poderia haver maior castigo do que falar que se não passassem de ano, não iriam a Pirapora ano seguinte. Foi o que aconteceu com o Thalles. Em 1993 ele simplesmente deixou de ir à Escola. Me falou que ia tomar bomba. Eu disse que ele mesmo tomando bomba deveria continuar a ir à Escola, pois impossível alguém em agosto ainda dizer que havia tomado bomba. Ele teimou, teimou e quando eu soube ele não estava mesmo indo para a Escola. O castigo foi esse: não vai à Escola, não vai a Pirapora. Ele duvidou que fosse cumprir minha promessa. Como meus filhos moravam com a mãe ele duvidou. Mas 1994 chegou e fiquei no firme propósito de dar-lhe esse castigo. Hoje me arrependo. Fiz tantas burradas na minha pg143 de 191
vida de jovem, e tantas foram as vezes que passei por esse tipo de coisa, com meus pais dizendo que eu não iria ano que vem para Pirapora, que hoje, ao completar minha 40a romaria, se meus pais tivessem mesmo cumprido, com certeza eu ainda estaria uns cinco anos atrasado... Mas em 1994 o Thalles não foi. Ficou chorando, triste, eu mais triste ainda. Todos saindo, mochila nas costas e ele ficou para trás... mas acho que isso até que fez bem para ele, pois se tornou desde então um menino responsável e se hoje o serviço por vezes o impede de ir, ele jamais falta ao serviço, que lhe é mais importante. Embora 1994 tenha sido uma viagem muito boa, não irei contar detalhes, pois para mim ela se tornou triste... Esperava mesmo que a viagem acabasse logo e que 1995 chegasse rápido, para novamente ter comigo os meus filhotes presentes... Mas mesmo assim quero recordar um fato: no carnaval deste ano eu passei a ter cólicas renais. A dor é imensa e intensa. Quem já
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passou por cólicas renais sabe o que estou falando. Mas as cólicas renais iam e vinham... iam e vinham... Todos os anos durante a Quaresma eu treinava um pouco algumas caminhadas, mas com as cólicas isso foi impossível para mim. Os dias foram se passando e no domingo de Ramos eu estava ainda no hospital tomando soro para as dores terríveis. Pensei comigo: não vou a Pirapora esse ano. Vai ser impossível. Mas hora do almoço eu estava em casa e como por encanto as dores deixaram de me incomodar. E disse para mim mesmo: parece que estou melhorando. Se continuar assim amanhã coloco a mochila nos ombros... E como por encanto as dores sumiram e pude, na segunda-feira, fazer essa caminhada... 1995 Bem, o Thalles começou a ir comigo em Pirapora com quase treze anos. A Thaís foi a primeira vez em 1993, com dezesseis anos. Em 1995 o Esio tinha apenas nove anos... Uma pg145 de 191
loucura levar uma criança a percorrer os 120 quilômetros de peregrinação. Mas o Esio quis ir e eu também queria que ele fosse. Por sua causa decidimos sair mais cedo. Saímos na segunda-feira logo após o almoço, assim não iríamos andar tanto à noite, para chegar em Capivari. Conversei muito com ele antes. Disse que era longe, que ele iria ficar cansado, mas personalidade forte, falou que não daria trabalho. Duas horas e pusemos os pés na estrada. Aquele menininho andando era até bonito de se ver... um pinguinho de gente caminhando como gente grande. Também falei a ele que quando se sentisse um pouco, mas um pouco cansado só, era só ele falar e descansaríamos. Ele falou que era legal estar ali. Chegamos em Rio das Pedras e ele estava bem. Eu mais do que feliz! Pela primeira vez estava indo para Pirapora com meus três filhos. Coisa que somente esse ano pôde ocorrer. O Esio com seus nove anos era a atração da estrada. De chinelos havaianas nos pg146 de 191
pés, shorts e camiseta e boné na cabeça... Por onde passávamos chamava a atenção. Chegamos em Rio das Pedras ainda era dia e ele estava bem. Para chegar até Mombuca sofreu um pouco. A tarde trazia a noite e o calor que fez foi muito intenso. Diminuímos os passos para acompanhar o Esio, mas chegamos em Mombuca sem maiores transtornos. Ali pouco ficamos. O Esio queria comprar estilingue, bolinhas de gude e peão, mas não sei para quê... Claro que não comprei. Ele então comeu vários doces... Em Capivari chegamos antes das nove da noite, portanto conseguimos um local para tomarmos banho, no chuveiro do restaurante Galo, onde também comemos alguma coisa e dormimos até seis da manhã. Na terça-feira feira logo de manhã o sol era escaldante... seguíamos para Samambaia. Por descuido dos mais velhos, a água terminou e o Esio começou a reclamar que estava com sede. Eu descasquei cana, ele chupou, mas queria mesmo água. Continuou reclamando de sede. Perto de Samambaia, na mesma casa onde em 1980 uma garota me serviu água pg147 de 191
tirada do poço fresquinha, ele conseguiu matar sua sede. Logo depois chegamos em Samambaia. Como havíamos encomendado marmitex em Capivari, seguimos em frente e quatro quilômetros depois tem uma bela sombra de eucaliptos. Ali almoçamos gostosamente e descansamos... Pela primeira vez além do Esio, havia algumas amigas da Thaís e outros colegas do Thalles. Estávamos em trinta pessoas. O papo não acabava nunca. Assim as brincadeiras e as mentiras que pregávamos nos mais novos e inexperientes peregrinos... O pior trecho estava ainda por vir, até Salto, mais quatorze quilômetros. Saímos meio dia. Sol estourava os miolos. Como havia falado para o Esio que se ele estivesse ficando cansado que me avisasse, ele logo começou: Pai, estou ficando cansado. Eu olhava a primeira sombra logo à frente e dizia que iríamos parar nela. Então ele saía correndo para chegar à sombra antes. Quando lá chegávamos ia procurá-lo ele estava trepado na árvore! Filho, você não tá cansado? pg148 de 191
Agora já passou. Então vamos andar... Ah, pai, aqui tá gostoso... Ríamos todos. Era ver um riacho que o Esio queria tomar banho. Sei que ele entrou em todos os córregos e riachos, rios e cascatas que encontramos durante a caminhada. Ficava para trás nadando depois vinha correndo ao meu encontro: puxa pai, como você anda! Eu ria, todos ríamos... ele era muito engraçado! Num tal momento eu o vi sem camisa. Filho, onde está sua camisa? Ele me disse que havia colocado dentro do carro que estava ali nos acompanhando. Eu falei para ele que ia fazer muito calor e que era para se proteger, mas não teve mesmo jeito. Mas avisado ele estava e quando o sol ardeu mesmo, veio reclamar que estava com as costas queimando. Eu olhei para o Thalles que estava com a camiseta pendurada na bermuda. Thalles, você vai usar a camiseta? Não, Pai.
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Então empreste para seu irmão que ele está reclamando do sol. O Thalles pegou a camiseta e deu para o irmão. Mas esse me saiu com essa: Eu não vou colocar camiseta do Palmeiras. De porco. Prefiro tomar sol a colocar camiseta de porco. Não me sobrou outra alternativa. Coloquei a camiseta do Thalles, que ficou curtíssima em mim e dei a minha para o Esio vestir, que por ser ele tão pequeno, quase lhe chegava aos pés... Chegamos em Salto perto das quatro horas da tarde. Fomos tomar banho no hotel... O Esio vestido daquele jeito parecia uma palhacinho. Todos riam... ele não estava nem aí... corria na estrada e entrava nos riachos para tomar banho... subia em árvores e ficava atirando pedras. Aliás, falando em pedras, o Esio tem um talento especial para atirar pedras. Enquanto a de todos nós quando atirada atingia uma medida razoável de distância, a dele, quando atirada ultrapassava em mais que o dobro das distâncias das nossas. No rio Tietê ele ficava brincado de fazer as pedras atravessarem o rio pg150 de 191
enquanto as nossas caíam no meio dele... era pura diversão... Em Salto a canseira bateu fundo nele. Era até engraçado aquela coisinha miúda de gente tentando subir as calçadas e não conseguir pelo cansaço... a gente ficava olhando e ria, ria, ria... Mas logo depois do banho, criança se recupera rapidamente, lá estava ele novamente brincando e fazendo gozação com todos... Fomos até o restaurante do Laércio, como sempre, descansamos, jantamos e dormimos... Na quarta-feira seguimos para o Atalho, onde a Thaís, o Thalles, o Esio e as outras crianças, quando chegaram no descidão de mais de quinhentos metros de serra, ladeira abaixo, brincaram de escorregador. Mas num momento a Thaís que seguia na frente enroscou o pé num cipó e foi uma montoeira de crianças enroladas no meio do mato... a gente ria muito... O Miguel de Carvalho e sua turma, tradicional como a nossa, seguiu um bom momento junto com nossa turma. Ele carregava o Esio no colo e dizia que esse era campeão... também aquele pg151 de 191
pingo de gente dava um show de risos na turma... Dormimos em Cabreúva e na quinta-feira de manhã seguimos para Pirapora. Foi uma viagem deliciosa. Me senti plenamente realizado por estar ali com meus três filhos... Já em Pirapora a gente ficou conversando com a turma que chegava e logo, logo, fizemos de carro nossa viagem de volta, ansiando que logo chegasse 1996... Depois dessa viagem, onde a Thaís, o Thalles e o Esio se fizeram presentes, fui explicando para eles que estávamos passando num pedaço sagrado de terra. E contei-lhes a história de nosso Brasil, mais precisamente dos Bandeirantes, que há mais de três séculos passavam pelos mesmos lugares onde havíamos passado. Lhes contei sobre o Tietê, que era o caminho para que os desbravadores da época desvendassem o sertão do Brasil, enfim contei mesmo um pouco da História do Brasil que muito me apaixona. No Poema Os Romeiros eu iria escrever alguns anos mais tarde essa história mas para gravar este momento, compus este soneto que se segue: pg152 de 191
Em Romaria
Estes caminhos rudes, sertanejos, Guardam histórias do Brasil-criança, Época de homens cheios de esperança E com os olhos cheios de desejos. Os olhos Bandeirantes de lampejos Buscavam do Brasil nativo, a herança; O ouro era o faro e a bem-aventurança Aos homens que seguiam em cortejos... E hoje, Filhos, nós, juntos, nesta estrada, Parecemos sentir ainda o cheiro Das sagas das Entradas e Bandeiras! E no velho Tietê, rude e cansada, Velha piroga envolta em nevoeiro, É um vestígio das matas brasileiras! 23.04.1995
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1997
Nesse ano nossa turma era bastante grande. Pela primeira vez, juntos com nossa turma, iam dois irmãos moradores do Paredão Vermelho, além de vários ex-alunos meus do Barão do Rio Branco, que já haviam ido ano anterior também. O mais importante mesmo desse ano, foi meu filho Thalles e meu ex-aluno Gustavo, que também era amigo de meu filho. Eles decidiram que além de ir, também iriam voltar a pé de Pirapora. Eu me enchi de cuidados, ambos tinham apenas 17 anos, mas como segurá-los nesse sonho se um dia também foi um meu sonho irrealizado? Puramente dei todo o apoio. Que apenas tomassem cuidados redobrados. Sei que eles encheram a mochila de macarrão instantâneo, levaram também uma panelinha, e mesmo quando parávamos, já na ida, eles mesmos faziam a comida deles. Se adequavam antecipadamente à viagem de volta, quando estariam sozinhos durante todo o percurso. pg154 de 191
O mais engraçado quando paramos para almoçar nos eucaliptais distante quatro quilômetros de Samambaia, e eles começavam a fazer o miojo deles... Me lembro que um dos irmãos Paredão Vermelho guardou uma embalagem do macarrão para levarem para o sítio, pois era um produto desconhecido por eles... Foi mesmo legal quando chegamos em Cabreúva logo à hora do almoço. O Thalles e o Gustavo almoçaram com a gente, e partiram para Pirapora. Depois fiquei sabendo que eles chegaram em Pirapora perto das seis horas da tarde, descansaram apenas uma hora e iniciaram o retorno. Eram parados por todos que ficavam sabendo que já haviam ido e estavam também de retorno a pé. Eram incentivados a ter uma boa viagem de retorno. Eu já estava dormindo em Cabreúva, perto de uma hora da manhã, quando o Thalles me acorda todo cansado: Pai, já cheguei. Estou morto de cansado! Acordei e ficamos conversando uns minutos. Logo ele caiu no sono.
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Na quinta-feira de manhã acordamos todos. Enquanto nos preparávamos para nosso fim de viagem, o Thalles e o Gustavo se despediam de nós tomando rumo oposto. Nós indo para Pirapora, ele de volta para Piracicaba. Foi muito emocionante mesmo. Chegaram em Piracicaba no sábado logo após o almoço, alegres, cansados e sonhando em outra oportunidade, fazerem a mesma coisa, que até hoje não se repetiu... Paredão Vermelho Em 1997 um ex-aluno meu que também ia com a gente em peregrinação, veio me dizer que perto do sítio de sua família havia uns rapazes que gostariam de ir também em Pirapora mas não tinham companhia e se eles poderiam ir com a nossa turma. Claro, eles podem vir, sim. No dia apareceram os dois. Eram dois moços que trabalhavam na roça. Vieram de calça de brim, camisa de mangas compridas, chapéu na cabeça e botinas..
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Achei engraçado mas quando indagado eles me disseram que trabalhavam na lida assim e estavam bem à vontade. Que seja! Cada um sabe como deve andar... O interessante é que eles falavam enrolado, quase que incompreensível mesmo. Era uma linguagem diferente, completamente diferente à nossa. Na mesma hora foram apelidados de Paredão! Todos os anos ele vêm, uma semana antes, de Paredão Vermelho até a saída da cidade, rumo a Rio das Pedras, depois na outra semana seguem com gente. São ótimos companheiros, aceitam nossas brincadeiras. O duro mesmo é tentar entender o que dizem, pois falam rápido e com um sotaque que não estamos acostumados. Célia Em 1971 o Armando Correa dos Santos também foi com a gente em Pirapora. Moço bonito, pinta de galã, atleta. Gostava de jogar futebol. Sendo que além do XV de Piracicaba
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jogou em várias outras equipes e também na Grécia. Era um bom centroavante. Esse tempo era moda ir a pé em Pirapora. Todos iam. Chegávamos a sair em mais de quarenta pessoas. Depois iam um, dois, no máximo três anos e sumiam... começavam a namorar, na Semana Santa iam para a praia com a namorada e depois se casavam e nunca, nunca mais se aventuravam a ir novamente... assim a turma não se renovou e foi diminuindo sensivelmente. Mas voltando ao Armando, filho do Cícero Correa dos Santos, que até morrer todos os anos ia se encontrar com nossa turma, levar almoço para todos os romeiros e fotografar a paisagens e também aos romeiros, para depois publicar no Jornal de Piracicaba. Nessa época a gente apostava a corrida na estrada. Era um tal de ver quem andava mais, quem chegava primeiro em Pirapora, mesmo que fosse por dois minutos... era engraçado mesmo... e a gente fazia aposta para ver quem chegava primeiro. Mas em 1972 suas irmãs Célia e Cleusa me telefonaram dizendo que queriam ir a pé até pg158 de 191
Pirapora com a gente. Foi uma loucura. Nunca havíamos levado antes mulheres com a gente. Ainda mais mulheres da Sociedade piracicabana, sendo que a Célia havia sido rainha de Festa de Peixe, a Cleusa uma das maiores passistas de samba de carnaval de todos os tempos. Eu não acreditei muito que elas fossem, mas chegado o dia elas estavam lá, todas arrumadas para nossa aventura. O Armando quando soube que as irmãs dele iriam comigo e com o Pedrão a Pirapora, ficou louco de raiva. Brigou com as duas, não queria que elas fossem. A Célia era já casada, tinha dois filhos, o Fábio (Vermelho) e o Neto. Seu marido, Sérgio Signorelli, havia tentado anos antes, fazer a peregrinação, mas sem sucesso. Mas a Célia queria porque queria, assim como a Cleusa. Chegado o dia, elas chegaram em casa perto das sete da noite. A gente iria sair oito em ponto. Depois foram chegando os outros amigos e perto de nossa hora de saída, havia, com certeza, perto de cem pessoas em frente de casa. Uns trinta que iriam peregrinar, e pg159 de 191
pais, mães, irmãos, amigos e namoradas para nos desejarem boa viagem. Oito da noite em ponto saímos. A noite estava muito linda. O Armando havia saído com outros nossos amigos umas três horas antes, assim estava uma boa dianteira nossa. Passamos por Rio das Pedras, Mombuca e Capivari. A Cleusa andava muito bem. A Célia havia ficado um pouco para trás, com o Adão e outros. Quando saímos de Capivari com destino a Samambaia, estávamos todos juntos, já. Assim que chegamos em Samambaia, perto das sete horas da manhã, o Armando assim que nos viu, saiu em disparada estrada afora... A gente ria da infantilidade dele... Um parêntesis: A Célia e a Cleusa durante toda a viagem, bastava a gente parar para qualquer coisa, no meio do mato, canavial, sombra, e elas abriam a mochila, tiravam de dentro o kit beleza... e era uma passando batom, outra passando pó
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no rosto... Aquele calor, corpos suados, e elas impecáveis andando na estrada... Assim foi durante toda a viagem. A gente chegava num lugar e ele partia. Em Salto, onde nossa parada era maior, ele desapareceu e foi dormir noutro lugar. Foi muito engraçado. Na cidade havia sido inaugurada uma churrascaria muito bonita. Ao passarmos em frente a Célia e a Cleusa quiseram ir jantar nela. Estávamos nuns trinta romeiros. Assim que entramos na churrascaria os presentes nos olharam com desconfiança... parecíamos um bando de molambos. O garçom ficou em dúvida se nos atendia ou não, mas lhe dissemos que éramos romeiros, estávamos indo para Pirapora e queríamos jantar apenas. Se ele estava achando que não tínhamos dinheiro, pagaríamos antes... Ele aquiesceu. Formamos uma enorme mesa, e a um canto, uma montanha de mochilas. Pedimos do bom e do melhor. Todos nos olhavam incrédulos e tanto assustados. E a gente ria, comia e se divertia... Perto das dez da noite pagamos nossa conta, que ficou muito alta, e fomos dormir no chão de paralelepípedos da estação ferroviária. pg161 de 191
Jantamos como reis e dormimos como mendigos... Antes das quatro da manhã acordamos para seguir para o Atalho. E a alegria era constante em todos. Quem passava por nossa turma e vinha falando alto ou dizendo coisas mais ou menos fortes, ao verem duas moças baixavam o tom faziam a maior reverência. Ouvíamos mesmo dizer: olha o respeito, aqui têm senhoras! Outros mais conheciam a Célia e a Cleusa dos carnavais da Zoom-Zoom e vinham conversar... Chegamos no Atalho ainda era madrugada, por isso ficamos na casa do seu José onde tomamos café e comemos bolo de fubá. Assim que o céu começou a pintar as cores da alvorada, fomos nós mato adentro pelo meio do Atalho, sempre lindo. Mas chegamos em Cabreúva. O Armando assim que nos viu chegar, pôs os pés na estrada. A gente ria da infantilidade dele... Assim que chegamos no Bananal, vimos o Armando descansando sob os eucaliptais. Eu disse para a Célia: olha o Armando... vamos passar direto e ele não vai nos ver. Sei que pg162 de 191
seguimos sem parada. Soubemos que o Armando perguntou depois para uns conhecidos onde o Esio, o Pedrão e suas irmãs estavam e ao saber que havíamos passado por ali sem parar, ele saiu como louco... vimos ele se aproximar da gente pisando firme no chão. Parecia não nos conhecer... passou direto. Não teceu um só comentário... Depois paramos na bica e o Cícero, o Sérgio, marido da Célia e outras pessoas chegaram para nos servir almoço. Estava delicioso. Nascia aí uma tradição que até hoje é esperada por todos os romeiros: o almoço hoje conhecido pela turma da Zoon-Zoon, que serve a todos os romeiros. Mas em 1972 ele aconteceu a primeira vez. Somente um ano ele falhou, foi em 1994, pois três meses antes, o Cícero faleceu... Depois de lauto almoço seguimos para Pirapora. Assim que subimos o Tira-Saia, o Armando fazendo uso de uma piçarra, escreveu em letras que tomavam todo o asfalto: ESIO, VOCÊ PERDEU! Somente para mostrar que havia chegado em Pirapora meia hora antes da gente... mas eu não perdi, nem ele ganhou. pg163 de 191
Apenas que todos nós chegamos ilesos nessa que foi uma deliciosa caminhada. Dias depois o Armando, arrependido do que fez, foi pedir desculpas para as irmãs e também para mim. Bem sabíamos nós que agiu por puro ciúme das irmãs belíssimas então. Em 1973 a Célia e a Cleusa voltaram a ir e desta vez o Armando fez questão de ir junto. Outras mulheres Se no ano de 1972 levamos juntos com nossa turma as primeiras mulheres, Célia, Cleusa e Adeli, que por não estar acostumada a tranco tão forte, desistiu ainda em Capivari, em 1973 a Tânia foi junto. Foi apenas um ano. Depois começou a namorar, casou-se e nunca mais... Mesmo a Cleusa foi somente dois anos. Já a Célia mais vezes se fez presente, inclusive grávida. Dezenas de mulheres foram com a gente. Oras moças, ora mulheres casadas. A Marili foi uma delas. Ela é mãe de um ex-aluno meu, o Alan Buck. O Alan foi comigo em 1996, junto com outros alunos. A Marili, cujo marido tinha feito pg164 de 191
uma promessa há muitos anos passados, e não pôde cumpri-la, em 1997 junto do filho, fez sua primeira viagem... Até hoje, é uma das primeiras a me telefonar dizendo que dia iremos sair. Foi ela praticamente que me salvou a vida naquele fatídico ano de 2000, me levando da pracinha em Cabreúva, quando o moleque tentou me agredir. Mas agora passa um filme na minha mente, enquanto vou escrevendo essas histórias, e me lembro da Fátima, namorada-noiva-esposa do Carlos Roberto. Foi vários anos junto do marido. Também me lembro das amigas da minha filha Thaís, a Alexandra e sua irmã, da Daniela, minha ex-aluna, ruivinha... toda vermelhinha... da Patrícia Coimbra, que caminhou três dias sob imenso aguaceiro no ano de 1991, e mesmo agora me lembro de tantas mulheres indo junto com nossa turma, ou com a turma do Miguel de Carvalho, do Nenê, do Ângelo, e tantas outras turmas... É uma saudade gostosa ir me lembrando de tanta coisa, tantos fatos...
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Um, porém, que não me esqueço, embora eu fosse moleque ainda, eram aquelas moças da Zona do Meretrício... todas maquiadas, bem vestidas, muitas de salto alto, andando nas estradas. Ai de quem mexesse com uma delas... Andávamos juntos respeitosamente. Falando diversos assuntos. Ali elas estavam pagando promessas... nada mais... Vermelho O Fábio, filho mais novo da Célia, até então não havia nascido o Giuliano, era, por ter cabelos ruivos, conhecido por Vermelho. Todos o chamavam assim, mesmo os familiares. Era um menino esperto. Quando sua mãe foi a primeira vez em peregrinação, seu aniversário foi comemorado em Pirapora, já que havia nascido em 12 de abril de 1970, e sempre era quaresma ou mesmo Semana Santa. Pois bem, desde que começou a ir junto do pai e do avô para se encontrar com a mãe, fazia questão se seguir a pé com a gente os últimos quilômetros restantes... íamos de mãos dadas pela estrada e aquele pingo de gente ia pg166 de 191
brincando muito e dizendo que também queria fazer a romaria a pé. A Célia foi protelando, mas quando ele completou treze anos, e 1983, ele teimou e foi junto de nossa turma. Foi muito legal. Era um menino esperto, gozador, bem humorado. Cansou muito. Era uma época que a gente saía terça-feira e chegava em Pirapora na quinta-feira. Pouco descanso e muito de andar. Anos seguintes ele era o primeiro a me telefonar dizendo quando e a que horas iríamos partir. Assim foi até 1987, quando num 12 de outubro, sofreu um acidente fatal de moto, vindo a falecer. Ele havia feito uma promessa de ir sete anos. Bem sei eu que se estivesse vivo, até hoje faria com a gente a romaria. Mas como foi apenas cinco anos, a Célia quis completar sua promessa e durante os anos de 1988 e 1989, foi com a gente novamente... Hoje, Vermelho, é uma saudade doída e sentida. Em sua homenagem escrevi esse poema:
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Vermelho Dormes...dormes talvez... mas que sono profundo É este o teu, meu Amigo? ah, por que dormes tanto? Sai desta letargia e vai vencer no mundo, Vê se rebenta o riso onde há convulso pranto! Sai do sono tranqüilo e agarra-te na vida... Não deves dormir tanto, esse sono incomoda... Não vês que a primavera está toda florida? O sono, meu Amigo, está fora de moda... Por que dormes assim neste sono de pedra? Que anestesia foi que te deu tanto sono? Vê, meu Amigo, a Vida em flores vibra e medra, Se agora é Primavera, acorda desse outono. Acorda, acorda e vem... vamos de novo, Amigo, A estrada palmilhar juntos nos mesmos passos. Se te cansares, te farei um bom abrigo, E se preciso te carregarei nos braços. Vamos na alegre romaria à Pirapora, pg168 de 191
Eu e o Pedrão te ajudaremos na subida. Vermelho! Antes que o sol tinja de rubro a aurora, A estrada irá ficar, atrás de nós, vencida! Porém, dormes agora e este teu sono é eterno. Não podes mais soltar os teus gritos no Atalho. E teu sorriso largo, amplo, sonoro, terno, Não mais irá espantar os pássaros no galho. E te vejo a dormir este sono profundo, Que força pode haver para acordá-lo Fábio? Será que pode haver força ultriz neste mundo Para o riso brotar alegre de teu lábio? Mas nada te desperta e o teu sono é de morte, Não pode mais sorrir o teu lábio gelado. Nada há que se fazer para mudar a sorte, Nada há que se fazer para mudar o Fado. Ah, meu querido amigo, a tristeza me invade, Só consigo nessa hora atroz e derradeira, Sentir de ti a mais tristonha da Saudade, Que irá me acompanhar calada, a vida inteira. 14 de Outubro de 1987 pg169 de 191
1991 Tantas vezes indo para Pirapora, que tudo parece se repetir num marasmo. Nada disso. Cada ano é totalmente diferente. Nada é igual. Quem um ano vai bem, ano seguinte sofre. Mas 1991, foi um ano diferente por causa da chuva. Chuva que continuamente desde a noite de segunda-feira, até sábado da Semana Santa. Esse ano, em especial, muito mais do que em 1976, outro ano de fortes chuvas, foi um ano angustiante para se andar. A chuva começou perto das dez da noite. Eu já estava em Rio das Pedras. Junto a nós estava meu antigo professor de Física, Abelardo Cicarelli, com 72 anos e safenado... Eu havia lhe falado antes de nossas primeiras passadas, que ele iria me pagar um zero que me deu em Física em 1971. Rimos muito disso. Andamos, pois, até Rio das Pedras e começou a chover. Estávamos então sentados num banco do posto de combustível. Como a chuva demorasse mais de meia hora, e a gente querendo ir até Mombuca pelo menos, disse ao
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professor que estava na hora de ir. Ele então me falou: Esio, invernou. O quê? Perguntei. Ele respondeu: invernou. Vai chover a semana inteira. Eu disse que isso seria impossível. E ele tornou a falar: sou agrônomo, cuido com terra faz mais de 50 anos. Invernou mesmo. Vou telefonar para meu filho vir me buscar que não quero tomar tanta chuva. Ano que vem pode me esperar que voltarei sem chuva. E não é que ele, meu velho e estimado professor de Física estava certo? De Rio das Pedras a Mombuca choveu muito. Decidimos dormir aí, pois a chuva era intensa. Quando falei para o Netinho que íamos dormir no portão do cemitério, ele, criança ainda, em sua primeira caminhada saiu correndo de medo e só foi parar já na cidade, posto que em Mombuca o cemitério fica uns oitocentos metros das primeiras casas. Sob chuva acordamos na terça-feira e ela nos seguiu até Capivari. Ali almoçamos e fomos para Samambaia. E tome chuva. Eu achei um saco de lixo daqueles grandes: furei cada lado pg171 de 191
e o meio e meti no corpo como capa improvisada, que me serviu até Pirapora. O barro na estrada era tanto, que grudava nos tênis. Para mim que sempre vou de chinelas havaianas, as mesmas grudavam no chão formando vácuo e era um passo a frente e outro atrás para tirar as chinelas que grudavam no chão. Decidi ir somente de meias nos pés, no que foi uma idéia acertada e feliz. Até Salto não tive mais problemas, só trocar as mesmas que ficavam todas rasgadas. Com muita chuva saímos de Samambaia para Salto. Eram seis horas da tarde. Tudo atrapalhava: barro, chuva, frio, roupas molhadas... Por causa de uma ponte quebrada, havia uma bifurcação. Todos nós mais experientes achamos que devíamos seguir pela direita. Erramos o caminho e andamos cerca de 10 km. a mais. Dava vontade de desistir, chorar, chamar a mãe... mas tivemos força e coragem e não desistimos mesmo… fomos chegar a Salto mais de duas horas da manhã. Fatigados, molhados, com fome. Nos dirigimos até o Hotel
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Brasil, nossa parada de muitos anos, tomamos banho, jantamos e caímos na cama. Dormimos até hora do almoço da quarta-feira, quando almoçamos e decidimos ir para o Atalho e daí para Cabreúva. Já não chovia apenas. Parecia que o céu iria desabar sobre nossas cabeças em mundos de água. Era um dilúvio mesmo. Mas seguimos firmes. No Atalho a neblina era imensa. Não se enxergava quase que palmo adiante do nariz. Muito frio. Eram quatro horas da tarde apenas. Mas seguimos confiantes. Os pés atolavam no barro até os joelhos. A caminhada se tornava difícil, a descida da serra foi feita um dando a mão para o outro para não cair e se machucar. Mas conseguimos e logo após a Gruta onde tomamos banho na bica, tomamos café e continuamos a caminhada sob imensa chuva. Chegamos em Cabreúva perto de sete na noite. Ao entrarmos na cidade o Netinho viu um abrigo muito bom para dormir. Foi indo para lá e me chamou. Eu ri e disse que ali era o velório, bem ao lado do cemitério. Como em Mombuca ele saiu correndo, correndo, totalmente assustado. Rimos muito. pg173 de 191
Chegamos ao centro. A praça estava apinhada de gente. O coreto estava abarrotado. Olhei uma casa em frente à praça e pensei: vou dormir naquela área. Bati à porta saiu uma Senhora perto dos oitenta anos. Pedi para dormir. Ela foi categórica: NÃO! Mostrei-lhe, ou tentei mostrar que éramos gente simples e honesta, que apenas queríamos um local para dormir onde não chovesse. Que estávamos andando fazia três dias sob chuva. Ela dizia não. Apelei mesmo, disse que estava com um menino, o Netinho e uma moça junto que era advogada. Era verdade, a Patrícia Coimbra estava junto com a gente. Também estava o Boy e outros amigos. Aí ela falou que a gente iria estragar as plantas dela. Eu afiancei-lhe que nada faríamos para que elas se danificassem. Ela aquiesceu. Deixou a gente entrar na área da casa. Depois vendo o menino e a Patrícia, ficou com dó e até ofereceu o banheiro. Depois ainda chamou o Netinho e lhe ofereceu um copo de leite com chocolate e um pedaço de bolo. Seu coração amoleceu. Chegou sua filha Dalva, sua neta pg174 de 191
Tânia e ficamos conversando. Ficamos amigos. Sempre lhe telefono ou a visito. Hoje enquanto estou escrevendo essas linhas, ela faz 93 anos. Ainda não lhe telefonei. Ficamos amigos mesmo. Amizade sincera. Conheço-lhe filhos e demais parentes. Com uma sua irmã e com a neta, quando chegava às quartas-feiras para pernoitar e no outro dia partir para Pirapora, na cozinha ficava jogando escopa quinze. E lhes ensinava o truque de contar os pontos antes de jogar a última cartada, conforme aprendi ainda criança com meu pai. Continuando. Fui tomar banho numa calha que saía do telhado. Não havia outro lugar. Choveu a noite toda também. Na quinta-feira mais chuva. Hora ela era meio fraca, depois caía aos cântaros. Para se chegar a Pirapora foi uma tempestade. Mas chegamos todos bem, sem maiores problemas. Até hoje 1991 é lembrado como o ano da chuva. Para os mais antigos, como eu e o Pedrão, são duas datas: 1976 e 1991, anos de muita chuva.
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2000 O ano dois mil para nós estava uma viagem muito gostosa. Pelo primeiro ano havíamos dormido no Camping Casarão, onde sempre passo as festas de final de ano. Portanto na quarta-feira já de manhã estávamos indo para Cabreúva. Lá chegando dona Maria ao invés de oferecer a área de sua casa para dormirmos, nos ofereceu uma casa de sua filha Dirce, desocupada, para pernoitarmos. Nossa turma agradeceu muito. Tinha até chuveiro. Quando a turma do Miguel de Carvalho chegou, oferecemos o chuveiro para eles também. São nossos velhos amigos tanto de estrada como aqui da cidade. À noitinha estávamos na praça conversando. Me lembro bem. Num banco estávamos os Paredão Vermelho, o Luis, meus filhos Thalles e Esio e a Marili. Sentia o clima diferente. Alguma coisa estava por acontecer. Via alguns drogados, sentia cheiro de tragédia no ar. Fui até a Delegacia e pedi para um policial ir fazer uma ronda na praça, pois o clima não estava pg176 de 191
bom. Voltei para o mesmo banco e continuamos a conversar. Decidimos ir à Igreja, para rezar. Foi quando um garoto de uns 17 anos, veio por trás de mim e tentou me dar uma rasteira. Olhei e pensei que ele tivesse tropeçado. Estava visivelmente drogado. Eu ainda tentei ajudá-lo, pois pensei que de fato houvesse apenas tropeçado. Quando tentei segurá-lo se desvencilhou de mim e passou a me xingar, tentou me empurrar, veio para cima e tentava me agredir. Os que estavam perto percebendo meu apuro me levaram para dentro da casa onde íamos dormir e ele ainda me xingando muito, dizendo que ia me matar. Preocupado com o fato chamei o Pedrão, sempre o Pedrão, meu velho amigo, e narrei-lhe o fato. Ele calmo quis saber quem era o menino. Mostrei-o já que ele estava a menos de cinqüenta metros de mim. Então o Pedrão junto com outros meus amigos o chamaram e ele veio conversar. Parecia calmo. Cheguei perto e indaguei-o do porque tentar me agredir. Ele disse que não havia feito nada, que não me conhecia, e que apenas pg177 de 191
mandaram-no ir matar um tal de Esio, e que eu nada tinha a ver com o caso. Então lhe disse, amistosamente, que eu era o Esio. Nessa hora ele abriu a mão, me mostrou um pelote de cola que cheirava e voltou a me xingar. Tentou vir para cima de mim, mas meus companheiros o impediram. Voltei para nossa casa e fiquei por lá. Não gosto de confusão e muito menos de briga. Eu bem sabia quem estava por trás disso tudo, um velho desafeto de mais de quinze anos... um delinqüente que podendo, faria tudo para incitar outras pessoas contra mim. ele mesmo apenas incitava, depois fugia, como a mostrar que nada tinha a ver com a coisa. Fiquei dentro da casa sozinho praticamente. Os outros nada tinham a ver com o caso, portanto permaneciam na pracinha da cidade. De repente ouvi um barulho e fui olhar pela janela o que estava acontecendo. Vejo meus filhos e, mais companheiros vindo a passos largos para onde estava. Meus filhos me dizem que aquele rapaz que tentara me agredir, queria porque queria confusão e mexendo com um rapaz da cidade que passava pela praça pg178 de 191
com a namorada, tentou puxar briga, mas o rapaz lhe deu uma rasteira e ele, mesmo caído, pediu para um outro que o acompanhava seu revólver e a queima roupa atirou no rapaz, que deu alguns passos e caiu morto. Foi uma revolução na praça da pequena cidade. Os moradores saíram no encalço do jovem assassino, capturaram-no e teriam mesmo matado-o se não fosse a ação policial. A praça minutos antes apinhada de gente esvaziou-se rapidamente. Quem ali descansava tomou rumo da estrada assustados e medrosos, a policia então veio fazer seu papel, mas já era tarde... um inocente havia sido morto e por pouco, muito pouco, não havia sido eu. Esse fato mudou radicalmente o ânimo dos romeiros tradicionais. Eu mesmo nunca mais dormi em Cabreúva, fazendo dessa aconchegante cidade, apenas um ponto de passagem. Hoje nossa turma passa duas noites no Camping Casarão, onde é muito bem tratada. Quando chegamos em Cabreúva vemos grupos de policiais já na entrada da cidade sendo que pg179 de 191
muitos passam por revistas. Já não é mais permitido descansar na praça e o tempo que lá permaneço me serve apenas para fazer uma visita de amizade para d. Maria, que sempre demonstra enorme afeto e dedicação por mim e pelos meus amigos. Depois ainda em Pirapora, nesse mesmo ano, ouço aquele velho desafeto me dizer que da próxima vez eu não escaparia... mas não creio não, na sua maldade idiota e nos seus maléficos prognósticos. Esse homem sem juízo é aquele mesmo garoto que me torrou a paciência em 1986... Se tanto acredito no meu Bom Jesus de Pirapora, as maldições idiotas de um estúpido não me causarão mal algum... Alguns perigos Indo para Pirapora, sempre existe algum risco ou perigo. Eu particularmente não gosto de andar à noite, só quando preciso. Durante o dia vejo tudo ao meu redor. Já à noite, quase impossível avistar uma aranha, uma cobra, que às dezenas cruzam as estradas. Nossa turma pg180 de 191
mesmo já matou dezenas de aranhas e cobras de variadas espécies pelos caminhos. Mas sempre durante o dia. Já à noite... Foi assim no ano de 1977 com meu amigo Caprânico. Ele parou com o Deco Peregrinotti para descansar num barranco e foi picado por uma aranha armadeira. Venenosíssima. Não morreu pela ação rápida do amigo, que arrumou condução, levou-o até o Instituto Butantã, e como havia conseguido capturar a aranha também, foi mais fácil ele receber o soro adequado e ser salvo. Meu filho Esio, na sua segunda viagem, tentou entrar num riacho para se banhar... não percebeu que havia uma casa de marimbondos. Quando notou elas voaram para cima dele. Rápido ele pulou para dentro do riacho e assim escapou quase que ileso. Tomou apenas algumas picadas. Depois ainda ficou dizendo que engoliu alguns girinos... No final o susto foi até pequeno e valeu muitas risadas... Em 1981, quando levava minha segunda cruz, no alto do Atalho um enxame de abelhas nos atacou. pg181 de 191
Levamos várias picadas também mas nada que preocupasse... 1989 Este ano foi muito engraçado. Um dia antes de sairmos fui à casa da Célia, que após a morte de seu filho Vermelho iria novamente, assim como já havia ido em 1988. Era uma turma boa. Em sua casa ela me disse que por andar um pouco mais lento do que eu e o Pedrão, iria sair de manhã, assim ficaria esperando por nós em Capivari. Então disse que não iria sair na terça-feira à tarde, mais sairia também de manhã. Pois no outro dia cedo estávamos uma turma de 28 para a peregrinação. O Cícero logo cedo nos fotografou na saída para colocar no Jornal nosso início de caminhada. O sol estava forte, muito forte, como sempre, aliás. Quem seguia junto pela primeira vez era o Milton Mastrodi, advogado. Andamos forte até Mombuca. Quando tentamos sair para chegar em Capivari não foi possível. Estava mesmo muito, muito calor pg182 de 191
mesmo. Paramos para esperar o sol baixar um pouco no mesmo ponto de ônibus onde em 1981 eu levando cruz queria dormir. O Zanca ficava imitando o Cícero em sua forma engraçada de dizer as coisas, a turma toda ria. Bem depois que o sol baixou um pouco pudemos continuar. Chegamos sem problemas em Capivari. Tomamos banho e descansamos umas duas horas. Depois sete da noite partimos para Samambaia. Andamos firmes. Foi a gente chegar lá e D. Cida, mãe do Rogério Pousa, acompanhada do Rodolpho chegou levando enorme caldeirão de sopa de frango para todos. Estava uma delícia. Depois ainda chega o Gabi com mais comida. Ficamos fartos. Dormimos legal no abrigo da casa do Tico, filho do seo Ricieri. Quatro da manhã partimos para Samambaia. Quando chegamos num riacho que sempre tomávamos banho, a ponte havia caído e havia enorme grupo de charretes tentando atravessar. Estava difícil e nós ajudamos. Com água pela cintura atravessamos para o outro lado do riacho, mais de vinte charretes. Ainda bem que os animais passaram sozinhos e sem pg183 de 191
problemas. Legal era que todas as charretes traziam aparelho de som. Seis horas da manhã e a estrada estava com um som ensurdecedor de música sertaneja. Depois seguimos. Me lembro que começou a clarear e eu parei na igrejinha do Pinheirinho e cobri o rosto. Dormi creio que quinze minutos e acordei restabelecido. Chegamos em Salto perto das nove da manhã. O Milton Mastrodi estava um caco. Tinha um pé dentro da bolha de água! De tão grande que era a bolha... ela pegava quase que toda a sola de seu pé. Dava dó dele em ver. Sei que tomamos banho, almoçamos e tentamos ir para a Boca do Atalho. Aconteceu a mesma coisa do ocorrido no dia anterior. O sol estava ainda mais forte. Precisamos parar sob a sombra dos eucaliptos. Passou um sorveteiro chato, que ficava tocando gaita. Tomamos todos os seus sorvetes, e ele tocava a gaita e gritava que vendia sorvetes. O Milton quis furar a bolha e passar Merthiolatte. Perguntou se ia arder e eu lhe disse que ia, sim. E ele novamente perguntou se eu assopraria e eu disse que sim. pg184 de 191
Pois ele furou aquela bolha imensa... era água e sangue. Depois ele pegou o vidro de Merthiolatte e derramou sobre a ferida. Eu comecei a assoprar, mas ele dizia que ardia muito. Cansado como estava ele puxou o pé perto da boca e começou a assoprar. Deu dó, mas ríamos todos dele... Depois á tardezinha chegamos no Atalho. Íamos passar a noite na varanda do casarão existente. O que tinha de aranhas em suas teias dava para encher um balde... mas cansados como estávamos, nem ligamos... Perto de três horas da manhã ouço rojões e muitos gritos. Ouvi alguém chamando meu nome. Acordei direito e ouvi atento. Era o Neto filho da Célia e o Gabi que resolveram fazer uma surpresa: levaram enorme caldeirão de sopa para a gente comer. Acordamos e saboreamos aquela delícia. Ficamos conversando até perto de cinco da manhã e resolvemos atravessar o Atalho. Estava linda a manhã que nascia. Os novatos, que eram mais de dez, adoravam a paisagem. Chegamos em Cabreúva, descansamos umas duas horas e partimos... pg185 de 191
O Milton capengava na estrada. Ele veio me perguntar se estava longe e eu lhe disse que era só virar a curva, depois do semáforo e chegava. Ele tão cansado nem percebeu o que lhe disse... semáforo na estrada... mas eu precisava mentir assim ele iria andando... Depois que ele percebeu minha mentira nem ficou bravo, de tão cansado que ele tava. Mas chegou em Pirapora. A turma toda chegou muito legal. O Milton somente voltou novamente em 1994, quando levou sua filha Cláudia, e sempre vive me dizendo que ano que vem vai... mas não vai... Também daquela enorme turma de 28 pessoas, claro, somente eu e o Pedrão continuamos firmes em nossas caminhadas... Amigos Depois de quarenta anos indo para Pirapora, impossível seria lembrar de todas as amizades que fiz por esses caminhos e quantos amigos que fiz cometerem a deliciosa loucura. Mas como me esquecer do Miguel de Carvalho, do Nenê, do Ângelo, do Edson, do pg186 de 191
Ninhão, do Carlos Roberto, do Ivan, do Buzunga, dos meus ex-alunos, cujos pais permitiam que fossem comigo, do Nizar, do Gibe Coimbra, do Laércio Moretti, seus irmãos e seu filho, do Nicolinha, do Kiko Della Valle, do Rodolfo Salvaia, do Lambari... tantos, tantos, tantos me vem á lembrança neste momento. Em algum momento da estrada caminhamos juntos, falamos diversos assuntos, sonhamos, sentimos dores, lamentamos ausências, vimos o auge das caminhadas e agora quase que sozinho, junto com o Pedrão, e outros poucos, continuamos nessa faina de caminhar, caminhar, caminhar. Parodiando antigo ditado português, caminhar é preciso, viver não é preciso... Pedrão Pedro Brancalion. Pedrão. Conheço o Pedrão desde minha infância. Ele tem treze anos mais do que eu. Quando com meus 15 anos em minha primeira romaria, ele possuía 28 anos.
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Rosto calmo, sereno, voz pausada. Olhar límpido e azul. Hoje cabelos brancos. Amigo. Muito amigo. Palmeirense como eu. Meu muito e estimado amigo. Amigo de todos. Tanto já me ajudou nas caminhadas. Quando de minha primeira caminhada, levou nos ombros, para que eu não me cansasse muito, minha mochila. Aliás, já levou nos ombros mochilas de quase todos. Se alguém está meio mal das pernas, ele fica ajudando. Se alguém precisa de alguma coisa, ele tem sempre o que se precisa. É Pedrão um amigo do peito. Eu o conheço desde quando ele jogava na lateral direita do juvenil do Oratório Dom Bosco. Tem mais de 45 anos essa amizade. Meu respeito por ele é mais simples e ao mesmo tempo é atemporal. Juntos em nossas caminhadas, estamos faz 40 anos. Sentimos hoje que já não somos mais crianças. Estamos chegando ao final de nossas caminhadas. Vai ficar uma saudade infinita quando não tivermos mais pernas para tal. Mas enquanto esse momento não chega vamos sonhar cada vez mais com o próximo ano. Eu tenho 40
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caminhadas nas costas. Pedrão está com 48. Daqui dois anos ele faz seu jubileu de ouro. Eu estou completando o de rubi. Não conheço ninguém com tantos anos dedicados a tal romaria. É algo que duvido que alguém supere. Quando em 1984, na sua vigésima quinta caminhada, bem me lembro da festa que fizemos para você. Foi pouco, muito pouco. Você por certo, mereceria mais. Mas sei que 2009, quando você completar seu Jubileu de Ouro, faremos uma festa bem à altura de sua amizade. Obrigado, Pedrão, por um dia, no distante ano de 1968, ter ido à minha casa dizer aos meus pais que olharia por mim na estrada, obrigado por tanto carinho e por tanta dedicação nesses anos todos. Sorte que tive em lhe dizer naquele dia que iria a Pirapora e não sabia com quem. Obrigado por me levar e depois aos meus Filhos, nessa caminhada alucinante que é ir a Pirapora a pé todos os anos. Um dia um de nós será saudade. Quando isso acontecer um olhará pelo que ficar nos caminhos da jornada. E quando um dia pg189 de 191
novamente reunidos, faremos romarias no céu, para lembrar das romarias da terra... Para terminar: muito obrigado, Pedrão, por sua amizade e por tanto permitir que eu caminhasse, e também aos meus filhos, esses anos todos ao seu lado. Que Deus te proteja sempre!
2009 chegou. Após quatro anos volto a escrever para este livro. E o motivo deste retorno são os 50 anos de romaria de Pedrão. Seu jubileu de ouro. Saímos de Piracicaba dia cinco de abril, domingo, logo de manhã. Nosso propósito era mesmo chegar a Pirapora somente nove, na quinta-feira. Há vários anos já temos saído com essa folga de tempo. Não que estejamos fracos e fiquemos cansados demais. Nada disso. É pura diversão mesmo que temos vivido a cada ano em nossas viagens. pg190 de 191
Pedr達o e eu, mais Buzunga, Marili, os dois irm達os do Pared達o Vermelho, Gilberto e mais gente. Fim
Comecei a escrever este livro no dia vinte e nove de mar巽o e terminei no dia quatro de abril de 2005 Esio Antonio Pezzato
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