PORTAL DOS SONHOS

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Portal dos Sonhos VERSOS DE ESIO ANTONIO PEZZATO 2000


Dedicatória

Quero que minha Poesia Qual sonora melodia Vá das cidades aos campos, E à minh’alma seja eterna Tal qual a azúlea lanterna Dos graciosos pirilampos. Como um canário canoro Seu canto seja sonoro Com seus versos rendilhados. E como sempre acontece Ela penetre qual prece Nos peitos apaixonados. Minha Poesia – quem dera! Florir igual primavera Com flores de mil matizes. E perfume o vale e a serra, Todos os cantos da terra Deixando os homens felizes.


Como criança radiosa Tenha as faces cor-de-rosa Na paixão que tudo invade. E possa ao ser declamada, Deixar em sua jornada Mundos de felicidade! Que seu canto seja vário Como antigo campanário Que à minh’alma de menino Sempre traz – doce balada! – Uma ternura dobrada Ao som de etérico sino. Que tenha os timbres da orquestra, Que no coreto faz festa Em canções de muito gosto. E que anuncie, sorrindo, A primavera florindo Ainda em meados de agosto. Que traga em cantos marcados, Solfejos dos avinhados Já em época de cria. E soletre em seus carinhos


O níveo chilrear dos ninhos Nos pomares de alegria. Porque a Poesia floresce Numa sinfônica prece Das vozes todas do mundo; Tem amor – de amor é feita!, E perfuma na colheita Com carinho e amor profundo. Por isso os versos rendilho Em meus olhos trago o brilho E o alvorecer da esperança, E sendo meus versos lidos, Abro em luzes os sentidos E sei-me alegre criança. Na alegria destes sonhos Viajo a vales risonhos E me acabo num sorriso, Minha Poesia – presumo, Segue pintalgando o rumo Que conduz ao Paraíso.


Deste Sonho n達o me livro; Eis portanto um novo Livro Com meus versos publicados: E espero que eles reunidos Possam deixar coloridos Os sonhos apaixonados. 15.08.1998


Pórtico

Jamais pude conter a fúria de minh’alma Que em versos extravasa a vida que me ensalma... Sinto explodir em mim os anseios da Lira E imensa inspiração de meus poros transpira. E escrevo com ardor tudo o que me ilumina – O desejo de paz, o amor que me domina, A calma, o riso, a fé, que em meu peito palpita, O pranto, a angústia, a dor e a saudade infinita... A calma com que o tempo estuda as suas formas, O sorriso que traz o amor com outras normas, A fé – bênçao divina! – em esplendente prece Que tanto me faz bem e tanto a gente esquece. Porém, tudo em minh’alma em fúria animalesca Faz que ressurja em mim a forma mais dantesca Do pranto – derradeiro anseio da piedade, E da angústia e da dor que só me dão saudade. Saudade – gosto amargo em minha doce boca, Anseio de sentir numa esperança louca O momento de amor sublime, delirante, Que fazia de mim o mais sincero amante! Mas tudo passa, passa, evapora e fenece:


E o que de bom foi feito a gente sempre esquece, Nem se recorda mais... porém, do mal profundo, Eu sou capaz até de fecundar o mundo E revolver – fugaz! – as cinzas do passado Que me deixou tristonho e me deixou magoado, Para bradar aos céus, numa desesperança, Mortífera palavra a que traduz – vingança! – – Eis porque não contenho a fúria de minh’alma Que em versos extravasa o que a vida me ensalma! 17.08.1978


Os Romeiros

Pomos felizes os passos Em mais uma caminhada. Amigos – damos os braços E repletos de alegria Seguimos em romaria À Pirapora sonhada. No início a conversa afia: Todos alegres, contentes... A subida desafia – Nos impulsiona a descida... À paisagem colorida Nós seguimos displicentes. Pedrão, meu bom camarada, D’onde vem força tamanha Que te faz o rei da estrada? – Segue sempre sorridente, Pondo os pés firmes à frente Nossas forças mais assanha.


Primeiro terra batida Logo após asfalto ardente. A estrada se faz comprida: – Subida, descida, morro, Um pedido de socorro – Descansar se faz urgente! Rio das Pedras, Mombuca, E o cansaço já aparece... – Como fui nesta cumbuca Pôr os meus pés atrevidos? Eu já os sinto moídos E o delírio me entorpece... – Porém, seguimos em frente: Capivari nos espera... A turma vai sorridente E eu não desisto, por hora... Se a caminhada demora A canseira se supera... – Não posso fugir da raia... E mal amanhece o dia Seguimos a Samambaia Sob um forte sol que queima.


– A minha vontade teima E vence a minha agonia! O meu desejo é mais forte, Não vou perder este assalto! Quase após me ver com a morte Mais uma etapa é cumprida... – A estrada ficou vencida E já chegamos a Salto! O sol esplêndido doura Numa aleluia de festa! – Lava-se os pés com salmoura E para cima os estica. Bebemos água da bica Numa alegria de orquestra. Às vezes a chuva forte Todo o caminho enlameia, Mas bendizemos a sorte Da chuva que cai do espaço, E tira o nosso cansaço E nossos passos meneia.


As árvores deitam sombra E a turma toda descansa. As folhas fazem alfombra E a vista embaralha em sono. – No letárgico abandono Renovamos a esperança! A noite toda dormimos Num bom “Hotel das Estrelas!...” Em devaneios sorrimos... E se acaso as vistas pomos No céu, em grandes assomos, Mil estrelas vamos vê-las! Se o frio da noite é denso Buscamos achar abrigos, E nessas horas eu penso: – Se o frio a muitos padece, A nossa amizade aquece E nos torna mais amigos. Festivo o dia amanhece E nós na alegria imensa Fazemos a nosso prece Para nova caminhada.


No reinício da jornada Firmamos a nossa crença! Lindo atalho é nossa meta E na beleza da serra Eu me sinto mais poeta. E Japi bela e altaneira Parece imensa bandeira Tremulando sobre a Terra. É o Atalho! com passadas Precisas nós caminhamos – Às vistas extasiadas Este Altar da Natureza Exibe sua beleza Em todos os seus recamos! Vestígios da virgem mata É esta Flora brasileira. Veios d’água cor de prata Escorrem por entre as fendas, E a beleza das fazendas Faz passar nossa canseira.


Pedras fazem o cenário Que se torna majestoso. Parece imenso Templário Onde Deus Onipotente Faz a vida ficar crente Do mundo maravilhoso! Aves multicoloridas Fazem um balé aéreo, No chão as ramas floridas Exalam suave essência; – Que inaprendida ciência Exorta tanto mistério? Numa estreitíssima trilha Pisamos os nossos passos. O sol causticante brilha Por entre as nuvens suspensas, As nossas almas em crenças Se abraçam a esses espaços! Eis-nos ao alto da serra! E a visão se contagia. Neste pedaço de terra A inspiração logo acusa


O nascimento da Musa Que declama uma Poesia. A vista corre o Infinito: Com meus olhos tudo rondo. Até que um mágico rito Em meus ouvidos clangora, E o Tietê revigora Com as águas num forte estrondo. Estrada aquática! estrada Onde anseios fulgurantes De uma época já passada Trouxeram sonhos pioneiros Aos ousados brasileiros, Aos ousados bandeirantes! Parece que o rio exala Entre as águas caudalosas, Dos Bandeirantes a fala Em busca de áureas conquistas, – Todos buscando com as vistas Minas e pedras preciosas!


Velho tronco a mim parece Uma piroga esquecida. Cada murmúrio é uma prece De um ousado bandeirante Buscando febricitante A glória desconhecida! Esses ousados guerreiros Seguindo o rio por dentro Sonhavam sempre altaneiros Alcançar – num sonho ousado – Algum distante Eldorado E do Brasil – o seu Centro! À sua margem estamos Mas a paisagem deplora... Se de longe seus recamos Parecem hinos de glória, Ai, de perto toda a história Poluída e triste – chora. O velho e altaneiro rio Com destino triste e incerto, Procura em seu desafio Mostrar que ainda é rude e forte,


Mas mostra em panes de morte Ser esgoto a céu aberto. Numa ambição mais profana Da lei divina e sagrada, Na cobiça soberana O Homem – no sonho profundo, Pôs morte à glória do mundo De uma forma deplorada. – Pedrão, meu sincero amigo, Nós, há décadas passadas Por este caminho antigo Víamos outra paisagem, Que hoje parece miragem Às nossas vistas cansadas. O velho Tietê outrora Seu viver tinha tranquilo. Mas hoje, magoado chora Na mais profana agonia, Por isso agora a Poesia Traz o cheiro de restilo.


Porém, a estrada margeada Pela formosa floresta Põe nossa vida encantada Em matizes de mil cores... Exalam frescos amores Toda a paisagem de festa. Na matinal alegria Seguimos a caminhada. A algazarra contagia Esses valentes Romeiros, Que caminham sobranceiros Nesta constante jornada. Cabreúva é logo à frente – Seis quilômetros distante! – A turma segue contente, Porém, à canseira bruta Se faz descansar na Gruta Que é outra visão deslumbrante! Um conjunto arquitetado Pela sábia natureza: Com o coração encantado Tal construção eu contemplo;


Parece sagrado Templo No resplendor da beleza! São várias pedras unidas Pelo Divino Arquiteto Em épocas já vividas; Quando um dia, em Dom profundo, Estava a criar o mundo Fez inspirado projeto! A Cabreúva nós vamos, O cansaço se supera! Já não se ouvem mais reclamos Nem atos de desistência. Vale a nossa persistência, E a intrepidez da galera! A pequenina cidade Lembra um recanto encantado. A grande felicidade Trazemos no rosto exposta E temos pronta a resposta: – “Eu sequer estou cansado!”


Se nos pés há bolhas d’água A gente pouco se importa. Nossa força não tem mágoa E ninguém caminha triste. Nossa vontade persiste E jamais se mostra morta! Muitos dormindo na praça Num pequenino coreto. A juventude faz graça A todo e qualquer motivo. – Poeta me sei cativo Compondo mais um soneto. A noite passa. Amanhece. D. Maria, querida, À nossa turma oferece Um cafezinho bem quente. E a gente toma-o contente Que é um elixir na partida! Agora é o último trecho Até chegar Pirapora. O tênis é um apetrecho Que pode ser dispensado.


Com o chinelo calçado Partimos sem mais demora. O ânimo volta com tudo E a brincadeira começa. Ninguém mais caminha mudo E a alegria a tudo infesta. No meio de tanta festa Nós caminhamos sem pressa!... À beira da velha estrada Que de curvas serpenteia, Uma cascata encantada É convite para um banho: E a turma – como um rebanho Molhada se devaneia. O Miguel de carro passa E cruza a nossa passagem. Para, brinca, nos abraça; Deseja felicidade Porém, já sente saudade De sua finda viagem.


Chega o Laércio Moretti (Amigo que fiz romeiro) Todo orgulhoso promete Que vai me dar uma tela Bem sei, porém, que é balela, Pois diz isto o ano inteiro... Nós chegamos ao distrito Que Bananal é chamado. Singelo, simples, bonito, Já foi “Japonês” um dia, – Um recanto de alegria Entre as serras incrustado. Agora se abre o cenário Em dezenas de montanhas. Belo é nosso itinerário; E são tantas, tantas curvas, Que as vistas se tornam turvas, Embaralhadas, estranhas. Mas firmes são nossos passos Nosso lema é Pirapora! O verde colore espaços Em todos os seus matizes.


– Nós caminhamos felizes Em busca de nossa Aurora! Subida, longa descida... E a gente num transe segue. Descida, longa subida... Nada nosso ânimo trava. Sempre se tem a alma escrava Quando um ideal persegue! Com Pedrão os passos sigo Fazendo um passo marcado. O carinho é tão antigo Que a um olhar nos entendemos. Somos barco e somos remos Já de distante passado. Todos na mesma cadência Vamos seguindo: – uns à frente Vão numa cega obediência, E vigiamos os passos De quem quer voar espaços De quem quer ser diferente.


Os filhos vão aninhados Pois se sentem protegidos. Ouvem os “causos” contados No arrolar dessas histórias, Que é toda feita de glórias E de carinhos vividos. Passa alguém e nos saúda: – “A todos boa viagem! Ninguém precisa de ajuda, Quem quer seguir de carona?...” – Noss’alma, da estrada dona, Brinca e faz camaradagem... Novamente um’outra bica E todos, num alvoroço, Bebem a água pura e rica Que desce pela montanha... Um ou outro ali se banha Querendo esperar o almoço... E o mesmo pouco demora, O Cícero logo chega E a gente tanto o adora Que faz uma festa imensa


E ele como recompensa Nos serve um arroz à grega! A Célia e o Sérgio a distância Espoucam o céu de tiros. Nós esperamos em ânsia Esta sincera amizade Que é feita toda bondade Dos mais longínquos retiros. Porém, a turma os espera Numa inaudita alegria. – Sorrisos de primavera Invadem os nossos sonhos, E nós em poses, risonhos, Tiramos fotografia. É que o Cícero deseja Eternizar tal flagrante. Sua máquina maneja Com rapidez e destreza, Sua vista firme, tesa, Põe flashs em cada instante.


Descansamos mais um pouco E a viagem reinicia. O nosso desejo louco É chegar ao Tira-saia, E nossa vista se espraia Numa sincera alegria. E o Tira-saia aparece Após cruzarmos a ponte. – O corpo já não padece E o passo é firme e preciso. – Com certeza o Paraíso Tem este belo horizonte! Passo a passo na subida E o Tira-saia vencemos! Apogeu de nossa vida É estarmos no alto da serra: Por pedestal – eis a Terra! Pisamos nos seus extremos! É montanha após montanha E o Tietê mais parece A longa serpente estranha A cordear lerdo, vago,


Sendo invisível o estrago Que silencioso padece... E numa lareira imensa – Como um presépio dourado! – Motivo de nossa crença, E Pirapora aparece – A distância se parece Um paraíso encanto. Ladeira abaixo nós vamos A serpentear a estrada. Fazemos nossos recamos Numa festa de alegria... Folia, imensa folia, E jornada está acabada! Atravessamos a ponte Onde o rio vaga morto. O sol brilha no horizonte E um cheiro acre, podre, azedo, Que chega a causar-nos medo, Nosso olfato deixa absorto.


É profanada a paisagem E a cidade é poluída. As indústrias assim agem: Do Tietê a água tiram Porque depois nele atiram A podridão sem medida. Pela ruazinha estreita Então chegamos ao Templo Belo, imponente, que é feito Em cada um de seus tijolos, Parte de nossos consolos Que presos à Fé – contemplo! Pedrão, amigo querido, Contigo foi no passado Que o louco sonho atrevido De uma sincera criança De olhos cheios de esperança Pôde ser realizado. Agora nós dois, já velhos, Após tantas caminhadas, Temos nossos Evangelhos Dentro da fé Nazarena:


É ela que nos acena Em nossas firmes passadas. Eis-nos em frente da Igreja E nós dois emocionados, Que mais se pede ou deseja deseja? – Que o Bom Jesus nos consagre À nossa fé – um milagre: Nossos sonhos realizados! Que assim, no próximo ano, Presos à luz da Poesia, Tenhamos o mesmo plano Que nosso peito clangora: – Vir a pé a Pirapora Em mais uma Romaria! 15.03.1999


Liturgia do Tempo

À alegoria rápida do tempo, Contemplo, pensativo, o meu relógio, Que avança rotineiro seus segundos Numa cadência igual que se repete Minuto após minuto após minuto. Pronto. Outra vez completa o ciclo. Pronto. E monótono passo contemplando Sua agonia que se faz intérmina. O calendário se divide em meses, Mas para que risquemos um só dia, Mil quatrocentas e quarenta vezes Os segundos rodaram em seu eixo. Ao espelho o meu rosto se reflete, E uma dúvida paira em meus sentidos: – Eu me vejo no espelho refletido Ou a imagem no inverso é que me fita E faz que em vice-versa nos vejamos?


Coloquemos atrás de nosso corpo Um outro espelho para refletir-se, E então veremos multifacetadas A sucessão intérmina de nós Em busca de infinitos pelo tempo. Sou sempre o mesmo e sempre igual em tudo, E ao avanço dos rápidos segundos Não percebo que estou a envelhecer-me. – Para o envelhecimento são inúteis Espelhos, calendários e relógios. O precoce das folhas e das flores Dão-me a noção exata da vertigem Frente à imortalidade que supomos No frigir do que eterno nós pensamos. Alucina pensar neste momento Que os versos serão vivos no porvir E serei tão-somente assinatura A encabeçar o cimo dos poemas Quando o futuro se fizer presente E eu estiver morando no passado.


O que passa mais rápido na vida: Uma flor que fenece em poucas horas, As mariposas revoando lâmpadas, A água dos longos rios tortuosos, O fluxo das marés e seus refluxos, O sol que nasce à Leste e morre à Oeste E faz que de maneira muito estranha O hoje seja amanhã lá no Oriente. A longa liturgia dos segundos, A obra que fica enquanto o artista passa; – O que é mais importante e valioso: A obra feita ou o artista que a compôs? – Talvez o artista seja necessário, Mas o fundamental é ter-se a obra. Voltando à teoria relativa O que passa mais rápido na vida? – Um livro lido permanece vivo E seus leitores passarão, um dia... É tudo vã loucura, devaneios, A mente em febre, em elocubrações, Pondera, inquire, pensa, exsurge em medos, E continuo a ser só um Poeta Retendo decassílabas memórias Nas histórias de todos os sonetos.


Vou à rua e contemplo, pensativo, As nuances das horas vespertinas. As fábricas apitam fim de turno. Os carros passam apressadamente. As crianças felizes vêm das aulas. Todo o céu se colore com as pipas... Os homens voltam sujos, cansativos, Após árdua jornada de trabalho, Esperando encontrar após o banho: O jantar pronto sobre a mesa posta, Televisão ligada na novela E um gozo cotidiano sem prazer. A noite chega iluminada em luzes... Eu, Poeta, resumo tudo em versos Na cadência de métricas sem rimas, Despreocupado com a Eternidade Que ao certo nem meu nome irá poupar. 15.08.1997


Amor feito loucura A alma explode de amor e entre harmonias canta O desejo sublime e estonteante de amar! E notas musicais ferem minha garganta Em desejos subtis, e tudo se agiganta Na alegria sem par! Amo! e é tamanho o amor que sinto no meu peito, Que madrugadas passo olhando para os céus! Conto estrelas a rir, caminho satisfeito, E aos reflexos da lua o mundo todo estreito Pois os sonhos são meus! O coração palpita e em sonho desabrocha! Versos de uma canção dizem que sou feliz! Do mundo sei-me Deus! sou forte como a rocha, Em cada olhar acendo uma brilhante tocha E invento meu país! Todo o Universo se abre e palpita em desejos, E eu me sinto o Universo e palpito em prazer!


A cada estrofe mando esfusiantes beijos E entre as constelações há brilho e festejos Na glória de viver! A ninguém interessa esta minha alegria... E muito menos deve o meu supremo amor Desconfiar que passei rimando esta poesia Para lhe dar... pois ela, em sua fantasia A lerá sem candor... Por certo me dirá que mais pareço um louco, Mas louco sei que sou e me sinto feliz! Porém, se o meu amor lhe for errante ou pouco, Ao mundo irei cantar, até que fique rouco, O que o meu verso diz: Amo! e é tamanho o amor que sinto no meu peito Que madrugadas passo olhando para os céus! Conto estrelas a rir, caminho satisfeito, E aos reflexos da luz o mundo todo estreito Pois nos sonhos – sou Deus! 17.09.1998


Pantum

Ao ver a noite que me chega triste, E que me cobre com seu negro manto, Minha felicidade não existe – Da vida só carrego desencanto. E que me cobre com seu negro manto Colocando a tristeza na minh’alma... Da vida só carrego desencanto E nada, nada o coração me acalma. Colocando a tristeza na minh’alma Lembro-me de meus trágicos amores. E nada, nada o coração me acalma E sofro com a lembrança destas dores. Lembro-me de meus trágicos amores Que rompendo a manhã iam-se embora. E sofro com a lembrança destas dores Todos os dias quando surge a aurora.


Que rompendo a manhã iam-se embora E eu ficava sozinho com meus sonhos. Todos os dias quando surge a aurora Meus pensamentos tornam-se tristonhos. E eu ficava sozinho com meus sonhos, Sofrendo a angústia de um constante inverno. Meus pensamentos tornam-se tristonhos Sem ter quem me ofereça um sonho terno. Sofrendo a angústia de um constante inverno Eu busco a primavera colorida. Sem ter quem me ofereça um sonho terno Ao pesadelo atroz entrego a vida. Eu busco a primavera colorida Cheia de flores, com festões doirados. – Ao pesadelo atroz entrego a vida Pois meus sonhos estão desesperados. Cheia de flores, com festões doirados Vejo a vida seguindo seu destino. Pois meus sonhos estão desesperados, E n’alma só carrego desatino.


Vejo a vida seguindo seu destino – Minha felicidade não existe! E n’alma só carrego desatino Ao ver a noite que me chega triste...


Desconhecido

Um dia a vida acaba e começa o Mistério Que ninguém imagina, ao menos, como seja. A alma voa ao Espaço amplo, Infinito e Etéreo, Num invólucro azul de graça benfazeja. Se se nasce outra vez para esta vida, penso Que a Alma é uma sombra a mais, é uma luz que destila Para outra vez nascer sob a nuvem de incenso Entre beijos do sol numa manhã tranqüila. Penso, às vezes, ser outro a viver minha vida, Viajo sem parar e sempre permaneço Sem dar um passo só do ponto de partida, – Viagem que não tem final e é sem começo! Vejo oásis de luz – desconhecidos mundos, Que em noturno passeio, em transes, eu visito. Fulgurantes visões e sonhos mais profundos, Onde não se ouve a voz e tudo sai num grito! 12.03.1987


Naus

Os destinos das naus são perscrutarem Os desertos marítimos de sonhos Para após dia após dia encontrarem Portos desconhecidos – mas risonhos. Eu – mar encapelado de ondas turvas, – Acolho as naus que vagam seus destinos, E nas montanhas da minh'alma – curvas! – Embalo sonhos badalando sinos. 15.11.1997


Revisão

Revendo os meus amores na memória Revejo que ficaram muitos fatos Que deveriam ter melhor história Pois no momento não lhes dei bons tratos. Revendo então o que não teve glória Nem merecesse ter porta-retratos, E terminou de forma merencória Como todas as peças de maus atos. 19.10.1997


Canção da Noite

O silêncio da noite é uma canção antiga: – Quanto mais toca mais parece minha amiga. É uma canção de paz recheada de ternura, Que me convoca para o mundo da aventura. Brinca sem ter ninguém, transforma-se em soluços, Enquanto, insone, varo o badalar de bruços. É mera guardiã desta canção disforme: – Soa soturna enquanto a alma em silêncio – dorme! Às vezes se transmuda em rima de poesia, Mas evapora assim que em brilhos raia o dia. Coruja – passa o dia inteiro empoleirada Num ramo de jasmim florido na sacada.


Brinca de bem-te-vi na metálica antena, Porém, não vê ninguém – some e a distância acena. Se chama solidão – anda em qualquer caminho, Porém, não sei porquê fez em casa seu ninho. Quer comigo morar, quer andar de mãos dadas, Porém, para seguir, tenho milhões de estradas. Com voz de violino esta canção antiga Em rimas vem brincar, passando-se de amiga. E eu poeta que sou e sabendo-me dela, Vou me deitar, apago a luz, fecho a janela. 17.19.1998


Camping Casarão

(Itu) Choveu a semana inteira, Mas hoje – imenso farol! – A manhã brilha faceira Nos mais escondidos cantos, E entre aleluias e encantos Soberano brilha o sol! As cores da Natureza Revibram suas raízes... Parece que há, com certeza, Nesta paisagem tão bela, Um pintor pondo na tela Cores de várias matizes. Nas árvores verdejantes Numa explosão que seduz, Aves em árias amantes Solfejam seus cantos vários: – Ticões, coleiros, canários Ficam ciscando na luz.


O dia de sol é lindo!... Os garrulos das crianças Deixam o mundo sorrindo. Num passo leve, perdido, Ponho o passo distraído Indo buscar esperanças... A vida se faz mais bela Numa conversa informal! Como imensa caravela A navegar no infinito, A nuvens – no azul bonito! – Levam Colombo ou Cabral!? Com olhos abertos sonho E a vista se contagia Por este vale risonho. Neste recanto de terra A panorâmica erra Nas rimas de uma poesia. O espírito às vagas anda E fora do corpo sai... Perdidos pela varanda Os olhos seguem captando


A imagem sem onde ou quando Da tarde que lenta, cai... E o som minh’alma consola E para longe vagueia Uma perdida viola N’algum recanto escondida, Parece que põe mais vida Na tarde que devaneia. Recorda uma cachoeira Fazendo chuá, chuá... Porém, no pátio de areia Lerdo e tardo tico-tico Faz o meu mundo mais rico Onde mil riquezas há. Na sua simplicidade Come o arroz que lhe ofereço... E traz-me a felicidade Como se fosse preciso, Pois aqui é o Paraíso Onde a vida não tem preço.


Me tira deste revide Deste acordado sonhar O João Baptista Athayde, Que chega em seu alvoroço E me chama para o almoço Só para depois – vadiar... Vêm o Geraldo e a Thitaka, O Eidi, a Naomi, o Adriano, Simone armando a barraca Vai fazendo enorme festa... – É uma algazarra de orquestra Em cada final de ano! Eu mais a Ana Maria Em meio a tanto prazer, Passamos dia após dia Na diversão mais completa: Ela me faz mais Poeta Com mais ânsias de viver. Esio, meu Filho, sorrindo, (Nada existe aqui que o queixe) Com seu sorriso mais lindo Vive preso na alegria,


Pois volta da pescaria Sempre trazendo um bom peixe! A alegria fulge n’alma E a carrega de ilusão. Do silêncio brota a calma E o verso num rumo escampo Brota nos vales do campo Que é o Camping Casarão! O Marcus, seu proprietário, Neste recanto encantado Põe luz ao nosso fadário E então – Poeta em retiro, – Passo os dias em suspiro Completamente inspirado. No restaurante a Francisca, André, Zé Carlos, Gabriel, E a turma toda petisca Nesta alegria sonora: – E no viver de cada hora O prazer nos é fiel!


E a conversa solta corre Nesta sem fim alegria... O lerdismo aos poucos morre Na tarde abafada, lenta... E minh’alma sonolenta Bota fim nesta poesia. 07.01.2000


A minha árvore

Tenho nas mãos punhados de sementes Para semear nos campos adubados, E delas nascerão árvores esplendentes Que irão povoar a terra em verdes reluzentes Onde hoje existem vales ressecados. Faço covas no chão, e em cada cova planto As sementes que trago em minhas mãos nervosas. Com o coração feliz, no peito – canto! E com o adubo faço um régio manto E sinto ao meu redor – um perfume de rosas! Rego com água fresca a cova pronta E espero advir, ansioso, dia a dia, A terra arrebentar... e espero... em ânsia tonta, Em êxtase, a minh'alma, em sonhos se amedronta Ao ver surgir o início da alquimia.


Tenro, frágil, humilde e fraco, à vida exposto, Às intempéries, rijo e forte, vai vencendo! Seu futuro de folhas mostra o rosto, E pelo espaço vai tomando gosto Pelos beijos do sol há delírio tremendo! E ei-la forte alcançando o azul aéreo Abrindo em largo leque a sua rama! Bandos de aves no céu, desvendam seu mistério, E sentindo o calor de maternal império Cada bico em allegros geme e clama! Eis a árvore frondosa a espalhar pelo campo Sua soberba luz com fulgores de verde! Bela, sem par, no mundo largo, escampo, Brilhando à luz azul do pirilampo Na imensidão sem fim que por tudo se perde! A árvore que plantei, hoje, altaneira, No vale seco, pobre e desmatado, É o mais lindo exemplar da flora brasileira, É o asilo de sombra, – é esverdeada bandeira, –


– Oásis para quem se vê cansado. Eu, em seu largo tronco, às vezes, num abraço, Deste meu coração mostro a alegria imensa, Depois, feliz, repouso em seu regaço, E cada galho seu se mostra um braço E tenta me embalar com baladas de crença! Que jamais mãos profanas e impiedosas Venham roubar a sua carne, um dia! E ela contemple sempre, alvoradas preciosas! E em primaveras vibre em flores majestosas Numa explosão de luzes e magia! 20.09.1997


Marinha É noite de lua cheia – Sozinho piso na areia Do mar que lento, desliza... Aspiro o ar da madrugada Que veio sem dizer nada Na suave essência da brisa... Estou sozinho... o amplo espaço É das estrelas regaço Feito de tule e cetim. Vai uma onda... vem outra onda... O céu – brilhante Golconda! – Brilha mais perto de mim. Nuvens refletem na praia... – Lembram lençol de cambraia De meus tempos de criança... Sozinho, a felicidade Tem um gosto de saudade De uma remota lembrança... O mar – gigantesco espelho – (Eu também nele me espelho!)


Reflete estrelas sem par... E fico a contar estrelas Pois enquanto posso vê-las Eu bem sei que posso amar. Confundo, entre brilhos tantos, Poemas, versos e cantos Que possuo dentro d’alma. Faz silêncio. O mar me anima: – Engasto o meu verso à rima Em odes plenas de calma. Vejo navios ao longe... – Lembram procissões de monge Com contas cheias de luz. Há no ar um cheiro de incenso... O mar é sublime, imenso, Distante – o porto reluz... Penso em buscar outros mundos Onde sonhos mais profundos Povoem a minha vida... Quero amor e quero glória... Quero fechar minha história Numa concha colorida...


Mas na linha do horizonte A vista faz uma ponte E não consegue atracar... Percebo que estou sozinho E solitário caminho Buscando alguém para amar. Ouço vozes estrangeiras... Desconhecidas bandeiras Tremulam no céu aberto. Avisto homens tatuados, Corpos brilhantes, bronzeados, Passam por mim, muito perto. Para mim, que, penso absorto, Olhando as luzes do porto Nesta enorme solidão: Tantas vozes diferentes, Fariam eles contentes Ouvindo minha canção? Entenderiam meus versos; Se ouvissem cantos diversos Parariam o trabalho?


Ah, minha rima vadia Somente em minha poesia Consegue ter agasalho!... Vou partir... sem esperanças – Oh! Mar! Impávido lanças Sem ouvir minha canção. No silêncio me recolho Com ferro faço um ferrolho E prendo o meu coração... 25.08.1991


Balada de Paixão

Airoso Sonho me envaidece E faz cantar o coração Uma sublime e doce prece Numa balada de paixão. Canto feliz esta canção E paz imensa me inebria; Vivo no mundo da Ilusão, Vivo nos braços da Poesia! E cada rima se parece Com as lindas penas de um pavão Que ao ver a fêmea um leque tece Em sua doida exaltação. Um sonho trago em cada mão No reflorir de novo dia, Vivendo tal contemplação Vivo nos braços da Poesia! E dia a dia em mim mais cresce Este prazer como oração; O amor dá frutos nesta messe E se faz trigo e se faz pão.


Por isso nesta exortação Minh'alma canta e se extasia. E ao ter na vida esta emoção Vivo nos braços da Poesia! Oferta: Oh! minha Amada, é com razão Que a alma feliz, se contagia E ao ter do amor esta explosão Vivo nos braços da Poesia


Balada do Solitário Soluço versos de Dirceu À minha doce e eterna amada. Se seu amor não for só meu, (Pobre de mim!) não sou mais nada. Eu sigo só na madrugada Sofrendo a dor de estar assim. Minh'alma sofre agoniada E eu sigo só meu triste fim. Já fiz loucuras de Romeu Ao elegê-la minha Fada. Tomei da Lira... fui Orpheu, Mas ela olhou-me e desprezada Deixou minh'alma abandonada Qual rosa triste num jardim. – A minha noite está entrevada E eu sigo só meu triste fim. Se ela soubesse quem sou eu E lesse um dia, esta balada, Se desse vida ao que morreu Abandonado em longa estrada... Se ela com a voz apaixonada


Ao meu amor dissesse sim... Mas ela passa e vai calada E eu sigo s贸 meu triste fim. Oferta: Oh! minha Musa idolatrada Por que n茫o vens junto de mim? A noite 茅 fria, atra, gelada, E eu sigo s贸 meu triste fim.


Sonetos Ofício de Poeta I O Ofício de Poeta – é a solidão Que ele tem por constante companhia. Trabalha; e no silêncio da porfia Sente, suando sangue – o coração. Faz com elos a mística oração Transformada em estrofes de poesia. Seu sofrer é maior nesta agonia Ao soletrar impávida canção. E sempre, solitário em seu caminho, Jamais faz confidências de carinho E guarda no segredo o que produz. Cada verso do longo itinerário É um passo dado a mais neste Calvário Na solidão de carregar a Cruz! 16.03.1997


II Se esta vida é um constante caminhar, Venho de palmilhar muitos caminhos, E se vives também sempre a vagar, Como então nós vivemos tão sozinhos? Se o bem viver dá troca de carinhos, Soletrando sorrindo o verbo amar, Bom seria fazer os nossos ninhos Nos galhos de um recôndito pomar. Assim devemos pôr os nossos passos Na certeza de abrir largos espaços E abrir as asas para as esperanças. E quem sabe, ao final desta jornada, Assim que traga o sol nova alvorada, Tenhamos nós os sonhos das crianças. 23.09.1998


III O terceiro milênio se aproxima Deixando para trás – ao ontem presos, Meu verso, meu poema, minha rima, Esquecidos, largados, indefesos. Oh! do farol de luz que vem e cima, Oh! de sonhos azuis silentes, tesos, Que de sonho que nunca se redima E de martírios sob enormes pesos! E tudo há de viver da mesma forma, – Difícil escandir a lei e a norma E o fogo nos delírios indecentes. E o Homem com todo o seu poder de gênio, Há de sumir no próximo milênio Sem deixar nesta terra descendentes. 13.10.1999


IV Estes caminhos que hoje nós trilhamos São caminhos abertos para a vida, Onde a Esperança é multicolorida E as flores pendem perfumando os ramos! É o caminho dos mágicos recamos Onde a alegria exsurge a toda a brida, Onde o Sonho maior se consolida Onde um dia, felizes, nos olhamos! Este caminho é belo, é cor-de-rosa, Sorrimos e cantamos e vivemos Na duradoura luz maravilhosa: E sorrimos de extremos pós extremos, E cantamos de forma religiosa O nosso amor dos modos mais supremos! 13.10.1999


V

Não me importam os Sonhos, nem me importa A angústia imensa por jamais eu tê-los. Porém, me importam muito os pesadelos Que deixam a minh’alma triste e morta. Na insanidade crio os meus castelos De altas paredes – sem nenhuma porta – E pela estrada sinuosa e torta A distância contemplo os sonhos belos. E todos riem cheios de ansiedade As buscas se transformam num momento Na mais insana e torpe realidade. E eu, neste caminhar errante, incerto, Nos meus dias coloco areia e vento Na solitária estrada do deserto. 26.08.1999


VI Dentro da noite existe um labirinto Iluminado apenas por estrelas, Mas as pedras no chão não posso vê-las E apenas com os pés as toco e as sinto. E o medo, ao percorrer este recinto, Provém das esperanças mortas pelas Noite que quero – mas não posso tê-las, Pelos amores de um fulgor extinto. Por isso ando perdido – e se tateio Com as mãos as paredes que me prendem, Um labirinto surge à minha frente... Quanto mais amo – quanto mais odeio, E meus pés assustados não se rendem Ao abismo do amor e ao ódio quente. 14.10.1999


VII Outra noite de insônia... e novamente O silêncio, a amargura, o tédio, o medo, A ilusão, a penumbra, o mesmo enredo Que faz deixar meu coração... doente; O desespero, as marcas de um segredo, Os dramas que carrego em minha mente, A loucura da espera, a dor tremente, Que faz deixar meu coração... azedo; O suplício, o pavor, a angústia... tudo O que sonho e não tenho – e espero e anseio E a perdida ilusão, e o olhar agudo A meditar a vida triste, errônea, A realidade plena de receio, E eu só e abandonado nesta insônia! 13.10.1998


VIII

Como esperar que vibre a primavera Nesta árvore que pende em pleno outono, Como um rei que se vê triste e sem trono Arremessado aos diques da quimera?! Como no coração ter toda a espera Se a noite já vai alta e chega o sono, E solitário, como um cão sem dono Contemple, em vão, a Universal Espera?! Como sonhar se existe o pesadelo Que mata o sonho nem nenhum apelo Deixando o desespero por crendice?! Mas ao ver ramos secos e sem flores, Vendo a ausência de frutos e de amores, Trôpego, ponho os passos na Velhice. 03.12.1999


IX Cadáveres de sonhos vão às ruas E ao som atrapalhado das matracas, Prometem atacar as almas nuas Com veneno de velhas jararacas... Os sonhos fazem velhas falcatruas E as esperanças ficam mais velhacas; E no pomar dos sonhos, as charruas Arrancam os arames das estacas. E a solidão ausculta, agarra, apreende, Agride a noite, o coração agride, Com gestos próprios de infernal duende... E os sonhos morrem gemebundos, frios, Contra esta força inútil é o revide, E os corações, sem sonhos, vão vazios... 01.02.1998


X

O homem cria barreiras, pois planeja Se defender de ataques estrangeiros, Porque desta maneira ele deseja Que os homens todos vivam prisioneiros. Com sua artilharia ele apedreja A balas de canhão, os forasteiros, E no ardor mais profano da peleja, Propõe-se a conquistar mundos inteiros! E assim, buscando a paz, estoura a guerra, Faz campos de batalha em toda a terra E age de modos brutos e violentos... Porém, as aves, num balé aéreo, Fazem do espaço imenso o seu império, Voando sem precisar de documentos. 09.09.1998


XI Em sorrisos festivos, a manhã Explode em Sol... madrugador do dia Uso raios à lírica poesia Que brota na minh’alma, com afã. Um cheiro de eucalipto e de hortelã Traz-me o frescor da vida, que extasia. Solto meu coração à fantasia Na rendilhada polpa da romã. Súbito um pássaro abre o bico e canta... Eu, Poeta, recolho seu dobrado E o ponho em meu Soneto, num festim. Relva fresca perfume e me acalanta, E até meu coração apaixonado, Como a ave está a cantar dentro de mim! 08.06.1998


XII Quero acordar o sol que está atrasado E não me traz logo a manhã brilhante. Ainda a noite reina fulgurante E há rebrilhos de um céu iluminado. Mas será que o sol foi assassinado?!... Se assim foi este crime é anavalhante. Brilha a noite à manhã agonizante, E à Leste a aurora insiste num brocado. Nos galhos aves piam assustadas... Será que iremos ter uma outra noite Dentro da noite numa noite eterna? Teremos tão-somente madrugadas Que às manhãs irão dar novo pernoite Tendo a lua somente por lanterna? 05.10.1998


XIII O Eu Poeta, se cansa da batalha De construir versos justos e perfeitos, Que cortem como fio de navalha E à crítica sem mostrem sem defeitos. E da palavra busco seus efeitos Para que tudo, nunca traga falha. Que assim os versos bons serão eleitos E ganharão aurífera medalha. Mas qual o quê! a Inspiração – danada, Parece a luz que na distância brilha Quando estou a fazer a caminhada. E quanto mais os pés ponho na trilha, Eles se distanciam da chegada Que me parece inatingível ilha! 25.10.1999


XIV Tenho tijolos, ferros e concreto, Andaimes e tapumes, vigas, grades, E com este arsenal eu arquiteto A construção de magistrais cidades. O material pedido está completo; Não há porque temer adversidades. Mas pensativo, mudo, calmo, quieto, Percebo ter grandes dificuldades. Falta-me o estudo, falta-me o talento, Sequer consigo pôr em pé um muro Que o mesmo desmorona-se com o vento. Arte Ingrata! Detenho-me inseguro: Como posso erigir um monumento Se ao meu redor todo o caminho é escuro?! 20.04.2000


XV Os meus dias ficaram para trás Enquanto fui em busca do porvir; E se tenho motivos para rir, Trago no peito um coração em paz. Minh’alma busca as pérolas de Ophir, A riqueza de antigos marajás, Jamais me lembro o que ficou atrás Pois no futuro está meu existir! Quero a glória estonteante de um amor Que consiga minh’alma consolar Como o jardim consola-se por ver Surgir das verdes ramas – uma flor, Para os amplos caminhos perfumar Na sublime Odisséia de Viver! 27.05.1998


XVI Não vale a pena questionar a morte E muito menos questionar a vida; Ambas se cruzam com a mesma sorte Na porteira de entrada e de saída. Uma chega, entre galas, colorida! Outra na dor que não contém suporte! Para ambas a jornada é decidida, E é necessário ser valente e forte! Toda a alvorada traz o seu crepúsculo! Assim a vida, num mover de músculo Desbrava o dia com vigor supremo! E quando chega a noite em seus estrídulos, Ficamos a lustrar profanos ídolos Na falsidade de um prazer extremo. 15.05.1997


XVII Em qual Museu do mundo estão guardados Todos os dias feitos o meu ontem? Todos os que souberem que me contem Que assim meus sonhos ficam acalmados. Se os mesmos fazem parte dos passados Desejo que o porvir eles me apontem; Descontando os meus erros, que descontem Também os meus desejos malfadados, Foram comuns meus dias... assim creio Que os colecionadores enrustidos Por eles não terão nenhum anseio... Dias iguais a outros iguais, na dança Dos segundos dançando sustenidos Indiferentes a qualquer mudança. 12.11.1994


XVIII

(meus filhos) Os meus dias de outono estão chegando E às intempéries vou ficando exposto. Meus sonhos, em revoadas sem comando Encontram a aridez de um mês de agosto. As guirlandas floridas vão murchando, E fundas rugas marcam já meu rosto. Marcho no dia sem ter onde ou quando – Da mocidade vou perdendo o gosto... Mas outras primaveras coloridas Perfumam os meus dias neste outono Pois três sementes minhas deram frutos!... Nelas me perpetuo em novas Vidas, Para ocuparem meu lugar no trono Na alegria de todos os minutos! 26.02.1991


XIX Cavalgo a noite por prazer e atiro Palavras soltas pela brisa branda. Com tênue raio de luar me firo Deitado numa rede na varanda. A madrugada aos poucos se desanda E sonolento a brisa fresca aspiro... O pensamento em devaneios anda Por alamedas próprias de um retiro. Soturnamente uma coruja pia, Na cadência ritmada da poesia – Estrofes impossíveis de dizê-las. E nem consigo traduzir seu canto, E quando silencia seu encanto, Forma o céu reticências com estrelas. 14.03.1995


XX Debato-me nas grades de meu mundo: – Cadeia imensa que a alma deixa presa! – E tento procurar o amor profundo De que rezam as leis da natureza. Ah! em tudo uma impávida incerteza: O ódio crescendo firme e mais fecundo... A alegria afogada na tristeza E a esperança num vale escuro e fundo... Em tudo a solidão negra e asquerosa, Nos espinhos – ferindo-se uma rosa E nos lábios – a prece do martírio... Porém, no lodo pútrido, no charco, Num ramo débil, provocando um arco, Pende um sublime e alvinitente lírio! 25.10.1997


XXI A solidão soturna serpenteia Os vales e os caminhos percorridos, Ora com os corações entristecidos, Ora com a alma de esperanças cheia. Tudo o que nossa vida sempre anseia Sempre está nos caminhos esquecidos – Ora vales frondosos e floridos, Ora uma estrada sinuosa e feia. Nos descaminhos da álgida esperança, A gente esquece os sonhos que queremos Com fagulhas de fogo em fina palha... E o calor que esta chama ínfima lança Em nossos corações, são os extremos Fios da cicatriz de uma navalha! 31.10.1997


XXII A solidão que sempre serpenteia Os caminhos por onde os passos ponho, É realidade transmudada em sonho – Chama que me consome e me incendeia. Preso na solidão desta cadeia Pela janela vejo o céu risonho... Mas vem a noite e meu viver enfronho Trazendo de amarguras – a alma cheia. Um sangue ardente corre em minha veia, Mas tudo é vício trágico, enfadonho, Do mundo vou buscar um’outra aldeia E minha angústia pendurar na teia Onde uma aranha, num balé medonho, Irá tirar da minha vida a ceia. 31.10.1997


XXIII Desvio minha dor por ínvio atalho Para ocultar o quanto que padeço. – Se para ser feliz existe um preço, Horas extras farei no meu trabalho! E eu assim pagarei com muito apreço O sonho da alegria que agasalho, E o coração – após tanto enxovalho, Terá o caminho livre de tropeço. Mas na algibeira d’alma em vão carrego A angústia – como pontiagudo prego Que fica a me lembrar – instante a instante, Que é inútil o trabalho extra que faço, Pois só fará aumentar o meu cansaço, E n’alma a mágoa me será constante! 30.09.1998


XXIV A vida é uma batalha e esta batalha Só traz derrotas e jamais se ganha. Embora traga os faustos da Alemanha, Sempre se anda no fio da navalha. E o herói que traz no peito áurea medalha, Seu coração deixou nesta barganha. – O amanhã sempre vem de forma estranha E sempre traz alguma coisa falha. Portanto é inglório entrar-se na disputa Arrebentando sonhos e quimeras Muito embora a vitória ruja e rumba. Pois no final de tão inútil luta, Serás esterco para as primaveras, E podridão numa escondida tumba. 18.09.1996


XXV Dentro do sentimento a própria vida É uma balada de ilusão apenas, Que tem as suas mágoas mais serenas Na angústia que não pode ser medida. E a alma, na estrada, sempre distraída, Ao vir da noite vai sofrendo as penas, Que o desespero sempre tem antenas Para captar toda ilusão sofrida. A própria vida, presa ao sentimento, No distrair-se vai seguindo a estrada Para ver se retém por um momento No próprio tempo, uma ilusão dourada, Mas vem o tempo, vem o sofrimento, E deste mundo não se leva Nada! 31.11.1998


XXVI Os meus sonhos, perdidos no passado, São pesadelos hoje em meu presente. Por isso vivo a vida alucinado No desespero que me faz demente. Cobro de mim o nada realizado, Do mundo cobro por não ser contente. E a cada dia mais desesperado, Dos próprios sonhos passo a ser descrente. O sonho me atropela, o pesadelo Me alucina, a paixão me desespera, E ninguém pode ouvir meu triste apelo. E pesa-me demais tão triste carga: – Tanto inverno e nenhuma primavera, – Tanta doçura e minha vida amarga. 23.05.1997


XXVII Hei de esquecer as vidas que sonhamos, Hei de esquecer os sonhos que vivemos, Na minguante cortar os velhos ramos Para que em novos brotos vicejemos. Necessário que juntos esqueçamos Nossos sonhos que estão em dois extremos: – Tarde demais para bordar recamos E ambicionar o que já não queremos. Há de ficar apenas a lembrança De olhares silenciosos de esperança De murmúrios selados pelos beijos. A triste trajetória do retorno É estrada que não tem curva ou contorno, Embora arda a volúpia dos desejos. 23.10.1993


XXVIII Condensa a Inspiração, a rima doma, Prende a métrica no uso da cesura, Faz-se um Soldado, um Gladiador de Roma, E parte rumo ao mundo da aventura. Faz uso das palavras – com axioma, Cansado, chega ao mundo da loucura. Ao verso é dura a lei, é uma redoma, Que o Poeta se prende com censura. Primeiro as duas quadras: rima e metro Perfeitos! e depois cada terceto Onde tudo se torna como espectro. E o Poeta, na força do amuleto, Tem cada verso igual valioso cetro, Tendo os 14 Versos do Soneto! 12.12.1991


XXIX

Este caminho que hoje nós buscamos Através de percalços e armadilhas, Nas mais sinuosas e escondidas trilhas, Encoberto por pedras e por ramos, Vai nos levar às mais faustosas ilhas Dos sonhos, das venturas, dos recamos, Ao país cor-de-rosa que sonhamos À Cipango de tantas maravilhas. Porém, para chegarmos ao destino Teremos que – mãos dadas, bem unidos – Ser fortes, invencíveis, ter fervor. Teremos que, na voz, ter mais que um hino, Ser tenazes, guerreiros, destemidos, Para encontrar este País do Amor! 26.07.1995


XXX Quando os sonhos podiam ser sonhados Busquei viver na tola realidade; E hoje que os sonhos são uma saudade, Os busco com anseios redobrados. E os sonhos, numa atroz diafaneidade, Se escondem nas cortinas dos passados, E não se mostram mais áureos, rosados, Mas através de intransponível grade. A distância eu os sinto e se os contemplo Parecem ser altares profanados De abandonado e envelhecido Templo. Por isso hoje meus passos são tristonhos: Meus sonhos vão perdidos nos passados, E são somente e tão-somente Sonhos! 25.10.1996


XXXI Eu coleciono Sonhos, coleciono Alegrias, amores e quimeras, E ainda espero encontrar no quase outono, Excêntricos verões e primaveras! Almejo os corações que não têm dono, As angústias, os traumas, as esperas, Horas que não têm fim, falta de sono, As solidões, as noites, as taperas... E mais quero encontrar na minha busca: O fogo do desejo que chamusca, Junto às tristezas, mil vergéis risonhos... Porém, se a coleção for-me incompleta, Na vida passarei como o Poeta Que foi um Colecionador de Sonhos... 14.03.1987


XXXII

Acendo a escuridão do pensamento, Penduro lamparinas no poente, Visto a fúria satânica do vento E espalho no ar um sonho displicente. O dia nasce em forma de rebento E morre à tarde pálido e doente... Frígido fere o frio do momento E há uma essência que esparge o álgido ambiente... Procuro formas para decifrá-las, Rodeado de satânicas mandalas – Desvendo um tempo sem ter onde ou quando... Dissipo a névoa que o meu peito invade, Curo a doença com perversidade E a hora do encontro estou sempre esperando...


XXXIII

Podemos comparar a nossa vida À chama sempre acesa de uma vela, Que não pode em tamanho ser medida, Mas clareando a esperança – faz-se bela! Certas horas, de forma bem singela, Ela se extingue calma, distraída... E outras vezes, em rápida procela, Apaga a sua flama colorida... E há muita luta por mantê-la acesa; Dessa luz nossa vida é prisioneira, Vê-la apagar-se há cismas de arrepio. Mas dela temos sim, uma certeza: Quando temos pavio – falta cera! Tendo-se a cera – falta-lhe o pavio! 12.10.1987


XXXIV

Com as palavras o Poeta cria Uma nova e sensível realidade, Para viver a sua fantasia Num mundo todo feito de verdade. Liberta dos grilhões rompendo a grade E das rimas e versos se sacia, Já que eles são a sua Liberdade, – Ingredientes fatais desta alquimia! Nada mais o Poeta quer ou busca, E ao final desse exótico trabalho, O verso pronto o seu olhar ofusca. E é com ele que faz seu agasalho, E se cobre – se o frio lhe chamusca, E lhe dá forças para o novo atalho. 20.05.1997


XXXV O labirinto da loucura invade O meu espírito de forma tanta, Que o gutural gemido da garganta Às vezes lembra imensa tempestade. Forma depois a mais ferrenha grade Que minha força agride e não suplanta. E o desespero cresce e se agiganta Porém, precisa apenas de piedade. Desconheço-me em tudo o quanto sonho, E o caminho diário onde os pés ponho É uma nova e terrível caminhada. Deixo-me estar parado nesta luta, Sem existir razão ou força bruta Para a loucura transformar-se em Nada! 23.07.1998


XXXVI Canta o Poeta com a paz suprema Os versos que ele cria a cada instante: E tanta inspiração se faz poema Se ele sente a ternura da alma amante. Cada estrofe composta é como gema Que cintila com brilho coruscante. E no céu forma esplêndido diadema Para mostrar que o amor se faz constante. Assim, em cada verso, em cada lira, Em cada sonho, em cada transe, em cada Esperança, arde a flama enorme pira Para mostrar que a alma apaixonada No desejo de amor canta e delira E na poesia se faz mais amada. 21.12.1998


XXXVII Meus versos... à medida que os componho Sinto d'alma sair enorme peso! Pois à sua cadência sei-me preso Do modo mais feliz e mais risonho. Embora vivam hoje no desprezo Não conseguindo acalentar um sonho, Quando eles vêem, à árdua tarefa ponho Todo o meu coração – que fica teso. Pois os meus versos são a minha vida! Por eles deixo tudo, tudo, tudo, Para viver numa estação florida. Meus versos são meu canto e meu escudo: Frente ao cansaço – tórrida torcida! E ao louvá-los com glória – escrevo-os mudo! 23.05.1993


XXXVIII Hei de encontrar um dia em meus sonhares Toda a felicidade que procuro E poder me encontrar com o futuro Que sonho com estrelas e luares. Sinos e harpas, em lúcidos cantares Encobrirão com scherzos – meu escuro. Eu nascerei em luz e em cores, puro Como as ondas alvíssimas dos mares!... Mas enquanto não chega este momento, Adio os sonhos todos de alegria E vou vivendo no valsar do vento Que no jardim sacode o arvoredo E em sua dança põe rima e poesia Mas põe também a angústia, o trauma, o medo!... 24.06.1998


XXXIX

Contemplo os sonhos... no cairel da vida Perlustro as ilusões dos ledos sonhos... – Uns cor-de-rosa, etéreos e risonhos, – Outros de uma feição descolorida. Bendizendo-os de forma comovida Uns se mostram a mim falsos, bisonhos, Deixam meus olhos pálidos, tristonhos, Outros deixam minh'alma sem ferida. Às vezes, chegam juntos num impasse, E eu, sem saber direito ao qual segui-los, Sinto a dúvida vir-me num trespasse. Porém, raia a manhã, fico desperto: E à minha frente vejo o amplo deserto Para pôr os meus passos intranquilos. 23.02.1992


XL Velha fotografia na parede Acende na memória uma lembrança, Quando havia um sorriso de criança Indo e vindo ao balanço de uma rede... Mas hoje o que é que sobra ou resta? Vede: – Nos lábios um sorriso de vingança, A maldade espumando como herança Nos lábios ressequidos pela sede. Aquele na parede me olha atento E denuncia cada movimento Tentando me impedir um ato em falso... Mas se eu me vendo agora estou num ontem, Os sonhos e esperanças é que contem O instante de subir ao cadafalso... 30.09.1998


XLI Ao vir a Inspiração, trava o combate Com a Palavra que foge à sua mente. Retesa o pensamento efervescente Dominando a volúpia do arremate. Tais os tentáculos de um alicate Prende o verso que surge no repente. Então se crê um Deus onipotente E se veste com túnica escarlate. De suas mãos um mundo sai do Nada, E ele em silêncio faz a sua ronda Para alcançar as luzes da alvorada! E ao final de titânico duelo O Poema assemelha-se a uma sonda Que foi buscar na escuridão – o Belo! 08.12.1987


XLII O Espírito da Noite se aproxima No voo de uma azúlea borboleta, Sopra nos meus ouvidos uma rima Que faz vibrar minh’alma de Poeta. Ponho os olhos em brilhos para cima E o Universo com brilhos – me completa. A ele sou atraído como um ímã E minha estrofe torna-se concreta. Passo a ouvir os soturnos sons noturnos E passos cadenciados de coturnos Pisam o chão numa cadência informe. Vem o silêncio e em minhas mãos eu trago Os versos alegóricos de um mago Enquanto o Espírito da Noite dorme... 23.10.1997


XLIII Passada a primavera desta vida Onde cintilam flores aos festões, O inverno é a porta que abre a despedida E vão chegando ao fim – as ilusões. Se antes era a paisagem colorida O murmúrio de festa aos corações, Hoje o presente é tela enegrecida Onde não mais se aceitam ambições... É o destino de todos, é a procura E a descoberta, os sonhos e a derrota, É a esperança de vida ainda futura... E nem se pensa que a mundana sorte Implacável não muda a sua rota, Que a vida sempre esbarra com a morte!... 15.05.1988


XLIV

Triste saber que nunca mais serei O rei deste castelo-corpo amado – Sem trono, hoje caminho derrotado Vivendo o exílio pobre de um ex-rei. Teu corpo era um castelo em que reinei, Mas fui destituído e abandonado. Sentindo agora não ser mais amado, À agonia me entrego em dura lei. O teu corpo era a minha Geografia: Nele eu andava por saber de cor Os caminhos mais puros da alegria. Mas hoje a solidão é bem maior: Sozinho e abandonado ao fim do dia, Na vida não sei mais o que é pior! 17.09.1985


XLV O homem – cano de esgoto repelente! – Vive para fazer o mal na terra. Cria no pensamento – ação e guerra, E arrogante comanda o ódio na mente. O homem – na ação do mal, blasfema e berra, Clama a carnificina impunemente; Depreda a Natureza e incoerente No próprio lamaçal de pus se enterra. Congênito e bastardo, o efêmero homem Canceroso de espírito proclama A sua Eternidade agora e aqui! E os homens contra os homens se consomem... Buscam o Eterno com os pés de lama, Fitam o Céu enquanto Deus sorri!... 14.09.1978


XLVI O homem – fera terrível! – monstro imundo, Não pode ser de Deus a semelhança; Pois Deus em seu amor santo e profundo Não carrega o desejo de vingança! O homem – neste desejo furibundo, Esfrangalha o seu sonho de criança; Mata o Ideal que havia no meu mundo, E vai perdendo, aos poucos, a esperança! Quem é afinal o homem? Esta fera Que depreda a estação da primavera E clama o ódio, a injustiça, a guerra e a dor? Se um dia Deus fez o homem Sua imagem, Hoje ao olhar seu Grande Personagem Vê que em seu coração faltou Amor! 23.11.1978


XLVII Narcotizado pela angústia imensa, Saio em busca do Sol que, ígneo e sangrento Vai conseguir queimar o sofrimento Que no meu peito nasce como crença... Sinto n’alma total indiferença... A vida gira e neste movimento A cada giro aumenta o meu tormento E a morte vem marcar sua presença. Quero luz, vida, amor, sonho, esperança... A ferida da dor é um tredo alcouce E a vida corre em lutulenta dança. Penso não ter vivido o quanto pude... – Ah! Em qual cemitério realizou-se O funeral da minha Juventude!?... 10.10.1987


XLVIII

O teu amor, formosa, é a jóia rara Que o artista não consegue lapidar. É forte como o mármor de Carrara E terno como as noites de luar. O teu amor – de forma mais preclara – É o sonho que jamais pensei sonhar! Tem a meiguice de uma noite clara E a volúpia satânica do mar! O teu amor – igual não há no mundo; É uma roseira recheada em rosas Que em êxtase eu contemplo com o olhar. O teu amor é esplêndido e profundo, Recordam as manhãs maravilhosas E um céu todo vestido de luar! 12.10.1977


XLIX Eu sinto a tua ausência, meu amor... Ao ver que o nosso quarto está vazio Vem ao meu coração um calafrio Num poema de angústias e de dor. Eu sinto a tua ausência, minha flor... Neste momento, em solidão, sombrio, Eu sinto que meu corpo está com frio: Para aquecer-me quero o teu calor. Descobri que sem ti eu nada sou: Sou simples sombra pelo chão silente, Um verso triste que o luar matou. Volta, querida, e mata este sofrer: Quero ao teu lado estar eternamente, Quero ao teu lado estar até morrer! 25.10.1979


L Em seu mistério que apavora, a morte Para nós é explicada numa ausência! Nós que não descobrimos esta ciência, Não aceitamos esta ingrata sorte! À sua frente treme o homem mais forte Pois sua força não lhe dá indulgência. E sendo uma faminta sem consciência, Tudo carrega para um mesmo norte. Não deixa explicações de sua lavra, A qualquer hora chega e num repente Põe fim às ilusões sem ter piedade... Quando ela vem, não diz uma palavra, Mas deixa para sempre em nossa mente A inexplicável Sombra da Saudade!... 13.04.1977


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