ROMARIA

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ROMARIA Versos de Esio Antonio Pezzato 1997


Exortação

Canta, Poeta, os cantos que aprendeste A cantar quando ainda eras criança., E tinhas a alma cheia de esperança E contemplavas, rindo, o azul-celeste! Canta, Poeta, em rimas coloridas Os teus cantos de Paz e de Ternura, – Olhar que a vida ainda corre pura E há por viver muitos milhões de vidas! Colhe, Poeta, as flores do caminho Para ofertar à tua bem-amada, Colhe o orvalho da fresca madrugada, E olha as estrelas, cheio de carinho. Vibra, Poeta, com o amor fecundo Que, no silêncio sonhador dos quartos, Em nove meses faz florir os partos Enchendo de esperanças nosso mundo! Anda, Poeta, a distribuir sementes Para a paz ser plantada em quanto canto,


Onde nasçam canteiros como o encanto E o riso das crianças inocentes! Cintila em luz, Poeta, que teus versos Serão pelos amantes decorados, E serão às amantes declamados Entre encontros e beijos mais diversos! Fica feliz, Poeta, que os amores Se fortalecem mais a cada dia, E enquanto vais rimando uma poesia Explodem os jardins em fartas flores! Não há nenhum motivo de tristeza, O amor rebenta em risos como preces; Os campos nos fornecem novas messes, No milagre maior da Natureza! Sorri, Poeta, pois o teu sorriso Apaga as intempéries de quem chora. A noite sempre cede à luz da aurora E toda a vida é um denso paraíso! Não há tristeza alguma neste mundo, Há prelúdios de paz em toda a terra,


Somente o Verso é necessário à guerra E o amor é um hino de teor profundo. Desnecessária a lágrima, Poeta, Pois os canhões rebentam densas flores, E a vida brota exótica de amores Na perfeição que Deus diz ser completa! Vai para a rua... em tudo há esperança, Tira do rosto a máscara do pranto, Solte em risos, Poeta, um novo canto E vive a tua vida de criança! 02.06.1995


Romaria

Início de Romaria, Que todo o ano principia Com um materno sermão: “Meu filho, tome cuidado, Não fique muito cansando, Vá sempre junto ao Pedrão!...” No início é sempre alegria, Um rosto alegre assobia, Um outro, canta feliz... Se alguém fica reclamando, Ouve logo alguém falando:– “Você veio porque quis!...” Tudo vira brincadeira Para driblar a canseira E as bolhas d’água nos pés. As pernas ficam cansadas... O frio das madrugadas É denso e não tem revés...


A estrada de terra é longa... Se, se cansa mais alonga E parece não tem fim... Sobre morro, desce morro, – Que adianta pedir socorro? Minha Mãe, olhe por mim. Para o novato mentimos E às escondidas sorrimos Para ele não perceber A caminhada que falta... – Se o desespero lhe assalta Começamos a sorrir. Rio das Pedras, Mombuca, – O sol queimando na nuca, Afinal Capivari!... – “Vamos descansar um pouco?” – “Ai, meu Deus, como fui louco, Eu vou ficar por aqui!...” – Fui doido ao sair de casa... Os meus pés estão em brasa...” – “Esio, Pedrão, só vocês Podem me ajudar agora...


Samambaia ainda demora? Quantos quilômetros? Três?” – “Ai, socorro, eu não agüento, Me dói cada movimento, Não consigo mais andar... Olhe, a Célia não pára... O que foi que ela fez para Andar e não se cansar?” –“Estou com fome e com sede, Ai, quem me dera uma rede E dormir até amanhã. Ai, nada enxergo, estou cego!... Ai, meu Deus, estou no prego, Loucura, loucura vã...! Continua a caminhada... Ressurge outra madrugada Então vamos é dormir... Ao pé da serra, no Atalho, É bom ter um agasalho E todo o corpo cobrir...


Mas quando o dia clareia Novamente os pés na areia, Novamente caminhar... Cabreúva nos espera, O cansaço se supera, – Nós não podemos parar! – E enquanto o sol no horizonte Jorra a luz de sua fronte Mato adentro vamos nós... Pedras fazem o cenário Deste lindo santuário Que até perdemos a voz. Agora não tem mais truta, Logo chegamos à Gruta Que de longe a gente vê... É manhãzinha, faz frio, –“Olha a neblina no Rio, É o velho Rio Tietê!...” Agora está tudo perto, E o romeiro segue certo, Pouco falta a caminhar. – Trinta quilometrozinhos! –


– “Escutem os burburinhos; Todos vêm incentivar!...” –“Olhe, aquele romeiro, Ás costas leva um madeiro Para promessas pagar... Como vai devagarzinho, Caminha sempre sozinho, Mas caminha sem parar...” –“Ai, meu Deus, eu fui cobaia; Ainda tem o Tira-Saia? Eu acho que vou morrer...” No alto da serra o amplo espaço... –“Ai, acabou meu cansaço, Eu acho que vou correr...” E o Romeiro apruma a vista, Pois a distância ele avista Pirapora e Bom Jesus... –“Esio, Pedrão, conseguimos!...” Nós todos então sorrimos E Pirapora reluz!... 15.03.1989


Em Romaria (indo a Pirapora a pé, com meus Filhos Thais,Thalles e Esio, às margens do Tietê)

Estes caminhos rudes, sertanejos, Guardam histórias do Brasil-criança. Época de homens cheios de esperança E com os olhos cheios de desejos. Os olhos Bandeirantes de lampejos Buscavam do Brasil nativo, a herança; O outro era o faro e a bem-aventurança Aos homens que seguiam em cortejos... E hoje, Filhos, nós, juntos, nesta estrada, Parecemos sentir ainda o cheiro Da saga das Entradas e Bandeiras! E no velho Tietê, rude e cansada, Velha piroga envolta em nevoeiro, É um vestígio das matas brasileiras! 15.04.1995


Brincando de ser Bilac (com respeito a Theóphile Gautier)

A idéia lavra que lavra De maneira pura e clara A simbiose da palavra Para torná-la mais rara. Não como o parnasianista Que esfregava e que polia E furava a própria vista Da áurea estátua que esculpia! Trago mais o dom romântico Dentro d’alma encarcerado. Em tudo modulo um cântico Terno, puro, apaixonado! Do rubi prefiro o fogo Á fria pedra que brilha. E o verso trago num rogo De onde a inspiração é filha.


Não há profissão alguma Que ao poeta dê trabalho: O verso é floco de espuma E a brisa é seu agasalho! Porém, requer o talento Trabalho penoso e rijo. Que a palavra está no vento E não tem esconderijo. Não quero a modernidade, Desprezo a forma concreta. Um bom soneto é a verdade Onde se mostra o poeta. Poder ser prisão ou teia Mas a poesia me inspira: O Verso é minha cadeia, A Perfeição minha Lira! A canção do verso branco Deve ser bem estudada Pois senão se torna manco E pintura desbotada.


Tento a rigidez da forma Quando moldo o meu Tesouro: – Sem apetrecho e sem norma Não há que moldar-se o ouro. Subir ao Monte Parnaso E invocar as nove Musas. Jamais soltar ao acaso Formas estranhas, confusas. Colher a gota de orvalho Sobre a pétala de rosa. E arrumar galho por galho Da roseira defeituosa. Após a métrica, a rima, E a cesura com respeito, Pois a perfeição é prima Do diamante sem defeito! Do ourives ter o talento E a limpidez ter por meta. Que o Poema é o santo ungüento Da inspiração do Poeta! 14.10.1996


Cotidiano A vida é uma balada muito louca: Tem sempre o seu refrão imaginário, Lembra o sonoro canto de um canário Mesmo em face à ração diária e pouca. Eu sou este canário – de voz rouca Canto para poder ter meu salário. Porém, meu triste canto solitário É expressão dolorida, amarga e mouca. Na balada da vida, tão-somente Repito a rima básica que existe Na ordem concreta que me dá o ofício. E se meu verso não produz semente, Não é por isso que serei um triste E muito menos deixarei o vício. 13.05.1989


Recordação Antiga Olho a fotografia de meu Pai E ele, com seu olhar, me fita mudo. Neste silêncio nós dizemos tudo E dos lábios sequer um verbo sai. Mas uma lágrima dos olhos cai E nosso olhar se torna mais agudo... E neste olhar de ausência uso um escudo Para ele não me ver soltando um ai... O cheiro do cigarro feito a mão Ainda permanece no ambiente, E até pareço ouvir como um sermão, A voz materna em crítico alarido: –“Ah, vá, Lasinho, tenha dó da gente, Esse cigarro seu é bem fedido!” 26.07.1996


Poema feito Oração

Tantos versos já fiz em minha vida... Mas ainda não fiz, oh! Mãe querida, Um poema sequer em teu louvor. Por isso eu peço a Inspiração sagrada Para escrever com a alma apaixonada, O meu hino de paz, de fé e de amor. Minha querida Mãe, quisera agora Ícaro ser para voar na aurora E roubar, do astro-Rei, a auréola em luz E cingir-te com rios cintilantes, Com a coroa de brilhos coruscantes, Que em toda a Imensidão brilha e seduz! Minha querida Mãe! Neste momento O meu sonho era ter um sortimento De estrelas e luar em profusão Para fazer-te então, o meu presente, – Mas, pequeno que sou! – trago somente O meu poema feito uma oração!


Minha querida Mãe! Estes meus versos Não trazem esplendores de Universos Mas trazem sonhos, sonhos infantis... Sonhos, que agora, em êxtase relembro: – Aquelas noites quentes de Dezembro Onde eu era feliz... muito feliz... Ah, minha Mãe! Por que é que esta saudade Abre as portas azuis da Liberdade E em delírios de amor, voa no céu? – Meu pensamento traz uma lembrança, E eu recordo os meus tempos de criança Onde a vida era um sonho aberto ao léu... Ah! Minha Mãe! Ah! Minha Mãe querida! Tantos versos já fiz em minha vida E só agora escrevo em teu louvor! E, enquanto escrevo estes meus pobres versos, Tenho os olhos em lágrimas imersos E no meu coração – um grande amor! 03.05.1979


Painel Encantado

Às montanhas vou seguindo, Passos firmes piso o chão. Meus olhos seguem sorrindo Ao ver tão linda paisagem, Parece até ser miragem Toda esta contemplação! Uma ave de várias cores Soluça lerdo bemol. Multicoloridas flores Exalam suas fragrâncias E em flamantes rutilâncias Parecem cacos de sol. A vista se contagia Na paisagem que seduz. Tudo lembra uma poesia Feita com rimas preciosas, – Lembram odes religiosas Esse Templo imerso em luz.


Fonte d’água cristalina Minha sede faz matar. No chão forma uma piscina De água pura, transparente, Onde o sol, todo contente, Ver sorrindo, se mirar. Insetos dos mais variados Fazem tremendo zum-zum. Enquanto bandos alados De ligeiras andorinhas Junto às águas cristalinas Os devoram um a um... Extasiado o peito canto Uma alegria sem fim, Relva fresca me acalanta Enquanto que um tico-tico Vendo os versos que fabrico Diz que a vida é bela, sim... Apaixonado da vida Redondilho outra canção, E a paisagem colorida


Colore todo o meu verso Que toma o jeito diverso De um imenso coração. Já matei a minha sede Na clara fonte a jorrar... Oh! quem me dera uma rede Para prendê-la num galho, – Tendo o céu por agasalho Ah, como é doce sonhar!.... Eis um painel encantado Das criações do Senhor! Que criou, apaixonado, Aves, céus prados e monte, Nuvens, matas e horizontes, Com carinho e muito amor. 10.02.1993


Cantiga da Amiga Antiga

Esta saudade em mim é tão antiga Que já se transformou em minha amiga. Parece estranho, mas estou com ela E, se pensa em partir, tranco a cancela. Estamos juntos uma vida inteira Que ela se julga minha companheira. Vivemos presos como à roda o eixo: Engripa, às vezes, mas eu não me queixo. Em meus delírios sou seu par constante E tomo-a em meus abraços, como amante. Um pás de deux perfeito nós formamos: – Flores e frutos em formosos ramos! Se caminho distante, pela aurora, Em solidão, ela, sozinha, chora.


Parece atĂŠ que lhe tomei o nome E ela bem sabe o quanto isso carcome. Baixinho, me soletra esta cantiga: Se faz poetisa e diz que ĂŠ minha amiga. 01.06.1995


Verso I Dizes quando me vês:–“Sinto meu corpo em gelo, Descompassadamente o coração palpita E tudo ao meu redor num furacão se agita Como se eu estivesse em atro pesadelo... “Quando distante estás, lanço-e meu apelo Não pela minha voz, porém, minh’alma grita; Tanto, tanto de ti meu corpo necessita, Vem logo, meu amor, quero sentir-te em pêlo..! Dizes quando me vês... porém, apenas dizes... Mas se tento beijar tua boca que brilha E em êxtase viver esta real paixão, Tu te esquivas tal como as rápidas perdizes Que se embrenham na mata e fogem da armadilha Dizendo após um “não”, apenas outro “não!” 14.03.1982


Reverso II Dizes quando me vês:–“Com a força d’alma odeio Teu jeito, tua voz, teu carinho, teu gesto; Preferível até cometer um incesto Do que dar-te a beijar minha boca e meu seio... “Não tentes me barrar, falar-me um galanteio, Que irás ouvir de mim um veemente protesto. – Podes falar de mim, profanar que não presto, Saberei que é desdém o que dizes sem freio...” Dizes quando me vês... mas se tento ir embora, Envolves-te em meu corpo, agarras meus cabelos, Pedes que eu não me vá, te abismas entre crises; Dizes que sou teu céu, a luz de tua aurora, Que tem o meu amor só terás pesadelos, E te entregas sorrindo e outras promessas dizes... 12.09.1983


Jardim da Vida

Há no meu peito uma roseira triste, Com seus espinhos a ferir-me insiste. Às vezes, dela brota uma centelha E desabrocha em sua cor – vermelha! Em outras horas, de maneira franca, Pura, oferece-me uma rosa – branca! Porém, a rosa rubra, por maldade, Da rosa branca tira a virgindade – E em cada pétala alva, põe, exangue, Algumas gotas de sofrido sangue. 14.05.1995


Monte Cristo Mais um poema e outro cigarro aceso... Assim entre cigarros, eu escrevo O que a vista sentiu no alto relevo Da atroz cadeia onde me sinto preso. Sobre a cabeça sinto enorme peso... Mas do fardo livrar-me não me atrevo. Se o esquecimento vem, não sei se devo Travá-lo – pois o músculo está teso. Entre as paredes a fumaça bóia... O pensamento é lapidada jóia Que brilha coruscante em minha vista. E assim, outro poema em vão termino, Vendo através das grades – meu destino, E a impossibilidade da conquista! 23.12.1987


Motivos Já não consigo dominar a Lira, Pois neste mundo esquálido, a mentira Aos homens se transforma em grande lema! E toda a multidão segue assanhada Esta serpente má, pútrida, inchada, Carniceira infiel e sem dilema! E todos tiram seu proveio dela... Mas a revolta vem como procela Mostrar ao mundo que ela aqui não viça; E nas revoltas trágicas da idéia, A Mentira e a Verdade em epopéia Digladiam-se em busca da justiça. O que pode a mentira causa-me asco, Por que ela vem da boca do carrasco Ponde desgraça em vidas inocentes. Cresta o Ideal e bombardeia Sonhos, Tolda caminhos amplos e risonhos E faz o honesto ter ranger de dentes. Não consigo admitir que nesta Terra A uma palavra apenas, troe a guerra


Exterminando com inocentes vidas; Por que o Amor ainda é o dom profundo Que tenta controlar o nosso mundo Em existências multicoloridas! E vou lutando na ínfima batalha... Onde a ignomínia trágica farfalha Eu clamo a minha Lira de Poeta! Incomodados vão ao meu encalço, Querem que eu diga que o que digo é falso, Mas a santa Verdade me projeta! Que tentem provocar-me com chantagens Que com denodo venço os personagens Desta revolução desnecessária... Faço do Verbo – a minha prenda imensa! Do Amor – eu faço a minha santa crença E agrido a vida falsa e imaginária. E agora vós me olhais de forma estranha Por quê? Se a minha voz na alta montanha Cantou, viveu, sentiu e ainda canta, Vive e sente, está mágoa não me afeta: Tenho motivos para ser Poeta E uma feição dantesca, não me espanta.


Ao contrário de tudo, ainda sou forte, Por várias vezes sobrepus a morte E a residência azul do espaço aberto. Se, estou remando contra a correnteza, É porque trago a lógica certeza Que estou seguindo para o rumo certo! Que vibre em mim as forma da Verdade! Que eu mostre ao mundo da ferocidade A canção do Sorriso e da Esperança. Que a mentira não tenha seguidores, Que não existam trágicos amores Amortalhando sonhos de criança! Que tudo seja um sonho cor-de-rosa, Que não exista a peste pegajosa Pondo imundícia no adro das cidades. Que a esp’rança se renove um sorriso, E o mundo seja um Grande Paraíso Com visões de reais alacridades. 18.03.1979


Réquiem para Vinícius de Moraes O pássaro da noite abriu as asas negras E carregou consigo a alma do Poeta... E calou sua voz e levou o seu canto Para dar alegria a misteriosos mundos... Dentro da noite imensa o silêncio é de pedra E o silêncio se quebra ao soluçar de um pranto – Não mais vive o Poeta a cantar seus amores, Não mais canta o Poeta os amores da vida! – Partes num festival de líricas baladas E sonetos azuis e esperanças doiradas. Partes mas ficas, pois não morre quem é vivo, Quem o tempo não leva e a história não esquece. Calou-se a tua voz – mas ficam os teus versos! Calou-se o teu violão – mas ficam tuas músicas! Os versos e as canções que ficam numa prece Como recordação de quem morreu de amores! Tu abraçaste a morte em pleno ardor da vida Para rimar no céu ao brilho de uma estrela! Alma boêmia e pura e cheia de desejos


Quem como tu viveu uma vida tão plena? Amaste, foste amado e hoje, tuas canções São dádivas de amor, são hinos de esperanças Na trilogia eterna:– o Amor, a Fé e a Vida! Partes mais ficas, pois não parte para a morte Quem cantou com prazer as delícias da vida: Partes mas ficas, pois o Poeta não morre, Porque fica a luzir na rima de uma estrela De primeira grandeza ao longo do Universo! Tu não morreste, não, foste apenas brilhar Junto à Constelação onde estão os Poetas Que amaram como tu os prazeres da vida. Tu não morreste, não, Poeta Cancioneiro, Foste apenas fazer serenatas aos Anjos... Não mais vamos ouvir a tua voz pausada Declamar, com prazer, teus poemas de amor, Não mais vamos ouvir tua voz nas canções A cantar, com amor, a esperança da vida... Houve a separação e escureceu o palco De repente, não mais que um simples de repente... 09.07.1979


Polônia

(1981) O Espectro do Terror anda causando insônia! E o desespero invade os homens da Polônia Que lutam, sem cessar, pelo Ideal da vida. Em tudo vibra o horror nefasto e atro da morte, Ao céu está lançada a lutulenta sorte Onde o futuro jaz num rumo sem saída. Ergue na multidão a voz do Homem do povo, A voz que traz, de longe, a Esperança de novo, A voz que traz, vibrante, um futuro ao presente! Walessa! Herói do povo, ergue a sua palavra E lança-a á multidão que, incandescente lavra A luta pelo amor e a paz santa e fulgente. Os homens do governo impedem o Profeta De lançar o seu verbo à multidão esteta Que aplaude e que ouve toda a palavra divina. Tentam intimidar de forma brusca e bruta As verdades de luz na treva mais corrupta Mostrando a espada, a forca, a cruz e a guilhotina!


E todo o mundo se une ao desespero infando Da multidão polaca, onde a ambição, quebrando As Leis da Paz, do Amor e da Fraternidade, À Terra mostra um crime execrável, faminto, Mostra que vibra o ódio e o Amor está extinto, E a Canção da Esperança é um Hino de Saudade! De Roma – soa a voz do sucessor de Cristo, Porém, de nada adianta... o mal – ignóbil quisto – Vive nos corações das turbulentas feras. Que à ânsia de um Poder a multidão devassa E a cada dia vai tramando uma trapaça E a todos mostra um mundo enorme de quimeras! O mundo – no dantesco e horrível espetáculo Tenta se unir... em vão... tudo porque o tentáculo Do comunismo ainda é mais tenaz e mais forte. – Treme Varsóvia, após Moscou e Budapeste, E o grito de terror – como do Egito a peste – Varre mares e céus com seu poder de morte. À tumba, Sobieski lamenta os seus patriotas Que trazendo no dorso as idéias idiotas Tentam contaminar o Solidariedade!


Oh! covardes servis... o povo passa fome... – Quantos soldados ainda irão – na dor sem nome Lutar, depois morrer, por causa da ansiedade?... A farda não irá – como no tempo antigo – Ficar no corpo até que se vença o inimigo Que inimigos não há – e todos são aliados... Sofre o povo o desdém das idéias absurdas, E as mentes de Satã a apelos estão surdas E o comunismo vendo os ideais traçados! Hitler vence outra vez na vida – estando morto. Machiavel, no sarcasmo, irônico e absorto, Grita solene:–“Os fins justificam os meios!” Vibra a depredação e o espetáculo imundo Abominável, cresce e penetra no mundo Devastando ilusões, sonhos e devaneios... E o mundo se tortura ás torturas polacas... Contrito, o povo reza ao som de mil matracas Para que reine a Paz e que viva a Bonança. – A América, a África, a Ásia, a Europa e a Oceania Se unem na mesma dor e na mesma agonia, E pedem que o porvir traga a Luz da Esperança! 25.01.1981


O Pintor Certa vez um pintor, querendo numa tela, Pintar o Bem e o Mal saiu pela cidade, Procurando encontrar quem fosse, na verdade, Seu modelo ideal. Ele, aliado àquela Busca incessante olhava em todos os lugares Para tentar captar algum rosto expressivo: – Praças, ruas, jardins, cassinos e bazares – A toda hora mantinha o olhar atento, vivo, Para, enfim, conseguir o que tanto buscava! Neste seu Ideal trazia a mente escrava, E jamais desistia – iria achar um dia, A exata perfeição da sua fantasia. Certa vez, no atelier, quase rasgou a tela, Porque não conseguia encontrar um só rosto Para exaltar o Bem! Seus olhos, no desgosto, Tinham angústia, tédio e aflição, mas naquela Total desolação, eis que batem à porta, E ele vai atender... No chão, toda enrolada, Uma loira criança erguia os dois bracinhos E chorava de frio... A rua, triste e morta,


Trazia a cerração da fria madrugada, E o pintor com as mãos repletas de carinhos O corpo recolheu da criancinha loira... – Uma aura azul do céu todo o seu corpo doira!... Mas o pintor sequer notou essa coroa Que seu corpo cobriu... com a criança nos braços Começou a clamar que esta vida era boa, E dizia, sorrindo, apertando em abraços, O pequenino ser: – “Deus olhou minha vida! Sabe que sempre fui honesto e meu trabalho É nos sonhos pôr luz e deixar colorida Cada tela que pinto!... e gora, se preciso, A este filho que a vida ofertou-me do nada Ao mundo mostrarei de fato o quanto valho! – “Meu filho, tu terás uma vida encantada, E teus dias serão de eterno paraíso... Pintarei, com prazer, centenas de paisagens, Para poder te dar o que necessitares; Seremos só nós dois por sublimes viagens, E teremos o céu e o mais lindo dos lares! Tu irás estudar, terás bons professores,


E um dia, curvar-se-ão aos pés de ti, doutores... Oh, meu anjo divino! Em qual plaga celeste Foste tu concebido? Em qual região divina Os anjos dão a luz? Porque tenho certeza Que és um anjo que veio iluminar-me neste Solitário viver... mudarei minha sina E entregarei por ti a minh’alma em defesa”. – “Filho que não gerei e hoje tenho em meus braços, Fruto talvez, do amor de proibidos abraços; Oh, tu não foste, não, na vida abandonado; Vieste para cá, por mim serás criado, E eu cuidarei de ti com todos os carinhos, E te irei ensinar os melhores caminhos Da jornada do sonho... e se for necessário Com tintas pintarei, deixando colorida, As estradas que tu seguires nesta vida, Não te deixando, não, na estrada do calvário!” Porém, como a criança aumentava o seu pranto, Com carinho arrumou no atelier um canto: Improvisou no chão com tela não pintada Um pequenino berço, enquanto preparava,


Alguma coisa enfim, que servisse ao acaso, Para uma mamadeira... E a criança chorava... Mas o pintor achou escondida num vaso Uma velha garrafa em tintas esmaltada; Com velha luva fez improvisado bico: (“Amanhã deverei comprar umas chupetas,” Pensou...) e encheu de leite o velho recipiente, E enquanto carregava o seu sonho mais rico, (A criança, a chorar, fazia-lhe caretas.) Pôs-se a dar de mamar... no acanhado ambiente Uma luz celestial se infiltrava por tudo... A criança mamava e o pintor calmo e mudo Viu-a por fim dormir... Lá fora, a noite fria, À densa cerração guaiava uma poesia... Muito tempo correu a areia na ampulheta... A criança cresceu, com alma de Poeta, Tinha dentro de si a inspiração divina, E era hercúleo e era forte, um fruto do desejo... E era belo de ver o Pai e o Filho – Artistas!


E eis que um dia, o pintor o seu olhar afina, Ao ver o filho, e quer, num fantasioso ensejo, Pintar o Bem e o mal com cores imprevistas. À sua frente tinha o Bem! pois poderia Inicial ali seu projeto arrojado... Procura velha tela onde iniciara um dia A esboçar tal desejo e voltando ao passado A inspiração voltou... “ – Meu filho, não te mexas, Não, não tire da testa estas preciosas mechas De cabelo. Assim... Aí mesmo... Parado!...” E depois começou num ritmo alucinado A dar, com os pincéis, as formas vigorosas, Daquele belo rosto... e arfava de alegria; De seu filho captava as expressões radiosas E este, ao seu velho pai, declamava e sorria... “ – Não, velho pai, não jamais este que pensas... Não tenho esta beleza olímpica que dizes...” Mas o pai não falava e só cantava em crenças


O prazer de pintar essas horas felizes... Muito tempo depois estava transportada Toda a imagem do Bem numa tela pintada! “ – Agora, filho, irei buscar algo que exprima O Mal para acabar esta minha Obra-prima!” Mas o pintor jamais, em toda a sua busca, Conseguia encontrar o rosto que buscava. Por isso, novamente a tela inacabada, Esquecida ficou num canto abandonada... E novamente o tempo, em sua forma brusca, Que modela as feições e cicatrizes cava Nas belas expressões, marcou sua passagem... O filho do pintor apaixona-se um dia De uma bela mulher! Bela que parecia Nalgum deserto ser Angélica miragem... Com ela se casou e partiram felizes Na ânsia de conquistar os mais belos países... E esquecido ficou do velho lar paterno, Sem notícias mandar ao que ficou no inverno... Triste e só o pintor recolheu-se em seu canto


E não pintava mais... Vendeu tela por tela E uma só lhe restou, de todas a mais bela! A tela inacabada... e para seu espanto Ainda em noites saía e olhava sempre atento Para ver se encontrava o Mal nalgum momento... Alguns anos depois (velozes são os anos...) O filho do pintor se esqueceu do passado, Dos conselhos do pai e entre engodos e enganos Abandonou o antigo amor idolatrado Por causa de uma bela e esperta messalina; O trabalho largou e junto à concubina Prazeres foi buscar... E enquanto o seu dinheiro Pôde tudo comprar, viajou o mundo inteiro, Mas um dia se viu às faces da pobreza E a concubina fria e cheia de esperteza O filho do pintor abandonou sem nada... E ao se ver, triste e só na fria madrugada, Foi em busca do antigo amor que ele deixara Um dia para traz... Surgia a manhã clara E ele a casa chegou de onde saíra um dia Para os sonhos viver da louca fantasia...


Com calma abriu a porta. Entrou. Com passo leve, (Mais parecendo alguém a pôr os pés na neve) O frio corredor atravessa com calma, E traz em suas mãos, arrependida, a alma! Ei-lo à porta do quarto. A angústia lhe estremece. Procura no passado uma esquecida prece (Talvez para anunciar o fim da madrugada, E o fim da sua dor), aquela velha porta, Porém, sua mulher, há diz que jaz morta... Tenta gritar, porém, face tamanho espanto, Embarga a sua voz no mais sinistro pranto. Desesperado sai e nesta dor aziaga, Pouco tempo depois, nos bares se embriaga... A noite vai acha-lo andando pela rua, Ébrio, dizendo em transe, estrofes para a lua. Por vários meses anda a esmo pela estrada, Os cabelos não corta e a barba está alongada... Madrugada. E ele está num bar agonizante, Porém, ninguém consegue enfim, reconhece-lo, Porque carrega n’alma horrível pesadelo.


O pintor chega ao bar e olhando aquele vulto Andrajoso, tem pena e leva para casa, Aquele ser que tem um triste olhar oculto. – Um vômito ruim de sua boca vaza Enquanto xinga e ri num gesto extravagante... Pragueja sem parar, mas segue cambaleando, Aquele que lhe dá as mãos de quando em quando. Chegam ao atelier vazio e abandonado: “ – Fica quieto aí, dou-te paga por isso, Preciso terminar antigo compromisso...” Diz-lhe o velho pintor arquejante e cansado. Pregando a antiga tela ao velho cavalete: “ – Não, não tire da testa as asquerosas mechas, Este vômito aí escorrendo em filete Dá-lhe a expressão do Mal... Quieto, não te mexas. É um instante somente, eu rápido termino, Depois irás viver teu trágico destino...” E os rápidos pincéis daquelas mãos artistas, Seguem pintando o Mal com cores imprevistas... Quando ao raiar do dia a tela estava pronta,


O Bem e o Mal na tela eram horror e afronta; E o pintor exclamou para a sua auto-estima: “– Posso agora morrer, eu fiz minha obra-prima!”. E o pobre embriagado acordando do sono, Vendo o velho pintor num canto abandonado A tela contemplou... Um pavoroso grito Naquele quarto ecoou e encheu todo o infinito: “ – Esse que aí está num plácido abandono, Com as feições de triste e o rosto macerado, Ai, é o mesmo pintor que me pintou um dia, Quando eu lhe declamava uma bela poesia. Este é meu velho Pai, e o Bem e o Mal, oh, sorte, Fui eu que lhe inspirei antes de vir-lhe a morte!...” E cambaleando foi num último desejo, Nas faces de seu Pai dar um sentido beijo. .................................................................. E quando ao dia o sol lançou raios doirados, A luz foi encontrar Pai e Filho abraçados... 06.06.1995


Festa Junina (Poema Caipira)

Soa a marvada viola E ela a minh’arma consola – Consola meu coração. Pois hoje – aqui na cidade, Vivo preso na sodade De uma noite no sertão. Enquanto os versos rascunho Recordo... era o mês de junho, Muito frio, cerração... Mas numa aberta clarera Ardia imensa foguera, – Era noite de São João! A lembrança me apaixona, Pois quando o Zé da Sanfona Mesmo antes da procissão Tocava lindos dobrados, Já deixava apaixonados Os moços da murtidão.


E o baile intão começava, Eu a Rosinha flertava Como quem quer nada, não... E ela – faguera e formosa, Com as faces cor-de-rosa Mantinha mesma intenção... O balão no céu subia, E uma garoinha fria Embaçava os lampião; E a gente então, bem sapeca, Tomava cheia a caneca De um delicioso quentão. Logo o céu, todo estrelado, Se tornava iluminado Com os brilho dos balão. E cada estrela cadente Deixava ainda mais quente Dentro d’arma o coração. O amor passeava sorrindo O foguetório tão lindo Causava admiração. –“Mas quem foi que teve a ideia


De sortar traque-de-veia No improvisado salão?” A criançada sapeca, Sempre levada da breca, Sempre numa danação, Sorta busca-pé somente Pra ver as moça demente Erguer as combinação. E o arvoroço é compreto, Mas eu, em meu canto, quieto, Dizia com inspiração Para Rosinha catita Umas trovinha bunita Do fundo do coração. E o rojão no céu estoura! A noite a esperança doura Na nossa imaginação. Chabum! Chabum! E a poesia Toma conta da alegria E a bomba estoura no chão.


Rosinha come pipoca, E eu lhe tasco uma beijoca, – Beijo robado é tão bão! E ela, abanando-se ao leque, Morde meu pé-de-moleque E não faz contestação. No céu a chuva de prata Faz de luzes serenata No poema da sedução. Rosinha fica acanhada, Diz estar apaixonada E me oferta o coração. D. Maria, coitada, Chega toda atrapaiada E pergunta pro Tião Se não é este o momento De fazer os Sacramento Das reza e da procissão... –“Ainda é cedo, comadre, Pois eu convidei o Padre Pra vir fazer um sermão. Mas antes será levado


Pra no rio ser lavado Nosso querido São João!...” Enquanto isso no terrero O veio Zé Sanfonero No arrasta-pé e no baião Mais animava a festança E o povo todo, na dança, Era só animação. E na noite tão bonita A alegria era infinita E causava sensação... E um outro, num arremedo Gritava:– “Viva São Pedro! Santo Antonio! E São João!” E havia um calor bem terno Que nem parecia inverno Bem parecia verão... Pudera... D. Maria Vendo a caneca vazia, Nela punha mais quentão.


Mas eu, com a arma quentinha, Ficava oiando Rosinha Num traje chita-fustão. Eu a oiava... e ela me oiava... E noss’arma tava escrava De um amor feito paixão. Mas logo D. Maria Manda parar a folia, Que o padre, dum carroção, Para a murtidão acena, Quer as rezas da novena E também da procissão. E todos ficam rezando, Mas disfarço e fico oiando A minha fror do serão. E sô um tanto atrevido Quando faço o meu pedido E ela atenta, me ouve intão. E digo todo brejero Que quero ser o Padroero De uma festa de São João, Para – aos dobrado da orquestra


Dar a minha própria festa E a Rosinha – a minha mão. E sô bastante atrevido, Faço ali o meu pedido Aos pais de Rosinha, intão... E ela me ouve e não diz nada, Mas com as face corada Fica a sorrir de emoção. – Bem manero tinha linha, E peço para Rosinha Com amor, com devoção, Aceitar o meu pedido Pois lhe digo, decidido, Que é dela o meu coração. – Então, no mesmo momento É marcado o casamento Com grande satisfação. – Minh’arma é um céu que se doura, Pois dentro da noite estoura Mais um festivo rojão... .............................................


Hoje distante de tudo, Na cidade vivo mudo Na minha recordação. E o meu céu hoje entrevado Já não fica mais dourado Com o brilho de um balão... Tudo se perde a distância... Rosinha é um sonho de infância, Apenas um sonho vão... E me resta a intensidade De uma palavra – Sodade! De uma festa de São João! 05.06.1996


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