SEMEADURA

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Semeadura Versos de Esio Antonio Pezzato 1991


Parte I

Adubando a Terra Oitava Rima

A ideia está completa na cabeça, Porém a forma está toda confusa. Antes que a inspiração desapareça, Será preciso agradecer à Musa – Necessário se faz que se ofereça O Verso para quem declara e acusa O momento de agira de forma clara Porque a ação, cada vez fica mais rara. O Verbo na Verdade sempre explode E quem não tem razão morre calado... Se se pode dizer... se se não pode, O instante do depois será testado. No céu toda Palavra vira em Ode Não, porém, o gemido derrotado; Com força audaz que o mundo todo fira Os sons sensíveis desta minha Lira!


Quero um Canto fazer de forma nova Que não cause estupor nem cause espanto, E o Silêncio infinito seja a prova Que toda a multidão sente meu canto, Pois eu quero falar a minha trova Na universal linguagem do Esperanto, Para saudar as terras mais extremas, Com as rimas de Amor de meus Poemas! Corre, meu Verso, corre o mundo inteiro... Faça-se ouvir nos largos Continentes – Vá ser do mundo todo – Companheiro, Vá lançar da União suas sementes. – Não, meu verso, não caia prisioneiro Que os versos devem ser independentes; Devem, livres, voar pelo Universo, Pois só assim terá sido um bom verso.

É hora de conquistar cada cidade Fazendo um bom discurso em plena Praça, Cantar mil loas de felicidade; – Quem é feliz, em tudo encontra graça! Porém, quando falar – Fraternidade, Muito cuidado, pois, existe a traça


Que indo direto aos corações, mutila Quem quer viver na Paz pura e tranqüila!... Aprendi a cantar quando criança E levava sorrisos ao futuro. – Esse tempo era tempo de esperança, E eu vivia num mundo todo puro. Ah! Bons tempos que guardo na lembrança Dos tempos infantis... por Deus – eu juro Que trocaria o resto dos meus dias Para voltar ao tempo das magias... Se hoje não trago mais os mesmos cantos Que dentro d’alma, alegre, antes trazia, É que meus dissabores foram tantos, Que me esqueci dos hinos de alegria. Mesmo tendo nos olhos rudes prantos, Ainda tento cantar minha poesia Com rimas pobres mas cheio de calma, Porque são cantos que brotaram d’alma. Viceja a Primavera!... nascem flores Á beira das estradas e nos galhos Cantam os passarinhos com amores Olhando para os pobres espantalhos


Que protegem os frutos dos senhores... Assobiando sigo por atalhos Para encontrar a primavera amiga Que entre amplos roseirais, feliz, se abriga... Oh! Primavera, com saudade lembro, Os meus tempos felizes de menino, Quando nos dias quentes de dezembro Compus o meu primeiro alexandrino. Recordações azuis que ora relembro Fazem parte constante do destino Do menino-poeta que sorria Ao terminar sua infantil poesia... Hoje os cantos são outros... a memória Retém somente cantos de justiça; Hinos de Liberdade, hinos de Glória, Que com a multidão se compromissa. – Não se conquista nunca uma vitória À base da vergonha e da carniça; Pois se a verdade pura me projeta, Tenho motivo para ser Poeta! Oh, meu Amigo, se a Esperança medra, Vamos cantar pois ainda vale a pena.


Vamos quebrar os corações de pedra Com um verso na mão e a voz serena... A Paz tem uma imagem poliedra Se bem que tenha a forma bem pequena; Por fim fazer com a Voz nossos arneses, Porque quem canta – reza duas vezes! 14.03.1983


Poema de Daniel Se alguém for declamar os meus poemas Nos próximos milênios, Eu creio que não haverá problemas Que teimem em desafiar os gênios Da inteligência humana, Que a cada dia vão vencendo ignotos Segredos, numa força soberana, Enquanto os que hoje, proclamamos sábios, Têm um porvir repleto de ressábios E mil pontos de dúvidas remotos... Avançam os cientistas A estrada imensurável do Universo O Sistema Solar buscam a fundo, Tentando um outro mundo Aonde jamais chegaram outras vistas! E eu aqui, e o meu verso, – Pequeno grão de areia neste solo Sou grão de trigo neste imenso bolo O qual chamamos Terra! Barqueiros do Universo! Os asteróides Tentais ainda entende-los, Porém, vos abismais com os cabelos De fogo de um cometa que no Orbe erra


Com órbitas esdrúxulas, ovóides... Eles, um dia, voltarão fulgindo E de vós restará sequer poeira... Eles virão sorrindo Mostrando sua flâmea cabeleira Para então, novos olhos contemplá-los Montados nos cavalos Onde em caminhos velhos Irão tirar, sorrindo, a água do poço... Leio histórias dos rotos Evangelhos E Ezequiel sorri em alvoroço... Suas visões eram de extraterrestres, Porém, Ele as fitava crendo em Mestres! Não, Mestres não, mas Deuses! Siva, Ariman, Eleusis, Duendes cadavéricos, Fantásticos, homéricos, Montados em corcéis de asas brilhantes, Com olhos e narinas fumegantes... Gênios de hoje! Amanhã Sereis apenas uma imagem pálida, Corrosiva, das mentes do futuro. Fitais apenas hoje, Aldebarã, Mas o porvir, seguro, Virá mais forte, poderoso, imenso,


E vós sereis estercorácia inválida E sem valor algum... e sem receio Penso que ireis valer menos que meio! As máquinas terão – assim eu penso! – Seus próprios pensamentos, E os Homens com seus parcos instrumentos, Serão desnecessários. Todos os maquinários Irão pensar por vós, oh, gênios de hoje, E vós sereis farrapos Coaxando iguais aos sapos Que nos lodos da noite Arrastam os seus trapos Sem ter quem os acoite! Gênios, o tempo foge As correntes elétricas avançam E a lâmina do tempo tudo corta. ................................................... Não descanseis, Poetas! Não descansam As idéias. A vida é sempre morta. Continueis fazendo mil poemas Aos próximos milênios, Pois creio ainda que haverá problemas Que teimem em desafiar os gênios! 14.07.1989


Canto da Agonia Perdido n’alta noite, em desespero aflito, Todo o meu coração, num pavoroso grito Esta apóstrofe exclama em lívida magia: – Agonia, agonia, agonia, agonia! Tremo de medo e o medo aumenta em mim. Apelos Não consigo fazer. em negros pesadelos Eu sinto em mim a noite atra, negra, medonha, E alucinado saio. A minh’alma não sonha Pois em mim é real esta visão que expele Ígneos raios de fogo. Ardente, minha pele Não agüenta o calor e a noite está tão fria... Agonia, agonia, agonia, agonia! Tudo envolto em pavor... numa sinistra crença Morro dentro de mim e em negra recompensa O inferno aterrador abre-me os negros braços Querendo me abraçar em sinistros abraços... E novamente em mim, a angústia faz morada... No enorme manto negro, a lua, ensangüentada, Pinga estrelas de foto e – negra bordadeira! – Borda uma cruz vermelha e vermelha bandeira Tremula no atro céu macabro. A noite é fria... Novamente em meu peito, a rima da agonia


No estribilho feroz, a mim mostra-se rude; E o fim da vida é o fim... e o fim da juventude É o fim... e o fim de tudo é o fim... e o negro açoite, – Negro vento cruel! – arrasta mais a noite Ao longo labirinto onde este canto medra Bufando ódio, ira, espúrio, e a avalancha de pedra, De pedras enche a noite e a estrada em pedras, cheia Da vil superstição soluça, devaneia... E o terrível macabro e profano estribilho, Num ímpeto feroz, tolda o ígneo e rubro brilho Do Sol que quer brilhar em mágica euforia, Mas tudo chega a mim num Canto de Agonia! 15.04.1980


Ode ao Nove de Julho Os grandes heróis Paulistas Tombaram – porém, em pé! E o pendão das treze listas Mostrou o poder da fé. – Foram heróicos soldados Que tendo sonhos dourados Mostraram o seu valor... E agachados nas trincheiras Ergueram mil cordilheiras Com a base feita de Amor! E todo o povo paulista Com a força do coração, Foi constitucionalista Com ardor e devoção... Mesmo sendo injustiçado O paulista ergueu seu brado Que hoje em dia ainda se vê. E quatro jovens tombando Deixaram todos clamando O M.M.D.C.!


Vai, Miragaia – valente! E Martins – vai se rival! Dráuzio – na linha de frente! Camargo – vai triunfal! Na sigla audaz e radiante, São Paulo segue confiante Rumo aos páramos de luz! E com sobranceiro orgulho Bradam o Nove de Julho Que o brasíleo céu seduz! Que importa se houve vingança, Ódio, rancor e desdém? – Se ainda temos a Esperança De ver triunfar o Bem, Para nós isto é o que importa, O resto é paisagem morta Repleta de ingratidão... – Medalha que expele fogo, Profano e maldito jogo, Negra e lívida oração! Mas o povo Bandeirante Que mostrou se colossal E que seguiu sempre avante


Com denodo magistral, Dando à morte sua vida Mostrou sua alma aguerrida Aos rincões desta Nação! E cada soldado altivo Clamou em coro cativo: –“À Pátria o meu coração!” Mártires dessas jornadas, Em cada peito febril Cintila em letras douradas Um nome apenas – Brasil! E com triunfante orgulho Dizeis que o Nove de Julho Representa o que hoje sois. E quais grandes timoneiros, Sois Soldados brasileiros, Soldados de Trinta e Dois! 09.07.1980


Engenho Central

Teu destino é viver! (Francisco Lagreca)

Venho para o recanto antigo, venho Buscar a solidão do velho Engenho, Seu passado buscar... Entre árvores imensas, verdejantes, Vejo sombras perdidas e distantes, Vejo um vulto passar. O coração em êxtase palpita... A riqueza de brilhos é infinita, Que fere o coração. Na sombra um vulto pálido e sombrio, Entre saltos, no Salto desce o Rio Numa lenta oração. Perdido do passado na conquista, O Vulto flutuante lança a vista A uma história fugaz... É o Barão de Rezende que retorna Para o futuro em malhos de bigorna, Num desejo de paz.


É o Engelho Central, que junto ao Rio Epopeias viveu num alvedrio Numa força de Amor. É o lar perdido na folhagem densa, Que guarda ainda imaculada crença Presa em seu interior. E o Rio surge audaz, forte, valente, E a vida no suor de tanta gente Move o Engenho Central... Na paisagem sublime, soberana, O verde que se casa à verde cana Verdeja o canavial... O Operário cansado mais trabalha... O suor – combustível da fornalha – Acende o fogaréu! O cheiro da garapa e do melado, Do açúcar e do mel é esparramado E sobe para o céu. Os sonhos crescem no fulgor dos sonhos, As esperanças fazem mais risonhos, Os rudes corações –


E o Engenho forte, belo, rude, altivo, Cada vez mais do olhar deixa cativo Baronesas, Barões!... Salve, Engelho Central! Oásis verde Desta Piracicaba que se perde Em usinas além... Foste o Panteon de glórias desta Terra, A força ultriz que os corações encerra, Foste Vida, porém... Teu prédio altivo, majestoso, belo, Guarda de Deus o mais sublime elo Da corrente do Amor... Guarda o suor sagrado do Operário, Que para receber o seu salário, Deu-te o maior valor! Guarda histórias e mil histórias guarda... Os tijolos à vista da mansarda, Guardam sonhos febris... Filhos que aos pais levavam o almoço, E havia entre algazarras e alvoroço, Sorrisos infantis...


E ao doce sonho de teu sono doce, De fora a força estranha também trouxe O Progresso febril. Homens – em ti buscaram fama e glória! Heróis – que conquistaram a vitória Adoçando o Brasil!... Hoje – és relíquia de um passado nobre; A hera esverdeada as tuas formas cobre Para te perpetuar Em segredos guardados entre chaves, Mas que são desvendados pelas aves Quando estão a cantar! Velho te visitar... com passos lentos Vou apreciando os lerdos movimentos De outros, que iguais a mim, Enrustidos em meio à Natureza, Procuram decifrar tua beleza Que é imensa e não tem fim... É uma questão de Amor... e há no meu peito O grito forte, alegre, satisfeito, De te ver a sorrir... Forte e imponente aos séculos tu vences,


Hoje, porém, ao povo tu pertences, – Pertences ao porvir... És legado dos homens do passado, Que com o pensamento iluminado Deram-te a vida a ti... E hoje, ao porvir glorioso a vista cravas, Marcado por mãos livres, não escravas, Que te ergueram aqui! E eu com o coração feito Poeta, Olhando o Rio imenso que projeta Tua sombra imortal, Junto a Lagreca faço-te uma prece, Que o verso do Poeta te enobrece, Oh, Engenho Central! E ao te deixar após tamanho encanto, Após te oferecer neste meu canto Rimas do coração!, Vejo com a vista entorpecida, pasma, Passar por mim, a rir, branco fantasma, De um formoso Barão! 01.05.1991


Ao Crepúsculo Todos os dias, quando a noite desce, E o sol despede-se fazendo prece À hora crepuscular, E há prelúdios de salmos entre as aves Que em allegros sublimes e suaves Instigam-me a cantar... E ao longe, o terno sol d’Ave-Maria Invade o espaço e há ecos de Poesia A retumbar nos céus; Olho o horizonte que de luz se banha, E penso ouvir nas cristas da montanha O respirar de Deus! De joelhos então – piedoso monge! – As minhas vistas lanço ao longe... ao longe, E faço uma oração, E nest’hora de mago franciscano, Ouço o choque das águas do Oceano Fazendo uma Canção!... É formoso o momento – este momento Que a Água e a Terra em divino Mandamento


Ajoelham-se ao Senhor. E tudo numa arcoirisada crença Faz, em pura oblação, a mais intensa Declaração de Amor! Tudo – neste momento contagiante, Une-se num só grito altissonante De mágico refrão... Vibra a lia, flautins silva, chilreiam, E as almas toda do Universo anseiam De ouvir uma canção. E o Senhor canta quando a noite chega... Até parece uma escultura grega Quando fala o Senhor... E sua fala – mágico tesouro! – Faz que as palavras se transformem no outro Dos instantes de amor! Oh, Poetas, vós todos, acredito, Com os ouvidos lançando no Infinito Já ouviram esta Luz – A Luz que brilha e ao mesmo tempo fala, E enquanto fala – suave essência exala E brilhos lança a flux!


Oh, Poetas, sois voz a semelhança Perfeita do Senhor, pois se Ele lança Esse facho triunfal; Vós fazeis a Epopéia num só verso, Para glorificar todo o Universo Com o sobrenatural... E Deus também nos mostra que é Poeta, Pois com rimas de luz e voz de Esteta, Perlustra a Imensidão E atira sobre nós sua bafagem Para lembrar que o Grande Personagem De toda a Criação! 23.05.1983


Poema de Férias

I Saio a passear... as nuvens arrogantes Parece que conhecem meus passeios; Me acompanhando vão extravagantes E não mostram, por mim, quaisquer receios. Se agora eu fosse um mágico, faria Como Shimoda, desaparece-las. Mas qual! Eu faço e muito mau poesia, Que, às vezes, nem mesmo eu chego a entende-las. Creio que sou Poeta por acaso. Melhor: alguns de chamam de Poeta. – Nunca bebi nas fontes de Parnaso, Nem tenho o porte altivo de um atleta! Um semideus, como eram os antigos: Vergílio, Homero, Baudelaire, Petrarca... Nunca comi da Chelidônia os figos, E nem tive uma gôndola ou uma barca!


Nem fui herói! Sequer tive um cavalo. Pios ainda, nem sequer montei-o Com esses pensamentos eu me abalo E volto para casa sem passeio. II Vou direto em meu quarto para a cama E penso ler qualquer coisa que preste. Porém, a minha mente mais se inflama Quando leio um gibi de faroeste. Depois, rio a valer... me delicio Com as aventuras e com as fantasias Do Patacôncio, do Donald e o Tio Patinhas, que emprestei do amigo Elias. Ele tem uma coleção completa De todos os gibis, e eu, na aventura, Rindo das maluquices do Pateta, Não quis saber mais de Literatura. Os decassílabos e alexandrinos Podiam esperar, pois cada trama


Dos personagens, tinha mil destinos Que me faziam rir... rolar na cama. III Outras vezes eu vinha para a casa Para cuidar das minhas lindas flores: – A avenca está com a terra um pouco rasa... – Disso já vou cuidar com mais amores! As samambaias, os jasmins e os cravos, E o chorão com a grama japonesa Davam trabalho para dez escravos Libertados, porém pela Princesa! Porém valia a pena... as samambaias Com as folhas compridas de três metros, Mais pareciam flutuantes saias, E os cravos, pareciam lindos cetros... Foi olhando essas plantas que eu, um dia, Escrevi “Sonho e Realidade” e os músicos Jorge e Anuar, com grande maestria, Musicaram-na em bela marcha-rancho.


(Viram, faltou a rima ao verso acima, Mas faço agora rima coroada Para ajustar a que faltou em cima E fica tudo conta já acertada.) Enquanto eu conto as sílabas nos dedos A metrificação correr perfeita, Assim eu me desvencilho dos segredos Do Verso, já que a rima sai bem feita. IV Em casa sem ocupação é duro! O ócio mata bem mais do que o trabalho. Porém, eu faço um juramento: eu juro Que a tarde inteira vou jogar baralho! Após o almoço, é bom jogar um truco; Com o Isael de parceiro, não tem caldo. Enquanto o Júlio nos prepara “um suco”, Eu berro “seis!” no “truco” do Geraldo. Era vidinha boa... agora em Julho, Com o vento soprando a todo instante, Vou mostrar às crianças, com orgulho,


Que a minha pipa voa mais distante! Afinas as varetas é proeza Da minoria, pois, eis o segredo: – Se não segura a faca com firmeza Bem mais fácil será afinar o dedo! E quem já viu um dedo de varetas? Nossa Senhora! Isso é demais, tolice... Agora vou tomar três vacas-pretas, E logo após eu vou jogar boliche! Porém, Julho se acaba e vem agosto... O prazer que é benigno, dura pouco. O vento frio vem bater no rosto, E é além do mais, mês de cachorro louco! Meu poema também vai se findando E vou pensando em coisas bem mais sérias: Eu vou passar os dias trabalhando Com o pensamento fixo – em outras Férias! 26.07.1982


Fragmentos de Infância Lembranças, quantas lembranças Dos tempos que lá se vão... (Guilherme de Almeida)

Oh, que saudade que tenho Da aurora da minha vida (Casimiro de Abreu)

A Saudade é como um sino... Badala um som argentino Dentro de meu coração. E enquanto bate, badala Uma saudade que fala Numa tristonha canção... Em seu badalar me acorda, E vai desfiando a corda De uma saudade fugaz; Uma saudade que insiste Em deixar minh’alma triste E que em prantos se desfaz.


Lembro – perdida a distância A minha adorada infância Que entre brumas se perdeu., E enquanto badala o sino Distingo ao longe, um menino! E este menino – sou eu! E recordo... e bem sei onde: Foi lá, na rua Visconde Que minha Infância vivi... Trepava nos pés de mangas, Deitava a chupar pitangas E imitava o bem-te-vi. De todos vivia Amigo E vinham brincar comigo Lúcio, Bolacha, Didis. E agora, triste, pergunto: Por que não trago mais junto Os tempos que fui feliz?!... Cada um de nós era Artista: Um ia se maquinista Para andar sempre de trem... Um outro ia ser pedreiro,


(O Lúcio hoje é Engenheiro!) Eu procuro ser alguém... No tempo do mês de agosto Batia um vento no rosto Mas mesmo assim, todos nós, Soltávamos papagaios, Que, ligeiros, como os raios, No céu lembravam cipós. Tinha época para tudo: Girar arco, jogar ludo, Jogar bolinhas, peões... Às vezes, nos ribeirinhos, Íamos caçar peixinhos, Em junho – soltar balões... Quando dezembro chegava Meu pai sempre nos levava A caçar papa-capim. Mas hoje, quando me vejo, Ainda cheio de desejo, Tenho saudade de mim.


(A saudade é um tronco tosco!) No Oratório do D. Bosco Nós todos éramos reis! Ai, que saudade que guardo Do amado Padre Eduardo Que era tão cheio de leis... – Menina era proibida... Somente sóbria vestida Poderiam freqüentar As missas da sete e meia... E o grande pátio de areia Era também nosso lar... Alegre, no mês de maio (Hoje, às vezes, me distraio...) Ajudava a procissão Da Senhora Auxiliadora, Que era a primeira Senhora De quem quer fosse Cristão! Éramos todos – coroinhas, Cantávamos as ladainhas E toda a missa em latim. O “Tantum Ergum” na Bênção...


– Turíbulos ainda incensam As imagens de marfim... Antes da reza o recreio, Depois o cinema cheio Com os filmes de Tarzan... Tinha o macaquinho Chita, E aquela moça bonita Sempre ao lado do galã.. .............................................. O tempo era sempre curto... Mas hoje ainda sempre furto Momentos para sonhar, E sonhando vou vivendo, Porém, nunca me esquecendo Do que é bom de recordar... 23.09.1981


Passeio com meu Filho

Saio a passear... comigo vai meu Filho Que fica dando as ordens do passeio: – Pai, quero ir ver o Rio, aonde o brilho Do sol faz mais bonito o meu recreio... – É claro que as palavras não são estas, Elas aí vão para causarem rima. Por exemplo: ele agora quer florestas, Também quer visitar a sua prima... E juntos vamos nós pela cidade: Vamos à Vó, na Praça, no Mirante, Tudo numa total felicidade Que da vida real fico distante... No Bar do Celso toma Coca-Cola, Porém, ele me insiste no sorvete... Depois quer ir buscar Thaís na escola, E chora porque quer um canivete... Depois vamos à casa do Pacheco E o Thalles ganha balas de presente...


Passa no céu um lindo teco-teco E ele me faz perguntas de inocente... Junto o Pacheco vamos ver o Rio, E nos barzinhos da rua do Porto, A todo o instante o copo está vazio E logo o nosso passo fica torto. O Thalles fica, na infantilidade, Jogando mil pedrinhas sobre as águas, Tudo numa total felicidade Que da vida real, esqueço as mágoas... Depois, com o Arakén e com a Jandira, Que têm um lindo bar neste recanto, Rola alguma historieta de mentira Que risada provoca com espanto. O Elias chega logo e com orgulho Vai falando de sua esplêndida arte Que é fazer os bonecos com entulho E espalhá-los depois, por toda a parte. Quem vê o Rio em a margem direita, Pensa ver um montão de pescadores


Que estão fazendo uma ótima colheita, – Mas eles estão mais plantando flores... (O Thalles continua em seu brinquedo...) Logo após, uma garça, em sua graça, Voa, de leve, sobre um arvoredo, Logo após, outra garça – chega e passa... A tarde vai morrendo lentamente Ao som de um violão e de um pandeiro... Logo mais vem surgindo alegre, ardente, Um genuíno samba brasileiro. A criançada brinca em alvoroço, E meu Filho tem várias companhias... – Suor de terra escorre em seu pescoço, E ele brinca com suas fantasias... Atira pedras n’água, sobe em galhos, Não tem parada: corre, pula, salta. E desce até o Rio por atalhos, Para ficar olhando a ave pernalta... Fica tarde e lá vamos nós embora, Vamos deixar Mestre Pacheco em casa.


Depois vamos chupar alguma amora Para a língua ficar da cor de brasa... O Thalles não se cabe de alegria... Amanhã diz que vai sair comigo Para fazer de novo mais folia... (Ele está se saindo um bom amigo!) Chegando em casa, está todo contente, Conta para a Thaís que foi ao Rio, E ela faz beiço, fica indiferente, Depois, diz para mim num desafio: (Novamente aqui vou tramando a rima...) –“Ô Pai, não venha, não, mudar de assunto...” (Com solene discurso ela me intima) –“Se o Senhor for sair, eu quero ir junto...” 10.12.1987


Em Casa

Em minha casa, após o entardecer, Molemente deitado numa rede, E fico olhando os quadros na parede Numa visão repleta de prazer... Minha Mãe molha as plantas no quintal E as rolas e os pardais comem quirela, Formando uma paisagem de aquarela Nesta hora sonolenta, vesperal!... Minha Mãe e eu jogamos papo fora, Falamos do passado e do presente; Tarde abafada, tropical e quente, Sempre atrasada, a noite mais demora... Os beijinhos e os verdes tinhorões, Rejuvenescem com os jatos d’água... Espantam do calor a dura mágoa Soltando flores lindas, aos montões... As rúculas e as couves, com vigor, Aprumam nos canteiros suas hastes,


E os brotos que cortei para desbastes, No chão de terra vão perdendo a cor. Vou ao quintal e faço companhia À minha Mãe, que molha suas plantas, No chão os moranguinhos fazem mantas Verdes-vermelhas, numa sinfonia... A mangueira, com flores cor carmim, Atrai abelhas que – pólen a pólen – As florinhas miúdas beijam, bolem, Num vôo que parece não ter fim... Pés de mamão, maracujá e figo Formam neste quintal um paraíso – No chão o caramujo deixa um friso Para mostrar que fez um novo abrigo. A goiabeira, em profusão, atrai Saíras e sanhaços dia inteiro... Que fazem de seus galhos um poleiro E cantam para a ausência de meu Pai. Fico, às vezes, compondo algum Soneto, Enquanto minha Mãe faz guardanapos...


Depois voltamos em sonoros papos, Arquitetando um mundo de projeto. Ela me conta histórias magistrais – Fala como foi dura a sua infância... E, perdida num mundo de distância, Fica lembrando histórias de seus pais... Minha Avó que morreu bonita e jovem, E as Irmãs que morreram tão crianças... Divagamos perdidos nas lembranças E essas histórias tanto nos comovem... Às vezes, de improviso, chega alguém E também toma pare na conversa, Nesta hora então, o assunto sempre versa Numa informalidade que faz bem... Depois ficamos oura vez sozinhos E colocamos o jantar à mesa... E assim jantando temos a certeza Que nossa vida é feita de carinhos... 10.05.1991


Maria, Minha Mãe

Eu não sou Jesus... Embora a minha Mãe se chame Maria Eu não sou Jesus. Existem tantas Marias Com tantos filhos que não se chamam Jesus E nem são Jesus. Tantas Marias Que cuidam de seus filhos Largados no mundo. E eu embora não sendo Jesus Sendo filho de Maria, Tenho uma Maria que se equipara À Mãe de Jesus. Minha Maria cuida de mim, Lava minhas roupas, Põe o almoço à mesa, Lava, passa, Faz guardanapos, Cuida dos outros Filhos com iguais carinhos, Dos Netos, Tem amigos,


E muitas vezes me tira do caminho da cruz. Minha Maria Está de cabelos brancos, Neve de um tempo Que já em 85 anos... Minha Maria Lembra a Maria do Menino Jesus E eu não sendo Jesus Não pude ressuscitar o Lasinho... Minha Maria quando ele partiu Ficou triste, triste, triste, E eu mais triste ainda, Pois sendo filho de Maria Não era Jesus... Minha Maria Minha Mãe Este não é um poema de Natal Nem ao menos um poema para o Natal, Porém, Como Jesuscristinho anda muito esquecido E só é lembrado por causa dos presentes, Neste Poema,


Maria, minha Mãe, – Aceite-Me presente em casa Novamente. 22.12.1991


Para o meu Pai

(01.10.1987)

Pai, É preciso que o Sr. sare logo, Porque assim doente Será impossível, Pai, Que a gente possa agora em dezembro, Caçar papa-capins. Pai, Tá todo mundo preocupado Com a sua doença. Logo o Sr. que era tão forte, Osso duro de roer, É impossível, Pai, que não sai dessa. Pai, Vê se restabelece, Engorda, fica forte, A caçada exige pernadas E um bom papa-capim Não fica cantando na beira das estradas.


Pai, Teremos que ir mato adentro Com as gaiolas e as batedeiras. (Quem sabe a gente encontra um bom pintassilgo, Aí, sim, a caçada seria boa.) Pai, Vamos fazer tudo Como quando eu era criança, – O Sr. dando as dicas E eu enchendo as gaiolas. Lembra, Pai, Chegávamos a caçar até vinte papa-capins. Pai, E as casinhas de João-de-barro Que o Sr. trazia? Ainda existem duas em casa, Pai, Reminiscências do serviço pesado que era o Seu. Pai, Vamos esperar o Sr. sarar, Consertar o viveiro e criar curiós? Era gostoso, Pai,


Ver os filhotinhos saindo do ninho, E eu, criança, Arranjando navalha-de-mico, Arroz-bravo, cânhamo, gafanhotos, cupins, Para dar aos filhotes... E os canários, Pai, Os mestiços, As ninhadas de pintassilgos Que quase nunca vingavam... Pai, Não deixe que a doença o vença, Pai, A Mãe fica nervosa, A Rê, a Lena, a Dalva e eu Não gostamos de ver o Sr. comendo pouco, Deitado sempre, sem ânimo para nada. Chato dizer para os amigos Que o Sr. tá doente. Pai, Sare logo, Porque dezembro vem chegando E com ele, os papa-capins, Que estarão cantando aos bandos À espera de serem caçados,


Para logo em seguida, Serem soltos por n贸s, Novamente.


Para meu Pai

(26.10.1987)

Pai, Não teve mesmo jeito. O Sr. tinha que ficar encantado E encantou-se – O Sr. tinha que criar asas, Por isso voou – Como as rolinhas, os pintassilgos, os papa-capins. Pai, Foi importante Saber que o Sr. poderia, como os pássaros, Voar a imensidão azul Junto de Fernão Capelo Gaivota. Agora olhas aqui por teus filhotes Que desarvoradamente Tentam bater as asas Em prelúdios de vôos rasantes.


Pai, eu Que dia desses planejava caçar papa-capins Junto com o Sr., Agora te vejo pássaro liberto da gaiola Aberta por alguém menino – E como caçá-lo, Pai, Se como o sem-fim Apenas posso ouvir teu canto? Em que matas verdejantes te escondes, Pai, Que te tornas etéreo e impalpável, Sombra e Luz, Canto e Magia? Pai, Foram os canários rolleres Que abriram a porta de tua gaiola? Ou foram as rolinhas, Que em nosso quintal – livres! – Sempre pousavam em teus joelhos? Ou foi um certo menino, – Chiquinho, aquele de Assis, Que acompanhado de foguinhos, Sabiás, bicos-de-lacre, azulões, Curiós, pulvis, melros


E outra infinidade de aves Que te deixou encantado e te fez voar? Pai, Agora que és um deles, Vens fazer ninho na jabuticabeira De nosso quintal, Assim poderás soltar teu canto Para que nós, Pai, Possamos te ouvir e te cuidar. Pai, Em casa resta O eco de tua voz transformada em canto, A rima de teu canto transmudada em voz, O silêncio de tua ausência, A gaiola vazia! – Mas os alçapões continuarão armados... Cuidado, hein, Pai, Pois senão bastará um teu descuido E te caçamos!...


Saudade de meu Pai

Quando recordo, Pai, nosso passado, Com o Sr. presente em nossa casa, Na face o pranto escorre em densa brasa Pois já não mais estas ao nosso lado. Um ano, Pai! Que estás de nós ausente! Ao tempo inexorável me sucumbo! E a saudade, pesada como chumbo, Tanto magoa o coração da gente. O câncer foi te consumindo em vida E lentamente, então, foste morrendo. Nós víamos sem crer... e assim não crendo, A todos ias dando a despedida... Cada dia mais triste, mais calado, Devas o eterno adeus aos que e amavam. E enquanto os filhos teus, tristes, choravam, A Mãe sempre te dava mais cuidado: “Tome, Lasinho, este fortificante, “Este prato de sopa está quentinho...


“Não quer tomar um pouco de caldinho? “Vamos, Lasinho, coma tudo, jante...” A Rege, a Dalva e a Lê, com vitaminas... Porém, dizias que não tinhas fome... E o câncer... (ai, este é o maldito nome!) Ia pondo em teu corpo, atras ruínas... Muitas vezes, levei-te até Campinas Para fazer-te radioterapia. Como doía, Pai, como doía Ver o Sr. passar tão tristes sinas. Nem fumar o Sr. tinha vontade... Mas mesmo assim compraste fumo e palha... Como eles eu forrei tua mortalha, Tudo num simbolismo de Saudade. Hoje, em casa, o passado está presente, Tudo recorda que o Sr. é vivo. Pois ainda está o teu lugar cativo E estamos te esperando... inutilmente... 26.10.1988


In Memoriam

Sem ti eu volto para a nossa casa E uma angústia de morte, me tortura! Infinita tristeza ora me arrasa Já que ficaste numa sepultura... Estás agora na Eternal morada Onde o Silêncio –tens por companhia; – Não mais verás o brilho da Alvorada Nem verás o nascer de um novo dia. E eras tão moça, eras tão jovem, tudo Ao teu redor desabrochava em rosas... – Teu futuro está mudo, mudo, mudo, Não mais terás manhãs maravilhosas! Entro agora, em silêncio, no teu quarto Onde tudo ainda está como deixaste. Para mim é difícil este parto, – Rosa arrancada abruptamente d’haste... Retratos espalhados pela cama, O chinelo em que andavas sem alarde,


Lençóis bordados, bibelôs e a chama De uma vela apagada que não arde. Na penteadeira estojos de pintura, Um livro de poesias que eu, um dia, Te ofertei com carinho e com ternura... (Eu dar poesias para uma Poesia!) Tudo é teu e mais nada te pertence Já que não mais estás aqui presente. Por mais que eu me torture, chore, pense, Para sempre estarás de mim ausente. A tua cama desmontar iremos, Teu quarto agora vai ficar vazio... – eu barco não precisa mais de remos Pois flutuando vai seguindo o rio... Há frio na minh’alma, atra amargura, Neste meu coração silêncio, tédio... Sem ti a vida me será bem dura E para a solidão – não há remédio... Eu irei visitar tua morada Mas tudo me será bem diferente:


Nada tu me dirás, ai, nada, nada, O teu silêncio e fará presente. Querida Amiga, nada mais existe Do que a recordação... do que a Saudade Que deixa o coração no peito triste E triste fica cheio de ansiedade. Não mais irei ouvir os teus conselhos; Mas parece que vejo ainda teu rosto Refletido no brilho dos espelhos Onde te embelezavas com bom gosto. Quando á tarde, Gounod, na Ave-Maria Preludiar a noite em seus recamos, Eu irei te escrever uma Poesia Para o tempo lembrar que nos amamos... E se tu, no Silêncio e na Quietude Escutares meus versos, como prece, Lembra de nossa linda juventude E um beijo manda a quem jamais te esquece... 14.05.1986


Durante o Temporal (25.11.1987) Chove torrencialmente. A chuva grossa Despenca aos borbotões, do espaço aberto. Meu coração, de súbito, alvoroça, Não e sentindo perto. A enxurrada, na rua, desce, cresce... Meu desespero sobe e me apavora. A chuva me alucina, me entorpece, A alma em pancadas, chora... Lá fora a tempestade turbulenta, Aqui dentro, relâmpagos, escolhos... O sofrimento aumenta, aumenta, aumenta, Há trovões em meus olhos. Tento entreter o espírito... procuro Um livro para ler... mas um corisco Fulmíneo, rasga o céu, fico no escuro, Nos olhos cai um cisco. Uma goteira pinga na varanda E a cadência monótona, me irrita.


Onde, meu Deus, onde será que Ela anda?! A chuva deixa-a aflita! O martírio é sem fim... vou procura-la, Penso. Estará talvez toda molhada. Eis que chega. Tremendo. Adentra a sala, Me beija e não diz nada...


Para a que se foi

Se, trago n’alma desespero tanto, Se minha voz já não consegue o canto E a hora da angústia no meu peito medra; Se, o prazer pela vida ardente busco, Se, o coração de imensa dor chamusco, Se, tento abrir um coração de pedra; Se, dizes não a tudo o que te oferto, Se, queres meu viver amplo e deserto E em meu caminho solidão e abrolhos, Se, me amarguras com prazer profundo, Vou então inventar meu próprio mundo Onde os meus, não encontrem os teus olhos. Se a paixão sufocada me resiste, E, se retorno de maneira triste O caminho onde fui feliz outrora, Se, último me parece este desejo, Necessário se faz que um novo beijo Mantenha-me acordado à nova aurora...


Se o desespero hoje me sangra o peito, Se o mundo construído foi desfeito Por um capricho, ou por desejo oculto, Para esquecer-te eu tenho a Eternidade, E, um dia restará sequer saudade Deste teu hoje tão amado vulto. 23.03.1990


Parte II Sonetos Semeadura

Amo Preso à cama, o eu corpo era-me um mapa Onde eu seguir em vales e montanhas. Como um Rei soberano, como um Papa, Feliz, eu possuí tuas entranhas! Muitas vezes, usei a minha capa Para cobrir-te as formas tão castanhas – Outras vezes, com fúria dava um tapa, Para possuir-te com nervosas sanhas. Na arte do Amor, então, eu fui teu Mestre! O teu corpo era a minha Geografia, – Para não te perder, eu e marcava! – E na fúria do amor, num sonho equestre, Te conquistei inteira na porfia, Que te possuo ainda como escrava! 14.06.1990


Dos olhos Depois de tanto tempo, frente a frente – E o fantasma fatal de uma lembrança; Porém, os olhos, mortos de esperança, Sem brilho, olhavam frios, o Poente. Tétrico, o Tempo, inexoravelmente, Sepultou – qual coveiro em negra dança! – O nosso amor – e hoje, funéreo avança, Tentando destruir este presente. Só nos resta o passado, só nos restam Fantasmagóricas alegorias De um tempo bom que já não mais me ilude. Nossos olhos, por fim, somente prestam Para mostrar-nos mortas alegrias Que floriram em nossa Juventude... 25.07.1986


Ressurreição Meu sonho era um Altar abandonado Sem imagens de santos, sem rosário. Na lenta Via-Crucis do Calvário Eu era um pecador a ser julgado. O madeiro por mim era arrastado Para um Gólgota frio e solitário. Nesse atroz e patético cenário Eu ia ser enfim, crucificado. E nesta 6a.-feira de agonia Tinha sede – bebi fel e vinagre! – E soldados gozavam minha dor. Mas fui ressuscitado em novo dia, Pois teus beijos fizeram o milagre De dar-me nova vida para o Amor! 23.06.1990


Meus Dedos Teu cheiro está na ponta dos meus dedos: Com eles tateei teu corpo inteiro, Descobrindo recônditos segredos, Que agora, deles, vivo prisioneiro. Teu corpo, para mim, foi um braseiro Onde dourei meus sonhos lindos, ledos, Teu ventre – saboroso licoreiro, Onde afoguei meus traumas e meus medos... O olfato ora me diz que foste minha, Meus dedos denunciam-te a presença, Pois eles desvendaram-te completa. E minh’alma, não mais está sozinha. A paixão que nos une é tão intensa, Que a cada dia me sei mais Poeta. 24.06.1990


Do Amor

Imponderabilíssima Ilusão! Cantei o amor, porém, não era amado. Antes, era iludido e desprezado O meu sincero e simples coração. Em nome deste amor fui derrotado E cheguei à mais triste conclusão: – O amor não passa de uma diversão Que nos diverte até ficar cansado. Hoje, não creio mais nessas histórias... Se alguém vem me contar infaustas glórias De um amor, eu não creio nelas, não. O Amor é uma mentira que se aprende. Mercadoria que se compra e vende, Imponderabilíssima Ilusão... 21.11.1987


História Triste

Era uma vez uma princesa triste Que andava abandonada num castelo, Tinha no coração um sonho belo E uma esperança que não mais existe... E ela dizia: –“Se este atroz cutelo A perfurar meu coração persiste, Se à eterna solidão minh’alma assiste, Por que nos amor, meu sonho não atrelo?!...” E andando, triste, ela, infeliz, pensava... “Como farei para ficar escrava De um sonho lindo, de um ridente amor?” Mas foi-se o tempo e seu amor não veio... Com um punhal ela furou seu seio Morrendo um dia, de tristeza e dor. 28.06.1988


Aranha Aranha... e me prendeste em tua teia E não consigo me livrar da trama Dos teus fios sedosos... oh, Sereia, No teu, meu coração todo se embrama... Me aquece, que me aqueço nesta chama, Me chama, me inebria, me incendeia... O eu fio prateado é como a veia Que vai ao coração... e queima e inflama... Fulgura ao sol e qual viúva negra Me possua e no espasmo voluptuoso Eu morrerei feliz – pois esta é a regra... Com teus palpos mortais fere e me arranha, Põe em minh’alma do veneno, o gozo, Ao me prender em tua teia... Aranha... 15.07.1986


Soneto Canção Presta muita atenção, minha querida, Que vou te dedicar uma canção... Uma canção tão linda como a vida, Que faz ficar feliz, o coração. Ouve: minh’alma fica estremecida, Sinto o corpo ferver em emoção. Esta canção é linda e nos convida A ter na vida, um pouco de ilusão. Vem pertinho de mim, me abraça forte, Vou me tornar agora um belo Orpheu, Cantar até morrer – pois esta é a sorte. Ouve, Julieta, sou o teu Romeu! O que importa morrer? Que importa a morte?! A canção é de amor! O amor sou eu!... 23.02.1991


No Estio Agora que passou a tempestade, – Meu barco em águas mansas vou remando! – Instigas-me com olhos de maldade E duelo de palavras, vens tentando... Tentas travar minha felicidade – Falsos conceitos ficas inventando... Tudo numa total ferocidade, Como das lepras más, ascoso bando... Hoje que não conduzes mais o barco De nossas vidas, hoje que és passado, E vives tua vida em podre charco, Tentas com as mãos fazer os próprios remos, E que naveguem juntos, lado a lado, Os corações que estão em dois extremos... 14.11.1990


Engano O tempo, Amiga, em desenfreada louca, Tudo destrói com fúria e com maldade... Se, temos n’alma uma felicidade, Sempre ela nos parece muito pouca. Às vezes, nossa voz, de forma rouca, Tenta ao tempo pedir, com ansiedade, Que ele nos prenda na perpétua grade De um sonho bom... mas ele não se apouca... Rápido, ele carrega no seu dorso, Esperanças, anseios, sentimentos, Que conseguimos com tamanho esforço... Sendo ilusão, o tempo é igual fumaça: Vive vagando no valsar dos ventos, E faz sombra ligeira enquanto passa... 17.10.1990


Posseiro Teu corpo, para mim, é um mapa-mundo! Sei de cor teus abismos e montanhas! Tuas matas exóticas e estranhas, Teus lagos , onde os membros meus, afundo! Na geografia deste amor profundo Realizo as mais inéditas façanhas: Uso armas, armadilhas, artimanhas, E cada vez me torno mais fecundo! És minha Pátria! Falo o teu idioma! És minha Terra! E planto-me em teus vales! Vendo-te flor, aspiro o eu aroma! E sabendo-te fértil cordilheira, Bebo-te o pólen rubro de teu cálix, Desbravador eu e possuo interia! 17.07.1990


Sonhos Se em sonhos uma nova vida buscas, Vê que tu buscas tão-somente um sonho. E, a realidade é um Nero atro e medonho, Que Romas queima de maneiras bruscas. Se, chamas de ódio lanças e chamuscas, Nesta maldade – minhas mãos não ponho. Se a realidade ora me faz tristonho, É que matas meus sonhos e os ofuscas. Pensa bem nos delírios que tu fazes... Se, pensas procurar um novo oásis Onde possa matar a tua sede, Vê que o deserto só contém areia, E a caminhada de visões é cheia E outra irá descansar em tua rede... 23.03.1990


Reverso da Medalha

A aranha muitas vezes tece a teia Para caçar a mosca distraída; Mas, incauta, caíste na cadeia, E deste adeus da Liberdade, à vida. Tentei tirar-te de prisão tão feia, Mas o veneno foi uma bebida Que entorpecida e deixou sem peia, ... E eu não tive sucesso na investida. E muitos riram diante o meu fracasso... Enquanto eu, louco, te ofertava o braço, Tu seguias atrás de uma ilusão. E agora que chegaste ao fim do poço, Desesperada, buscas no alvoroço, Que te apoiava... e hoje te nega a mão... 23.04.1990


A Roseira Há no meu coração uma roseira Que insiste e teima em me deixar contente... Floresce em rosas, continuadamente, E, cativa, se torna prisioneira. Quando uma rosa, com perfume olente Desabrocha sangrando, prazenteira, Ela, a mim oferece intacta, inteira, A sua virgindade permanente... E assim, vamos vivendo nós: unimos Veias, raízes, sumos, liquens, imos,. Andando e perfumando alvos caminhos... Mas ela, às vezes, cheia de arrogância, Cuida estar só e numa impávida ânsia, Me cutuca e me fere com espinhos. 07.07.1986


Em “P”

– Partir! – para o Poeta pensativo, Partir parece a própria penitência, E o Pensamento, de penhor plausivo, Põe no porto um programa de prudência. Para o Poeta pobre, o paliativo Padece e permanece na pendência. Pronto ao problema popular me privo, E o povo-pedra, a podridão que prense-a. Paupérrimo perturba o pensamento Profundas pontes perpendiculares, – Pégasus que pacientes ao porvir, Procuram – prontos – ao padecimento, A própria Pátria em amplidões polares, – O Porto de aportar e de partir. 09.09.1988


Tela

Vive o homem a buscar felicidade Nos canteiros floridos da esperança, Porém, a cada passo que ele avança, Vai encontrando mais iniqüidade. Em tudo existe atroz ferocidade E as sementes produzem só vingança. Nenhuma traz um sonho de criança – Somente angústias a su’alma invade. A própria Terra já não tem mais vida, E o Homem, na angústia imensa se consome... Seu desespero torna-se total... – Parece a Terra a tela enegrecida De um quadro que o pintor não pôs seu nome, Pois foi rascunho para o original. 10.10.1986


Segredos da Noite

Era preciso que uma noite houvesse, Mais negra, mais profunda, mas intensa, Para que fosse necessária a prece, Para que fosse necessária a crença. A negra luz da noite espessa e densa Colocaria morte em quem quisesse Brilhar de uma maneira mais imensa, – A noite é sempre morte quando desce!... – E a noite, fulgurando sua treva, Em cada coração coloca o medo Que prevalece enquanto o sangue escorre... E de um ventrículo a outro, aos jorros, leva O sangue indesvendável do segredo Que encontra a luz na hora que em trevas, morre... 24.09.1987


Necessidade

Era preciso que uma noite houvesse Tão negra, tão profunda, ao feroz, Para que minha cavernosa voz Ao céu subisse igual profana prece. Era preciso que uma podre messe Os celeiros enchessem de arriós, Para que o desespero fosse atroz Estampado no olhar de quem padece. Era preciso que a matéria tosca Apodrecesse num paiol de pus E que a esperança, de uma forma fosca Se mostrasse coberta de capuz, E o apetite necrófago da mosca, Acuasse a multidão de encontro à cruz. 25.09.1987


Semeador

Tantos versos estão em minha mente Que é necessário apenas escrevê-los – E, quando a Inspiração vem num repente, Desfio-os como as lãs de alvos novelos. Dentro da noite então, andando pelos Rumos do Sonho, inesperadamente Junto à memória tento, em vão, retê-los Tal como o Semeador faz com a semente. Faço-me enfim, de Semeador do Verso! Nos campos adubados do Universo Lanço ao chão as sementes da bonança... – Passado o tempo da Semeadura, Todo o campo se cobre de ternura, Com as perfumadas flores da Esperança. 12.12.1987


Busca

Busca este meu Poema a Perfeição e busca A alva sonoridade em campos de Esperança; Porém, o meu olhar na imensidão se ofusca E o Espectro do Terror aos meus olhos se lança. Fatídico revés... na caminhada brusca Tento achar onde estão meus Sonhos de criança... Mas o fogo da dor minha Ilusão chamusca, Que o desespero a mim chega sem mais tardança. Deserto o meu jardim... onde outrora floria A pura perfeição da plácida Poesia, Hoje somente mina o mato e o cardo medra. Ah! nada consegui, mas um podre esqueleto Parece recordar os ossos de um Soneto Que sepulto ficou num túmulo de pedra. 23.12.1986


O Homem

O Homem se vangloria! E, enquanto busca a glória, De tropeço em tropeço Ele alcança as alturas, Para poder deixar o seu nome na História Ao povo que chegar nas épocas futuras. – Que vale a espaçonave a boiar toda flórea No imenso azul do céu, se tantas sepulturas São abertas de forma infusa, merencória, E nos causam horror, desesperos, agruras? O Homem se vangloria... e há neste vangloriar-se Uma Ilusão fatal, furuncular, funesta, Que para se mostrar, necessita disfarce. E o Homem se julga um Deus, um Atilas, um Aquiles! E, ao cantar esta força, em sua boca infesta Uma gosma esverdeada e amargura de bílis. 14.06.1988


O Tempo

O Tempo corre... a fina areia da ampulheta Flui em horas de sono em sua calma aflita. A vida brota breve, o braço bruto brita O corcel que cavalga em sensível carreta. O Ontem fenece, fica o fosfóreo cometa De uma lembrança azul na paisagem finita. O Homem agride a noite, em desespero grita E seu passado vê nas lentes da luneta. O porvir fica pobre e perlustra a derrota Que sobre os ombros pesa – o amanhã é uma fruta Que ainda está verde e a vida é de cinzenta rota. E o louco do Homem sai, alucinado, à cata Da efêmera visão do tempo e na árdua luta Não percebe que a vida é uma ilusão ingrata! 14.09.1988


Infância

Os dias do futuro estão chegando E os passado a distância vai seguindo. E aos quatro mundos, fico perguntando Para onde foi aquele tempo lindo... A alegria era pássaros em bando Que entre os jardins em flor, iam surgindo; E todos vinham, céleres, cantando, A sinfonia de um viver infindo. Hoje o futuro atroz se faz presente. Uma voz diz inexoravelmente Que o passado é uma bola de sabão Que fica flutuando colorida, E parece ter alma, luz e vida, E não passa de efêmera ilusão. 12.10.1983


Semeadura

O Pensamento – preso entre grilhões, Liberta-se nos campos da procura. Passado o tempo da semeadura A terra estoura em tenros tinhorões. Na úmida era viceja aos borbotões, Dá folhas, flores, frutos, em fartura. Mistura o cheiro do capim-gordura, Às acácias, às dálias, aos festões. Os pirilampos com os colibris Provocam espetáculos de cores Que a alma do camponês fica feliz. Um, na colheita – põe a sua luz! O outro, entre afagos – vai beijando as flores! E a Natureza o seu amor traduz. 23.10.1984


Coisas Sagradas

Penso em coisas sagradas... penso, e enquanto Nessas coisas sagradas – aéreo penso, Respiro no ar a essência de um incenso E de anjos penso ouvir etéreo canto. O céu se veste de um azul intenso E mostra-me do Amor – fulgor e encanto. Coisas Sagradas – vibração! E o manto Da humildade me cobre em sonho denso! No Oráculo da vida eu me ajoelho E a vida a mim se mostra no alvo espelho De um lago azul que me reflete o Céu! E em forma de asas, abro então meus braços, E na volúpia de abarcar espaços, Escuto a voz de Deus, num escarcéu! 23.10.1988


Operário

Coordeno o pensamento, os vocábulos prendo, E tento, entre grilhões, aprisionar a rima. Se a ânsia de extravasar em versos vem de cima, Então, às Leis de Deus no Universo me rendo! Se a idéia não vem pronta – é necessário a lima Que possa desbastar o que saiu horrendo, Em plena combustão, como ferro fervendo E à cabeça aderiu como poderoso ímã. Depois de tudo pronto – a jóia lapidada, Às vezes pode não agradar quem a leia, Como pode sair sem ter nenhum valor. Para o Artista, porém, será sempre lembrada Como obra capital, como a importante veia Que leva aos corações, os suspiros do Amor! 23.10.1986


Soneto de Faxina

Meu coração é um mar e nele existe um porto Onde as embarcações da vida, de hora em hora, Chegam sem avisar, trazendo um sonho morto, Uma dor, uma angústia ou uma paz sonora. Sempre de prontidão, logo ao luzir da aurora As cargas vão chegando e às vezes, eu, absorto, As bagagens misturo e depois, sem demora, Separo-as com mais calma em horas de conforto. Às vezes, nos baús dessas reminiscências Encontro, com prazer, cartas amareladas, Flores secas, papéis com mil anotações; E depois, sem saber as reais procedências De tudo o que encontrei, deixo-as ao chão, jogadas, Pois já não trazem mais sequer recordações. 14.10.1984


O Velho Quantas vezes, com as mãos apoiadas ao rosto E com o olhar pensativo, a fitar o Infinito, Fica ele a divagar... e a consciência, num grito, À sua mente traz um quadro já composto... Agora, quando a vida esmaecendo ao sol posto, (Sem que se note o vício atraído ao tempo) o rito Cadenciado, se mostra às faces do precito Que entre rugas estampa as marcas do desgosto. Perdido olhar sinistro!... além, busca uma estrela Que brilha cintilante e os seus olhos já opacos, Esforçam para ter uma visão mais forte Do que em vão tenta ver... e a vista força... e, ao vê-la, Julga estar vendo a Vida e os joelhos, sente fracos, E por terra estertora entre espasmos de morte. 13.02.1983


Cigarro O cigarro descansa no cinzeiro Enquanto, em espirais, lenta, a fumaça Se solta, preguiçosa, do braseiro E, em instantes, me deixa a vista baça. Forma desenhos no ar; um corpo inteiro Aparece impalpável nesta massa... Após, parece o corpo de um carneiro, Que, em marcha lenta, flutuando, passa... E eu fico a olhar esses desenhos... perco Do tempo, então, sua noção exata, E nesses devaneios, tolo, penso, Que o Ser Humano é este cigarro imenso, Que na vida somente vive à cata Da Ilusão que lhe serve por esterco. 23.10.1988


Lenitivo

Ao vitorioso um beijo satisfaz! E ao derrotado, nem milhões de beijos Podem matar a fúria dos desejos Que o gosto amargo da derrota traz. O derrotado no silêncio jaz Ouvindo ao longe, os urros benfazejos De quem canta a vitória com arpejos E nem se lembra o que ficou atrás. Às vezes, a derrota é uma vitória Que não é compreendida no momento Porque a amargura, angústias reproduz. Cristo também só teve sua glória Quando sentir na carne o sofrimento, E, no silêncio, padeceu na Cruz. 09.09.1987


Soneto do Passado Os meus poemas tinham os sabores De uma época que as frutas eram sãs, O cheiro dos canteiros de hortelãs E dos eucaliptais cheios de flores. Os meus poemas tinham os fulgores Do sol brilhando aos nimbos das manhãs, Das polpas rubescentes das romãs, Do arco-íris refletindo as sete cores. Os meus poemas tinham mil amores, Por diletas e tímidas irmãs Tinham das rimas fetos criadores. Mas hoje, minhas rimas são pagãs, Os meus sonhos tornaram-se traidores, E minhas esperanças foram vãs. 11.11.1988


Revisão

Passo a limpo os capítulos da história De minha longa e tenebrosa vida: Vou, pois, puxando os fios da memória E remexendo a casca da ferida... Jorra o sangue de forma aleatória, E quem me lê, de forma aborrecida, Não consegue encontrar dedicatória Nem vê tanta tortura carcomida!... Entro no mais profundo dos meus cômodos Para encontrar o mais nefando acervo Dos capítulos podres desses fatos... A alma, porém, encontra mil incômodos... Retraio o corpo e sinto em cada nervo, Profundo corte no findar dos atos... 13.10.1990


Cadeia Às vezes, me pergunto, introspectivo, Se, vale a pena me prender aos versos, E por vontade própria ser cativo Se, posso ter os mundos mais diversos. Tanto tempo atrás deles, tolo, vivo, Que poderia ter mil Universos, Se, eu os deixasse todos num arquivo, Se, os deixasse, então, todos dispersos... Esta espontânea obrigatoriedade Me faz que eu fique preso por vontade, Num desespero imponderado, louco... Vale a pena ser deles, prisioneiro, Pois com eles conquisto o mundo inteiro, E esta prisão me prende muito pouco! 14.10.1990


Meu Coração

Meu coração é uma tapera imunda Onde só cabem ímpios, maus e sujos. Cabe a prole bastarda dos marujos E o estuprador de mente furibunda. Em pensamentos maus ele se afunda E anda de rastos, como os caramujos... Pensa nas podres prostitutas, cujos Ventres, uma só vida atroz fecunda... Nojento escorpião – ferrão em riste – Sempre esperar seguir alguma vítima Que possa pôr em pânico cruel. Meu coração é podre, pobre, triste. Se, mata – busca uma razão legítima, E em seus ventrículos, só corre fel. 21.01.1990


Pureza

A minha luta é grande, e forte, e vã, Pois contra a idéia travo mil batalhas. Com as lâminas afiadas, as navalhas Teimam em não deixar a pele sã. No ontem trabalho o dia do amanhã E no arremate, ponho fim às falhas. Se as idéias tornarem-se grisalhas, Ao ofício retorno com afã. Domo o vocábulo, aprisiono a luz, Coloro a mente com o fulgor da aurora, Palmilho a estrada ao sol que me seduz. E num poema sobrenatural, Comungo a hóstia solar, que sangue chora, E fico sem pecado original. 23.03.1990


De Tocaia

A agonia letárgica dos Papas Causa-me desesperos e me oprime – Assim pensando num macabro crime Trago nas mãos uns estudados mapas. Na atra Noite procuro obscuras capas Para a Alma que, em pecados, se comprime. – Se, em versos negros, meu cantar se exprime, Para o lirismo dou sonoras tapas. Na geografia dos caminhos rotos, Conheço as espeluncas com esgotos Podríssimos, correndo a céu aberto. E na alta combustão do podre estrume Estiro minha pele num curtume Como réu condenado no deserto. 23.10.1988


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