Sonetos Imperiais
Sonetos de Esio Antonio Pezzato Piracicaba, 2003
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COMENTÁRIO DO AUTOR Eis mais uma coleção de meus versos. Novamente sonetos. Há mais de trinta anos buscando aperfeiçoar-me à sua técnica, aos seus segredos, aos seus mistérios, impossível deixar de tentar descobrir os seus meandros. Sempre em meus livros os sonetos pontearam e em duas ocasiões fiz-me publicar em sonetos apenas. A primeira quando da “Oficina de Sonetos”, em 1998, com cinqüenta sonetos, e outra, em 1999, quando publiquei “História de um amor”, com cento e cinqüenta sonetos. Porém, desta vez, ocultei-me no pseudônimo de Samantha Rios, já que os sonetos foram escritos dentro de um universo totalmente feminino. Somente em “caiPIRACICABAnos”, poema em oitava rima e “O Evangelho Segundo Judas Ish-Kiriot”, eles não aconteceram, 2
já que tais livros formavam uma unidade seqüencial: o primeiro em 512 estrofes em sua primeira edição, em 1993, aumentada em 2002 para 1000 e o segundo mais de 700 versos alexandrinos. Mas desde meu início no mundo da poesia, nos idos dos anos 70, ponteei o soneto. Certo que perdi a conta de tudo que já produzi, publiquei e perdi, mas já em 1978, quando estreei no mundo do livro, com “Luzes da Aurora”, depois em 1991, com “Semeadura”, 1997 em “Romaria”, 1998 “Viagem Poética”, 2000 “Portal dos Sonhos” e 2002 “Colcha de Retalhos”, os Sonetos sempre foram parte importante e imprescindível dentro de minha poética. A técnica por mim utilizada não foge aos cânones: decassílabos ou alexandrinos. Aos decassílabos busco sempre os versos sáficos, com cesuras nas 4as., 8as. e 10as. sílabas, pouco me importando os acentos secundários. Também nos 3
heróicos, com cesuras nas 6as. e 10as. e praticamente desprezando as demais acentuações. Já nos alexandrinos, tento o clássico: cesuras nas 6as. e 12as. sílabas, e buscando as oxítonas nas sextas ou, sendo paroxítonas, as próximas sempre se iniciando por vogais. Às vezes, no alexandrino ocorrem versos terciários, mas isto sempre por acaso. Com as rimas também sou cuidadoso nas quadras sempre o esquema ABAB ou ABBA, sendo que por vezes, inverto os esquemas ou mesmo chego a misturá-los no próprio soneto. Já nos tercetos chego a ser mais flexível: CCD EED, CDC DCD, CDC EDE, CCD EDE e ainda outros esquemas, porém, jamais usando, quer nas quadras, quer nos tercetos, rimas parelhas. Muito menos nas quadras, uso rimas diferentes. Foi assim que aprendi. Por este motivo, às vezes, o verso ou a idéia, por causa das rimas, saem meio 4
duros, mas sacrifico a idéia em louvor à Forma. Dentro do esquema rimário, contudo, não chega a causar-me preocupações rimas com sons diferentes: abertos ou fechados, como por exemplo: estrela e singela, deserto e concerto, e outros casos. Uso também rimas átonas e agudas, às vezes esdrúxulas, isto tudo dentro do mesmo soneto e creio que isto não lhe faz mal. Quanto ao título: SONETOS IMPERIAIS, a idéia brotou-me ao ver as Palmeiras Imperiais da ESALQ. A mim os Sonetos, dados ao seu porte, à sua altivez, à sua beleza, ao seu poderio, à sua grandiosidade, parecem ser imperiais, soberbos, soberanos. Assim juntei as idéias e dei título a este livro. Também cuidei para que a ilustração da capa não escapasse tal detalhe: são 14 troncos de palmeiras, numa analogia real aos 14 versos do Soneto. 5
Também os temas: estes são variados, já que foram feitos em diversas ocasiões e nos mais diversos estados de espírito. Alguns têm seqüência, e por isso foi que decidi dividir este livro em quatro partes. ALMA DA PALAVRA, SONETOS SOBRE O MISTÉRIO, onde todos saíram em pouco mais de 20 minutos, os SONETOS CASEIROS, falando de minha casa junto à Ana Maria, em início de nossa vida e depois a parte maior, e totalmente livre de temas. Aí são perto de noventa sonetos que dão título ao volume: SONETOS IMPERIAIS. Gosto de imitar meus poetas preferidos, sendo assim é natural que alguém identifique algo cheirando plágio, mas o propósito é natural, principalmente quando os versos trescalam no vocabulário de Augusto dos Anjos, que dado ao seu aberratório jeito de poetar,
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faz que qualquer imitação cheire a pastiche. No mais as outras considerações não me parecem ser importantes. Importa, sim, que meus versos possam ser lidos, entendidos, analisados e que tragam satisfação aos leitores. É esta a paga que o Poeta busca. Somente esta. Esio Antonio Pezzato
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ALMA DA PALAVRA Parte I I Das Palavras confesso-me um intruso, Pois todas elas trazem seu segredo Que às vezes deixam o homem no degredo Quando faladas com maléfico uso. Usando-as para o mal causam abuso E proferidas vêm provar o medo. Por vezes deixam o sentido azedo Se para atalhos a dizer conduzo. Eis a Palavra sorrateira, fria, Condutora de enganos e agonia, Que trago presa dentro da algibeira. Eis a Palavra que profana tudo! E é preferível ter papel de mudo Que fazê-la de nossa prisioneira! 03.07.2002 8
II Eis a Palavra, e ela se mostra fria, Quando verbete em velho dicionário. Porém, falada, envolve-se em magia, Tomada de vigor extraordinário. Transmuda-se feroz nesta alquimia Sai do apogeu ao fúnebre Calvário! Vigorosa, fatal, densa, vazia, Eis a Palavra em seu itinerário! São sete letras – fortes como o aço! Três vocálicos sons – no estardalhaço Ferem e matam, dão Poder e Glória! De tudo o que se pensa e se escalavra Resta somente, a pálida Palavra, Para contar o que ficou na História! 04.07.2002
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III A Palavra é uma faca pontiaguda Pronta para atacar, para a defesa, Arma que fere a própria natureza Que aos ataques profanos fica muda. Pode, às vezes, conter fulgor, leveza, Mas num instante apenas – se transmuda. E se torna feroz, ferina, aguda, Carregada de babas na vileza. Da Palavra provém meu artifício, Com ela moldo a rima, moldo o verso, E com estrofes urdo um edifício. Dobo com ela o instante mais perverso, E a Inspiração que a tantos é suplício, É a Razão para mim neste Universo! 04.07.2002
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IV A palavra me faz mordaz e forte, Com ela suo em gotas de veneno. E as almas sorrateiras eu gangreno, Prendo, julgo, condeno e induzo à morte. A Palavra conduz a minha sorte. Crio versos de amor com tom ameno. Teço a Lira, urdo o Som calmo e sereno E indico em sons o mais provável Norte. A Palavra está pronta para usá-la! Se às vezes a comparo a fina seta, Da minh’alma ela, faz a sua sala. Assim minha razão torna completa: Se em silêncio a Palavra vibra e fala, No Ofício do Silêncio – sou Poeta. 04.07.2002 11
V Sonho contigo no escaldar das horas Que passo solitário em desvendar-te. Bailas no espaço com um estandarte A tremular impávida... E me ignoras. Decifro-te os enigmas – parte a parte E tornas-te crepúsculos e auroras, Assim quanto mais forte tu clangoras, Mais sinto o peso crucial destarte. Oh! Mistério infernal que me crucia, Vejo-te fulgurante e brilhas tanto, E não consigo traduzir-te a lavra. Abstenho-me de abrir esta magia, E de maneira mórbida este canto Fica frente ao mistério da Palavra. 04.07.2002
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VI Dentro dos livros a palavra é morta E não produz sabedoria alguma. Porém, se alguém abrir do livro a porta, Irá vê-la fervendo em densa espuma. A exóticos países nos transporta Em cavalos alados de alva bruma. Forte e firme abre os diques da comporta, E mostra pérolas de luz, uma a uma. Porém, dentro dos livros a Palavra, Fria e extática lembra tão-somente O ouro da mina que não teve lavra. Mas se lábios em sons derem-lhe Vida, Quente e ofegante ela será polida E deixará de ser simples semente! 04.07.2002 13
VII A Palavra em seu som é a densa lava Que o vulcão regurgita em sua fúria. Ríspida, a alma se torna dela escrava, E deixa dos afetos – negra injúria. O tesouro reduz a ampla penúria E à Liberdade, o belo sonho trava... Eis a Palavra e a tempestade espúria Que nas rochas mais duras bate e cava. Seus segredos não dizem os mais sábios, Pois quando chega no tremer dos lábios Torna-se labareda que extermina. Em silêncio, porém, parece morta, Mas quando bate em guizos sua porta, Mostra todo o fulgor que lha domina. 05.07.2002
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VIII Busco ater-me ao axioma da Palavra E da maneira que ela vem escrita. E em ânsias a minh’alma se escalavra Num transe de maneira ultra-esquisita. É vão o ofício, perco o tempo à lavra. A busca de vocábulo é infinita. O papel de bolores se azinhavra Com desesperos minha fala grita. Tantos fizeram esta vã batalha, Buscando derrota-la em luta inglória, E a todos, ela impôs infausta falha. Hoje retenho apenas na memória: O seu fio cortante de navalha Que decepa cabeças na vitória! 05.11.2002 15
IX Bebo a Palavra na mais fina taça Que às vezes de veneno me vem cheia. Bebo-a de um gole só, tal como a idéia, Que num repente chega e logo passa. Faço com a Palavra uma Epopéia E ponho-a em livros ao furor da traça; Depois crio artimanhas e ameaça E prendo-a forte dentro da colméia. Sangro a Palavra e bebo-lhe a fuligem, Procuro decifrar a sua origem E seu segredo de maneira clara. Mas quanto mais procuro em minha lavra Descobrir o segredo da Palavra, Ela se mostra sorrateira e rara. 05.11.2002
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X A Palavra é minha arma no combate, É minh’alma que sangra enquanto luta. Com tentáculos de aço, é um alicate, Que golpeia na fúria da disputa. Raivosa, às vezes, como um cão que late, Estraçalha com verbos e executa. Abre imensos salões em atra gruta, Depois faz rendilhados, no arremate. Sangro com ela na batalha imensa! Por ela suo estrofes e poemas, Dela tiro em soluços, minha crença. É alma que pulsa em mim e dá-me Vida: Dá-me paixões e glórias tão supremas, Que percebo sequer a alma ferida. 05.11.2002
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XI A Palavra é meu cárcere diário: A ela estou preso com fatais algemas. É minha cruz nos passos do Calvário, É minha luz nas glórias mais supremas! Com ela teço o longo itinerário Para seguir as vastidões extremas. É treva ao longo do caminho vário, E claridade para as minhas gemas! Dia após dia, instante após instante, Sei-me dela um profano prisioneiro E sou cruel, feroz, e doce amante. Se busco defini-la, atroz se ofusca, Depois brilha no céu como luzeiro E jamais dá final a minha busca. 05.11.2002
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XII Se tento definir tua presença Dizes que nada dizes, nada dizes. Mas plantas na minh’alma cicatrizes, Partes depois em plena indiferença. E voltas novamente sem reprises Embaralhando em cartas minha crença. Retornas gorda – com vontade imensa, E, magra, voltas para as minhas crises. Quem te moldou primeiro o som metálico Te desenhando as arabescas formas, – Signos e hieróglifos, Pedra Roseta, Primiu-te a Vida com seu gesto fálico, E, deu ao Mundo as incontáveis normas, Foi mais que gênio – foi um Deus asceta! 05.11.2002
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XIII À Palavra estou preso como um ímã: Sete tentáculos são suas garras. Oh, Palavra! Tu prendes-me e me agarras E nesta lavra teço a minha rima. Aos meus ouvidos vens como as fanfarras Com seus toques marciais de forma opima. Não há revolução que me redima Quando a combates tensos tu me amarras. Suprema evolução da língua aflita! Em silêncio minh’alma clama e grita E explode em labirintos de loucura. Tens a fúria total dos elementos: Águas e terras, fogos e ímpios ventos, Moldam-te cristalina, doce, pura. 05.11.2002 20
XIV Quero a Palavra que se mostra nua, No alicerce de enormes edifícios. Desbastada de dogmas e artifícios Para domá-la no labor que estua. Quero a Palavra de maneira crua, Sem ranços de modismos e suplícios. Que traga na raiz fartos ofícios E que perfure fundo, como a pua. A Palavra no verbo mais sublime, Pura e ardilosa, sem razão no crime, Carregada de idéias para usá-la Na razão do sentido mais completa. Só assim poderei ser um Poeta Que será compreendido em sua fala. 06.11.2002
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XV A palavra afiada é como a faca Pronta para ferir, para furar. Em língua mole lembra uma matraca Feita para agredir, para atacar. Encarriada entre frases ela ataca Podendo denegrir e derrubar. Outras, vezes, em forma de catraca, Somente o que convém, deixa passar... Fortuita, às vezes, vive pelo acaso. Espalha-se em diabruras e gorjeios, E se transforma em flores no jardim. Lembra depois um já quebrado vaso, Para também, justificar os meios, Pondo um ponto final, chegar ao fim. 06.11.2002
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XVI Domo o vocábulo, aprisiono o idioma, Retenho a idéia e o pensamento abstrato. Depois solto pelo ar, ao livre olfato, Para as mentes prendê-los em redoma. Que as pessoas o sintam como aroma Que exala após a chuva o agreste mato. E prendam à retina igual retrato De uma paisagem que fulgor assoma. E o entendimento sem labuta e engenho Traga canções de amor e de ternura Junto à alegria imensa de um desenho Que uma criança faz presa à inocência: Mas que sua mensagem seja pura E retenha os segredos da ciência. 07.11.2002
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XVII A Palavra é a metáfora do medo Que me apavora e tanto me entorpece, Que não distingo nunca o seu segredo: Se, profana ou se diz sagrada prece. A Palavra povoa a minha messe: Dá fruto às vezes de sabor azedo. Outras horas em sonhos, me aparece E diz verdade em frases de brinquedo. Quem busca definir seu conteúdo Perde uma vida inteira em vão estudo Que ela é a Verdade cheia de Mentira. Engano da certeza e ao nada leva, Profano à Natureza é luz e neva, É água às vezes que fogo põe à pira. 05.11.2002
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XVIII A Palavra é mordaz, é sorrateira, É cheia de artefato e de segredo. Se por vezes é frígida e traiçoeira, E nessas horas causa pena e medo, Outras vezes se torna alvissareira E livra alma inocente do degredo. Mas pode ser cruel, fatal, certeira, E pode às vezes, ter sabor azedo. Nesse vai-vem frenético e constante Às vezes soa impávida e robusta E pode ser Mentira e ser Verdade. Mas ao dizê-la em seu raiar de instante, Sejamos nós a sua fonte justa Engrandecendo-a em toda Humanidade. 10.07.2002
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XIX Ferve o cérebro, há forte ebulição. Idéias congestionam-se nervosas. Há um bulício de pétalas de rosas, Parece vomitar atro vulcão. O corpo treme, é enorme a sensação. Sinto forças de fogo poderosas! Brilham estrelas, há maravilhosas Explosões; sinto o corpo alçar-se ao chão. Há um silêncio que grita a céu aberto, Tempestades de areia no deserto, Maremoto fremente de ardentias. A Palavra me chega de mansinho, Agasalho-a ainda dentro de seu ninho, E agrupadas, transformo-as em Poesias. 07.01.2003
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XX Ferve a Palavra e de maneira fria E calculista domo-a em seu furor. Na caldeira do Sonho e da Magia Há volúpia que vibra em estupor. Asas incandescentes ela cria E voa no Infinito em fúria e horror. Volta depois, e paira na Poesia E faz-me declamar versos de Amor. A Palavra, porém, paira indomável. E quanto mais lhe tento ser amável, Em labirintos de silêncios, ela, De maneira voraz foge e se entreva. E em sua busca insana eis que me leva Aos abismos profundos da procela. 13.01.2003
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XXI A Palavra se torna incandescente Quando ponho-a em meus versos, com desvelo. E vou criando em transes, um novelo De carinho e de amor em minha mente. A Palavra me vem como semente: Planto-a em meu coração com terno zelo. Colho-a em frutos depois de forte apelo, Na forma da verdade reluzente. A Palavra é meu culto, e forte, e viva, Faz minh’alma brilhar nela cativa, Faz o meu coração pulsar mais forte. Neste elo de paixão e amor eterno, A Palavra é meu céu e meu inferno, E eterna Vida após a breve Morte. 13.01.2003 28
XXII A Palavra contém sons e segredos E enigmas recheados de mistérios. Muitas vezes, conduz para degredos, Em outras vezes, para cemitérios. Deixam os sonhos de prazer azedos E sorrisos nos lábios ficam sérios. Traumas, delírios, desesperos, medos, E falta de atitudes e critérios. A Palavra é mordaz, solene, forte, Em seus delírios, desvairada impera, Sabendo conduzir a Vida e a Morte. Oculta-se nas ramas da tapera, Em seu azar transmuda a sua sorte, Em seu imenso brilho – em primavera. 22.04.2003
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XXIII A Palavra fulgura em minha mente Depois valseia como brisa leve. E cai no chão, transforma-se em semente, E vai brotando de maneira breve. Rompe as paredes frígidas de neve E se transmuda em lava efervescente. Chega às mãos que em desenhos a descreve Passando a ser mensagem num repente. No correr dos delírios dos minutos, Freme em folhas e flores, fulge em frutos, E cascateia em versos de prazer. A Palavra na força que me doma Faz-me invencível gladiador de Roma No intrépido desejo de vencer! 23.04.2003 30
XXIV Posta à língua a Palavra é pura brasa Que espíritos e sombras incendeia. Porém, com ela teço lírica asa, Para alcançar o sol e a lua cheia. Resplendor de ilusão é minha casa. Sobre a mesa a Palavra é minha ceia. Após é desespero que me arrasa Armadilha tramada em tênue teia. Sou voraz à perfídia que me doma, A solidão da noite é-me loucura, E a alma na insanidade atroz assoma. Confundo idéias de maneira impura, E como os Césares da antiga Roma Encontro enfim a minha sepultura. 23.04.20003
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XXV A língua lambe o cerne da Palavra E sente seu sabor amargo e doce. E dentro da minh’alma queima e lavra Como se em combustão um ferro fosse. No silêncio eis que tímida azinhavra E se transforma num medonho alcouce. Por isso sou amiga da Palavra Que desenhos arábicos me trouxe. Qual fiel escudeiro – olhar de lince, Domo-a aos tentáculos de cinco dedos Para que suas letras eu as pince. E sem traumas domar os seus segredos, Para me retratar como da Vinci, Com o sangue de todos os meus medos. 23.04.2003
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XXVI As Palavras são mágicas, traiçoeiras, Agem como profanas armadilhas. Iludem nas felizes brincadeiras, Depois conduzem às mais falsas trilhas. As Palavras inventam maravilhas, Fábulas ou histórias verdadeiras. Mas provocam ataques de matilhas E atiram flechas finas e certeiras. As Palavras induzem comandados. Perfilam homens rudes e sombrios Impondo ânimos, força de vontade. E há de deixar os sonhos exilados. Os dias de calor pálidos, frios, Até que se extermine a Humanidade. 24.06.2003
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XXVII Palavras são segredos – e com elas Construo pensamento num desenho. Vindo às bocas se tornam tagarelas E no silêncio penso nesse engenho. Escritas ou faladas são procelas. Vendo-as com os olhos, preso mantenho. Contudo expostas são profanas telas, Mostrando liberdade ou duro lenho. Para escrevê-las – somos desenhistas, Nem por isso, porém, somos artistas, Sabendo traduzir o pensamento. As Palavras, porém, são passageiras, Passam com rapidez, voam ligeiras, Se desfazendo no valsear do vento. 27.06.2003 34
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XXVIII A Palavra não pode ser domada Pois à fera é impossível obediência. Se por instantes sente-se enjaulada, Não há grade que tenha resistência. Rasga as vísceras, rompe a madrugada, Deixa restos de sangue na consciência. Cavalga pela noite alucinada Cintilando no céu da persistência. A Palavra fulgura cristalina. Doma corcéis, atinge a alta colina, E atira-se no largo precipício. Espírito de fogo, eis a Palavra, Que, coração de pedra atro escalavra, E, mente pura prende em ímpio hospício. 22.07.2003
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XXIX A Palavra é a mais límpida expressão Para deixar gravada a nossa história. Poder brutal de manifestação, Tempestade de fogo na memória. É o fio condutor de toda a glória E é terror, exorcismo e combustão. Fogo feroz, derrota merencória, Engendros, teares e revolução. No estado líquido do Dicionário É vocábulo inerte que se apresta Para mostrar apenas o que diz. Porém, articulada em seu fadário, Na língua do homem vibra e manifesta E estampa sua enorme cicatriz. 20.01.2004
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XXX As Palavras lançadas céu aberto, – Fosforescentes fogos de artifício – Às vezes são pregadas no deserto Ou no altar de profano sacrifício. Dominar as Palavras – duro ofício Para quem traça em luz um rumo certo! – Porém, quem a usa para o malefício, Sempre há de estar para o pavor – desperto. Por isso em Eras, minha heras planto, A chama da verdade que me chama É vão num vão da noite sempre vão. Em cada canto existe sempre um canto, O drama da consciência odiento trama Num desvão onde errantes sempre vão... 14.01.2004 37
XXXI As Palavras são fogos de artifício Que fazem rebentar a luz na treva. E o Poeta, réu confesso em seu ofício, Com a luminosidade ao céu se eleva. Da Palavra, inspirado ele se ceva E despreza o cansaço e o sacrifício. Se faz frio ou calor, se venta ou neva, Eis que está preso ao mágico exercício! Escrever é reter o pensamento! E domar o vocábulo e prendê-los Na cadeia fugaz da liberdade. Pois a Palavra – etérea como o vento, Ao mesmo tempo é sonho e pesadelo, É Mentira vestida de Verdade. 19.01.2004
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XXXII A Palavra é hieróglifo sagrado, Enigma de Faraós do velho Egito. Chão da Mesopotâmia soterrado E múmia a revolver a voz num grito. Eco feito silêncio no Infinito, Dos Deuses velho rosto deformado. Consciência e solidão, esgar aflito, Relâmpago de fogo não domado. Símbolo de uma antiga Humanidade, Traduzidos em mágicos segredos, Num oculto mistério da Verdade. Vagas vozes veladas dos zabumbas, As Palavras com todos os seus medos São os ossos das velhas catacumbas. 07.08.2003 39
XXXIII Chove Palavra pelo céu nublado. E em enxurradas corre na sarjeta. A grafite dos sons a deixa preta Qual borra de café pós ser coado. Ponho à Palavra dobras de tarjeta Para não ver-lhe o olhar frio e indomado. A Palavra é o delírio inanimado Da semente que brota numa greta. Líquida escorre em todos os sentidos, Parecem bailarinos acrobáticos Saltando no ar e após caindo em pé. Na vertical dos sonhos esquecidos Os meus olhos contemplam-nos extáticos, Na musicalidade dessa fé. 09.08.2003
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SONETOS SOBRE O MISTÉRIO Parte II I Oh! Mistérios profundos! Oh mistérios Existentes além da Inteligência, Que não os sabem desvendar a Ciência E tantos homens que julgamos sérios. Vivemos a apalpar a inconsistência Tentando descobri-los nos saltérios, Mas quedamos a olhar os cemitérios E eles, vetustos, são-nos a incoerência. E divagamos sobre a hipocrisia, Morrendo sem saber a cada dia Acreditando numa Eternidade. Porém, nada se faz por desvendar-se: A própria vida serve de disfarce Para ocultar seu lastro de Verdade. 13.11.2001 23:25h. 41
II Oh! Mistério que está por toda parte, Como posso viver sem resolvê-lo? Como posso viver se, ao encontrar-te, Penetro o mais profundo pesadelo? Encontro-te na minha simples Arte De reunir as palavras num apelo. E vibras como exótico estandarte Envolto em tênues fios num novelo. Dobro a esquina e não sei o que me espera Ao ato de escrever, a folha é branca. Enquanto durmo, sei que morro um pouco. Quem leva o inverno e traz a primavera? Como a palavra pode ser tão franca Se até na realidade sei-me louco? 13.11.2001 23:28h. 42
III Para um próximo passo – eis o mistério: Posso não existir quando o ponteiro Terminar o seu ciclo rotineiro E meu sorriso for ficando sério. Talvez exista falta de critério Neste sonho de vida alvissareiro, Ou talvez seja mesmo corriqueiro Levar uma carcaça ao cemitério. Todos os dias nós fazemos isso: Colocamos na agenda compromisso Sem saber se podemos realizá-lo. E quem vai cancelar a nossa agenda Se foi extinto o tempo da contenda, Se em vida somos menos que um vassalo? 13.11.2001 23:33h. 43
IV Haverá de existir um outro dia Para nós acordarmos novamente. Se hemos de apodrecer por ser semente, Em vida brotaremos em magia. Por certo existe um Deus onipotente Que faz acontecer essa alquimia, E o espírito que há tempos não sorria Tem vida e passa a ter novo presente. Se, dizem que a carcaça é que apodrece, E o impalpável retorna ao lar etéreo, Quem é que explica como isto acontece? Temos por isso o nome de Mistério: Uma saudade fica como prece Quando nos levam para o cemitério. 13.11.2001 23:37h. 44
V Mistérios, e mistérios, e mistérios, Desesperanças, e desesperanças. A alma perdida em sonhos e lembranças Por entre entardeceres tão cinéreos... Os carneiros estão nos cemitérios Para abrigar adultos e crianças. Uns são levados cheios de esperanças, Outros sem dentes vão, sisudos, sérios. Delírios, e delírios, mais delírios, E sombras obumbradas, brandas luzes, E almas em gozos, e almas em martírios. Um silêncio sinistro, um riso oculto, Mãos espalhando ao corpo algumas cruzes, Para espargir o medo de tal culto. 13.11.2001
23:43h. 45
VI Não posso compreender, porém é certo, Que além da morte algum mistério existe. E este quebra-cabeça é que resiste Quando dá morte, fica-se bem perto. Não cremos, não, errar pelo deserto Do infinito silêncio que persiste. Fosse assim e o homem viveria triste Sempre para o profano estando aberto. Contudo em seu silêncio ele se fecha E o receio é quem deixa à mostra a brecha Para com o corpo iluminar su’alma. E sempre que pratica algum delito Alardeando remorso clama um grito Para poder ter uma vida calma. 13.11.2001 23:49h. 46
VII Percebo-me seguir um labirinto E não percebo a porta de saída. A entrada foi regada a vinho tinto, Trôpegos pés tropeçam na corrida. Mas quem soprou em mim o dom da Vida? Quem me postou em pé sobre este plinto? Se nada lembro como nada sinto, Por que a memória faz-se de esquecida? Como saber quem fui antes de ser-me? Um rastejante e consumível verme Depredador por típica excelência? Se outros sofreram para o meu deleite, Por que na fonte conspurcar o leite Que bebo sem buscar sua Ciência? 13.11.2001 23:53h. 47
VIII Estou aqui, os versos vou compondo Na ânsia incontida de esclarecimento. Com meus olhos abstratos mudo, rondo, Procurando encontrar-me no momento. Sou carvão, cálcio, gás, fósforo e vento, Mas o cosmos, aflito, busco e sondo... Tudo a distância mostra-me redondo E encobre imperfeições no movimento. Extática, a áurea luz tudo ilumina. Os olhos foco sempre em linha reta E o pensamento hipócrita rumina. Recolho para mim, da luz, a seta E a Palavra, que brilha purpurina, Faz em mim sensações de ser Poeta. 13.11.2001 23:57h. 48
IX Minha Palavra é feita de fumaça, Baila no ar – basta apenas eu dizê-la. Sem conteúdo ou forma, não embaça, Também não brilha, por não ser estrela. Eis a Palavra, mas não posso vê-la, Pois, com o vento ao seu encalço, passa. Assim que a falo, já não posso tê-la E se torna ferina feito massa! Se a pronuncio, vai rodando ao vento E na metamorfose é monumento E vira espada para o ataque pronta. Tem o valor da prata por tesouro, Porém, não dita, vale o peso em ouro E o silêncio é que em transes amedronta! 13.11.2001 23:59h. 49
SONETOS CASEIROS Parte III I Nas noites em que faz intenso frio, O meu amor enrola-se na manta E enquanto Gonzaguinha eterno canta, Ela ao sofá se deita em calafrio. Eu feliz a contemplo – isso me encanta! Ela diz algo e distraído rio... E para não perder do verso o fio, Minh’alma em sonhos, nela se acalanta... Eu à poltrona concentrado escrevo, Ela fala, contudo não me tira A inspiração que vem-me num enlevo... São coisinhas caseiras o que digo, Então sinto afinar-se a minha lira Por ter este sereno e doce abrigo. 05.05.2001 21:31h. 50
II O lustre com as lâmpadas brilhando Ilumina esta sala por inteiro. Eu fico minhas telas contemplando Num sonho sem igual de prazenteiro. De minha amada sempre companheiro E sempre mais intensamente a amando, Esqueço qualquer sonho aventureiro Para ficar aqui num sonho brando... Pois a sala está toda iluminada, Minh’alma em brilhos fica apaixonada E ilumino-me todo neste amor. Fora faz frio, mas de nada importa, Aqui na sala não existe porta De onde possa escapar este calor. 05.05.2001 21:35h. 51
III Janelas na parede são molduras Por onde posso contemplar o mundo. Quando debruço com prazer profundo E vejo panoramas de aventuras... Olho um homem passar meditabundo, Duas crianças inocentes, puras... Contemplo pássaros pelas alturas E de outras alegrias eu me inundo... Passa um carro, passa uma bicicleta, Passam homens que voltam do serviço E toda a rua está movimentada... Súbito, em mim, acorda o ser Poeta, E atendendo da Musa o compromisso, Componho este Soneto à minha Amada. 05.05.2001 21:38h. 52
IV O telefone toca, eu logo atendo; É meu amor que fala todo aflito: “– Meu bem, de um favorzinho necessito, Pode vir me buscar, está chovendo...”
eu
Ai, o seu nervosismo é tão bonito... – Pode esperar, já vou aí correndo... Seu medo de trovão eu logo entendo: Faz orações..promessas... solta um grito... Vou correndo encontrá-la.. está molhada... Pois a chuva chegou sem dar aviso: “ – Ai, amor, eu saí despreparada...” Dou-lhe um abraço e solto o meu sorriso... Vamos embora e em casa, apaixonada, Faz-me sentir em pleno paraíso... 05.05.2001
21:42h. 53
V Em casa os vasos são os ornamentos Que embelezam com flores o ambiente. Beleza tal me faz ficar contente E,ao vê-los, me distraio em pensamentos... As flores são de vários sortimentos E todas, multicoloridamente, Fazem brotar da paz cada semente E com elas divago em mil momentos. Cada flor foi regada com carinho E tratada com zelo e muito gosto, Para deixar bonita a nossa casa. Entre tão belas flores, eu caminho, Estampando sorrisos em meu rosto, E, n’alma o amor, ardendo como brasa. 05.05.2001 21:45h. 54
SONETOS IMPERIAIS Parte IV Inutilidade O homem estuda e quanto mais estuda, Mais ele perde-se em sabedoria. Para os mistérios a palavra é muda E, à realidade, plena fantasia. Suas necessidades sempre adia, E, para um Deus, em vão, suplica ajuda. Em palavras douradas ele fia E, para novas crenças, ele muda. De nada vale o tanto que ele pensa, Tudo parece ser vagante ciência Recheada de total indiferença. Também se julga um Hércules de músculo, Mas só tem seu diploma de sapiência Quando contempla a vida em seu crepúsculo. Garopaba, SC 15.10.2001 55
Encantos Coração de Poeta sonhador Traz sempre um verso pronto para o canto, Uma ilusão alada, olente encanto, Um perfume colhido numa flor. Coração de Poeta sofredor Traz sempre o desespero, o desencanto, A tristeza a rolar no fel do pranto, Uma desesperança unida à dor. Tanto um quanto outro sempre são sofridos: Não conseguem prender no coração Os sonhos que vagueiam pelos ermos... Pois sempre solitários e perdidos, Quando sentem soprar a inspiração, De si próprios percebem ser enfermos. 05.12.2001 56
Saudade Oculta A saudade é canção que não se aprende, Mas sabemos de cor todo o seu canto. Invisível – parece ser duende E sorrateira chega e causa espanto. Em nosso coração seu canto acende Tal um riacho que brota como pranto. E vibra, mas por vezes não compreende Que ela nos cobre com seu régio manto. Se, choramos, em nome da saudade, Por que sentimos tanto a falta dela Quando nos deixa no romper da aurora? Pois já vai longe a minha mocidade, E eu já não sei como gravar na tela Tanta beleza que se foi embora... 01.11.2000
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Manta da saudade Cubro-me com a manta da saudade Sempre que penso em quem se foi embora. E a noite passo preso nesta grade Até que o sol venha trazer-me a aurora. E tece o coração, com suavidade, A canção do silêncio... se a alma chora. Pois quem partiu bem sei(eu sei) nunca há de Voltar como não volta a ser o outrora... Por isso deste frio me acoberto, Mas a vida é tão cheia de deserto Que nem mais ramos a florir contemplo. Esta saudade, dia a dia, cresce E cada verso meu lembra uma prece Que rezo neste pavoroso templo! 16.11.2000 58
Soneto Augustiano Usei de carne velha fantasia Para na vida não causar espanto, Porém não consegui, no dia-a-dia, Disfarce algum para ocultar meu canto. A podridão foi minha alegoria E fiz de sangue e pus jorrar meu pranto. Augusto – fiz soar numa fobia Meu verso, minha lira, meu quebranto! Incognoscível foi meu pensamento, Em meu Eu fiz zunir triste tormento De todas as tristezas fui oriundo. Jamais pude conter tantas comportas, Por isso só cantei as coisas mortas Das almas podres que encontrei mundo. 29.12.2000 59
no
Ritual Antes que o sono venha e eu me adormeça Necessário se faz compor o verso Na cadência monótona que cessa O ritual profano do universo. Noite de lua cheia... Névoa espessa Colore o espaço com seu tom diverso; E eu sempre, com o espírito disperso, Antes que venha o sonho e me entorpeça, Procuro labirintos... Mas que importa Buscar as sombras num desvão de luz Se até a paciência já jaz morta? Nada me importa e nada me seduz, Das faces fecho uma castanha porta Enquanto lêmures me fazem uuuuuus!...
10.08.1998 60
Remorso Todo o silêncio que entre nós agora Paira pesado como foi que veio? Se antes cantamos no fulgor da aurora, Por que no ocaso ele se faz tão feio? Se antes era cortado num anseio De um beijo dado em qualquer dia ou hora, Como foi que perdemos nosso enleio E que a palavra foi de nós embora? Ficamos horas, permanentemente Remoendo – sem força nem coragem – Palavras que jamais... jamais dizemos... Estamos juntos sempre e frente a frente Nós parecemos ser tola miragem, Mais parecendo estar em dois extremos. 13.03.2001
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O lago Supões que a vida é um lago azul. Supões Que tudo vive com tranqüilidade, E o divino poema da Amizade É corrente que liga os corações. Acreditas nos sonhos, nas canções, Ainda choras em horas de saudade. Julgas achar a paz, crês na verdade, Sem vergonha demonstras emoções. Mas este lago azul que amplo fulgura Serenidade e, à superfície, faz Um espelho onde o céu se mostra todo É armadilha submersa, é sepultura, E a aparência que mostra ser de paz, Oculta a morte, a podridão, o lodo. 14.03.2001
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Duelo A minha mente trava rebeliões Para escapar das grades da Poesia. A ela estou preso pela Fantasia, Como ao amor estão os corações. Os versos são a minha alegoria E ao compô-los pressinto sensações, Pois eles são as puras orações Que a Deus eu ofereço a cada dia. Porém, a liberdade não me alegra Porque, Poeta, vivo preso à regra E dela sei-me um súdito sem rei. Tão branda é a pena por saber-me preso, Que aos elos da Poesia saio ileso E, como réu, acato sua lei! 02.05.2001
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Releitura Às vezes fundo idéias e procuro Em velhos versos, pôr outra roupagem. Assim o meu passado é meu futuro, A nova realidade – outra miragem. Busco no pântano o desejo puro, Novos caminhos para outra viagem... Ao que antes saiu ríspido, atro, escuro, Novo sol, nova luz, nova paisagem!... Mas nem sempre, porém, feliz é a busca, A inspiração pensada ser brilhante, Num labirinto fúnebre, se ofusca... E a dor no peito torna-se concreta, Finda o verso e revejo-me ofegante Com a tristeza de apenas ser Poeta. 27.04.2001
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Os Sonhos Necessário se faz estar atento, Que o sonho se transforma em realidade E quando ele liberta-se da grade, Rapidamente embrama-se com o vento. Necessário seguir o movimento E prendê-lo em noss’alma sem piedade, Pois senão ele, apenas por maldade, Aninha-se com outro, num momento. Por isso, se estivermos distraídos, Os áureos sonhos passarão batidos E cairão n’outros vales mais risonhos... E nosso coração que ansiou-os tanto, Terá da vida apenas desencanto, Porque não conseguiu prender os Sonhos. 27.04.2001
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O Espelho O espelho onde me vejo refletido Está com suas cores embaçadas; Por certo necessita ser polido, Pois me reflete em formas encovadas... Mas é o mesmo das épocas passadas Quando tudo mostrava estar florido... Porém suas molduras já quebradas Mostram seu canto todo carcomido... Antes só refletia a mocidade E um caminho brilhante pela frente Hoje, com já vencida validade, Mostra este rosto um tanto diferente: Pareço – corroído de saudade! – Um rosto velho e um triste olhar ausente... 26.04.2001
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Soneto Caminha a Humanidade em seu labor diário A procurar na vida o pão de cada dia. E essa escalada insana é um lúgubre Calvário Onde tantos, com fé, tombam nessa agonia. Nada vale o trabalho heróico e extraordinário! E inútil é suor de tamanha porfia. Ao fim de tanta luta inexiste salário E tudo se transforma em negra alegoria. Funesto e triste olhar e delírio constante; Trôpego o Homem caminha e com seu passo errante O ódio em seu coração palpita, pulsa, medra. E ao término de tanto engodo e ímpia injustiça, De joelhos eis que cai sob a força submissa E fica a idolatrar seus ídolos de pedra. 03.03.2004
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Sombra Espessa Saltimbanco do Sonho e da Ilusão, Inundei meu viver de fantasia. Hoje me resta a pálida agonia E os acordes de fúnebre canção. Já não tenho motivo nem razão Para a felicidade e me crucia Esta dor que me punge dia a dia E – fina seta – fura o coração... Arredio das luzes – vou seguindo, Buscando a sombra espessa do caminho A um ocaso que à frente vem fulgindo... Tão-somente me resta, por desgosto, A solidão de estar sempre sozinho E fundas marcas a vincar meu rosto. 17.04.2001
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Arrepios O arrepio de morte que me invade Vem do frio de fora, ou vem do frio Que está dentro de mim? Se é arrepio, É mais que frio, é mais do que a ansiedade Da vida que me deixa sem saudade E sem saudade deixa assim vazio O coração que está ligado ao fio Que dá direto com a Eternidade. O arrepio é da noite. Se é da noite, Não é mentira que me fere o açoite Do vento que colide com meu ser. É a aragem fina que enregela-me a alma, Insanidade que me tira a calma E me atira à vontade de morrer. 28.12.1991
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Vandalismo Este caminho, mais que a solidão, Me traz a angústia de saber-me só. Vejo um amor que reduziu-se a pó Na estrada que conduz ao coração. Andando solitário como Job, Penso, no mar, ouvir uma canção E perdido no reino da Ilusão, Me acho mumificado Pharaó! Pirâmides de sonhos construí, Mas saqueadores, num desejo atroz, Roubaram meus tesouros... e eis-me aqui, Tentando pôr numa canção a voz Para recuperar o que perdi Do sonho que passou-me tão veloz. 02.10.1993
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De sentinela Poetas devem ter suas antenas Para captar as impressões do mundo. Estar atentos às pequenas cenas, E ter o verbo, em prontidão, fecundo. Devem cantar, em ternas cantilenas, Com o coração em prece, num profundo Carinho, as doces emoções terrenas, Com as quais pelo espaço, vão a fundo. Devem ter toda a sensibilidade, Viver num mundo de felicidade E ter o coração apaixonado. Olvidar as tristezas ou prendê-las Com os cadeados luzentes das estrelas, Ou requeimá-las com o sol dourado. 11.10.1994
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Decepção Eis o Poeta Sonhador, que um dia Saiu a procurar seus alvos sonhos. Galgou caminhos amplos e risonhos E encheu os seus balaios de poesia. Sonhando tanto, em sua fantasia, Na realidade viu – feios, medonhos – Mundos cheios de dor, mundos tristonhos, Mundos que não sonhava nem queria... Um dia, já cansado da procura, Seus balaios abriu e foi revendo Os sonhos que tivera no passado... E mil gritos soltou alucinado, Pois, em cada poema que foi lendo, Achava os sonhos numa sepultura... 15.06.1991
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Tempo O tempo, que não pode ser medido Em sua imensurável abrangência, Senhor da Matemática e da Ciência E de cada mistério concebido, Faz que nosso viver seja perdido No espaço interminável da Consciência: Vida! Glória! Apogeu! e a decadência De tudo quanto a nós foi permitido! Este período é mera abreviatura Do que será talvez a Eternidade Frente à Vida que é simples miniatura. O que hoje se nos mostra eqüidistante E parece insondável realidade Pode ser que nos chegue a um passo adiante. 27.01.2000 73
Dom Divino De joelhos, como um crente em oração, Eu agradeço a Deus o Dom divino De poder expressar em lírico hino Os sopros que me vêm do coração! A minha voz transmuda-se em canção E sinto-me feliz como um menino Que consegue enxergar o seu destino Na colorida bolha de ilusão. É, pois, sublime o dom de ser Poeta! Num plano superior, a alma se eleva E chega a Deus de forma alva e completa. E meu desejo, sendo assim diversos, Para um país azul sempre me leva E faz deixar mais puros os meus versos! 19.05.2000
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Herança De tudo o que me resta por herança, Somente irei querer as nuvens tê-las. Também meu céu bordado com estrelas Para contá-las cheio de esperança. Quero também meus dias de criança E minhas alegrias tagarelas, As tardes de verão vibrantes, belas, E a fagueirice de inocente dança. O regato com peixes coloridos, Pintassilgos num bando em alaridos, Variedades de frutos no pomar. Preso, porém, ao mundo da ansiedade, A herança está no plano da saudade, Enquanto o coração vive a sonhar. 14.08.2000
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Ocaso Às vezes, a pensar pela esperança Que tinha nos meus tempos de rapaz, Quando ainda meus sonhos de criança Eram cheios de luzes e de paz, E E E E
eu vencia artimanhas e esquivança o ânimo fazia-me capaz, eu entrava frenético na dança os olhos não volteavam para trás,
E somente o porvir floria à frente Num mundo colorido onde a áurea luz Raios jorrava continuadamente... Sinto hoje que o passado me seduz, Pois o brilho que fulge no poente Feito sombra no chão – lembra uma cruz! 14.08.2000
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Solidão Se existe a solidão, ou não existe, Necessário se faz que alguém me diga, Por que me chega em forma de cantiga A sensação que vem deixar-me triste?!... No coração cruel, fatal, persiste, Porém parece ser sincera amiga... Vive calada, não procura intriga E ao tenebroso adeus também resiste... E o peito se enamora logo dela, Pois, para todos, ela bem parece Sincera, cordial, calma, singela... Mas, sorrateira, a serpentear em S, A solidão se torna amarga prece E nos vigia como sentinela. 08.08.2000
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Sonho Cada sonho é um pedaço de esperança Que a gente sonha ser real um dia, Farrapo de sorrisos de criança Que voa pelo espaço em fantasia. Cada sonho é festiva, alegre dança, Pautado na cesura da Poesia, Um feliz passo que a alma doida avança No ritmo de sonora melodia. Nós, que levamos sonhos dentro d’alma, Por eles temos fé e temos calma – Cadência vigilante noite afora... E assim eles nos vêm durante o sono, Deixando nosso corpo no abandono Que treme assustadiço ao vir da aurora. 09.08.2000
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Soneto da Saudade A saudade é a agonia dos sentidos, A degeneração dos próprios ossos, Rezar Ave-Marias, Padre-Nossos, Ter frente a frente olhares já perdidos. A saudade, caminhos percorridos Através das lembranças dos destroços, Destruição total, enigmas, fossos, Vontade de viver tempos vividos. A saudade é uma lua merencória, Que vive a percorrer, em suas fases, Os quatro quartos do meu coração. A saudade é a lembrança de uma história Nublada com mistérios e com gases Invisíveis aos olhos e à razão. 02.05.2000
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Ilusão ferida A página virada ao pesadelo Esconde o atroz martírio do pecado, A mão estende o fio do novelo Para que nada mais fique embramado. Segue-se em frente andando para o lado, Na contramão do medo ao tolo apelo. Da cicatriz o corte ensangüentado Deixa em pé cada fio de cabelo. Ostento a luz à luz que se difunde E brilha sem cessar no mapa-múndi Estendido no chão da minha vida. Tudo é esperança se o passado é morto. E, se o porvir não cabe em qualquer porto, Até a própria ilusão pende ferida. 17.05.2000
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Prisão A vida, que procuro, busco-a em ânsia No labirinto, em que anda assim perdida Se a estrada tem mil léguas de distância E não parece nunca ser vencida? Os passos ponho dentro da constância Mas a ferrugem deixa corroída A sola dos meus pés... que nesta Estância Já sentem o cansaço da subida. A vida onde se oculta? aos céus pergunto... Se dela vivo junto na unidade, Por que inquiri-la tanto em tal assunto? De tanto aos céus bradar, sinto-me rouco. Como, em meu corpo, atá-la numa grade, Se a encontrá-la o viver é parco e é pouco? 18.12.2001 81
Brasas Os anos passam dizimando tudo E transformam histórias em saudade. E o coração sofrido fica mudo, Preso à angústia que o encerra em férrea grade. Aquelas mãos suaves de veludo Hoje estão frias frente à Eternidade... No rosto o pranto é a máscara do escudo Para ocultar atroz serenidade... Encontros sorrateiros e festivos Trazem somente espasmos dos cativos Numa tortura que é feroz e invade Os cômodos azuis de nossa casa E o coração, queimando como brasa, Explode em labaredas de Saudade. 06.12.2001 82
Tempo Antigo Minha querida Amiga, é muito bom Vir te falar em versos e cantigas, Pois as palavras são minhas amigas E assim no enredo nunca perco o tom. Presta muita atenção em cada som Porque minhas mensagens são antigas, São do tempo em que as belas raparigas Não pintavam os lábios de batom. Mas, ouvindo conselhos com bom gosto, Beliscavam de leve o próprio rosto Para tê-lo vermelho de paixão, Mas esses tempos eis que são perdidos E os olhares ficaram esquecidos E hoje não passa tudo de Ilusão. 06.12.2001
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Caminhos Percorridos Eu, coetâneo de achados e perdidos, Busco encontrar a solidão da mente, Que vaga mundos imprudentemente, Por caminhos à toa percorridos. Porém meus olhos, sempre distraídos, Estradas vagam displicentemente E jamais acham brotos da semente Para deixar os sonhos mais floridos. Assim, a solidão vive na rua E tão-somente brilha à luz da lua E busca refletir-se nos tristonhos Que vagam solitários nas calçadas, Alma nas mãos, angústias decepadas, Querendo alimentar ridentes sonhos. 29.01.2001
84
Estribilho A vida se repete dia a dia, Dentro de seu refrão imaginário. É o repetido canto de um canário Na gaiola boleada que o asfixia. O talvez do amanhã ainda é vário E o de hoje já perdeu a fantasia. Apenas a memória tem valia Ao cárcere perpétuo – mas diário. O que se fala, pensa, escreve, trama, Às vezes, pode ser que vire poeira, Ou seja consumido pela chama. E tal repetição é passageira, Pois o ato chega ao fim, não há mais drama E a própria vida se desfaz inteira. 12.02.2001 85
Mundo abstrato Um pouco de poesia fortalece O coração. Um pouco de poesia Pode trazer, se feita em tom de prece, Um pouco de ternura e de alegria. A poesia, ninguém jamais a esquece, Pois ela fica – doce melodia – No coração. E o coração a tece Para ficar feliz no dia-a-dia. A poesia, porém, anda esquecida: Já não colore os sonhos nem colore Os passos e os caminhos desta vida. Parece mesmo que ela não existe E embora o mundo abstrato a esqueça e a ignore, Sem a Poesia o mundo fica triste! 08.03.2001 86
Enganos Há tantos longos e perdidos anos, Edifiquei, dentro de mim, um sonho... Com ele pronto, fiz airosos planos E passei a viver calmo e risonho. O destino, porém, negro e enfadonho, Os meus sonhos tornou tão mais profanos, Que, onde hoje passos, taciturno, ponho, Somente encontro os mais cruéis enganos. E assim vivendo, triste e solitário, Meu caminho tornou-se atro calvário Na mais completa sombra de uma luz. E assim sofrendo, nunca neste escuro, Encontro o sonho iluminado, puro, Mas tão-somente a sombra de uma cruz.
12.01.2001
87
Ilusão de Louco Os sonhos são fragmentos de mentira, Um filme com paisagem surrealista, Que vai desembramando a sua tira Na qual nós somos o primeiro artista. Frente ao caótico ele nos atira E vamos nós, frementes de conquista. Noss’alma arde qual chama em áurea pira E ao longe e ao largo rasga a nossa vista. E em sobressaltos, ao pular da cama, Herói ridículo, me desmorono Ao ter o fim de fantasiosa trama. E assim esta ilusão de louco perco: Não sou herói, nem rei, nem tenho trono, Mas no porvir me sei somente esterco. 16.01.2001
88
Extermínio As estrelas que brilham a distância Que mistérios contêm para a ciência? Os cientistas buscam-nas com ânsia, Mas elas não lhes fazem confidência. Brilham somente, em lúcida constância, Trazendo sonhos mil à consciência. E cria-se confusa extravagância Para não se cair em decadência. E vasculham-se os mundos estelares. Ao firmamento voltam-se radares E espaçonaves vão, no além, perdidas... Enquanto aqui neste Planeta Terra A cada dia vibra nova guerra, Exterminando preciosas vidas!... 17.01.2001
89
Desejos Ao beber, em teu cálice sagrado, O vinho que brotava-te da entranha E ao sentir o teu corpo nu, largado, Febril, tremendo de maneira estranha, Após o êxtase louco desta sanha, Na batalha do amor, fui indomado! E galopei-te em fúria, alucinado, Numa volúpia que jamais se ganha. E em ti golfei meus sonhos, meus delírios, Minhas taras profanas, meus desejos E após forrei-te as formas com mil lírios! Paixão, vontade, estremecida tara E a ânsia de carimbar-te, com meus beijos, Todos os poros desta pele clara! 17.02.2001 90
Hora H
Aflição, desespero, angústia, medo, Silêncio, depressão, fúria, calmante, Espasmo, insônia, o que fazer? Segredo... A quem contar? Por quê? Vamos adiante... Falta de ar, palavrão, tornar-se azedo, Desprezo, sonolência angustiante, Tédio, prisão, masmorra, ai, Deus, cruz, credo! O que contar? Por quê? Viver distante... Solidão, fim de tarde, chuva, frio, Olhar perdido num além, vazio, Entra no quarto, mexe na gaveta, O amanhã não virá. A vida é farta. Papel, caneta. A quem a última carta? Um barulho. O estampido da espoleta. 21.02.2001 91
Fidelidade Procuro pôr nos versos que fabrico Um pouco de alegria e de ternura; E, se a poesia não me faz mais rico, Posso viver no mundo da Ventura. Cada verso que faço glorifico No Altar da Natureza que é tão pura; E muitas vezes inspirado fico Quando com versos faço a minha jura. E juro ser, por toda a minha vida Um escravo fiel do Ser divino Que deu-me o Dom feliz de ser Poeta. A estrada do Poeta é mais florida, Pois no verso ele encontra o seu Destino E a vida ao Verso torna-se completa! 01.03.2001
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Imitação (invejando Bilac) Sempre que posso, quando a noite desce E abre o portal de trevas, sigo pelas Picadas mato adentro e, em minha prece, O meu rosário tem milhões de estrelas. Com meus perdidos olhos fico a vê-las E a visão do infinito me entorpece. Pingos de ouro purpúreo – sentinelas No milagre do amor de pura messe! Alguém ouviu-as antes e, por isso, Apenas passo a olhá-las em silêncio – Ofício que me chega ao compromisso. Olho-as porque sequer posso entendê-las E quando o sono chega-me (ai, quem vence-o?) O meu corpo se cobre com as estrelas. 01.03.2001 93
Deslizes Meus sonhos dentro d’alma... eu os carrego No embornal preso firme, às minhas costas. E às vezes, cambaleante, eis que me pego Quando palmilho o chão dentre as encostas... Um mundo à frente, para quem é cego E as ânsias de vencer estão dispostas!... Porém persiste, a perfurar-me, um prego, E as minhas mãos, em prece vivem postas! Ai, ironia de cruel destino, Que me põe em confronto a estes deslizes Enquanto, ao longe, o badalar de um sino Canta que existe o fim das minhas crises Mas os meus próprios passos não defino E ainda não supurei as cicatrizes...
02.03.2001
94
Pureza Quando a noite – poema sacrossanto – Chega e anuncia em luzes meu destino, Comungo a hóstia lunar e me ilumino, E livre dos pecados, eu me encanto. Com a voz feita em prece teço um hino E bordo estrelas guias em meu manto. E, neste altar sidéreo de quebranto, Sou Poeta com alma de menino! E sei-me claro como uma alvorada Que esparge lírios brancos pela estrada, A fim de suavizar o meu futuro. E tudo neste instante me acontece: O vento sopra uma canção de prece E meu caminho fica todo puro! 24.06.2001
95
Temporal Ambos já fomos, em passadas Eras, Almas completamente apaixonadas. Depois varamos longas madrugadas, Sussurrando ao frescor das primaveras. Juntos prendemos sonhos e quimeras, Também cantamos noites enluaradas. Em grandes naves espaciais prateadas, Visitamos, febris, várias Esferas... Já fomos tudo num passado breve, E este presente nos coloca agora Frente ao futuro totalmente incerto. Parece até que um temporal de neve Toldou a nossa luminosa aurora, Cobrindo nossos passos no deserto... 13.03.2001
96
Prisão Há muito tempo sei-me condenado A viver braços dados com a Poesia. Esta pena de fato me crucia Porque este fardo é por de mais pesado. Jamais ela me deixa abandonado E persegue meus passos dia a dia. E, solitário, nesta alegoria, Sinto-a comigo a cada passo dado. Quem impingiu-me tão severa pena De me fazer Poeta nesta vida Não sabe de seu fardo o duro peso. A poesia, porém, não me condena, Pois é a mais bela estrada e a mais florida E é um dom de Deus saber-me dela preso! 20.03.2001
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Escravidão A inspiração me chega em tal rompante, Que nem entendo, às vezes, o que escrevo. Apenas, de maneira contagiante, Ponho em folhas palavras de relevo. O pensamento, como férreo guante, Parece iluminado, ter enlevo E das Palavras torno-me um amante, Amando-As tanto quanto posso ou devo. Sei-me um escravo delas no momento, Sofrendo chibatadas sobre as costas. Em rimas minha pele sangra luz. E, ao ter à frente o santo monumento, Em oração, declamo, de mãos postas, A Poesia onde o Mundo se traduz! 23.03.2001 98
Inocência Onde foi que perdi minha Inocência? – Ah, com certeza foi naquela idade, Em que se vive com banalidade E os conselhos nos chegam à demência. Como foi que vendi minha Inocência? – Vendi-a, ao certo, com vulgaridade, Em qualquer beco escuro da cidade, Por dez reais, um beijo e uma indecência. Por que foi que traí minha Inocência Se a Vida me mostrava um Sonho puro E o Mundo me dizia ser pecado? Ah, malditos meus passos de imprudência, Que mataram meus sonhos do futuro, Deixando-me sozinho abandonado. 03.08.2001
99
Minha fé A minha fé é uma cruz velha e vazia Onde não há Jesus crucificado No momento de súplice agonia Quando foi, pelos homens, condenado. Minha cruz não tem Cristo ensangüentado Nem mostra a Sua angústia, que crucia. E mesmo assim eu sigo inabalado Pregando a minha fé dia após dia. Minha fé não precisa ter imagem Nem a visão da trágica miragem Com o corpo de Cristo inanimado. E nada disso torna a fé pequena, Pois, do amplo céu, Cristo Jesus me acena Mostrando estar em luz – ressuscitado! 13.09.2001
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Enredo Coloro os sonhos, multiplico a vida, Que existe em mim e dela não dou conta... À frente, tanta estrada a ser seguida E um mistério de sombras que amedronta. No dia-a-dia insano de corrida, Um dedo em riste autoritário aponta Portas de entrada, portas de saída E a mente, alucinada, fica tonta... Tanto a fazer, a cena corre solta... E a esperança tornando-se revolta Com dias frios, pálidos, tristonhos. A cada fim de tarde, o mesmo enredo, E, ao ter na boca o ácido gosto azedo, Divido a vida, descoloro os sonhos... 22.08.2001
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Busca Busco um mundo onde a sombra da Poesia Exista com ternura e alacridade. Onde as mãos se entrelacem na Amizade E os lábios vibrem hinos de alegria; Um mundo onde não haja a férrea grade Que prende os corações em agonia, Onde a esperança vibre dia a dia E o amor ensaie em cantos de verdade; Um mundo sem barreiras e ciladas, Sem tocaias rondando as madrugadas E, livres de armadilhas, os caminhos Para, com passos cheios de ventura, Ir fazendo a divina semeadura, Nos corações, tecendo mil carinhos. 17.09.2001
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Capítulo Cada dia que passa é tão-somente Um capítulo apenas da existência... De nossa vida – um elo da corrente Que às vezes nem nos chega consciência. Cada dia que passa é uma semente Que contém os mistérios da ciência... Porém, rápido passa e, insanamente, Mal percebemos sua consistência... E a vida é feita assim de tantos dias Na reprise monótona que avança Para um final que a gente não conhece. Ao fim de tantas tramas e utopias, No último ato, sequer resta a esperança Para fazer a derradeira prece. 23.08.2001 103
à
Defeito O Poeta, na sua insanidade, Procura que procura – em transe imerso – Uma palavra para que seu verso Seja um hino de Amor e de Verdade. Às vezes voa às vagas do Universo Para compor a sua realidade. Por outras vê-se preso em férrea grade, Enquanto o pensamento vai disperso... Nem sempre ele consegue em sua busca Encontrar o vocábulo perfeito Para erigir o Sonho que arquiteta. Porém, nunca o desânimo o chamusca. Quanto mais em seu verso vê defeito, Mais aguça o prazer de ser Poeta! 29.08.2001
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Final de Agosto Este rosto que a mim se mostra feio, Rugas na testa, faces encovadas, Comediante das longas madrugadas, Lábios cerrados, sem nenhum anseio, Sisudo, austero, de expressões geladas, A contemplar perdido devaneio, Já teve outrora o palpitar do seio E já teve paixões desenfreadas... Este sou Eu! No espelho me contemplo E assim me vendo mostro ser o exemplo Daquilo que não fui sonhando ser. E, ao sentir que a esperança não existe, Sequer a sombra de um sorriso triste Consigo dar para sobreviver! 31.08.2001
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Sombra da Saudade Dói a saudade... e ela dói tanto, e tanto, Quando vai transformada numa ausência, Que tudo se transmuda em mar de pranto E, ao coração, não vale a condolência... Dói a saudade... e tudo, em cada canto, Parece remoer na consciência... E este sofrer nos cobre com o manto Da solidão em forte persistência. E tudo dói com tanta intensidade Que enfim nos vemos presos da agonia Numa prisão de intransponível grade. Mas tudo se transforma em certo dia E até a imensa sombra da Saudade, No coração, explode em melodia. 24.04.2001
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Teu corpo (cântico de Salomão) Teu corpo, na moldura de uma cama, É o delírio maior que há neste mundo. A ele me entrego com amor profundo E o possuo no dogma de quem ama. Teu corpo entre delírios se esparrama E eu o devasto em meu amor fecundo. Com sementes de vidas, eu o inundo Dele sentindo toda a ardente chama. Teu corpo, meu amor, é minha crença, O meu delírio da paixão imensa Que tanto me alucina e me entorpece. Teu corpo é meu altar e tanto o quero Que, em transe, de joelhos, o venero E apaixonado teço a minha prece! 27.09.2001 107
Desequilíbrio Na balança em que Deus pesa montanhas, Pus-me um dia a pesar os meus amores: Num prato coloquei vasos de flores E noutro coloquei minhas entranhas. Então pus-me a pesar profundas dores, Depois minhas visões fundas, estranhas. E revi minhas sombras, minhas sanhas E os caminhos que vi de várias cores. E não houve equilíbrio entre os dois pratos, Total desequilíbrio a cada instante. Tentando, num só nível, ver um todo, Até meus pés usei como artefatos, Mas foi desequilíbrio tão constante, Que meus pés afundaram-se no lodo. Gramado, RS, 19.10.2001 108
Disfarce Tu que ouves os meus versos e procuras Neles achar razões de sofrimento Deves saber que posso, num momento, Ocultar minhas tristes desventuras... Portanto não irás achar agruras Nem a alma amofinada no tormento; Faço, sim, o meu próprio mandamento De só me revelar em coisas puras. Disfarço muito bem: leve sorriso Representa “estou bem”, “oi, belo dia”, Diz que deixei a minha dor em casa. De angústias o meu verso é sem aviso. Se intimamente vivo na agonia, Até meu coração mostra-se em brasa. 17.03.2001
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Para o meu amor O meu amor merece (em êxtases eu digo) O melhor que possuo e posso dar... merece Dentro em meu coração aveludado abrigo E minha voz num canto a adormecê-la em prece. Mil canções de ninar, e cantigas de Amigo Dos tempos medievais, beijos de minha messe, Violinos a planger quando segue comigo Por campos de luar onde Vênus floresce. Merece ter em paz, calma e serenidade, Meu sorriso sincero e meu olhar que brilha Quando a buscá-lo vai, nas ruas da cidade. E feliz por lhe dar do que possuo tudo, A vida para mim é eterna maravilha, Quando num beijo ardente – eu permaneço mudo!
10.08.1998
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Velha lembrança No tempo de meu Pai, este quintal Tinha curiós, papa-capins, canários, Que emolduravam líricos hinários, Usando etérea escala musical. Era mesmo um sublime festival Das tantas aves com seus cantos vários. Parecia que um mago Stradivárius Ensaiava um concerto magistral! Hoje as rolinhas, com suaves danças, Da minha Mãe com suas mãos crianças, Chegam para a quirera que as atrai... As gaiolas, porém, estão vazias E, contemplando-as no escaldar dos dias, Sinto enorme Saudade de meu Pai! 01.11.2001
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Finados Finados se apresenta novamente Da sua forma lacrimosa e triste. Traz a saudade, que não mais resiste, De uma presença que se faz ausente. Consuma o pranto e o coração em riste Reserva a dor que fere insanamente. E cada lágrima é uma tocha ardente A iluminar o que já não existe... Vejo tumbas ao longo das calçadas Onde fotografias desbotadas Recordam um passado triste e morto... Mesmo o meu coração, todo ansiedade, – Mar de lágrimas cheio de saudade, – Está sem pressa de adentrar o Porto! 01.11.2001
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Estudo Para a Poesia, além da inspiração, Necessita-se técnica apurada. Uma rima com brilhos engastada – Rubi que pulse como um coração! E o verso, como lírica oração, Entoado por alma apaixonada, Numa seresta em noite enluarada, Tece a rir, para o amor, uma canção. Mas precisa ser feito com carinho, E o verso deve ser puro e perfeito Para agradar o amor que se conquista. Pois a Poesia, ao longo do caminho, Deve, do coração, tomar o jeito Para mostrar o amor de todo artista. Gramado RS, 18.10.2001
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Engano Há muitos anos esta dor insiste De forma a me ferir intensamente. Parece até que a dor é uma semente Que brota dentro de minh’alma triste. E a vida a este sofrer já não resiste, Pois ela anseia ser feliz somente. Se é ilusão na vida ser contente, Como é que para mim ela inexiste? O pensamento ferve, me atormenta! Neste torpor o cérebro fermenta E parece explodir de forma insana. Oh, alegria, que só penso tê-la, Se fores pelo céu alguma estrela, Vê se teu rebrilhar também me engana. 05.12.2001
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Dor Concreta Sofre o Poeta e mesmo assim procura Formalizar em cantos sua crença. Porém, em tudo existe a indiferença E o homem sofre, e o homem chora e se tortura. À longa estrada longa da Ventura Cabisbaixo o Poeta sofre e pensa Que a amizade é a maneira mais intensa Para viver a sua vida pura. Porém, a solidão paira nos ares, E o Poeta, sofrido em seus pesares, Repete a rima básica que existe Na ordem concreta em que o amor lhe fala. Mas a esperança é posta numa vala E a vida é triste, e seu viver é triste.
05.12.2001
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Pirataria Quebro o silêncio, solto a lira ao vento, E contamino o céu com minha voz. Desencadeio idéias do retrós, E ponho os pés no próximo momento. Das palavras retiro meu sustento, E fico forte, firme, sou feroz! Frente ao espelho, em frente a mim, sou nós Para amarrar a noite e o Firmamento. Coloco a idéia que me vem sangrando Frente à necessidade, indago o quando. Suicido-me no mar da noite nua. Espírito – vagueio como errante E ao sentir-me soturno navegante, Estendo velas e saqueio a lua. 27.01.1999 116
Pessimismo Atrapalhado vou catando os cacos Das minhas esperanças. Ser poeta Faz que a tristeza seja mais concreta E os sonhos – de ilusão – se tornem fracos. A alma sempre caminha irrequieta E os olhos, ao prazer, estão opacos... Nos atalhos, desvio dos buracos Para chegar de forma mais discreta. Inofensivo a ataques e conchavos, Busco sempre o trabalho dos escravos, Para alcançar em luz a liberdade. Mas sempre a perseguir-me o pessimismo: Os pés caminham margeando abismo E, frente ao sonho, sempre existe a grade. 17.04.2001
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Sonhos A conquistar temos à frente um mundo Que se abre indefinido e contagiante Com seus segredos de teor profundo, Umas vezes cruel e anavalhante. Mudado em sonhos, torna-se fecundo E mora sempre em um local distante... E de tais sonhos meu viver inundo Para deles tornar-me um ser amante. Marujo venço os mares sorrateiros E, às vezes, com o denodo dos romeiros, Conquisto, a passos, insondáveis léguas... Somente para ter, ao fim do dia, No Altar da Natureza, uma Poesia, Onde as rimas de luz, feliz, entrego-as! 17.04.2001
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Ilusão A distância eu contemplo, extasiado, Mundos cheios de cor, jardins floridos, Vales de luz, repuxos coloridos, Suntuoso amanhecer iluminado... Vejo caleidoscópios estendidos Nas amplas várzeas... passa um bando alado De pintassilgos. Fico apaixonado Com tudo o que extasia os meus sentidos! Rápido tomo a decisão confiante: “– Vou para lá e ponho os pés adiante...” E parto a toda – qual corcel sem freio... Porém, de perto, imperfeições tamanhas: Contemplo com o olhar coisas estranhas E este mundo se mostra muito feio!
17.04.2001
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Ideal A vida se repete dia a dia, Nos sonhos que plantamos no passado. Sempre existe um desejo irrealizado Por aquilo que ansiamos ter valia. Sempre existe o fantasma da euforia E sobre o solo um passo já marcado. À frente o louco sonho incontrolado E o retorno ao início – que crucia. O nada feito e um dia a mais vivido, E o sonho continua reluzente Como um farol que, na distância, brilha... Sempre, contudo, o coração ferido Por desejar o que está mais à frente, Na longa estrada onde inexiste trilha. 18.04.2001
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Ânimo Os percalços que surgem de repente, No decorrer da imensa caminhada, Conseguem aumentar n’alma da gente O sonho de travar esta jornada. Não podendo parar na madrugada, Necessário se faz seguir em frente. Os entraves que surgem pela estrada Precisamos vencer herculeamente. Não devemos parar! Jamais devemos Induzir ao desânimo, ao cansaço, Ou, no alto mar, abandonar os remos... A tempestade chega e também passa, O cansaço transforma-se em fumaça E o ânimo volta com um novo passo! 18.04.2001
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Fogo-fátuo Azul é o sonho quando a mocidade Esbanja cores nos jardins da vida... A estrada se revela colorida, E a amplidão não contém tanta ansiedade. Tudo é possível, a emoção invade O coração e não se vê vencida... Percalços são vencidos na corrida E domar os anseios, oh, quem há de? Os passos seguem firmes e confiantes, Não existem lugares nem distâncias Sequer encruzilhadas em tais rotas... Mas, como a rapidez de tais instantes, Na vida vão chegando as inconstâncias E a série incontrolável das derrotas... 27.04.2001
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Senectude O ânimo contém freios... à ansiedade, A razão ponderada a acalma e a doma. Já não se pensa um gladiador de Roma E a cautela prevê a adversidade... A força vive presa na redoma, E a glória paga pena em férrea grade. Nubla-se o céu azul da mocidade O amigo de ontem está preso ao coma... Melhor medir os passos do trajeto. O dourado sonhar de áureo projeto, Talvez não chegue à aposentadoria... Assim, à força, sobressai a calma, Dos pecados da carne, eleva-se a alma, Pois este pode ser o último dia... 27.04.2001
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Prisão Coletâneo de angústias, meus armários Têm gavetas que estão abarrotadas... Os casos são diversos e contrários Nas pessoas que estão apaixonadas. Estas solfejam trinos de canários, Eu, porém, ranjo em fúrias, a dentadas. Assim nosso viver segue por vários Caminhos e por cúmplices estradas. Mas temos em comum iguais arroubos. Ambos somos passivos em tais crenças E sujeitos, também, somos aos roubos... Às angústias, quem ama vive preso, E, como sofre com fatais sentenças, De tal viver também não sai ileso. 27.04.2001
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Vício Em minh’alma a saudade é como um vício Do qual eu necessito a cada instante. Mais que um vício, a saudade é minha amante, O meu supremo altar de sacrifício. Em mim sua morada é sem início, Vem de um tempo, por certo, eqüidistante... Sorrateira, de forma anavalhante, Existe para me causar suplício. Esta Senhora ingrata me entorpece E não há juras, nem por certo prece, Vive em mim como fosse um amuleto. E tanto a sinto na minh’alma presa, Que, para confirmar esta certeza, Imortalizo-a neste meu Soneto 27.04.2001
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O amor O amor, dentro da vida é uma quimera... Vive ao nosso redor, em mil anseios; Floresce, às vezes, como primavera; Parte depois, tornando os sonhos feios. E a alma, que num jardim ridente o espera, Quando o vê, canta à luz dos devaneios. Ele ferido assume-se pantera, Cravando os dentes e ferindo seios. Assim, quem tanto o busca não o encontra, Pois ele, assemelhando-se a uma lontra, Aparece e submerge na corrente... E, sendo uma quimera, o amor sem trono Busca logo encontrar um novo dono, Onde brote florido e recendente!
27.04.2001
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Legado Às vezes chego à triste conclusão De que este meu legado de Poesia, Irá trazer angústia e decepção. No mundo, as rimas – não contêm valia. Se o ouro é que faz pulsar o coração, Os meus versos de pura simetria, E música, e cadência, e melodia, Com certeza, valor nenhum terão. Que irão fazer com livros publicados E milhares de inéditos guardados Se para os versos não se dá valor? Ah! Que trabalho ingrato é tal ofício! Se, além da Arte, o escrever é puro vício, Este vício me faz um Sonhador. 02.01.2002
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País Encantado Existe, além do sol que tanto brilha, Uma nesga de sombra que esmaece. O olhar que busca achar um rumo à trilha Onde vislumbre a mais faustosa messe. Além da própria vida existe uma ilha Onde o Espírito fulge e não padece. Encantado país da maravilha, Que se abre entre mil sóis, a quem merece. Por certo este é o recanto que procuro Para ter a certeza do futuro Onde tantos estão à minha espera. É o País onde estão os meus queridos O dos ódios que foram esquecidos – Paraíso de plena Primavera! 03.01.2002 128
Sol Interior O sol que esparge luzes nos caminhos, Pondo brilhos nas folhas orvalhadas, Vergastando de luz as madrugadas, Com raios aquecendo os flóreos ninhos... O sol que planta sombras nas calçadas E orquestra nossos sonhos com carinhos, Que brinca dentre as nuvens arruivadas E brilhos põe nos corações sozinhos... Vejam só: tão soberbo e exuberante, Também dá brilhos para a lua cheia Que cintila num sonho de marfim. E eu, com meu coração cantando amante, Sinto, querida, desde que encontrei-a, Que há um enorme sol dentro de mim! 22.09.2001
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Agonia O sonho que se quer e que se busca Nem sempre se transmuda em realidade; Não podendo trazer felicidade, Nossa esperança, de sofrer, chamusca. À realidade nosso olhar se ofusca E o pesadelo o nosso sonho invade. Não podendo com tanta insanidade, Atra tortura chega em forma brusca. A realidade é o sonho – dia e noite! Se um quer carinhos – fica pesadelo, Se outro quer risos – tange-se à utopia. Assim, não tendo, não, quem nos acoite, Nossa voz geme em fórmula de apelo E o futuro transforma em agonia. 22.08.2001
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Sonho Macabro Para isto nós sonhamos: para termos Momentos de esperança e de magia, E que transformem em verdade um dia Os nossos sonhos em concisos termos. Para isto trabalhamos: para sermos Respeitados após tanta porfia, Ou esperar às horas de agonia, Comunhões de novenas aos enfermos... Para isto nós mantemos nosso verbo: Embora não ouvindo, o eco reboa E denuncia ao mundo nossa sorte. Para isto, ao fim do dia, existe o acerbo: A palavra retorna e apenas soa O macabro do sonho – a crua Morte! 26.03.2001
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Mancha Existe, com certeza, alguma luz, Para nortear os passos desta vida; Ou seguimos insanos na corrida Atrás de qualquer coisa que seduz? Que estrada sinuosa nos conduz E nos leva num beco sem saída? Quem aciona o botão para a partida Da fantasia que nos leva a Ormuz? Esta ânsia incontrolada aonde nos leva? O ápice é apenas pálida ilusão Que em podium com espinhos nos entreva... E a coroa de louros da razão Está manchada de excremento e treva. Há uma nódoa de pus no coração. 17.04.2001 132
Meus Sonhos Os meus sonhos – plantei-os no passado, Num tempo que era cheio de esperança. Trazia o coração apaixonado E, nos olhos, o brilho da bonança. E cada sonho foi, por mim, plantado Para que eles me dessem segurança. Mas o rígido inverno atormentado Deu-me galhos desnudos por herança. Hoje não há mais tempo nem ternura, Para volver a terra ressequida E prepará-la para a semeadura. O sonho é transformado em pesadelo; Uma réstia de sol resta da vida; Sinto nas mãos a rigidez do gelo. 28.12.1994
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Sonolência Os meus poemas dormem esquecidos À sombra arroxeada dos ipês, Enclausurando amores já vividos Que choram de precoce viuvez. Meus poemas de tempos já floridos Vivem hoje a certeza de um talvez... Pois já foram amados e queridos E foram galanteios, certa vez... Como as flores caídas – não perfumam E murchos rolam ao sabor do vento, Desfolhando-se em rimas, pelo chão. Esquecidos, porém, não se acostumam E como versos soltos num lamento, Mais lembram um sofrido coração! 17.09.96
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Rotina O Poeta cansado da rotina Após um longo dia de trabalho, Tece com rimas mantas de agasalho E acende a inspiração na lamparina. O Poeta na noite se ilumina Após regar seus versos com orvalho E apanha das roseiras cada galho Onde sangra uma rosa purpurina. Mas eu, que sou Poeta por acaso, Traduzo, em rimas pobres, o meu canto, Pois não bebo nas Fontes do Parnaso. De quanto faço só traduzo em pranto E, de tanto escrever, estou no ocaso Do meu dia sem sol, sem riso e encanto. 14.11.1995
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Pessimismo Vou desenhar um sol dentro de mim Assim não viverei triste e nublado. Com o sol, ficarei iluminado Como as variantes cores de um jardim. Às negações da vida direi sim E deixarei de ser, em tal estado, Este que vive só, desesperado, Aguardando chegar o eterno fim. E brotarei em flores, na varanda, Perfumarei meus sonhos com lavanda E, nos olhos, porei fulgor e luz. Assim, a todos, passarei a imagem De ser feliz fazendo esta viagem E não curvar-me ao peso de uma cruz. 10.01.2002 136
Labor poético Sonetos... À medida que os componho D’alma sinto sair enorme peso. Às suas regras rígidas sou preso E, a escrevê-los sem máculas eu sonho. Se, uma sílaba a mais às vezes ponho O galopar do metro torna teso. E à luta de sair por fim ileso É trabalho feroz, cruel, medonho. Tão pequeno na forma: eis o Soneto! E ao insano labor me comprometo Em fazê-lo na técnica perfeito. E ao tentar desvendar os seus segredos Contando suas sílabas nos dedos, É impossível compô-lo sem defeito. 27.08.2003
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Prisão Perpétua Esta loucura extrema que me invade E me entorpece o espírito é a loucura Que atravanca minh’alma sem piedade E minha inspiração deixa insegura. As minhas mãos seguram férrea grade E, às costas, peso ingente me tortura. Sobre a cabeça, atroz ferocidade E, na boca, o silêncio da secura. Nada posso fazer, pois me sei preso, Sequer o pensamento está liberto. Impossível sair de tudo ileso. Além floresce o campo a céu aberto, Porém, da vida, sou inerte peso, No dorso de um camelo no deserto. 10.01.2002
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Momento Inútil Brota que brota, em luz, do fundo poço, A idéia cristalina que borbulha. O pensamento explode de alvoroço Como que despertado por patrulha. Nest’hora o pensamento está no fosso E pérolas de luz ele vasculha, Pensando construir áureo colosso, Com sílabas pinçadas por agulha. No mais das vezes, desta garimpagem A bateia carrega só limagem, Água suja composta de cascalho. Rimas pobres, uns versos misturados, Uns sonhos em delírios indomados, E um inútil momento de trabalho. 10.01.2002
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Ato de Criação Às vezes ponho as mãos no pensamento, Para a idéia florir em minha mente E concentro-me em transe, no momento, Para fazer brotar uma semente. Mas este labirinto é como o vento: O olhar não vê, porém minh’alma o sente. Parece enclausurado num convento E se esconde do sol como serpente. Assim, às vezes, passo distraído, Olhar distante – pensamento vago – E ele aflora na luz e o vácuo rasga... O corpo treme, solta-se um gemido E, do profundo azul de etéreo lago, Explode a inspiração e a voz engasga! 10.01.2002
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Para o futuro I É uma história sem fim nossa Existência... Teve início há milênios já passados, Quando havia outros Mundos, outra Ciência, Fatos ocultos nunca revelados. O Homem sobreviveu à persistência Na luta com mistérios encontrados. Amoldando seus passos com prudência, Construiu belos mundos encantados. E a luta imersa em transe continua. Cada vez, mais constantes os perigos E a alma se mostra totalmente nua. Sem fim também, os dias do futuro. E onde acharemos nós tantos abrigos Se na estrada o homem torna-se um impuro?
07.06.2002
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Para o futuro II Nossa busca é incessante: dia a dia Brilha o sol para nova caminhada. E levamos, ao longo da jornada, O embornal de fagulha e fantasia. Queremos descobrir numa alquimia Os mistérios que estão além da estrada. Mas tanto estudo não nos leva a nada, O embornal não produz tanta magia. Sangram os pés descalços no caminho E o homem vai solitário, vai sozinho, Para um fim que ele mesmo desconhece. Quando seus olhos forem dois espelhos, Poderá ver o Mundo de joelhos E irá fazer a sua última prece! 07.06.2002
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