Versos de um andarilho Sonetos de Esio Antonio Pezzato
Pequeno comentário Há quarenta anos, desde 1967, me fiz andarilho... Primeiramente do Verso. Depois, me fiz andarilho de estrada mesmo. Em 1997 celebrei o feito publicando Romaria. Então tais trajetórias completavam 30 anos. Agora em 2007, tais ciclos chegam a 40 ininterruptos anos. Os versos continuam a sair. Agora mais maduros. Tornei-me crítico feroz e mordaz de mim mesmo. As caminhadas nas passadas com o Pedrão – já começam a antever o fim, mas quem dera ainda durem alguns lustros mais... Quem dera... Fui abolindo de vez da minha poética os versos livres. Fui preferindo os velhos decassílabos e alexandrinos, a velha métrica aos versos brancos e livres. No Ofício do Silêncio foram 161 sonetos. Agora neste novo Livro OFÍCIO DE POETA, são quase duzentos deles. Aqui me tornei um pouco mais aberto. Aos velhos sonetos decassílabos e alexandrinos, inseri um soneto monossilábico e ainda abusei outro tanto: publico um Soneto Inglês, outros sonetos com dois finais possíveis, o Estrambótico e um soneto com esquema rimário diferente do que reza a tradição multissecular. De resto mesmo a velha forma de sempre. Fui colhendo os versos espalhados entre tantos outros que escrevi. Como pouco ou quase nada tenho guardado dos últimos vinte anos de publicação, e com certeza são algumas centenas deles. Com tantos juntos deverei chegar à Pirapora de todas as Poesias! Assim espero no futuro. Por ora este meu novo Livro de versos com uma ressalva: cada rima colhida foi um passo a mais nesta longa caminhada. Eis, portanto, os versos de um Andarilho... Esio Antonio Pezzato
Autobiografía
O menino sonhava que sonhava Um dia ser chamado de poeta. Sendo sua vontade, sua escrava, Com letras foi moldando sua meta. Num dos versos a métrica saltava, Não achava a medida mais correta. Depois aos decassílabos tentava E o verso parecia-lhe uma seta. Estudou e estudou a vida inteira, Compôs versos e versos, de maneira Que sentiu a alegria mais completa. Hoje, o menino vive na alegria, Acabou de compor esta Poesia E é por todos, chamado de Poeta. 21.07.2005
Soneto da Morte (Para o meu amigo Dr. Alex Alves)
Para onde vai a Vida quando a Morte, – Sorrateira e fatal, – num passo invade O nosso Sonho de felicidade Não deixando ninguém que nos conforte? É muito azar ter essa ingrata sorte Muito embora a ninguém no mundo agrade, Mas ela veio com perversidade, Mostrando à Vida o quanto tem de forte! Sem ruído chega. Com seu passo manso Aquieta o coração e deixa frio O sonho de um futuro sem aurora... Lembra um lago com ondas no remanso: Embaça o olhar que fita o amplo vazio, Planta a ausência e em silêncio vai embora... 29.04.2005
Rumo a esmo
Uma lua de imensa primavera Floriu e perfumou meu céu de agosto. E iluminado então ficou meu rosto, Que dentre muros reflori-me em hera. Agora não há mais tempo de espera. Das flores – pétalas mastigo a gosto. Engulo cores rubras de um sol posto, Buscando achar encantos na tapera. Tantos dentro de mim, me vejo agora, E vou seguindo por um rumo a esmo Pondo sementes pelo espaço afora. E nessa diversão eu me ensimesmo. Longo passado foi de mim embora, E único sendo já não sou eu mesmo. 28.11.2003
Elogio funesto
Vivemos a contar nossas histórias E somos sempre o artista principal. Nelas vencemos grandes trajetórias Com enredo perfeito e magistral. Cavamos fundo, pálidas memórias, E em lutas contribuímos contra o mal. Querendo para nós todas as glórias, – Fato este corriqueiro e até banal. Somos Protagonistas de chanchadas. Sempre descarregamos num pateta A nossa fúria cômica a patadas... E ainda queremos ter, por recompensa, Nossos feitos nos versos de um poeta, Nossas vitórias em nefasta crença... 10.10.2002
Saudade
Meu coração recorda ainda em sonho O tempo das cantigas infantis. Quando tudo era belo, era risonho, E em êxtase eu vivia mais feliz. Hoje que o tempo em embalar medonho Da amargura plantou-me a cicatriz, Aos ecos do passado ouvidos ponho Quando dos versos era um aprendiz. As cirandas ficaram esquecidas, Os cantos são apenas ilusões Daquelas noites líricas, floridas... E ao recordá-las quantas sensações: As esperanças brotam coloridas E o coração se embala em tais canções. 29.08.2003
Soneto das trevas
O delírio da treva me revela Cobras, lagartos, escorpiões e aranhas, Uivos de cães em vibrações estranhas, Mórbido medo ao qual meu ser se atrela. Um pirilampo ao longe a noite vela. Porém, sinto arrepios nas entranhas... Tento fazer com o céu minhas barganhas, Mas o frio da noite me enregela. Ouço os pios soturnos das corujas. Os sapos coaxam num desvão de brejo, E uma cobra rasteja junto ao muro. Olhos! Por que nas noites te enferrujas, E, não consegues ver um só lampejo, Para na vida eu não ficar no escuro? 27.12.2002
Alegria fugidia
O sorriso que molda este meu rosto Já foi um dia franco e mais aberto. Não trazia o desdém oblongo e incerto Nem tamanha algidez de frio agosto. Hoje cansado, amargo, decomposto, Mostra rugas se olhado mais de perto. Traz o ressequimento do deserto E um profundo e sarcástico desgosto. Esse meu riso insípido, vazio, Ao invés de calor provoca frio Num profano desdém negro e sem fim. Todos vão, na vanguarda da Esperança, Porém meu riso é a pálida lembrança, De uma alegria que fugiu de mim. 14.01.2004
Abandonado
Ausente dos meus sonhos e desejos Eis que palmilho só na longa estrada. Mais longa por ter a alma abandonada, E não ter teus abraços e teus beijos. Sou estrangeiro nesta caminhada! E do prazer sequer tenho lampejos! É o cortejo mais triste dos cortejos Para quem vai com a alma espedaçada. Se eu conseguisse descobrir a ciência De transpor mundos e seguir em frente, E poder dominar toda a emoção... O que mais dói não é a tua ausência, Mas é tua presença permanente Apenas dentro do meu coração. 28.06.2004
Soneto técnico (para o Lino Vitti)
Quando crio meus versos sempre busco Decassílabas formas de escrevê-los. Nas heróicas cesuras me chamusco Tentando não me ater em pesadelos. E os versos vão saindo dos novelos Cheios de inspiração... Com jeito brusco Procuro decifrá-los, entendê-los, Com seus brilhos, porém – o mundo ofusco. Às vezes, duplamente cesurado O verso corre solto na cadência, Por outras vezes, sem querer, e o verso Torna-se sáfico, mas não errado... E ao perceber que o verso é mais que ciência, Tento apenas achá-lo no Universo. 24.04.2002
Dúvida
O pensamento em febre é uma montanha: Na coragem precisa ser transposta! Se a solidão do instante me acompanha, À pergunta é impossível ter resposta. A dúvida cruel a alma me arranha E a crença é verdadeira em tal aposta. Na dívida jamais se faz barganha, Não se leva o impossível sobre a costa. Vencer o medo é dúvida constante. Num eco sem retorno vibra a voz Que num refrão me manda à frente! Adiante! Contra o ímpeto é impossível ser feroz. Em fogo o coração se faz amante, E do delírio desentrança os nós. 06.06.2004
Medo e barganha
Velho vento voraz e vagabundo, Que destelhas meus sonhos tão floridos E ao relento me deixas neste mundo Dentro de meus sofreres tão sentidos; Assobios, funéreos sustenidos, Em teu gemer tristonho e tão profundo, Réquiem feito em delírios já perdidos, Onde, entre angústias – meu viver afundo... Sou árvore! Decepas minhas ramas. Sou poesia! Revolves-me as entranhas! Sou água! Em ondas lúgubres me envolves. Com teu soar funesto é que me chamas, Entre notas de medo e entre barganhas, Levas meus sonhos e não mos devolves. 27.12.2002
Segredos dos versos
Procuro, no concreto da cadência, Decifrar os enigmas e os segredos Dos versos que componho com freqüência, Contando em transe, as sílabas nos dedos. A metrificação é uma seqüência Que tamborila sons cheia de medos. Corre a cesura em danças e folguedos, Sem sequer darmos conta de tal ciência. Decassílabos ou alexandrinos! Versos heróicos, sáficos, martelos, Ou mesmo duplamente cesurados. Mistérios que convergem os destinos! Perfeitos tornam-se formosos, belos, Num altar dever ser glorificados! 28.03.2003
Flores da saudade
Quero plantar ao longo dos canteiros Sementes das espécies mais variadas, Para deixar as noites perfumadas E todos os meus sonhos prisioneiros. Plantar as esperanças encontradas. Dos canários seus cantos seresteiros. Os meus sonhos azuis e verdadeiros, Minhas insônias, minhas madrugadas. Plantar a tua ausência tão sentida, Que levo na sem-fim eternidade E invade a solidão da minha vida. Porém, na minha louca insanidade, Só consegui, com a alma entristecida, Fazer brotar as flores da saudade. 18.05.2004
Soneto de Natal I
Natal! Na terra há um hino de alegria Anunciando a chegada de Jesus. Em Belém, uma pobre estrebaria, Envolve-se no brilho que seduz. Tudo vibra de encanto e de harmonia, A salvação do mundo jorra a flux. Humilde serva – a celestial Maria! – Sabe que a um Deus Divino deu a luz. Num instante o Menino aflito chora, E, Maria nos braços, sem demora, Acolhe-O com carinho divinal. Dá-Lhe o peito e, nos braços ela O aquece. Logo após em silêncio Ele adormece Inocente no colo maternal. 16.11.2004
Soneto de Natal II
Na mais humilde e pobre estrebaria O menino Jesus ergue os bracinhos. Aflita e inexperiente, eis que Maria, O acolhe nos seus braços com carinhos. Jesus chora mais alto... A noite é fria. Ele e seus pais na noite estão sozinhos. Um galo canta na amplidão vazia. A um passo a neve cai pelos caminhos. – “ Meu amado José, o que preciso Fazer para o Menino não chorar?” E José, com a voz do paraíso: – “ Maria, minha esposa, o Deus-menino Embora sendo Deus é pequenino E está com fome. Dê-Lhe de mamar!” 22.11.2004
País do Sonho
Se é loucura sonhar, é bendita a loucura Que à minha mente traz o delírio do sonho. Nele, em frêmitos viajo ao país da aventura, Onde posso trilhar um caminho risonho. No sonho que idealizo a esperança é mais pura, E meus passos, febril, na caminhada ponho. Não há dias sem sol, e nem há noite escura: Tudo brilha e tem cor – no próprio sonho – sonho! Nele te encontro em mim, e ambos somos capazes De viver o prazer que em segredos sonhamos Num país do deserto em abismo de oásis. Dentro deste país, Senhor da Eternidade, Posso pomos colher dentre dourados ramos, Como exigir de ti toda a minha Vontade. 12.07.2004
Incapacidade
Se somos nós o amor que existe em nós Por que vivemos ardilando tramas, Em tragédias, comédias, falsos dramas, Amarrando ilusões em falsos nós? Ocultamos no peito a própria voz E acendemos na Vida falsas chamas. Se o verbo é um só, e eu te amo e se tu me amas, Por que esse desespero tão atroz? O eco repete sempre o fim das frases, Mas para o amor nós somos incapazes E assim vivo sem ti, vives sem mim. E toda a história que sonhamos juntos Fará de nós misérrimos defuntos, Numa história de amor que teve fim. 02.09.2003
Crença banal
Eu acredito que a felicidade Nas coisas muito simples, ela mora. Estar feliz cheira à banalidade, E estar feliz não tem razão nem hora. E ela arrebenta da tristeza a grade, Que de alegria mesmo o peito chora. Estar feliz beira à casualidade, E estar feliz é bom estar no agora. E estou feliz agora, por exemplo! Uma notícia construiu o Templo Onde canto em enorme alacridade. E estou feliz, muito feliz... Quem dera Esse instante de azúlea primavera, Ser sublime na minha eternidade. 29.03.2004
Instinto
Se esta vida é de fato uma balada Dentro de seu refrão imaginário, Eu me transformo ao longo da jornada Para fazer justiça ao meu salário. Posso, é claro, cantar na madrugada, Por instinto mudar o itinerário. Também mostrar ter alma apaixonada E soltar longos trinos de canário. Posso tudo fazer preso à vontade. Se às vezes no silêncio me apareço, Busco ocultar a minha identidade. No anonimato a vista ao longe alargo, Mas se para cantar existe um preço, O meu canto se torna duro e amargo. 17.05.2004
Semeadura variada
Passei a semear sementes de saudade Desde que tua ausência em minh’alma alojou-se. E aquele tempo bom, de alegria tão doce, Pôs em meu coração da angústia a férrea grade. Se o passado voltasse e florido me fosse, Eu cantara feliz em terna suavidade. No presente, porém, brota amarga maldade, E sinto meu viver ardendo em tredo alcouce. Pudesse eu plantaria as mais variadas flores, Para multiplicar meu caminho de cores, Para poder viver meus dias mais felizes. Porém, dentro de mim brotam os pesadelos, A angústia vai tecendo intrínsecos novelos, E não posso curar tão negras cicatrizes. 17.05.2004
Companhia
Se parece loucura a insanidade, A decisão tomada foi correta. O não jamais se diz para um Poeta Quando ele canta em rimas – a verdade. A forma de atendê-lo é a mais completa Para que possa haver felicidade. Ocultá-la é ferir a liberdade, É encher de curvas uma linha reta. Se dois pontos de luz estão distantes, Um não consegue ao outro ater-se ao brilho. Separados não podem ser amantes. Mas se juntos cruzarem os caminhos, E seguirem do amor o mesmo trilho, Dois corações jamais irão sozinhos. 06.06.2004
Percepção (para Verinha, minha primeira Musa)
No início a sensação é tanto estranha, Não se consegue, não, lidar com isso. Pesa no peito colossal montanha! Fica-se devaneando no serviço... Dorme esquecido velho compromisso, Uma tocha de fogo arde na entranha! A vida vibra em forte reboliço, Na noite o pensamento faz campanha. A palavra aparece poderosa, Há uma explosão de dínamos profundos, No jardim desabrocha rubra rosa. No momento um farol brilha e projeta Dentro do coração imensos mundos. Nesse instante maior – nasce o Poeta! 18.03.2002
Sonâmbulo
Este meu coração que sonha tanto, Por certo há de morrer por tanto sonho, E a cada sonho invento um novo canto Na ânsia de caminhar sempre risonho. Em cada um deles busco um novo encanto E, com firmeza, os pés confiante ponho. Cada sonho me cobre com seu manto, Feliz nesta clausura penso e sonho. Mas acordo... Profana é a realidade: Subitamente tudo é atroz miragem, Fantasia cruel que em transe vivo. E cada vez mais cheio de saudade Busco encontrar no sonho a mesma imagem Que tanto o coração deixa cativo. 14.04.2002
Solidão de Poetisa
– Eras tu o Poeta... E eu era tão-somente Aquela que te ouvia os versos que compunhas. Hoje, porém, partiste e tristonha e demente, Com esta solidão vivo roendo as unhas. Eras tu o Poeta... E puseste a semente Dentro do meu viver do amor que não supunhas... E este amor eu vivi escandalosamente; – As flores do jardim são minhas testemunhas! – Eu, atenta te ouvia os versos rendilhados... Redondilhas azuis, baladas e sonetos, Rimas da cor do sol, cantos apaixonados... Hoje, sozinha estou, a solidão me avisa. De tudo o que cantaste eu recolho os gravetos, Mas não sei escrever... Eu não sou Poetisa... 23.10.2003 Porto de Galinhas, PE
Solidão
Essa vontade de não ter vontade A angústia e o tédio fervem junto à mente, Desânimo total e persistente O pensamento preso em férrea grade. Olhar perdido equidistantemente, E essa falta constante de ansiedade. Vago e perdido olhar, simples saudade, Que apodrece e não passa de semente. Frio, calor, pancadas, densa estiagem, Uma vontade absurda de estar só No deserto fugir-se da miragem. Antecipar o fim e não ter medo, Solitário partir com meu segredo, Deixando sobre a estrada a angústia e o pó. 17.02.2004
Eterno elixir
Às vezes tento por no verso que fabrico Gotas d’ouro de mel de inspiradas abelhas. E quanto mais escrevo eu me torno mais rico, Que as palavras são luz brilhando iguais centelhas. O verso é minha capa e as estrofes são telhas Que protegem meu sono em locais onde fico. As palavras reúno em rebanhos de ovelhas, E com elas me aqueço e a Deus me glorifico! Meu verso é puro, é claro, e é sonoro, e percebo, Que se transforma em água e é doce e é cristalino, Meu eterno elixir quando na fonte o bebo. Bem mais que minha vida é o verso que ora teço, Porque com ele em mim desvendo o meu destino, E a quem eu quero bem, com amor o ofereço. 21.05.2002
Medo
Da vida, ao me sentir ameaçado, Eu me fecho num círculo perfeito. Assim desta maneira enclausurado, Às intempéries sinto-me insujeito. Sem rebarbas que possa ser tocado, Oculto o coração dentro do peito. Desta forma não posso ser domado, A ataques de surpresa – vivo afeito. Por isso às agressões estou imune, Ao mundo ingrato sempre saio ileso E a palavra de fogo não me pune. Dou a volta ao redor de cada engodo, Dos desejos que tenho sei-me preso, E das minhas verdades sou um Todo. 21.05.2002
Caminhos e caminhos
Caminhos e caminhos e caminhos. E eu aqui – frente a rumos a seguir... Tantos passam por mim e vão sozinhos, Que me atrevo a ir buscar o meu porvir. Ouço além esfuziantes burburinhos: São crianças que chegam a sorrir... Todas elas cantando a voz dos ninhos, – Impossível que possam me trair! Apresso o passo e vou no rumo delas: Todas com lindos sonhos, tagarelas, Esperanças nas mãos... e lá vou eu... Mas ao chegar de vez junto às crianças, Percebo atrás de mim as esperanças, E contemplo um passado... que morreu... 05.11.1996
No silêncio
No silêncio da minha solidão Em vão procuro achar tua presença. Nessa angústia minh’alma se condensa Não acho lenitivo ao coração. Murmuro a mais tristíssima canção Buscando as rimas de esquecida crença. Porém, no peito a dor é tão intensa, Que à voz do canto fico sem razão. Em labirintos de tristezas erro... Num cárcere moldado a angústia e a ferro Perpétua é a pena por saber-me só. Sem ar, sem luz, sem fé, vago nas trevas... Só tu, sofrida vida, é que me levas, Para o deserto de tristeza e pó. 20.10.2004 00:10h.
Abandono
Foste a ilusão de um sonho simplesmente... Um sonho que ruiu em tempestade. Que transformou esperas em saudade, Apodrecendo ainda na semente. Foste um sonho feroz, cruel, latente, Que do castigo fez a suavidade. E que à alma escrava trouxe a liberdade, Trazendo ao frio o referver mais quente. Foste o Nada podendo ser o Tudo, Tétrica noite a recobrir o dia, Para o Poeta trouxe o canto mudo. Abandonado neste imenso porto, Morre-me o Verso, morre-me a Poesia, E mesmo vivo sei que sou um morto. 21.10.2004
Sonhos de ilusão
Se existiu no passado ardente fantasia, Neste presente vibra a dor, paira o abandono. Dias atrás um sol de verão que fulgia, Agora a solidão de um sepulcral outono. Para ti dediquei versos numa poesia; Primavera – sonhei na languidez do sono. Hoje a noite que chega é letárgica e fria, E sei que já não sou da tua mente – o dono. Esquiva tu fugiste e me escondeste o rosto, E eu – inverno glacial – sem trono e sem cajado, Sou Senhor da Ilusão não impondo respeito. Mordo o sonho e o sabor de amargo e ácido gosto Desta batalha atroz me mostra derrotado, E a lança desta Dor penetra no meu peito. 23.03.2004
Perfeição
À cadência do Verso mais perfeito Eis que busco viver meu duro ofício. E me ponho no altar do sacrifício Para jamais compô-lo com defeito. Ao cruel desafio estou afeito. Chega-me a inspiração como um bulício. Cada verso é um efêmero exercício Que o Poeta procura satisfeito. Mas assim que o poema está composto, Tira, o Poeta, as bagas de seu rosto E esquece a inspiração daquele instante. Fica esquecido o verso na gaveta, E ele parte buscando delirante, Outra rima esquecida numa greta. 28.08.2003
Submissa
Eu te ofereço além dessa paixão extrema A ânsia de dominar desejos e verdades. Depois te conduzir à glória mais suprema, Fazer-te sucumbir frente as minhas vontades. Eu te ofereço mais... A mais preciosa gema Que existe na palavra e prende em férreas grades. Ofereço grilhões e cristalino estema Feito de etéreos nós, feito de insanidades. Ofereço o poder da submissão completa, Tu sendo Musa-escrava, eu sendo o teu Poeta, Para te contemplar na prisão do meu verso. E estarás por prazer presa em tão ferrenho elo, Que jamais poderás fugir deste castelo Onde o Poeta-rei será teu Universo! 15.03.2006
Comparações
Inspiro-me em Marília de Dirceu E vou ao campo, minha doce amada. Se teu amor um dia não for meu, A Moçambique irei de alma penada. Mas podes ser Julieta, e eu, teu Romeu, Lânguida, te verei numa sacada. Sabes, porém, que foi que aconteceu, A este casal com alma apaixonada? Também podes, amor, ser Beatriz, E posso ser teu florentino Dante Mas que tragédia... ele não foi feliz. Sendo eu mesmo contudo, meu amor, Tenho n’alma essa angústia anavalhante, Por tua ausência vivo imerso em dor. 15.01.2004
Apenas sonhos
Todos os sonhos são apenas sonhos Povoando nossas imaginações. Uns trazem seus vergéis amplos, risonhos, E causam indeléveis sensações. Outros opacos, túrgidos, medonhos, Causam as mais horríveis decepções. Deixam nosso viver pasmos, tristonhos, Apegados a tolas orações. Às vezes são castelos assombrados, Vales, abismos, traumas, assassinos, E momentos de dor desesperados. Chegam das formas mais extravagantes, E parecem mudar nossos destinos E ferir-nos de modos contagiantes. 07.10.2001
Letargia
O pensamento vaga em devaneio. Penso alhures, porém, em nada penso. Letargia total, falta de anseio, Idéias esfumadas por incenso. Em tudo a solidão é um lago imenso. A vontade é menor do que o receio. O verbo na palavra fica tenso, A verdade e a mentira estão no meio. Penso falar e continuo mudo. Existe um nada que preenche tudo. Olho-me e não me vejo em tal instante. Não sei para onde vou, nem de onde venho. Sombrio olhar em meu olhar mantenho. Perto de tudo sinto estar distante. 15.05.2004
Voragem
Se tanto te amo e tanto te desejo E trago ao coração essa loucura Se teu corpo é loucura para o beijo Na razão mais sagrada e na mais pura Emoção de viver essa aventura A minha voz nos timbres de um arpejo Quer de beijos fazer a semeadura Para colher depois num terno ensejo Os frutos mais sagrados e mais doces Dessa posse carnal que me alucina O coração pois se mais santa fosses Iria profanar a tua imagem Pois o desejo atroz me determina A desfrutar teu corpo com voragem. 28.08.2003
Escravo da Poesia
Preciso que a Poesia me abasteça De raios de luar, harpas e sinos. Dos sonhos dos meus sonhos tão meninos, Antes que a noite rígida aconteça. Preciso que a Poesia-amor me aqueça Com sons suaves, ternos, argentinos. E que eu possa antever os meus destinos Antes que a primavera refloresça. Preciso que a Poesia ande em atalhos, Onde as flores miúdas e esquecidas Teçam mantas de líricos retalhos. Preciso que a Poesia em mil cantigas Perfume com carinho as nossas vidas, E alegre nossas almas tão amigas. 23.06.2004
Tétrico cenário (para Cesário Verde)
No estéril chão hei de plantar orquídeas Para a Vida brotar de tanta morte. Pois o homem – tenebroso e odiento Fídias! – Talhou a guerra em sua insana sorte. No desejo profano das insídias O homem tudo matou de sul ao norte. Vidas, vidas! Em transe o homem agride-as E não existem sonhos que as conforte. É tétrico o cenário disso tudo, Até meu verso num soluço mudo Tenta gritar, após tanta barbárie. Porém, a voz estrebuchando em fúria, Só canta a injúria após tamanha injúria, Por ver no solo tão horrível cárie. 25.06.2003
Antagonismo
Se bem podemos nós, viver felizes, Com o sorriso a estampar-se em nosso rosto, Por que ansiamos viver dias de agosto Trazendo em nosso olhar mágoas e crises? A vida está coberta de matizes: Um arco-íris no céu, a nosso gosto, Um amor a viver no peito posto, E sinos badalando nas matrizes... Vamos na contramão de nosso enredo, Ao doce procuramos ter o azedo, À alegria a tristeza nós buscamos. E ao fim do longo dia de trabalho, À estrada azul – um sinuoso atalho, É uma coroa de espinhosos ramos. 14.05.2003
Abrir a porta
Necessário, talvez, abrir a porta, Para o sonho tornar-se realidade. E o martírio deixar, qual coisa morta, Na esquina escura e oculta da cidade. Antes a estrada sinuosa e torta Agora vibra o sol da suavidade. Existes. E no canto a alma se exorta. Bastas-me. Quero a azul felicidade. Estás dentro de mim mesmo distante, Teu nome é-me canção que agora canto Tua presença em mim se faz constante. Quero-te para ser feliz agora. Se tanto te esperei e tanto, e tanto, Nunca mais, nunca mais, irás embora. 27.05.2003
Frente ao grito
Preciso recompor o pensamento Antes que a insanidade torpe o invada. Tirar o nó do próximo momento E encher de luzes minha madrugada. Depois folhas colher ao vir do vento E colocar os passos na ampla estrada. Desencadear o próprio movimento E frente ao grito a voz deixar calada. O pensamento invade a madrugada, Na estrada o vento gira em movimento E no momento a voz torna calada. Misturo após palavras repetidas, E se a lei for contrária ao mandamento, À própria vida pedirei mais vidas. 19.03.2002
Em meu silêncio
O teu silêncio grita, de maneira Que posso ouvi-lo a séculos distante. Dele, minh’alma fica prisioneira, Meu espírito fica agonizante. Teu silêncio ao meu corpo traz canseira No abandono letárgico e constante. Eu fico recordando a vez primeira Que falaste de amor de forma ebriante. Mas hoje teu silêncio invade tudo... E sorrateiramente vivo mudo Rezando salmos, mas a angústia é tanta, Que no martírio caio-me de bruços. Em meu silêncio solto mil soluços, Sufocando meus gritos na garganta. 25.03.2004
Musa bailarina
Poeta – perambulo pela rua, Buscando minha Musa bailarina, Que há de surgir-me em luz clara, opalina, Envolta em gazes linda, etérea e nua. E ao vê-la, langorosa e loura a lua, Hei de em meus braços ter esta menina: E seu olhar que em êxtase ilumina, Irá clarear minh’alma que tressua. Tendo-a em meu colo iremos para casa E a ela darei meu coração em brasa Para dela, fazer o que quiser. E abrindo-me seus braços num carinho, Dirá esquecida nesse etéreo ninho: “ – Sou tua Musa, faças-me Mulher!” 05.07.2004
Tecendo o silêncio
Tanto já te busquei num labirinto, Tanto tentei moldar-te no laringe, Mas teu segredo – silenciosa Esfinge! – Tornou-me verde e amargo como o absinto. No pensamento minha voz te cinge E tento ser cruel por puro instinto. Para fazer o mal – bem não me sinto, E meu profano olhar não te constringe. Desvario cruel da minha mente. Teço o silêncio convulsivamente, Agarro o sonho e não me prendo a nada. Urdo as tramas com a hóstia purpurina, Sangro-me em sol na tarde que declina, E tanjo estrelas pela madrugada. 21.10.2004
(Entre parêntesis)
Tanjo a lira, urdo o som, ascendo o pensamento, Vibro cordas em mim, teço milhões de tramas, À pauta musical eu me pego violento, (Eu te amo, meu amor... oh meu amor, tu me amas?) Uso cores febris, pincéis à tela tento, Desespero cruel, paisagens são meus dramas. No campo aberto sou vencido pelo vento. (Tu me chamas, amor. Meu amor tu me chamas?) Sinto parte de mim às partes da loucura, Procuro decifrar o enigma da Ventura. (Onde estás, meu amor, por que demoras tanto?) Teço o silêncio, só. Noite de eternidade. Um passado sem fim envolto de saudade. (Tu cantas, meu amor... ou é ilusão o canto?) 21.10.2004
Homens de Deus
Somos homens de Deus, somos por certo Poeira cósmica advinda do Universo. Grão de areia perdido no deserto, De modo frio, insípido, diverso. Somos homens de Deus, de peito aberto Meu coração nas mãos carrego imerso. Ao seu sopro, porém, vivo desperto, De pensamento livre, amplo e disperso. Somos homens de Deus, filho perdido Ao longo dessa estrada tão distante Que vai e vem num valsejar do vento. Somos homens de Deus, de olhar ferido, De tanta fé o meu viver é errante, Que nem pressinto o próximo momento. 06.01.2005
Ciclo
Sem destino caminho sem destino Num caminhar frenÊtico e constante. Cada vez mais de mim vejo distante Os meus dourados sonhos de menino. Com passos firmes vou seguindo avante PorÊm, dentro de mim badala um sino. Enquanto o rubro sol cintila a pino, Me distancio do Oriente ebriante. A tarde vem chegando lentamente, O sol segue o caminho do poente E traz a noite breve e breve em mim. Meus sonhos de ontem morrem sem futuro, À claridade exsurge eterno escuro, E a passos lerdos sigo para o fim. 12.01.2005
Ervas rasteiras
Meu verso é simples. Como ervas rasteiras Brota em terrenos e grotões baldios, Não tem o porte altivo das paineiras, São insípidos, tristes e vazios. Não lembra árvores fortes, altaneiras, Mas aguapés que correm pelos rios, No máximo são tenras trepadeiras, Que sobem postes alcançando os fios... Suas rimas também são simples, pobres, Não lembram colossais castelos nobres, Ou brilhantes vestidos de cetim. Mesmo assim são meus versos, meus somente, E mesmo pobres trazem a semente De um sonho lindo que jamais tem fim. 21.01.2005
Romance
Como posso entender-me nesta vida Se a incompreensão divide meus sensores? Há uma imagem na tela repartida Entre cacos de espelho e frias cores. O pensamento ruge nesta lida Como o ronco de intrépidos motores. Há uma porta de entrada e de saída, Um jardim metafísico e sem flores. A idéia brota, cresce e se avoluma, Uma ilusão transmuda-se em capítulos E não há como tudo se resuma. Abro os olhos e a mente se ensimesma... A vida é um livro com milhões de títulos, E cada história é a mesma e sempre a mesma... 23.01.2005
Sonho simples
Me interpreto nos versos que componho Mas dentro das estrofes eu me escondo. – Da realidade teço um simples sonho, Do silêncio provoco um grande estrondo. Mostro-me nu nos dias que me exponho E me enclausuro quando o êxtase rondo. Ponho fel nas carícias meigas, ponho Olhar de lince em tudo o quanto sondo. Oculto-me em verdades, me desvendo Em artimanhas que se contradizem, Tramo clausuras, fecho-me em remendo. Com pau a pique engendro a rima e a teço. Antes que as pústulas se cicatrizem, No silêncio total de tudo esqueço. 23.01.2005
Sonâmbulo
No silêncio da noite te procuro E entre sombras de luzes me apareces. Procuro te buscar no quarto escuro Nas valsas das cortinas te esmaeces... A fantasma notívago pareces: Brilhas, porém, em luz no meu futuro. Com meus lábios envio algumas preces Para te oferecer um sonho puro. Ouço-te a voz que entre silêncio fala, E teu aroma essência rara exala E perfuma o ambiente em toda a essência. Súbito acordo e ao sonho deste sono Eu me percebo só neste abandono Abraçado com tua densa ausência. 19.08.2004
Doces versos
Quando a saudade bate no meu peito, Crio versos em forma de cantiga. As Estrofes tomando um terno jeito O coração em doce enleio abriga. A poesia é-me sempre airosa amiga Em todo o tempo já que a tenho feito. É brisa da manhã – jamais me intriga! – Raio de sol que faz sublime efeito. Por isso, em doces versos me retenho, Com o que ele me dá me satisfaço. Sou feliz até mesmo na ansiedade. Se estou sozinho, ao seu encalço venho, E ele também me oferta um forte abraço Que faz morrer toda e qualquer saudade. 12.12.2000
Minha Poesia
Minha Poesia às vezes traz o encanto Das tardes de verão ensolaradas, Quando o sol, parecendo um flavo helianto, Tenta queimar as nuvens arruivadas... Minha Poesia às vezes cala o pranto Das noites frias, quando as madrugadas, Enevoam de brumas nosso canto, Deixando as ilusões desesperadas... Minha Poesia serve-me de veste, E sou rimas, estrofes e cesuras, Versos brancos, sonoros, coloridos. Minha Poesia brota em chão agreste, Dela fazendo enormes semeaduras, Tento deixar os corações floridos. 18.03.2002
Comparação
Podemos comparar a nossa vida À de Jacob, fenomenal Escada. Onde pisamos firmes na subida Para alcançar a glória desejada. Degrau após degrau na ânsia incontida De conseguir vencer a árdua jornada. Onde entre flores, vibra, colorida, A vitória fantástica do Nada. Com ânimo sequer temos cansaço, E a vida ao longe fita o imenso espaço Numa visão festiva de Colombo... Porém, basta um vacilo – e a cambalhota! – Acontece fantástica derrota E o corpo treme em tenebroso tombo. 06.03.2002
Mudo, mudo, mudo...
Este silêncio torpe me apavora. Sinto vontade de falar imensa. Mas no silêncio evoco minha crença E sinto que a Palavra me devora. Contemplo, do crepúsculo à alva aurora, No céu a lua cintilar suspensa. Assim minh’alma em seu silêncio pensa, Até que o sol a lua manda embora. Pensativo por vales e montanhas, O pensamento alucinado grita E calcina sem dó minhas entranhas. Mas permaneço mudo, mudo, mudo... Se a Palavra é meu lema e meu escudo, Do silêncio o meu mundo necessita. 11.11.2005
Transformação
Sempre que a Inspiração brota em meu pensamento, Procuro decifrar, da Musa, o seu chamado: Às vezes é cantiga e traz bulício ao vento, Tecendo em rima pura um canto apaixonado. Outras vezes, porém, chega igual a um lamento, Fazendo o coração bater desesperado. E meu canto se torna ácido, num momento, E nos meus olhos, denso é o pranto derramado. Nada, porém, me trava o continuar do canto. As lágrimas modulo, e disfarço o meu pranto, Para tentar mostrar que nada me domina. Sou apenas Poeta e ao compor minha Lira, Consigo transformar em Verdade a Mentira: Se, é o silêncio que vem – minh’alma em brilhos trina! 09.11.2005
Soneto caseiro
Em nossa casa, de maneira intensa, Vibra a harmonia em todos os sentidos. Se do amor comungamos áurea crença, Por tal amor vivemos nós unidos. Um meigo olhar é terna recompensa, Se de improviso, doces são servidos. Entre nós a ternura é tão imensa, Que em dobro vêm os beijos repartidos. Por tudo o nosso amor fala a verdade! E quem nos vê felizes busca em vão Entender tão banal felicidade... Por isso te componho esta canção. Para provar que o amor não tem idade, Fugindo de qualquer explicação. 11.11.2005 .
Vida da vida
Em meu peito a Poesia é uma fornalha: Crepita em labaredas num compasso. Molda rimas e métricas com aço, Grita e berra e com êxtase gargalha. Em ecos de fuligem galga o espaço Parecendo rugidos de metralha. Depois o corpo cobre de limalha, Se aconchega ridente em meu regaço. Vivo dela, com ela e só por ela! Minha pele, meus órgãos, meus sentidos, Túnica que me cobre colorida. Em minh’alma a Poesia é uma procela, Coração a pulsar em sustenidos, Vida da vida para a própria Vida! 14.09.2004
Desejos
Se buscamos viver a fantasia, Que ela seja vivida assim completa. Na cadência do sonho e da poesia, Na inspiração divina de um Poeta. Que ela em su’alma seja noite e dia O delírio na forma mais concreta. Que traga olhares ternos de magia, A tu’alma divina de arquiteta. Que sejamos felizes delirantes, E que sejamos colossais amantes Rompendo diques e quebrando grades. Que se rompa do céu qualquer barreira, Porque tu’alma escrava e prisioneira, Há de ser minha em mil Eternidades. 13.12.2005
Sentimentos
Às vezes, n’alma a idéia me atormenta, E crio labirintos dentro dela. Pois chega nos delírios da procela De forma horripilante, atroz, violenta. No encalço de domá-la a febre aumenta E na ânsia o coração à força atrela. A mente em prontidão, de sentinela, Procura desvendar o que ela inventa. Um caldeirão de pérolas fervendo! É tudo quanto sinto dentro d’alma. Das bordas eis que escorrem fios d’ouro. Com a mente alucinada fico vendo A falsa mansidão, a ignota calma, Da força bruta e assaz desse tesouro. 02.08.2004
Velho enigma
Procuro decifrar no velho Egito Os Pharaós e sua dinastia. A Esphinge em seu silêncio solta um grito Que reboa nos ecos da agonia. As Pirâmides – tumbas de granito – Guardam a alma do Nilo à revelia. Ramsés mumificado em torpe rito Clama pelo deus Sol, dia após dia. Tutankamon em ouro reluzente Busca dentro da noite um assassino Que se oculta entre sombras num repente. É manhã. Rompe o sol no céu festivo. O Egito corre atrás de seu destino Que posto em liberdade, está cativo. 08.08.2004
Fazendo um Soneto
Faço o primeiro verso do soneto E encadeado ao primeiro – eis o segundo. Crio o terceiro – sou Senhor do mundo; Ao quarto vou juntar algum graveto. Ao quinto verso estou meditabundo (Onde mais versos para este esqueleto!?) O pensamento vai chegando ao fundo E ao oitavo termino outro quarteto. Faltam mais seis – que dúvida profana, A inspiração no décimo se engana Faltam três para o fim desta empreitada. Parto agora para o último terceto E para terminar esta maçada Crio mais um e findo este Soneto! 03.02.2001
Inútil esforço
A solidão que às vezes me acompanha Através dos caminhos desta vida, Que deixa minha senda mais ferida E prende-me com palpos de atra aranha, A solidão é a pérola escondida Na ostra que vive em alto mar e banha O precipício e o labirinto, e assanha O coração que pulsa sem saída. A solidão porquanto mais existe! Tem o poder de carregar no dorso O silêncio que faz-me ser um triste. A solidão é o tenebroso corso Que intimida, que fere, que persiste, E a combatê-la é inútil todo o esforço! 01.03.2001
Final da caminhada
Podemos comparar a nossa vida A um belo, caudaloso e insano rio, Cobrindo a ampla paisagem colorida Num sonho que até causa desvario. Assim que estamos dela de partida Sentimos n’alma o mais horrendo frio. E a mesma estrada outrora tão florida, Do inverno agora traz nefasto estio. Pois juntos temos nós esta jornada – Manhã deslumbra em brilhos, perfumada, Com cheiros de eucaliptos e hortelãs... Se juntos nós cruzarmos toda a estrada, Seremos, ao final da caminhada, Um rio onde se cruzam amanhãs... 13.02.2001
Assombros
Tantas sombras invadem minha mente Que até meu coração fica nublado. Se o ânimo me faz seguir em frente, Por que me vejo como um derrotado? Se tenho tudo para ser semente E posso florescer iluminado, Por que no pensamento sou somente Aquele que viu tudo dar errado? Se consigo no chão deitar-me em sombra, Por certo a luz cintila às minhas costas E impulsiona-me os rumos a seguir... Mas por que tal visão tanto me assombra, E anseio escarpas ríspidas e encostas Sem encontrar sorrisos no porvir? 02.07.2002
Prazer na Dor
O pensamento ferve, há ebulição, E evapora em delírios e tormentos. Depois crio combates mais sangrentos Para fazer sofrer o coração. É meu prazer, é pura convicção, Desta forma, viver os meus momentos. Uso para sofrer mil instrumentos, Sou masoquista cheio de paixão. Meu delírio é sonhar coisas inúteis, Sofrer pelos motivos – os mais fúteis, E o pranto derramar no cais da vida. É um bálsamo o sofrer dentro do peito, E assim vivendo vivo satisfeito Mostrando a todos a expressão sofrida. 05.07.2002
Labirinto
O homem caminha e quanto mais caminha Mais longe está do ponto de partida. E neste labirinto – a alma perdida, Cada vez mais percebe estar sozinha. Evoca o céu sentida ladainha E preocupado com a sua Vida, Jamais escuta a voz enternecida Que o convida a encontrar sua Rainha. E a vida corre em louco labirinto, Corre o falerno puro de Corinto E bêbado o homem busca as fantasias. Caminha atrás de seu fugaz delírio, Despedaça no pântano o áureo lírio, E chega ao fim com suas mãos vazias. 07.06.2002
Busca Inglória
O homem busca encontrar qualquer atalho Para encurtar os passos da jornada. Anseia sempre ter menos trabalho Para ganhar do Tudo – um grande Nada! Seu dia-a-dia é feito de retalho E vai tecendo a manta esfarrapada. Quando o inverno, porém, – negro espantalho! – Chega, ele tem a manta inacabada! Sempre o deixar para depois é a norma, A existência, contudo nunca informa, A chegada do tempo no amanhã. Pois pode acontecer que Ele inexista, Ou poderá apagar no chão a pista Onde a jornada foi inglória e vã. 07.06.2002
Esperança cor-de-rosa
Enquanto os sonhos eram tão-somente Uma esperança a mais em nossa vida, E a gente os tinha n’alma qual semente Para semear na estrada percorrida; Enquanto os sonhos eram a florida Ilusão de um futuro reluzente E o coração olhava na avenida Para deixar a nossa estância crente; Quando tudo era apenas uma espera: – Uma bela esperança cor-de-rosa Florindo nos jardins à primavera, O coração fiava nesta Lira E não cria na peste pegajosa Que faz de nosso sonho – uma mentira! 19.01.2001
Árvore de Natal
A Árvore de Natal que foi armada Anuncia a chegada de Jesus. Por isso ela está toda iluminada Jorrando fortemente a sua luz. Eu contemplo-a feliz... apaixonada A alma cintila e fosforesce a flux. E cada luz que brilha é uma alvorada – Um pequenino sol que nos seduz. Por isso, nestas noites de dezembro, A Árvore de Natal eu vou armando Para trazer o sol dentro de mim. Pois foi há muito tempo (nem me lembro) Que a Árvore de Natal foi se apagando Quando minha esperança teve fim. 28.12.98
Painel piracicabano
A tarde cor de cobre o espaço tinge. Eu, Poeta, num êxtase a contemplo. Qual Artista construiu tão belo Templo? – Meu verso mudo morre no laringe! Nuvens formando colossal Esfinge Mostram, de Deus, um panteísta exemplo. Vejo um Altar no centro desse Templo E mil astros fulguram como impinge. Distante do crepúsculo – eis a Lua! Trazendo a Noite, fustigando em tudo, Sombras borradas no painel imenso. De joelhos, tenho em transes, a alma nua. Penso cantar, porém o verso é mudo, E no silêncio penso e apenas penso. 11.11.2005
Suave melodia
Ouço o som de suave melodia Que me penetra n’alma em frenesi. Canção de amor que os sonhos extasia Quando ouve sua voz – estou aqui! A voz do amor – sonora sinfonia – Tem a delicadeza do biscuit! Emoldura o silêncio, e a fantasia, Dedilhada na Lira de David. Em suaves acordes se desata Com purpurinos sons cheios de luz Brilhando igual a plácida cascata... E tanto a melodia nos seduz Ao som de violões em serenata, Que amar é bom até morrer na cruz. 12.11.1999
Pouso
Uma ave preta pousa em meu soneto E sorrateira torna minha Musa. Minh’alma de imediato logo acusa Que o céu azul tornou-se todo preto. Contra esse tredo agouro me intrometo! E parecendo antiga frota lusa A ave preta com garras de Medusa Alimenta seu sonho neste gueto. Não posso me dobrar a tal acinte! No meu céu interior busco a alva pomba Que traz no bico um ramo de esperança... Augusto! vem a mim! Conto até vinte! Mas de repente na minh’alma tomba O fantasma do horror e da vingança. 07.01.2004
Concerto da Vida
O tempo é uma ilusão. Dentro dele vivemos Na determinação que nos é concedida. Assim como no rio os braços tangem remos, Dentro do espaço baila o Concerto da Vida. Quando chegamos nós, nos pontos mais extremos, E acenamos do cais nossa própria partida, O tempo continua em delírios supremos Sem se ater a esperar a nossa despedida. E o tempo continua a arquitetar su’arte, Modelando feições nas cristas das montanhas, Desenhando painéis num saudoso estandarte. Sua força feroz o século não gasta, Porém, quebra a Esperança e com forças estranhas, Ao silêncio do vácuo o pensamento arrasta. 23.03.2004
Duas vidas
Como posso pensar na vida eterna Se sequer da terrena me dou conta? Se uma envolta em mistérios me amedronta, A outra envolta em prazeres, é-me terna. Uma, em gases, rebrilha sempiterna, E a mente, alucinada, deixa tonta... A outra é uma faca, e traz veneno à ponta, E dá mil gozos, mas também inferna... Se esta é uma realidade, a outra é mistério, Se uma é de carne e trágica apodrece, A outra só iremos ter no espaço etéreo. Em qual acreditar? Se uma é certeza, Que a outra nos leva, como a nossa prece, Irá deixar, por fim, noss’alma presa. 06.11.2002
Como prece
Preciso achar dentro do próprio tempo A hora mais calma para ser Poeta. As palavras são ramas e eu as empo Da maneira perfeita e predileta. Poesia não se faz por passatempo Que a idéia deve ser pura e correta. Se se perder em mero contratempo, A palavra endurece e se concreta. Necessário se faz estar atento À inspiração que vem na voz do vento Que modula canções em tons suaves. Ah! Poesia – quem dera, eu só pudesse: Externar pensamento como prece, Na perfeição gorjear igual às aves. 04.11.2000
Em harmonia
A madrugada brinca de poesia Tamborilando versos na janela. O vento sopra leve melodia Parece-me trazer notícias Dela. O pensamento voa em harmonia E a minha mente traz – visão mais bela! – Um sorriso, um olhar, uma alegria, Que as trevas eu transmudo em aquarela. Ternura tanta me faz rei sem trono, Fico a lembrar de meu amor tão rico Que pouco importa não me vir o sono. O amor dentro do peito glorifico. E se os dias me levam para o Outono, Vivendo o amor, bem mais feliz eu fico. 10.07.2002
Inverno
Nessas manhãs de inverno, quando o frio Pinta fantasmas alvos de neblina, Treme minh’alma em denso calafrio, Esmaece o céu em pálida opalina. Sons sibilantes de álgida ocarina Deixam meus sonhos num vagar vazio. Na árvore a copa densa sibilina E pálido meus versos inicio. O orvalho é denso e brinca sobre as folhas, Congeladas, as flores pendem galhos, E, colares de gemas são de gelo... Pálido, o sol estrinca suas bolhas, E colore com luz pingos de orvalhos, E a vida põe final ao pesadelo. 10.07.2002
Vista embaçada
Vivemos a sonhar com a áurea esperança Que doura nossos passos pela vida. Deixamos nossa estrada assim florida Enquanto a sombra, nesses passos, dança. Tudo é felicidade colorida; E frenético, o tempo louco, avança... E o sorriso de outrora, (os de criança), Vai vincando no rosto, a alma ferida. E sequer percebemos esse tempo Que corre malicioso e em fúria imensa Mais rápido parece a cada instante... Quando à parreira já não basta o empo, A vista embaça junto à poeira densa, E o passado feroz, se faz distante. 10.09.2002
Castigo
Vivemos todos nós, dia após dia, Jogando pedras em telhado alheio. Também nosso telhado vive cheio Das pedras que nos vêm à revelia. Vivemos nós assim, nesta porfia, Apenas por prazer e devaneio. E pedras atirar é puro anseio Dos erros encobrir com ironia. Tentamos ocultar as nossas falhas E a vida alheia a nós demais importa E por ela ardilamos mil batalhas. Porém, a olhar o nosso próprio umbigo, Nós pressentimos tanta coisa morta Que merecíamos maior castigo. 10.09.2002
Busca insana
O homem busca que busca em ânsia intensa O sonho tolo de uma vida eterna. Constrói altares, faz profana crença, Para ter sua glória sempiterna. Tenta regurgitar de forma imensa Os seus dias passados na caverna. Apenas para ter, por recompensa, Mais luz na sua pálida lanterna! Busca a filosofal fórmula mágica Que prolongue seus dias de futuro A fim de conseguir o que acumula. Porém, tal ansiedade é vesga e é trágica: Como o homem pode ter um sonho puro Se ele a Vida destrói de forma chula? 11.09.2002
Rotina do Tempo
Vivemos a reter no pensamento As mais profanas das alegorias; Para somente, no escaldar dos dias, Carregarmos o fardo do lamento. A própria vida é de fumaça e vento E perfeita demais para heresias. Portanto mágicas e fantasias, E os próprios truques passam num momento. A perfeição é o instante que amedronta, Dela passamos e não damos conta Que em seu cortejo vai despercebida. Tombam as estações após três meses, E a contemplar os rápidos revezes, Na rotina do tempo, passa a vida. 09.09.2002
De espreita
Espaços tantos em caminhos tantos E rumos a seguir em campo aberto. Os olhos fitam livres o deserto, Onde vivem ocultos, os encantos. Com grãos de areia teço régios mantos Para encontrar algum oásis perto. Caminho firme, com o passo certo, Busco a felicidade pelos cantos. Mas tudo tão distante vive e tudo Parece estar oculto no segredo Do silêncio monótono que soa. O olhar espreita a imensidão e mudo, Sem dar demonstrações de tanto medo, A alma do corpo para longe voa. 16.01.2000
Mote da Carla (no dia dos meus 50 anos)
O bem que temos pelo mal trocamos E assim que a estrada se nos mostra certa, A gente busca, em vão, a porta aberta, Sonhando com recônditos recamos... E muitas vezes, sem querer achamos Que a vida é uma ilusão... Que descoberta!... E a realidade é uma ínfima coberta Que junto ao frio vai sangrando os ramos. E o sorriso se faz cara fechada, Ao cumprimento, a mão traz bordoada, E no fundo do poço eis que ficamos. Se ao amor colocamos o desprezo, Natural que sintamos todo o peso E o bem que temos pelo mal trocamos. 03.12.2002
Vencer! I
Talvez exista um mundo à parte ao mundo Em que vivo, ando, sonho, choro e rio... Oásis desconhecido ao desafio De vencê-lo ao fulgor amplo e profundo. Da semente do Cosmos sou oriundo, Mas o Espaço se mostra tão vazio, Que se torna frugal, um arrepio, Frente ao vácuo feroz, forte, fecundo. E este segredo, mais do que segredo, Meu espírito em trevas alucina E faz-me um despojado frente ao medo. Caminho e mais caminho e mais caminho, Que a Vontade mais forte determina Seguir em frente até se estar sozinho! 12.07.2002
Vencer! II
Ás vezes, sinto uma ânsia incontrolada, De parar os meus passos no caminho, E desistir da longa caminhada E os ouvidos fechar ao burburinho. E perscrutar à margem da ampla estrada A vida que prossegue em remoinho... Ver quem passa feliz, vai de mão dada, Ver quem passa tristonho, e vai sozinho... Mas uma força estranha me impulsiona E não desisto os passos no momento: Venço léguas de sombra e sol ardente... Com o fracasso sempre vindo à tona, Vou seguindo sangrando contra o vento E destemido ponho os pés à frente! 12.07.2002
Dor
Quem já sentiu a dor em tal efeito, Consegue compreender a dor alheia; Pois ela nos envolve em densa teia Que perdemos razão, forma e conceito. É lâmina afiada e de tal jeito Nos pega sem propósito e golpeia, Que o sangue denso corre em nossa veia E se transforma em lágrimas no peito. Já senti esta dor também, um dia, Num passado que sempre está presente Num sonho repisado de agonia Mas esta dor aos poucos, de orfandade, Pelo passar do tempo em nossa mente Transforma-se na Sombra da Saudade! 03.03.1995
Asas
A grande angústia que o homem tem na vida É não poder voar! Nesta ânsia intensa Ele profere a sua insana crença Ao ver sua vontade carcomida. O ínfimo inseto voa em plena lida Causando ao homem uma inveja imensa. Assim ele só tem por recompensa Criar asa de ferro – retorcida. Isso não satisfaz tanta ganância! Sua vontade era transpor distância Galgando o espaço colossal, sidéreo... Mas o Arquiteto, com sabedoria, Não dando as asas tais que o homem queria, Só para si guardou esse mistério. 29.08.2001
Honestidade
O dever do Poeta é ser honesto Até quando cantar sua mentira. Sendo Poeta dizem que não presto Quando tento iludir em minha Lira. Se nas desilusões a alma se inspira Como posso fugir de tal contexto? Se maliciosa a inspiração transpira Como posso buscar outro pretexto? Não duvidem da minha honestidade, Minhas dores são feitas na verdade Das mentiras que colho no caminho. Se, choro, por viver abandonado, Alguém ouve meu choro estando ao lado Sendo Poeta nunca estou sozinho. 03.05.2001
Sonâmbulo
No silêncio da noite te procuro E entre sombras de luzes me apareces. Procuro te buscar no quarto escuro Nas valsas das cortinas te esmaeces... A fantasma notívago pareces: Brilhas, porém, em luz, no meu futuro. Com meus lábios envio algumas preces Para te oferecer um sonho puro. Ouço-te a voz que entre silêncio fala, E teu aroma essência rara exala Perfuma o ambiente em toda a sua essência. Súbito acordo e ao sonho deste sono Percebo-me estar só neste abandono Abraçado com sua densa ausência. 19.08.2004
Batalhas
Travo batalhas contra o pensamento Para vencer o horror que me domina. Se o terror me atormenta e me fulmina, Tento escutar lá fora a voz do vento... Entre tormentas tantas me atormento. Meu cérebro caótico rumina. Tudo me afeta, nada me ilumina, E a agonia me envolve em movimento. Sou um bárbaro que uiva enquanto vivo, E trago um coração em mim cativo Que enquanto me entorpece me atordoa. Enlouqueço no fundo do submundo E quanto mais com os pés procuro o fundo, Mais me afundo no lodo da lagoa. 09.09.2004
Impulsão
A loucura é a razão do pensamento Que fere e freme em fogos de artifício. – Insanidade ao próximo momento, Escalada de grande sacrifício. Dura é a normalidade por oficio Se contra o corpo há colisão de vento. E o sorriso é motivo para o vício, E à razão joga a lei e o mandamento. Por isso esgueiro os olhos contra o muro, E procuro encontrar alguma fenda Para que possa me servir de fresta. Ou algo que impulsione-me ao futuro: Uma palavra com sabor de lenda, Uma ilusão que me pareça festa. 30.01.2002
Carrilhão
Contemplo, na parede, pendurado, O carrilhão dos tempos de Saudade. Corre a Vida e ele, presto, inabalado, Em segundos fatia a Eternidade. Cada quadrante avisa que o passado, Novamente alongou sem ter piedade. Quando a hora tem seu ciclo terminado, Retorna o seu avanço de eqüidade. Às vezes, na ânsia louca de retê-lo, Deixo de alimentá-lo em sua corda Para que não avance tão depressa... Mas para meu constante pesadelo, De seu sono letárgico ele acorda E parece maior a sua pressa. 22.01.2002
O Medo
O medo é uma canção que não se canta; Sente-se pelo menos, e ao senti-lo, Ninguém consegue se sentir tranqüilo Por que o corpo entre febres se quebranta. A fuga torna-se impossível – manta Cobrindo o corpo e, em vão vale o sigilo... Pensa-se nisto, foge-se daquilo, E o medo, com temores – se agiganta! O medo todo o mundo um dia o sente. Muitos de uma maneira diferente Guardam, só para si este segredo. Muitos querem cobrir o ser covarde Antes, porém, que tudo fique tarde, O inconsciente dá mostras deste medo. 19.01.92
Eu e o silêncio
O silêncio é quebrado pelo vento Que soa em cadavéricos gemidos. E os lancinantes ais feito lamento Parecem misereres, sustenidos... Uma coruja em pios doloridos, Sua presença avisa no momento. Eu e o silêncio estamos aquecidos Enquanto a noite vai – no esquecimento. Sozinho, e este silêncio me atordoa. O vento venta, em ecos triste soa, Uma canção que diz de solidão. Eu, o vento, a coruja e a noite triste, E este silêncio que somente existe Para causar angústia ao coração. 21.12.98
Ser Poeta
O Ofício de Poeta até parece Fácil àquele que não faz poesia, Mas o Poeta perambula o dia Na ânsia de cultivar a sua messe. Se a encontra, de joelhos, reza a prece, E colhe os versos da palavra fria! Entra na mais dinâmica porfia E jamais, forma alguma, recrudesce! E ainda deve ser o homem que pensa, – Um verdadeiro cidadão comum Senão à vida vai causar ofensa! Mas ao levar adiante o seu ofício Deve o Poeta ser o Número Um E sorrir frente a tanto sacrifício! 21.12.98
Limite
A vida que há em nós e pulsa e vibra E nos parece ser sonora e eterna, Sobre uma faca afiada se equilibra E apaga como as luzes de lanterna. A vida que sonhamos sempiterna É fumaça, porém, que aos ares libra. Ora tem olhos dentro da caverna, Após se torna treva e se desfibra. A vida que respira, anda, arde e pensa, Num só suspiro pode ser suspensa E pode se tornar imóvel, fria. E sem saber o seu valor exato, A gente dá-lhe muito pouco trato Sem termos chances para um novo dia. 06.01.2003
Maior valia
Se, posso tudo ser num só momento: – Árvore, sonho, amor, prece, ternura, Alegria, tristeza, pensamento, Desejo para plácida aventura, Se, posso amar, ter uma vida pura, Cantar, sorrir, ser valsa junto ao vento, Também posso ter cismas de loucura: Insanidade atroz, fatal tormento, Se, posso ter azar, também a sorte Pode viver em minha companhia E sendo fraco sobrepujo o forte. Dentro da noite posso ser o dia. Mas não consigo sobrepor-me à morte. Assim ela é que tem maior valia. 06.01.2003
Rei infeliz
Dizia-se que havia num Castelo Um rei bastante mau, cruel, insano. Sempre tinha nas mãos atroz cutelo Para ferir de modo desumano. Usando seu Poder de soberano Provocava pavor e pesadelo. Mas a vida que vai ano após ano, Fê-lo um rei infeliz em seu anelo. Morreu o rei. Buscando em seus guardados Descobriu-se por que tanta maldade Existia naquele coração. Era que o rei, em anos já passados, Ao encontrar sua felicidade,, De simples camponesa teve um não. 06.01.2003
Sonho silêncio
Sonho silêncio simples e sereno, Quando o sol se debruça no horizonte. E faz da treva e luz imensa ponte No instante de magia em tom ameno. Nest’hora, me percebo tão pequeno Que até da própria vida perco a fonte: O sol – dantesco e rubro mastodonte, De raios, triste, faz o seu aceno. E me faço Poeta por acaso: Vou percebendo à leve luz do ocaso O cortejo da lua e das estrelas. E ao ver a ação noturna em alvorada, Com a retina dos olhos encantada As fadas mais bonitas – penso tê-las. 06.01.2003
Cromo (Para B. Lopes)
Aleluia de sinos repicando Na igrejinha do velho povoado. É Chiquinho e Iaiá que estão mostrando Ao mundo um grande amor iluminado. O padre no sermão fica louvando E fala desse amor puro e sagrado. E da vida prosaica vai falando Dizendo com enlevo apaixonado. “Vejam só, meus amigos, a pureza Existente nos noivos é a emoção Mais sublime de toda a natureza!...” Eis que noiva desmaia. Foi enfarto? Medroso o povo faz-lhe uma oração. Porém, Iaiá entrou na hora do parto... 07.01.2003
Fórmula
Se tudo quanto sonho em transes sorvo Me é absinto puro, seco, azedo, amargo, E se as tristezas todas eu embargo E desesperos negros eu absorvo, Se minha angústia vem na asa de um corvo (Eu dele não me livro e não o largo) Sinto que esse tormento é meu encargo E em minha vida só produz estorvo. Se o desespero vibra e se acumula Não há remédio a me trazer na bula Fórmula que dê fim a essa amargura. Está dentro de mim essa tristeza E não creio existir na natureza Quem possa me tirar essa tristura. 07.01.2003
Eterno desafio
Olho dos sonhos a funesta lista E está lá, como eterno desafio, Razão de meu delírio e de conquista O sonho que procuro anos a fio. Ele parece um caudaloso rio Que chega em sua forma ultra-imprevista. Em minh’alma põe pânico e arrepio, Que até me esqueço ser poeta-artista. Desafio constante em minha vida, É uma esperança que se foi perdida Desejo tolo para ser feliz. Talvez não venha a realizá-lo, creio, Mas todo o meu constante e puro anseio Só pôs-me n’alma funda cicatriz. 08.01.2003
Xou da Xu(bru)xa
Todos os dias a Rainha Xuxa Convoca nossas tímidas crianças, E mostra um mundo falso de esperanças Com seu olhar de Maga e voz de Bruxa. Nos inocentes infelizes, chucha Desenhos sobre guerras e vinganças, Ídolos falsos empunhando lanças E homens maus empunhando uma garrucha. Meninos e meninas do auditório Tais como macaquitos obedecem O que essa Fada diz de seu covil. Choro, bagunça, intriga, falatório... E é nesse estado de ânimo que crescem As crianças mais burras do Brasil! 09.05.89
Nossa Senhora agredida
Um homem – um ateu, hipócrita em excesso, Quis a todos mostrar – com seu gesto cretino, Que somente chutava uma imagem de gesso E Ela não lhe podia alterar seu destino. E a imagem agrediu... e entre os seus fez sucesso; A Agredida, porém, com seu olhar divino Nas contas não levou todo aquele arremesso E calada assistiu o ataque ressupino. O homem, porém, não quer profanar tal imagem (Que é gesso, tão-somente) ele quer mais pois quer Não sei porquê, mostrar que Maria é miragem... Mas foi Ela que um dia, em todo o seu receio, Ao seu filho Jesus foi Mãe e foi Mulher Dando ao pequeno Deus o leite de seu seio. 03.11.1995
Insatisfação
O verso vai bailando em minha mente Como o valsear frenético do vento, Que chega de repente, de repente, Deixando roseirais em movimento. Chega manso, depois de forma ardente, Estrofes vou tecendo no momento. – Artifício que moldo em minha mente, Na ânsia de eternizar-me em monumento! Um Monumento de palavras feito, Que há de viver por todos esquecido Já que a ninguém o verso dá sustento. E a findá-lo me pego insatisfeito, – Inédito jamais será relido, Sequer será lançado para o vento. 12.02.2005
Maldição (após ter mudado meu Pai no cemitério)
O meu Pai trabalhou por tantos anos, E agora quando nos roubou-o a morte, Vimos que a vida é mágica de enganos Pois ela nos pregou ingrata sorte. Se não tivéssemos cabeça forte, Outros seriam, Pai, os nossos planos, Mas o Senhor que nos legaste um Norte, Fez nossos passos serem soberanos. Nos deste o Orgulho, Pai, Força e Coragem, Para travar a voz que profanava E pôr-te no lugar que merecias. Hoje, Pai, as membranas do ódio reagem. A voz primeira que soltou a trava, Terá um porvir de cavernosos dias. 05.01.1988
Soneto improviso (soneto feito na hora com palavras dadas)
Dentro da noite poliedra e fria, A minh’alma indecisa busca a aurora. Meu coração dentro do peito chora, – Sou um ancoradouro de agonia... Ao longe uma paisagem fugidia Vê que em mim a saudade revigora... Oh, meu amor, por que tanta demora? O plágio do meu pranto é-lhe poesia? Meu pensamento em células errantes Não conciliam a paixão que sinto Meus sonhos tornam-se visões distantes... Mas nessa angústia eu vejo tudo morto: Meu sonho é um sonho vertical e extinto, Meu caminho é um caminho incerto e torto. 30.06.1978
Juras em sussurros
Cada vez que te deitas, linda e nua, Molemente ofegante sobre a cama, E, refulges brilhante, à luz da lua, Com o corpo incendiado em rubra flama; A minha boca a pele te tatua E ardente de desejos, cospe chama, Com carimbos te marca a pele nua E delirantemente geme e clama. Quando o meu corpo ao teu provoca sombra, A paixão que me invade é tão intensa, Que entre delírios minha mente assombra. E enquanto nós vivemos a loucura, Nossa linguagem se transforma em crença, Que até nosso sussurro é terna jura. 19.11.1996
Bater de asas
Sempre que a noite – em seu sudário imenso Cobre de crepe o cálice do sono, Também minh’alma imersa em transe denso Dorme em calmo e letárgico abandono. Mas do sonho letal me recompenso Sonhando horas sem fim, como um colono Que olhando o campo fértil, largo, extenso, Sonha com seu império e com seu trono. E eu sonho possuir tudo o que quero... Terras, prados, pomares, sítios, casas, Ser um Rei soberano em meu império... Mas acordo e por fim me desespero: Os meus sonhos bateram suas asas E foram se alojar no cemitério. 30.08.1989
Entre sombras
O pensamento em transe eis que embaralho. (Deixei por fim o vício do cigarro!) Tenho feições de um tímido espantalho Com seu modo de ser todo bizarro. Mas sou mesmo um estúpido paspalho! Por que minha derrota em versos narro E tal um perdedor jogo o baralho E desdenho a vitória com escarro? Esta é a noite de um grande derrotado: Com garrafas vazias me sucumbo E entre sombras não quero ser notado. Perco os anéis e perco os próprios dedos. O ouro perdido pesa como chumbo, E a derrota ainda tem muitos segredos. 24.02.1995
Plena comunhão
O mundo – tenda bela e imaculada, Altar de Deus sublime, Eternidade Da Noite, do Luar, da Madrugada, E de todo o rosário de Saudade; Onde o homem vive, como simples Nada, Pervertido na impávida piedade, Em contraste com Deus – Alma adorada! – Comum ao sonho de atra iniqüidade – O Homem e o Mundo – em comunhão perfeita – Campo fértil para ótima colheita, Devastador de sonhos e quimeras, Ah, sem a besta do homem iracundo, Teria a terra em transe mais fecundo, Tão-somente estações de primaveras! 30.12.1991
Palavra fugaz
O Poeta procura em sua insanidade Uma rima de luz para pôr em seu verso. E deseja lustrar com forte intensidade, Versos de paz e amor de modo mais diverso. Assim tenta cantar com densa alacridade, As belezas que vê nos plainos do Universo, Mas encontra, porém, total promiscuidade, E o tempo de compor cada vez mais lhe é adverso. Eis, portanto, o Poeta em sua insana busca, O sol que brilha vê repleto de tesouro, Ao fitá-lo, porém, a sua vista ofusca. E a Palavra é fugaz ao pensamento mouro: Fica o Verso incompleto e sua força brusca Não consegue juntar para ter um tesouro. 06.01.2003
A respeito da solidão
A solidão que às vezes me acompanha Através dos caminhos desta vida, Que deixa minha senda mais ferida E prende-me com palpos de atra aranha, A solidão é a pérola escondida Na ostra que vive em alto mar e banha O precipício e o labirinto, e assanha O coração que vê-se sem saída. A solidão porquanto mais existe E tem o dom de carregar no dorso O silêncio que faz-me ser um triste. A solidão é o tenebroso corso Que intimida, que fere, que persiste, E combatê-la é inútil todo o esforço! 01.03.2001
Um novo encanto
Ainda é nova a dor, sangra, portanto. Não teve tempo de cicatrizar-se. Por isso necessito de disfarce Para mostrar que estou feliz, e canto. Muito embora na face escorra o pranto, E do olhar a pupila mais se esgarce, Eu posso, sim, fazer minha catarse, Para encontrar na vida um novo encanto. Pois muito bem, ajunto-me à bagagem, E vou para o porão seguir a viagem Em busca de outro sol, de nova luz. Se notares, por fim minha presença, Com a alma de joelhos teça alguma crença Para ter menos peso a sua cruz. 23.03.2004
Busca
Buscas dentro de mim o homem-Poeta; Porém, o homem-Poeta não existe. Existe uma Ilusão que se completa E esta ilusão, por certo, é muito triste. O Poeta é uma luz que se projeta; No imaginário da paixão resiste. O Homem na vida traça a sua meta E o desespero sem razão lhe assiste. Sou Homem e Poeta num dualismo; Onde a Esperança acaba e surge o abismo O Poeta constrói a sua estrada. Se vens, portanto, os passos nela pondo, Dentro dos sonhos, o Poeta escondo E Homem eu passo a ser não sendo nada. 07.11.2002
Imaginação (Para Ícaro)
Aos limites que cercam minha vida E parecem cercear o meu caminho, Busco sempre uma porta de saída Ao medo de parar e ser sozinho. Procuro arquitetar um novo ninho Em outra primavera mais florida. Nasci para viver entre carinho Nunca para viver de alma ferida. Abro as asas, assim, do pensamento; O meu limite é o próximo momento, Talvez a vida morra neste afã. Mas hoje sinto a força que me impele: Aos braços crio penas sobre a pele Para voar no sonho do amanhã. 05.11.2002
Sonhos
Sonhos – inatingíveis Himalaias Que vivem povoando a nossa mente! – A solidão de inacessíveis praias De algum desconhecido Continente. Sonhos – angústia e tédio num repente, Crinas ao vento, em retirantes raias... A solidão que n'alma o peito sente, Tardes nubladas, sombras sob as faias... Sonhos – delírios e tremores – medo! Pressão no coração... tortura... tédio... Realidade composta de segredo. Sonhos – que fogem sem fazer assédio, Colocam nossa mente no degredo À realidade que não traz remédio. 06.10.1999
Dor Antiga
Cheio de sombras vou moldando os passos Dos rumos a seguir nesta jornada. E vou desentrançando os embaraços Quando a fuligem molda a madrugada. Vou me esgueirando e assim encubro os traços Que meus passos impingem nessa estrada, E preso à terra singro amplos espaços Tudo pensando e não dizendo nada. Quem me vê não conclui o pensamento, Pois sendo sombra sou indefinido Como sujeito oculto... Inexistente. Se, faço movimentos – sei-me vento, Que o coração há muito está ferido Pela angústia de ser intransigente. 10.01.2002
Vício da Poesia
O vício da Poesia é o doce vício Que me entorpece o espírito e o sacia. Para mim não exige sacrifício Quando caio nos braços da Poesia. Não sei bem quando foi que teve início A minha entrada nesta Fantasia. A mente não guardou nenhum resquício Não anotou também sequer o dia... Desde sempre me sei um embriagado. As Musas me oferecem tais licores E eu os bebo num cálice sagrado. Ao vício da Poesia me fascino, Pois os versos que brotam como flores, Atapetam o chão de meu destino. 02.05.2001
Ocaso
O Ocaso vem chegando e com cores sombrias O céu da minha vida aquarela de luto. Se antes, a Primavera era a luz dos meus dias, Hoje o Inverno glacial solfeja seu tributo. Constelações no céu fulgem alegorias Mas sem força interior não guerreio e não luto. Antes o amor vibrava airosas melodias, Hoje no Inverno busco um asilo, um reduto. Fico extático a ver da Vida o seu remoinho, Outrora tão vibrante eu nele entrava todo E sabia buscar sempre um novo caminho. Hoje, porém, contemplo os passos desse engodo. A solidão chegou. Aqui fiquei sozinho. E tenho os meus dois pés atolados no lodo. 18.11.2005
Ofício (Para Lino Vitti, Príncipe da Poesia piracicabana)
É sílaba após sílaba e à cadência Trago os versos nas pontas dos meus dedos. É para mim perfeita e justa a ciência E a Arte de dominar esses segredos. Tudo feito na exótica paciência Os versos – vou compondo claros, ledos. Mas é preciso nesta persistência Deste ofício, fazer meros brinquedos. Jamais um verso errado, um verso torto! Se tal acontecer eis que o Poeta Sente espasmos cruéis de ser um morto. Se o Calvário tem furnas perigosas, Quando sente a Poesia estar completa, Eis que seu mundo desabrocha em rosas! 16.07.2004
Memórias
Memórias são lembranças do passado De um sonho bom ou negro pesadelo. Como embromados fios de novelo Que vamos repuxando em torpe estado. Sempre num colorido renovado A gente vai narrando num apelo. Porém, para mudá-lo é frio o gelo: – Livro escrito não pode ser mudado. Assim com a memória detalhista Vou revivendo os traumas da existência E reprisando vejo a antiga pista. Com os mesmos passos velhos dos coturnos, E refazendo o exame de consciência, Culpo a mim mesmo os fatos tão soturnos. 11.11.2003
Certeza
Sei que virás! Igual à primavera Em flores vai brilhar a minha vida. Há de ter fim a Noite da Quimera E minha estrada vai ficar florida. Meu coração igual a um muro de hera Vai ficar de aparência colorida. É tão longa e sofrida a longa espera Para poder chamar-te de Querida! Virás! O sonho há de vibrar! – Poeta Irei tecer canções e madrigais Para agradar a minha predileta. E ao som dos bandolins em serenata, Farei chover estrelas vesperais Enquanto o céu rebrilha à luz de prata. 13.02.2004
Frio
Frio. Faz frio. Faz frígido frio. Frias as mãos, os pés, o coração, Os lábios tremem, gélido arrepio, Ao corpo frio é fria a sensação. Vento gelado n’alma, atroz vazio. As rimas soam frias na canção. A esperança desliza por um fio Nem mesmo o sol aquece o frio, não. Há calor por viver, mas está frio. Neva no coração, névoa no sonho, Nívea ternura no calor da mão. Fumaça fria a enevoar o rio, Um misto de agonia, o olhar tristonho, Sangue quente a correr no coração. 22.07.2004
Encanto
Sei que virás e toda a fantasia Irá se transformar em realidade. As rosas rubras, plenas de euforia, Irão desabrochar pela ansiedade. Os olhos com resíduos de poesia, Terão do encanto, a luminosidade. E num poema puro de alegria, Do sonho irei tirar a virgindade. Trazida pelo gérmen da ternura, Essa felicidade airosa e pura, Silenciosa fará de mim um rei. Soberano a reinar o campo amado, Teus passos vigiarei estando ao lado, Para fazer cumprir a minha lei. 22.09.2004
Do sono Oh, Morpheu, oh, Deus do sono, Foste tu na Grécia antiga, Um asilo do abandono, Um asilo da poesia. Nesta noite errante e fria A minh’alma é tua amiga. (Prece a Morpheu) Morpheu tenta que tenta, em seus abraços, Levar-me para o reino da utopia. Porém, tento escapar-me de seus braços, E acordado – viver na fantasia. Porém vou me prendendo nos seus laços E ele em ternuras leves me sacia. Os olhos morrem sonolentos, baços, Há um perfume sereno que inebria. Ouço ao longe, bem longe, muito longe, Um canto que parece ser de monge, Não me percebo estar onde os pés ponho... Há uma Grécia ao redor, Homero canta... País do mar Egeu, tudo me encanta, Os olhos abro e eis o País do Sonho! 17.01.2002
Dotes de Poeta
Em épocas perdidas do passado, Sabia-me ter dotes de Poeta. Assim a minha vida era repleta De um sonho colorido e iluminado. Cada verso era feito e publicado E à minh’alma a alegria era completa. Minha Musa – sublime borboleta! – Punha meu coração apaixonado. E muitos versos, cheios de esperança, Brotaram em meu peito de criança Acalentando sonhos e quimeras... Para a Poesia construí um Trono, E hoje, mesmo chegando o meu Outono, Por ela vivo plenas Primaveras. 18.01.2002
Variadas fantasias
Sabemos muito bem que precisamos Para viver nossos insanos dias, Usar as mais variadas fantasias Soltar os mais simbólicos reclamos. Atrás de sonhos fantasiosos vamos Buscando descobertas e utopias. Fervendo ervas em tachos de magias, Procurando maçãs em secos ramos. Raia a razão ao pensamento oculto, E nas ciladas desta realidade Nas sombras somos um sinuoso vulto. E no delírio desta insana busca, À nossa frente uma ferrosa grade Os passos – trava; e nossa vista – ofusca. 14.01.2002
Minha lei
Coloquei dentro d’alma áurea esperança. Ansioso pus-me nela acreditar. E sorrindo um sorriso de criança, Contemplei as estrelas e o luar. O tempo que não pára e sempre avança, Sequer meu sonho pôde realizar. E no passado ele ficou lembrança Perdido num recôndito pomar. Homem feito, os meus olhos, tristes, ponho, Na esperança do sonho que sonhei Vendo que ela me foi somente sonho. Fosse na vida um soberano rei, Eu hoje não seria assim tristonho, Que ser feliz seria a minha lei. 14.01.2002
Jornada
A jornada dos passos mais avança E a encruzilhada é vista logo à frente. Vai-se acenando adeus para a esperança O próximo momento é de repente. E tão rápido é o tempo desta dança Que alucinada, não percebe a mente. Brotam da terra as flores da lembrança E uma saudade imensa é o que se sente. Em tudo brilha um ar de despedida, Inéditos vão sendo digitados Para virem um dia a luz da vida. E ausente deste pó que nos invade, Junto a todos seremos derrotados. Seremos tristes trapos de Saudade. 06.02.2002
Soneto das rimas pobres
O Amor não necessita rima rica, Posso exaltá-lo numa rima pobre. Pois se meu coração o glorifica, Nada no mundo pode ser mais nobre. Se com ternuras meu amor se cobre, Com êxtase de luz minh’alma fica. E a rima de ouro, prata ou mesmo cobre, Tem mesma intensidade nesta bica. Portanto vou cantar o meu amor E a rima pobre canta-o como flor Que brota no jardim, em qualquer chão. E sendo uma verdade sem razão, O meu amor seja que jeito for, Deixa sempre feliz o coração. 06.02.2002
Soneto das rimas ricas
Quedo-me na quietude e no silêncio Para poder sentir tua presença: Porém o sono, o pensamento vence-o E não desfruta esta visão imensa. O coração com nome de Inocêncio Faz nesta solidão a sua crença. Oh delírio fatal, meu peito incense-o! Para eu ter este amor por recompensa. Porém, a angústia – coração de pedra! – De forma descabida e poliedra, Meu olhar deixa igual caleidoscópio... E em transe diáfano em tal mundo eu entro, E para a lucidez eu me concentro Mas o sono é meu sândalo e meu ópio. 08.02.2002
Saudade (um soneto muito antigo)
Saudade! Uma lembrança grata e terna De alguém que nós quisemos e partiu... Um amor que guardou memória eterna Em nosso coração... depois sumiu... Saudade! Aquela dor profunda e interna Que guarda o coração, porque sorriu. Uma luz que se apaga na lanterna, Doce lembrança do que já existiu... Saudade! Um beijo frio e sonolento, Uma recordação que foi presente Um pouquinho da dor que nós corrói. Saudade! Um verso triste e friorento, Uma presença que se faz ausente, E a dor aflita que no peito dói. 15.03.1973
Sobre um auto-retrato (De Vincent Van Gogh)
Me olhas. Te olho. Em silêncio nos olhamos. E entre este nosso olhar errante, incerto, Existe mais de um século deserto De vidas antes as quais nos separamos. Porém o nosso olhar se cruza – vamos Hipnotizarmos num olhar tão perto E ao mesmo tempo tão distante – aberto Para o céu, onde, absortos nos quedamos. Se te olho, foi por que eras um Artista!, Se me olhas, foi por que cravaste a vista Ao meu olhar e se ora te contemplo E – Poeta – escrevo o que já não existe, Que o nosso olhar parado, oblongo, triste, Possa ao mundo servir de algum exemplo. 13.12.1991
Trágicas derrotas
Não somos nunca o que sonhamos. Somos Uma mentira as nossas próprias vistas. No pomar da existência – podres pomos; Hipócritas fantoches de áureas cristas! E para nos cobrir de tais assomos, Cantamos as vitórias imprevistas... Quais medíocres heróis sempre nos pomos No centro das batalhas e conquistas!... Mas bem sabemos nós, que tais alardes, Escondem tantas trágicas derrotas E que somos apenas uns covardes. E a realidade é mesmo mais bisonha: Ficamos a fazer papel de idiotas Enquanto nas mentiras – a alma sonha! 30.08.2001
Ecológico
Árvores são plantadas nas calçadas Para que no futuro deitem sombra. Porém, em poucos anos elas crescem, E vão de encontro à fiação elétrica. E começam daí a ser podadas E ficam tendo uma feição que assombra. Pois mutiladas elas se parecem A uma visão aterradora e tétrica. Longos braços desnudos, secos, frios, Esturricados pelo sol ardente E provocando a fúria em sonhadores. E após machados de aço luzidios, Ferem o tronco inopinadamente, Nos mais profanos e cruéis horrores. 13.05.1997
Saudade viva
Quero a ternura das canções antigas, Dos saudosos violões em serenata, Velhas canções tão belas, tão amigas, Que eram cantadas sob a luz de prata... Quero os timbres formosos das cantigas Que alegravam os pássaros na mata, – Oh, coração, tanta saudade abrigas, Que de saudade o coração se mata!... Quando a vida era um palco iluminado E o sino badalava a Ave-Maria, Tudo ao redor vivia apaixonado. Hoje a saudade vive até num beijo Dado quando o crepúsculo surgia Ao som de um lerdo e mágico realejo. 10.10.2000
Sobre a Esperança
A Esperança é a penúltima que morre. Morre por última a desesperança. Quando somente temos por herança De nossos ideais – tombada a torre! O suor da descrença em nós escorre E a baba da ignomínia ensopa a lança... E por tudo morrer – sobra a vingança De ingente gosma a gente traga o porre. Sequer um passo a mais por fim nos resta, A visão que se tem atroz, funesta, Tomba palácios de ideais profanos... Somente vibra a ingratidão gosmenta: – Ídolos falsos propagando enganos, Uma palavra podre e lazarenta! 12.09.2000
Ao abismo
O Soneto martela na cabeça E quer que eu dê-lhe as formas seculares, Porém, a inspiração – tola e travessa! – Não fulge em seus olímpicos altares. Deixo, por fim, que a mente se abasteça, Para os versos criar, como pilares! E nesta construção a alma áurea teça Os versos em seus límpidos cantares! Mas tudo se me oculta ao pensamento, Foge-me o Verso, a Rima é-me um tormento, Ao abismo a minh’alma se projeta. O esforço é nulo e vão. – Maquinalmente Os versos alinhavo em minha mente, Sabendo-me patético Poeta. 21.08.1999
Momento
As alegrias todas que nós temos, Às vezes duram mínimos instantes. Nem sempre são aquilo que queremos E sonhamos em horas delirantes. Chegam as nossas mãos lembrando remos E cintilam nas águas refrescantes... Mas ao fim da jornada nós só vemos Que os prazeres ficaram bem distantes... E resta-nos somente a companhia Das ânsias, dos desejos, da agonia, Do martírio, do tédio e das esperas. Um passo a mais para seguir à frente, Um riso a mais para se ver contente, E somente sonhar com primaveras. 11.09.1998
Livre ser
Quero ser livre. Quero ir para a rua Sem dentro d’alma ter traumas e medos, Poder ficar olhando a luz da lua Em suas fases cheias de segredos. Quero poder sair com a alma nua E não provar de frutos tão azedos. Lavar a pele que, salgada sua, E olhar a liberdade dos degredos. Livre poder cantar todos os cantos Em todos os intrínsecos idiomas, Nas suas puras interpretações. Por tais caminhos mágicos de encantos, Fazer as contas, auferir as somas, Do amor sorrir às multiplicações. 02.10.2001
Muitas vidas numa Vida
Se já vivemos nós mil vidas já passadas, Ainda iremos viver mais mil vidas futuras. Por estradas sem fim etéreas, perfumadas, Iremos, sim, viver, em sonhos e em venturas. Pois nosso amor nasceu ridente de aventuras, Entre explosões de sóis clareando madrugadas. E assim seguimos nós com as esperanças puras, Sem passado e sem fim por todas as estradas. Se, unidos somos nós – em uma duas almas – Plasmados nesse amor nas carícias mais calmas, Quando o porvir chegar trazendo novas vidas, Iremos, sim, nos ter, pois a felicidade, Haverá de ser nossa além da Eternidade Por estradas de luz sublimes e floridas. 26.05.2005
Caminhada
Procuro praticar nos versos que fabrico A paciência que tem o Artista em seu ofício. Qual simples artesão – das palavras sou rico, E ao ato de escrever é onírico o exercício. Cada verso composto em transe glorifico! A Poesia em minh’alma é, porém, rude vício. Se ela me dá prazer, com riquezas não fico, E ao ato de escrever é amargo o sacrifício. É dura a caminhada, é puro o artesanato, As rimas são cristais feitos de pedras moídas, Que reluzem ao sol no fundo de um regato. Encontrá-las, porém, belas e coloridas, É jornada cruel que deixa o sonho ingrato. Precisa-se viver numa vida mil vidas! 22.07.2004
Argumentação
A inspiração é um argumento tolo Para escrever bobagens e besteiras. Muitas vezes também entro no bolo E escrevo tais estrofes faroleiras. As verdadeiras musas mensageiras Não agem desta forma, como um rolo Compressor a perder horas inteiras Mas chegam devagar... Como consolo... Nestas horas o peito se comprime, E o verso sai pungente, como um crime, Fina faca a furar a pele nua. Nem se percebe o que escreveu de fato, Mas pinta com horror nosso retrato, Feito com o sangue que escorreu da pua. 05.12.2001
Peito prisioneiro
Pulsa, forte no peito, o coração, E bate, bate, bate, bate, bate... – Eco de monorrítmica canção Ao corpo nunca foge do combate. A sua força – enorme cantochão! – Cobre-o com densa túnica escarlate. Tem a fúria suprema de um vulcão Também, nunca se nega a férreo embate. Em suas claridades absolutas, Condensa as mais frenéticas disputas E jamais dá descanso em seu labor. Mas dentro de meu peito, prisioneiro, Ele vive pulsando o dia inteiro, Por aquela a quem chamo – meu amor. 25.10.2000
Além da Vida
Angústia é te saber estar distante Muito além do passado e do futuro. Perdido sonho de esperança puro. Angústia de sonhar-te delirante. E o te querer bem perto, num instante, Para clarear meu sonho, agora escuro. Na realidade és luz – porto seguro, Presença ao coração que vaga errante. Angústia é te querer além do sonho, Muito mais da sonhada realidade, Num sem tempo da vida a que me ponho Sonhar-te minha além desta Verdade, Para viver o coração risonho, Além da Vida, além da Eternidade! 17.03.2006
Esperança
Outra noite de espera e novamente O tédio, a solidão, a angústia, o medo, O desespero tétrico, o degredo, O martírio, o silêncio de repente... O olhar além perdido, a sombra ardente, O delírio, o pavor, algum segredo, Arremedo de vultos, arremedo De uma coisa abafada, densamente... E a voz presa nas cordas do laringe, E o tenebroso olhar de rubra esfinge Que me oculta no escuro e me devora. A língua presa no delírio insano, Até que as ondas verdes do oceano Cantam saudando ao sol que rompe a Aurora! 27.03.2006
Pequenez
Ao longo desta poética viagem – Quarenta anos contínuos de jornada! – Tudo ainda me parece ser miragem E por certo é sem fim a caminhada. Os passos na cadência da balada Lúcidos versos criam, pois a imagem Que é florida, e é formosa, e é ampla, e é áurea, é a estrada Onde sou tão pequeno personagem! Tanto a aprender e a vida assim tão curta! Para deixar um verso ao léu composto Tanta batalha inútil a alma furta. Porém, a noite a vida em fúria ataca, O crepúsculo em sombra deixa exposto O coração na ponta de uma estaca. 27.03.2006
Mudo, mudo
Sinos em badaladas repicando, Glórias rubras ao sol ígneo e sangrento. Meu coração palpita barulhento Canta a Odisséia dos que estão amando. Profusão de sabiás num canto brando, Solfejam mil violinos junto ao vento. Há ternuras no sonho, há um movimento E as notas musicais ficam valsando. Te espero aqui. Que seja breve a espera. Não dura um dia a mais que nove meses Para o Inverno romper em Primavera. Vem que te espero em ânsias mudo. Mudo. Mudo o tempo das coisas em revezes, De um grande Nada vibra um grande Tudo. 27.03.2006
Delírio total
Sombras espessas pela noite adentro. A passos lerdos vou moldando os passos. Compenetradamente me concentro, Enquanto fito os sepulcrais espaços. Da noite os astros abrem-me seus braços, E do Universo vejo-me em seu centro. A Via-Láctea dá-me mil abraços, Enquanto que por ela em êxtase entro. É o delírio total que ora me invade, Estou onde ninguém jamais esteve No intrínseco de todo o Pensamento. Sonho maior não há, também não há de Existir sensação assim tão breve Que, instantânea, sequer dura um momento. 28.03.2006
Ofício literário
A Oficina onde o cérebro trabalha – Caldeiras de aço fervem a mil graus! – Parece um pandemônio e horrível caos Onde a lágrima escorre igual limalha. A Inspiração em êxtase farfalha! Tropeço sobre estacas, sobre paus! Pensamentos profanos, atros, maus, Em enxurradas descem pela calha. Caótico olho tudo. E com meus olhos Vou perscrutando temporais e escolhos, Vendavais, maremotos e trovões. Ao final de estupendo sacrifício, Surge a Poesia deste grande Ofício, Para alegrar cansados corações. 31.03.2006
Caminhos
Ando caminhos turvos e nublados, Também dos próprios sonhos esquecidos. Velhos caminhos onde, abandonados, Sangrentos corações andam perdidos. Esses caminhos tortos e largados, Em outros tempos foram já floridos. Traziam risos dos apaixonados, E continham os sonhos mais queridos. Hoje olho esses caminhos tristes, triste. De súbito atra sensação me invade E um pesadelo sem ter fim insiste, Que esses caminhos trazem, por maldade, Uma lembrança ao que não mais existe, Nos passos desbotados da Saudade. 24.03.2006
Divino Poder
Trazemos n’alma desde as mais remotas Eras, O divino poder de transmudar em Canto As palavras que ao tempo escorrem junto às heras Ou de um grotão qualquer, escondido num canto. É o dom de ser feliz, de espargir primaveras, De espalhar pelo campo o riso aberto e o encanto. E a Fé, alada à Esperança, aos sonhos, às quimeras, Mostra da Caridade o que é sublime e é Santo. E assim vivemos nós presos nesta corrente, Os elos urdem nós, dobram sonhos felizes, No canto a nossa voz o Amor supremo exprime. Mas homem mau em sombra arde na nossa frente, Transforma nosso canto em fundas cicatrizes, E com desdém sorri frente a nefasto crime. 24.03.2006
Mudança
Este, que o espelho para mim reflete, Bem difere daquele que imagino. “A vida passa!” O espelho me repete... “Não passa o tempo!” Ilude-me um menino... E o pânico terrível me acomete, Onde foi que ficou o meu destino? Pareço um tolo nesse tete a tete, E para trás meus rastos ilumino... Foram passos tortuosos tal estrada... De maneira profana e desregrada Eu consegui chegar até aqui. Para frente, porém, não vejo o atalho, Muda o tempo, sequer tenho agasalho, Rugas novas me mostra o espelho... e ri... 20.01.2003
Talvez
Talvez a vida possa ser um dia Um encontro feliz de outras mil vidas, E todas elas, cheias de magia, Possam cantar histórias já vividas. Talvez um sonho, ou bela fantasia, Porém que as esperanças coloridas Possam brilhar num rosto que extasia, Mas que elas todas sejam divididas. Talvez as mãos ofertem mais carinhos, E ajudem nos percalços dos caminhos E a tristeza não viva uma só vez. Talvez um dia exista esta Unidade, Talvez exista, enfim, Fraternidade, Talvez o amor resista à dor... Talvez... 16.06.2005
Madrugada
No lusco-fusco rompe à madrugada Flóreos festões fosforescendo à flux. Cada nuvem – qual tocha incendiada, Como braseiro líquido – seduz. Passa correndo a tribo dos nhambus. Sobre o espelho de prata refinada Patos selvagens vão chegando à luz Quando inicia o sol nova jornada. A passos largos vou picando a estrada. Meu rosto deslumbrado está sereno, Uma árvore já tece a sombra alada. Imito pássaros em doce treno. Oh, meu Deus! Que paisagem encantada! Como sou, frente a tudo, tão pequeno! 24.04.2006
Velha saudade
Chego em casa e a lembrança me entorpece. Em estribilhos o meu peito canta Uma sentida, uma sincera prece, Que a saudade, em tremores, se agiganta. Artífice rolinha o ninho tece. Meu passo distraído não a espanta. Mas a saudade, em sentimentos cresce, E das lembranças teço etérea manta. Uma velha gaiola pendurada Lembra um passado de trinados cheio Que iniciava ante o vir da madrugada. Hoje tudo está muito diferente. A lembrança perdida em devaneio, Traz a presença de meu Pai ausente. 26.04.2006
Velho quintal
Vou ao quintal. De tudo evola o aroma De um tempo antigo que foi muito bom. O ouvido atento busca um velho idioma De uma saudosa voz, timbrado tom. Este quintal é mesmo uma redoma: Prende a lembrança, guarda antigo som. Ilumina o passado, o verso croma, Fá-lo brilhar qual brilho de neon! Outros ninhos renovam outras vidas, Pelos canteiros lindas margaridas Prendem sons das frenéticas abelhas. Súbito os passos paro em tal retiro, E d’alma brota trêmulo suspiro, Frente às rosas que surgem-me vermelhas. 26.04.2006
Sobre a saudade
O tema se renova em minha mente, Mas a saudade é sempre uma saudade. Uma ausência na vida tão presente, Uma visão moldando a realidade. Eis que me pego continuadamente Cheio de sonhos, cheio de ansiedade. A saudade é de fato uma semente Que brota noites frente à claridade. Assim, preso à saudade o verso entranho, E, contemplando a tarde junto à porta, As rimas eu ajunto num rebanho. A noite vem chegando ao som da Lira. A saudade é uma estrela que está morta, Mesmo assim tem seu brilho de mentira. 26.04.2006
Prisão
Por vezes a Poesia me aprisiona E a uma prisão perpétua me condena. A Ela amarrado – que Ela é minha Dona, Meu peito à rima atado, se gangrena. Ânsia de Liberdade me impulsiona Porém esta prisão é minha pena. Que a Poesia me cubra em sua lona, Pois a minh’alma dela vive plena. Que eu fique preso na dourada cela E cada grade seja em meu destino Ferro para prender-me o coração. Porém que eu possa olhar pela janela: Se ouvir tocar do campanário o sino, Pouco me importa estar nesta prisão. 26.04.2006
Aprendiz (para meus IIIr:. da A:. R:. L:. S:. ESPLENDOR, 3480)
Sinto que sou bloco de pedra bruta. Por Buonarotti devo ser moldado. Se ainda estou sem ouvido para a escuta, Indefeso, não posso ser julgado. Necessário vencer a grande luta E as arestas limar de cada lado. Usar a régua, o esquadro, a força arguta, E o estudo que alavanca o aprendizado. É preciso ter força, ter denodo, Deixar de ser poeira, erguer-se em Templo, – Arquiteto moldar a flor com o lodo. Se não entendo o tudo que contemplo, Aprendiz – vou mirar o Espaço todo, Para, do Sol, buscar o grande exemplo! 02.09.2004
Fúria do prazer
Tomo das tuas mãos, às minhas prendo-as. Tomo Teu coração fremente e junto ao meu o amarro. Prendo tua razão, teu pensamento domo, E insano de delírio a tu’alma eu agarro. Somos nós dois um só, somos do mesmo barro Que transformou em carne o sonho desse assomo. Pura, te quero em luz, em cujo raio esbarro, O supremo prazer sem hora, ou quando ou como! É volúpia que vibra entre tapas e beijos, Entre escrava e Senhor, orgasmos e desejos, Entre ferir e amar e soltar e prender. Branca visão de luz do amor que eu amo tanto, Que me faz delirar na paixão desse canto, E que me faz morrer na fúria do prazer! 16.01.2006
Thales C. de Andrade
Se Thales não cresceu e sempre foi criança, Por que tivemos nós de nos tornar adultos, Perder do coração a efêmera esperança E dos sonhos pueris esmagar nossos cultos? Hoje dias sem sol nublam nossa lembrança E fantasmas de dor arrastam os seus vultos. A ciranda morreu e sepultou a dança, Nossos sonhos azuis hoje seguem ocultos. Se Thales mesmo adulto era um simples menino E de cores povoou nossos sonhos dourados, Em qual atalho foi que erramos o destino, E crescemos sem fé, entre dores e miasmas, Sem sorrisos de sol e sem sonhos alados, E colamos em nós, máscaras de fantasmas? 09.10.2003
Sodomia
Venço tua razão, domino-te a vontade, Prendo o teu corpo arfante em transe de loucura. As tuas carnes violo em força e intensidade, Depois te deixo só dentro da mata escura. A noite cai. A treva invade a ampla espessura. Teu corpo imóvel, preso, é tremor e ansiedade. Em vão tentas gritar, porém, forte atadura, Aprisiona teus ais, e à boca traz secura. Presas, as tuas mãos, os nós firmes e tesos, Impedem-te escapar. Os teus olhos aflitos Vasculham ao redor. Nada podes fazer... Delírios vão além... Teus sentidos acesos... Eclodem os zunzuns da noite em frios gritos. Há tremor de teu corpo. Orgasmos de prazer. 25.11.2003
Entardecer
Entardece. Há no céu vergões doirados De um sol vertiginoso e áureo que esmaece. No espaço aves em vôos sublimados, Fazem balé nervoso que endoidece. Há salmos em prelúdio, apaixonados, E cânticos de luz em tom de prece. Delírios de prazer enamorados Enquanto o Espectro densa sombra tece. Meios tons, meias cores, há cansaço Nos rostos que retornam do trabalho E bandos de crianças junto à rua. Poeta fito em êxtase o amplo espaço. Teço com rimas mantas de agasalho E cubro-me com elas vendo a lua. 21.08.2002
Sagração
De braços dados uno-me à Poesia E em estrofes semeio-me em ternura. Ressurjo em versos de maneira pura. Broto em rimas de cálida harmonia. Sou primavera cheia de alegria E sou semente para a semeadura. Ergo ao sol braços livres de ventura, Sendo feliz à vida que extasia. Sou notas musicais, portanto canto! A música penetra meu espaço, Invade ruas, praças, avenidas. E na linguagem pura do Esperanto Todos os homens uno em forte abraço, Para sagrar ao Sol as nossas Vidas! 19.08.2002
Prisão
Uma cadeia é sempre uma cadeia, Não importa o tamanho que ela seja. O cativo, porém, sempre deseja, Que ela seja maior que sua aldeia. O prisioneiro em sonhos devaneia E o pensamento contra os céus peleja. Na imensidão azul, audaz veleja, E de artimanhas a alma vive cheia. Porém, prisão maior é a própria Terra, Não se consegue, não, sair-se dela, E invisível cortina além a cerra. Grades de ar nos limitam nesta fuga, A distancia uma estrela é luz de vela, Que para vê-la o olhar a testa enruga. 31.07.2004
Meu último Soneto (morreu o Poeta aqui)
Sinto que minhas mãos estão cansadas, Já não sentem vontade de escrever. Minhas rimas estão desanimadas, E delas já não falo com prazer. O silêncio nas longas madrugadas, Parece preencher o meu viver. Os sonetos perfeitos, as baladas, Somente com carinhos irei ler. Se tudo o quanto fiz teve valor É mérito demais contraditório. Porém, tudo compus com muito amor. Os Poemas que fiz num sonho pulcro, Se não forem arder num crematório, Sirvam para vedar o meu sepulcro. 14.01.2006
Soneto do sonho
Não. O sonho não pode ser real. O sonho é simplesmente fantasia. Realidade que em cores se maquia Causando em nossa vida – um festival. Quem não sonha, porém, não é normal. Que o sonho é o ingrediente da alquimia, Para poder viver o dia-a-dia Sem perceber que tudo é natural. Se, vivemos o sonho, que vivamos De qualquer forma, de qualquer maneira, Que além do sonho, nada existe igual. De nossa árvore os sonhos são os ramos, E de todas as formas é a primeira Que conspurca nossa aura virginal. 20.11.2001
Proibição Meu coração parece uma avenida Onde o trânsito passa velozmente. Passa também um mundaréu de gente Na mais desenfreada e atroz corrida. Ele, porém, de tudo é diferente: Não tem uma só árvore florida, Não tem jardins, parece não ter vida, Nem pássaros trinando alegremente. Mas sempre gente rápida, apressada, Ansiando mundos e encontrando nada, Sofrendo interminante falta d'ar. Mas traz nos postes, velhas tabuletas: Um E vermelho sob as tarjas pretas, Mostrando ser proibido estacionar! 04.11.1999
Na bateia Este caminho que hoje em vão percorro, Em busca de um passado inexistente, Lembra o mesmo caminho diferente Do qual em vão clamei pelo socorro. É é tudo igual: recordo o mesmo morro E a mesma sinfonia da nascente, Mas a minha esperança sorridente Junto à nascente, tristemente, escorro... O mesmo atalho, mas o mesmo atalho, Necessita de dias de trabalho Para que eu possa palmilhá-lo a limpo. E quem sabe encontrar – como cascalho, Um sorriso de amor como agasalho Jogado na bateia do garimpo. 25.09.1997
Saudade (Um soneto com dois finais) A saudade que às vezes nós sentimos É a vontade de ter o que não temos. É o que resta distante dos extremos É o que deixamos quando nós partimos. É um barco abandonado sem os remos Os braços sem adeuses nos arrimos A chegada do pranto enquanto rimos Sonhos de reviver o que vivemos. É o além da longa curva que se esconde Em sombras, bosques, prados e campinas Que a gente lembra, mas não recorda onde... 1º final É a espera do amanhã que é sem espera, São tardes tristes, cheias de neblinas, É o inverno precedendo a primavera. 2º final E a espera do amanhã que vive em fugas, São tardes tristes, cheias de neblinas, A pôr em nosso rosto angústia e rugas. 03.12.1997
Soneto Estrambótico
Converso com a Poetisa Carla Ceres (A que fez o Soneto Decomposto) E a conversa se fia em fino gosto Cheia de descobertas e prazeres! Nem parece que corre o mês de agosto. Somente a seca lembra tais sofreres. Nosso Rio em sombrios misereres, Mostra a tristeza em seu opaco rosto. Mas a Carla, poetisa de primeira, Que até morou nos longes de Goiás É mesmo na Poesia uma pioneira. Não bastou decompor o seu Soneto, (Mostra agora ser mesmo bem capaz) E coloca na forma de amuleto Seu Soneto de jeito bem caótico De forma perspicaz Recriando-o num mágico Estrambótico. 19.02.2004
Soneto com dois finais
É muito curta para ser pequena Dentro da Eternidade, a nossa vida. Nem chegamos – e estamos de partida; Mal subimos ao palco – e finda a cena! Sempre alguém, a distância, um lenço acena, Triste adeus para alguma despedida; A árvore verde fica enegrecida, E o olhar se fecha em expressão serena... A matéria apodrece e fica à míngua; Há silêncio do verbo preso à língua E a lembrança é o que resta ao que antes fomos. (1) Mas o espírito eterno, em luzes fica E se lava nas fontes de outra bica Para se transformar em novos pomos! (2) E o espírito transcende ao horizonte, Se purifica n’água de outra fonte Para fortalecer-se entre outros pomos. 23.02.2001
Soneto Inglês
Acumulamos no correr da vida Sonhos e sonhos, sonhos e mais sonhos. E ao longo da áurea estrada percorrida Vamos seguindo alegres e risonhos. Confiantes, vamos nós, a toda a brida, Buscar os sonhos todos que ansiamos. Mas, às vezes, a tarde enegrecida, De negras nuvens cobre esses recamos. O sol fere com fogo os verdes ramos E cresta os nossos sonhos sem piedade E os sonhos coloridos que sonhamos Passam a ser somente uma saudade. E à tristeza de vê-los como sonhos, Temos no peito os corações tristonhos. 23.02.2001
Versos de um andarilho
Como eterno andarilho vou seguindo – Passos firmes! – a velha caminhada. Repito os passos pela mesma estrada Onde sonhar, outrora, foi tão lindo. Surgem outros ideais nessa jornada. A antigo pranto – vejo-me sorrindo. Cada vez mais o sonho é mais infindo, E faz brilhar o sol na madrugada. De súbito, porém, eis o cansaço! Antes a câimbra não travava o passo, E os pés jamais quedavam-se cansados. Hoje, os passos mais lerdos vou tramando, Um sorriso no rosto vou moldando A esperar quem tem passos atrasados. 20.04.2006
Alma da Palavra I
Da ausência o teu silêncio n’alma grita E fico a te buscar na voz do vento. Oh, Palavra cruel, mordaz, maldita, Que reboas pelo ar em movimento! O meu vocábulo te faz restrita. Embora te condense o pensamento. Contudo de maneira ultra-infinita, Na fala não consigo ter sustento. Maravilha nas salas tu reboas, No vácuo do silêncio atroz tu soas Vigorosa e fatal, e densa e forte. Me equilibro nos fios de teus versos, Na ânsia de conquistar os Universos, Tombo na terra em turbilhão de morte. 21.04.2004
Alma da Palavra II
A Palavra não pode ser julgada Simplesmente na forma que é escrita. Antes ela precisa ser moldada Em sua força máscula e infinita. Quando posta na forma amalgamada, Na folha de papel que lh’a grafita, Fria e insensível fica inanimada E seu sentido enorme é-lhe desdita. A Palavra contém força suprema, Não existe prisão a condená-la Muito menos o ferro de ígnea algema. A Palavra é feroz em qualquer Rito, Nada a detém no mundo, nem a iguala, E mesmo no silêncio é puro grito. 27.07.2004
Alma da Palavra III
Quando as Palavras ferem minha mente Provocando erupções de lodo e pus, Delas, tento fazer um arcabuz, Para agredir com fúria permanente. Quando as Palavras vêm feito semente, Desabrochando em flores de áurea luz, Desvio minhas dores, minha cruz, E me visto de um sol incandescente. As Palavras são minhas e com elas Teço mantas douradas e de lodo Urdo constelações e treva imensa. E vivo em calmarias e procelas, Com fragmentos remendo o mundo todo, E entre impropérios junto as mãos em crença. 09.12.2002
Alma da Palavra IV
Moldo a Palavra de maneira fria, Aquecendo-a, porém, no pensamento. Assim crio no transe do momento, Espasmos e volúpias de alquimia. Solto-a depois junto ao valsear do vento E ela dança, e sem freios rodopia. Enche de cantos a amplidão vazia, Depois entra num quarto de convento. Faz orações de fogo e de mormaço, E frágil passa a ter seus nervos de aço É rocha dura que no campo medra. Eis a Palavra que em furor se mostra, Mas se transforma em pérola num’ostra, E para a morte se transmuda em pedra. 10.12.2002
Alma da Palavra V
A Palavra – tal fio condutor – Condensa instante a instante o pensamento, Que parece voar na asa do vento Ou na hélice vibrátil de um motor. Às vezes, num segundo traz o horror, E à alma traz o vagido do tormento. Deixa, momento após de ser lamento, Para escrever os sonhos de um amor. A Palavra, portanto, é a arma feroz, Que pode ser escrita em folhas d’ouro Ou ser articulada pela voz. Vem, às vezes, selvagem como o touro, Outras vezes, cigana vai veloz, E mostra a falsidade de um tesouro. 21.07.2004
Alma da Palavra VI
Teço a Palavra em teias de armadilha. Preparo-me feroz para a batalha. Afio-a com a textura da navalha Para tramar a minha própria trilha. Em atrito a Palavra geme e rilha E rola em sinfonia pela calha. Depois soa e é frenética metralha E o vocábulo deixa inerte em ilha. Flutua leve como leve rolha, Baila sobre a água como aérea folha E, solta iluminuras de fagulha. Mansa, às vezes, parece doce ovelha, Mas quando frente ao caos ela se espelha, Solta ruídos densos de patrulha. 23.01.2003