Marcel Breuer: Bauhaus, Design Industrial, Chamberlain Cottage e Stuyvesant Six

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marcel breuer bauhaus design industrial chamberlain cottage stuyvesant six


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IAU0754 . Teoria e História da Arquitetura e do Urbanismo Modernos I

marcel breuer

bauhaus . design industrial . chamberlain cottage . stuyvesant six

Ana Luiza Vieira Gonçalves Bárbara Barbosa Machado Julia Figueiredo Letícia Jardini B. de Melo Marcela Cordeiro Carneiro

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sumรกrio

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4 sumário 6 prefácio 8 contexto histórico

O movimento moderno na Alemanha 9 A República de Weimar 15

18 o arquiteto

Em Weimar 20 Berlim 21 Estados Unidos 22

28 bauhaus

Bauhaus Weimar (1919-1925) Bauhaus Dessau (1925-1931) Bauhaus Berlim (1932 - 1933) Desdobramentos 37

30 34 37

38 design industrial Arts & Crafts 39 Design Industrial

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44 cadeira wassily 48 arq. moderna 48 nas américas

Modernismo nos EUA e modo de vida americano 49 Latino América 51

56 métodos construtivos

A Chamberilain Cottage como inflexão

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60 chamberlain cottage 64 stuyveisant six

O projeto 66 A crítica de Marcel Breuer 68

74 considerações finais 76 bibliografia

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prefรกcio

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Esta monografia foi criada a partir do exercício proposto pela disciplina de Teoria e História da Arquitetura e do Urbanismo Moderno II-B do Instituto de Arquitetura e Urbanismo de São Carlos, na Universidade de São Paulo, ministrada pelos docentes Tomás Antonio Moreira e Paulo Yassuhide Fujioka, sob a temática “Um arquiteto e uma cidade”. O exercício tem como objetivo o estudo de um ou uma arquiteta que atuou na Europa ou nos Estados Unidos da América, entre o final do século XIX e o início do século XX. Considerando o amplo leque de arquitetos urbanistas e designers que atuaram na época, foi escolhido um que representa muitos dos conceitos e acontecimento da época, Marcel Breuer, um dos professores da Bauhaus, a renomada escola de arquitetura e design que se destacou por sua importância e influência até os dias de hoje, tendo sido pioneiro no desenvolvimento de um design industrial e criando peças de design que marcaram gerações, além de ter formado alguns dos nomes mais importantes da arquitetura, arte e design modernos. Com as crises na Bauhaus e a perseguição aos arquitetos e urbanistas progressistas pelos governos autoritários na Europa, Breuer se muda e passa a trabalhar nos Estados Unidos, sendo uma das importantes influências modernas nas Américas. Este trabalho busca trazer as questões relativas ao contexto histórico da época, aprofundando em especial na Bauhaus, em sua importância para a arquitetura e o design na era industrial, em sua atuação política e em sua proposta pedagógica, e debatendo também a exploração de novos materiais para a criação por parte de arquitetos e designers, em especial com a vinda desses profissionais para as Américas, principalmente para os Estados Unidos e o Brasil, buscando entender o modernismo enquanto movimento e período histórico. Serão discutidas também as influências desses trabalhos na produção de uma arquitetura nacional no Brasil, a partir da criação de paralelos entre os trabalhos desses arquitetos. Por fim, este trabalho fará uma leitura crítica do trabalho de Breuer, entendendo sua importância histórica e os desdobramentos, não só de sua produção, mas de toda escola que o precede.

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contexto histรณrico

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O movimento moderno na Alemanha O período pós Revolução Industrial passa a identificar as condições de partida para as modificações que aconteceram no fim do século XIX e início do XX. Já nesse momento, começam a aparecer questões que se contradizem e colapsos sociais e políticos. “No interior do sistema que parece tão estável e progressista, porém, agrava-se a contradição entre a ideologia liberal, que colocou em movimento os novos desenvolvimentos econômicos e políticos, e as novas formas de coação tornadas possíveis pelo nível de técnica e organização atingido.” (BENEVOLO, 1989. p. 372) As transformações não acompanham o já existente: a quadrícula não atende mais aos contextos urbanos nem ao crescimento exponencial das cidades no século XX; a difusão do automóvel requer transformações no sistema viário; surgem enormes periferias de baixa densidade, deslocando os problemas de organização urbana para múltiplas regiões que se afastam do centro. Neste contexto, a cultura de vanguarda ignora esses problemas e não se faz apta a fornecer alternativas à praxe urbanística. Coloca-se contra a máquina e seus processos. O agravamento da situação só se faz mais presente, sem saídas para as condições em que se encontra e é apenas nos últimos anos do século XIX que os processos mecânicos são superados e incorporados aos pensamentos das artes aplicadas. Após a Primeira Guerra Mundial, Alemanha e Áustria vivem um período que favoreceu o desenvolvimento do movimento moderno. Os representantes das correntes de vanguarda de antes da guerra, agora os personagens mais eminentes, estão abertos às tentativas mais audaciosas da geração seguinte. Entre os jovens, há um grupo de destaque, a quem as instituições vigentes oferecem diversas oportunidades de trabalho e de encontro com o poder público. Entre 1929 e 1931, parece se formar uma corrente unitária, capaz de atrair todos os profissionais culturalmente atualizados. Esse mesmo repertório, difunde-se em todos os países, nivelando as diferenças nacionais e quase que materializando o ideal que, cinco anos antes Walter Gropius havia expressado com a fórmula do international style. É nesse ponto que os adversários começam a se sentir pressionados a conceder direitos de cidadania ao movimento moderno, classificado com estilo funcional e racional. O movimento moderno, entretanto, não se comporta como os estilos tradicionais, nem como as correntes de vanguarda, uma vez que não oferece soluções já prontas, mas indicações de métodos de pesquisa, para encontrar soluções diferentes e imprevisíveis, sendo, em suma, avaliações de graus.

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marcel breuer Entre 1929 e 1931, parece se formar uma corrente unitária, capaz de atrair todos os profissionais culturalmente atualizados. Esse mesmo repertório, difunde-se em todos os países, nivelando as diferenças nacionais e quase que materializando o ideal que, cinco anos antes Walter Gropius havia expressado com a fórmula do international style. É nesse ponto que os adversários começam a se sentir pressionados a conceder direitos de cidadania ao movimento moderno, classificado com estilo funcional e racional. O movimento moderno, entretanto, não se comporta como os estilos tradicionais, nem como as correntes de vanguarda, uma vez que não oferece soluções já prontas, mas indicações de métodos de pesquisa, para encontrar soluções diferentes e imprevisíveis, sendo, em suma, avaliações de graus. Entretanto não basta que exista um consenso quanto ao repertório de forma ou quanto a um sistema de conceitos teóricos para garantir a unidade de propósitos, levando a propor alternativas quanto ao comportamento prático. As alternativas fundamentais dividem as gerações e grupos. Os arquitetos alemães em especial, passam por um período de condições acirradas, que vai do término da inflação em 1924 até a tomada de poder de Hitler em 1933. O debate cultural se desenvolve tendo como pano de fundo a derrota e a ocupação dos aliados depois da Primeira Guerra Mundial, seguido pela crise econômica e chegando ao violento truncamento do nazismo, que impede as possibilidades de trabalho dos mestres modernos, além de, muitas vezes, impedir que esses vivam na pátria, impondo um retorno ao neoclássico (aceito pela maioria dos arquitetos alemães). É nesse contexto que a experiência da Bauhaus na Alemanha fracassa, trazendo consigo a verdadeira natureza do movimento moderno. O cenário imediato a Primeira Guerra Mundial na Alemanha foi marcado pelos mestres, que dirigiram as batalhas de vanguarda do início do século, sendo agora os personagens centrais no campo profissional e acadêmico. Os quatro de maior destaque - Peter Behrens, Hans Poelzig, Technische Schumacher Charlottenburg e Fritz Hoffmann - quando da criação da Bauhaus, tinham cerca de cinquenta anos e estavam em plena atividade. Sua formação nas fileiras da vanguarda torna-os sensíveis ao clima de batalha do pós guerra e abertos às contribuições trazidas por novas correntes. Poelzig e Behrens chegam, inclusive, a construir edifícios com referências ex-

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contexto histórico pressionistas. Posteriormente, passam a seguir os jovens do movimento moderno, se adequando a seu método de pesquisa. Em 1927, ambos participam da construção do Weissenhof de Stuttgart, um assentamento habitacional, construído na Alemanha. Behrens encerra sua carreira com um edifício industrial simples, quase que uma antítese à suas construções no início da carreira. Dos da geração do Gropius, formados na pausa entre a batalha cultural de 1900 e a outra em curso no pós guerra, de maneira geral, se afastam das posições extremas e trabalham em inserir as contribuições dos movimentos de vanguarda em um ecletismo mais amplo, tendo especial cuidado em não perder contato com os processos de construção e com o repertório estilístico da tradição, não apenas no cálculo profissional; o que permite observar o alto nível técnico e a adoção de inovações na construção sendo adotadas após a verificação experimental de funcionalidade. Esse cuidado e competência quase Plano de Weissenhof de Stuttgart, 1927. artesanal foi herdado por esses jovens arquitetos da própria arquitetura alemã de fins do século XIX. Esses profissionais reagem de formas diferentes ao avanço do movimento moderno. Alguns, mais ligados ao ecletismo, não se arriscam no novo curso. Outros são lançados a vários caminhos, seguindo a linha de Walter Gropius e Mies van der Rohe, sendo seguindo as vias técnicas da nova arquitetura ou a economia da construção civil - como é o caso da experiência no campo da construção popular em Zelle. Todos eles ainda carregam traços do ecletismo original, nas inquietudes e sofisticações formais. Em seguida vem os jovens que começam a atuar durante o período da guerra. Alguns deles já trazem um interesse anterior e prévio pelo movimento moderno, trabalhando inicialmente na linha expressionista. De maneira geral não trazem contribuições substanciais ao aprofundamento dos problemas comuns; ao contrário, se deixam levar mais facilmente pela interpretação literal e formalista da linguagem moderna e por muitas vezes justificam, com suas obras, as acusações de esquematismo que se fazem ao movimento moderno. Outros jovens, da mesma geração dos racionalistas, trabalham desde o início na linha do ecletismo tradicional. Seu sucesso profissional tem um motivo simples: seguem as tendências da

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marcel breuer maioria, com faculdade mimética muito aguçada, se mantém a par das novidades culturais e estão prontos para absorver as contradições e de toda corrente, desde que de atualidade. Assim, entre 1927 e 1930, quando o movimento moderno atravessa seu momento de atualidade e se insere em livros e revistas muitos arquitetos ecléticos da geração mais jovem absorvem seus elementos linguísticos, criando uma versão “suavizada” da arquitetura moderna, que alcança surpreendente sucesso não apenas na Alemanha, em um formalismo de conciliação entre o antigo e o moderno. Essa orientação dos arquitetos também se manifesta no estilo dos desenhos e das fotografias, sendo as últimas tiradas com o sol radiante e com fortes contrastes. A mesma lógica se reproduz na decoração. Muitos móveis e utensílios projetados pela Bauhaus são produzidos em série pelas indústrias, fazendo com que algumas experiências técnicas e formais se tornem lugares comuns. Na exposição de Berlim de 1931, por exemplo, muitos projetistas expõem móveis de tubos metálicos, transformando por vezes os entrelaçamentos de Breuer em arabescos decorativos. O mesmo tipo de imitação e mal uso dos materiais aparece em vários pontos exposição, sendo nos móveis de madeira ou em outros que misturam vários deles. “A rápida difusão de novo repertório arquitetônico e as imitações mais ou menos superficiais colocam uma grave dificuldade ao teóricos e aos protagonistas do movimento moderno. Demonstra-se, com efeito que o uso de determinadas formas não garante a aceitação de determinados princípios, porém pode ser adaptada a várias intenções, opostas entre si. Alguns, identificando o movimento moderno com esse repertório, anunciam que a nova arquitetura é coisa consumada, porquanto certas regras formais são amplamente observadas, e dão por resolvidos os problemas à medida que se descobre o modo de formulá-los em conformidade com tais regras.” (BENEVOLO, 1989. p.536)

Entre 1930 e 1933, sobretudo entre os mais jovens, começa a ser difundida a interpretação que reduz o movimento moderno a um sistema de preceitos formais e que a origem do mal-estar esteja na estreiteza e no esquematismo desses preceitos. Acredita-se que o remédio ainda se encontre em uma mudança de direção formal, em uma atenuação do tecnicismo e da regularidade, no retorno a uma arquitetura mais humana, mais quente, mais livre e mais vinculada a valores tradicionais.

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contexto histórico A crise econômica trazida com a queda da bolsa de Nova Iorque em 1929, faz com esse debate seja feito em um breve período. A ditadura nazista que se segue garante que ele seja truncado definitivamente, ainda que sirva para esclarecer quais escolhas estão encobertas pela polêmica estilística. Em 1932, quando os nazistas sobem ao poder em Dessau, a Bauhaus é forçada a se mudar para Berlim, sendo, já no ano seguinte obrigada a fechar as portas, pelas mãos de seu então diretor Mies van der Rohe. Quando Hitler é nomeado Chanceler, enquanto os edifícios de Dessau são empregados como escolas para dirigentes políticos. Todos esses processos de mudanças e repressões serão analisados mais a fundo ao longo desta monografia, no capítulo que se dedica a estudar a Bauhaus e sua importância histórica. Os mestres e professores da Bauhaus se vêem obrigados, em muitos casos a deixar a Alemanha, indo, como é o caso de Breuer e de muitos outros arquitetos, para os Estado Unidos. Quem fica por mais tempo na Alemanha é Mies van der Rohe, que em 1933 ainda é convidado, junto a outros trinta arquitetos, para o concurso do Banco do Estado em Berlim, ficando entre os seis premiados. Mies não consegue, no entanto, construir mais nada e se dedica a projetos teóricos de casas pátios, até sua emigração para os Estados Unidos em 1938. Os arquitetos modernos na Alemanha tem suas profissões ligadas sobretudo aos encargos públicos e às iniciativas da construção subvencionada, o que fortalece o movimento moderno entre os anos de 1925 e 1933 e garante que Gropius e May possam instituir uma relação frutífera com a economia do país. Entretanto é a causa da paralisação, uma vez que a arquitetura passa a estar diretamente dependente do poder público. Isso faz com que arquitetos moderados, tais como Bonatz, Böhm e Fahrenkampf, resistam melhor ao confronto, por possuírem ampla gama de clientes particulares e ainda conseguirem continuar construindo obras com dignidade por um certo tempo. Há quem afirme que a batalha de Gropius, Mies e May contra os tradicionalistas perde todo poder de atração quando se afasta de seu caráter pioneirista e aventureiro de uma revolta de jovens contra velhos, o que ocorre com a superação dos limites dos movimentos de vanguarda. Os protagonistas nessa batalha agora já passam dos quarenta anos e afirmam-se

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marcel breuer em numerosos trabalhos, já aparecem como uma categoria de velhos e são atacados por jovens em nome de princípios opostos. O nazismo tem papel importante nesse cenário, demandando características muito precisas: querem uma arquitetura de celebração, tradicionalista e nacionalista. Os velhos - pré modernos - têm o que é necessário. Na construção residencial o neomedievalismo com seus telhados pontudos, as madeiras com molduras e as escritas em gótico; para os edifícios públicos, um neo classicismo greco romano, com pilares de ordem dórica, mármore, escadas e estátuas alegóricas, águias, cruzes gamadas. Os jovens, no entanto, recusam-se a pensar que chegariam a isso e, em grande maioria, se afastam das diretrizes oficiais, se isolando da atividade de construção do Estado e das administrações públicas e se limitam a modestos projetos particulares. A cultura arquitetônica alemã, portanto, caminha ligada à evolução do regime político.

Edifício tradicional da Alemanha nazista, retomando

O processo de afastamento da arquitetura da Alemanha nazista do maquinário e da industrialização fica claro quando é escrito, por exemplo que quando Hitler construiu sua casa de campo nenhuma máquina havia sido empregada. A sociedade e a propaganda nazista estão baseadas, também, em uma ampliação despida de preconceitos da mecanização e da organização em série. Infelizmente, o nazismo logo mostra seu verdadeiro caráter e destrói a pequena autonomia na qual os jovens ainda se moviam. Em seu livro A história da arquitetura moderna, Benevolo afirma: “Assim, conclui-se com um infausto epílogo o desenrolar da arquitetura alemã entre as duas guerras; depois de ter dado uma contribuição determinante à cultura arquitetônica moderna, a Alemanha está temporariamente isolada, destituída de seus melhores homens e torna-se o palco da mais grotesca experiência de exumação estilística.” (1989. p.539)

Arquitetura tradicional nazista

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o o estilo neo medieval.

contexto histórico A República de Weimar A queda do II Reich em novembro de 1918 e as discussões políticas sobre a aceitação ou não dos termos de derrota do Tratado de Versalhes em 1919, marcaram os primeiros anos da nova República alemã, formada, inicialmente, por um governo provisório composto por líderes do Partido Social Democrata Alemão (SPD) e do Partido Social Democrata Alemão Independente (USPD). O Tratado de Versalhes impôs ao país uma série de privações e humilhações, dentre as quais se destaca o pagamento de indenizações aos países vencedores da guerra e perda de territórios. Em janeiro de 1919 foi realizada uma Assembleia Constituinte na cidade de Weimar, confirmando a hegemonia política do Partido Social Democrata Alemão. A constituição, promulgada em julho do mesmo ano, tornava a Alemanha uma república parlamentarista liberal, composta pelo Reichstag (Parlamento) e pelo Reichsrat (assembleia de representantes dos estados, de caráter consultivo). O principal cargo do executivo era o Chanceler, equivalente ao primeiro ministro. Vale destacar que em paralelo a esse processo, ocorreu a Revolução Alemã de 1918-1919, que tinha como objetivo formar uma república socialista baseada em sovietes, como havia acontecido na Rússia, na Revolução Russa, que consolidou a União das Repúblicas Socialista Soviéticas (URSS). Pouco antes desta ocorrer, os soldados e trabalhadores alemães tentaram tomar o poder em Berlim, se organizando em conselhos, liderados pela Liga Espartaquina - uma dissidência do Partido Comunista Alemão (KPD). A Liga Espartaquina tinha como principais lideranças Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht. Considerando um movimento de esquerda radicalista, o espartaquismo, ou Movimento Espartaquista - cujo nome alude à figura de Espartacus, o escravo gladiador que organizou uma revolta durante o Império Romano - se orientava pelas estratégias comunistas de tomada de poder. Apesar da força popular, a revolução não conseguiu conter a reação do governo provisório, sob o comando do SPD, que convocou o exército para detê-la. O esmagamento das forças revolucionárias se deu na Renânia, na Baviera e, principalmente, em Berlim. Vários líderes foram presos e executados, inclusive Luxemburgo e Liebknecht. A ironia nes-

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marcel breuer te ocorrido foi que os mandantes da execução eram antigos companheiros de partido, quando todos ainda estavam no SPD. A existência da República de Weimar pode ser dividida em três fases, sendo a primeira compreendida entre os anos de 1919 e 1923, uma fase de instabilidade política e econômica - período que nos interessa principalmente, sendo esses os anos nos quais Weimar era a sede da Bauhaus -, um segundo período de recuperação e estabilização, compreendido entre 1923 e 1929 - a estabilização econômica e política foi um dos principais motivos da saída da Bauhaus de Weimar, como será discutido mais adiante - e um terceiro e último período de crise, entre 1929 e 1933, em decorrência da quebra da Bolsa de Valores no Nova Iorque e da ascensão do nazismo. A primeira fase da República de Weimar, foi muito conturbada no aspecto político, sendo palco de uma série de tentativas de golpes de Estado por parte de forças ligadas ao antigo regime. Tem destaque a tentativa do General Kapp, contida pelos trabalhadores, em especial por aqueles organizados em sindicatos próximos ao SPD. Os operários também organizaram várias greves entre os anos de 1921 e 1922, pressionando para que as minas e bancos fossem nacionalizados, além de exigir melhores condições de trabalho. O Partido Nacional Socialista Alemão, que viria a ser o partido nazista, surge com a insatisfação popular com a situação econômica do país. Baseado em um ideário nacionalista, antiliberal, anticomunista, o partido era formado por grupos paramilitares, que culpavam os judeus ligados ao capital financeiro pelos problemas econômicos da Alemanha. Liderados por Adolf Hitler, os nazistas tiveram uma tentativa falha de golpe de Estado em 1923, em Munique, na Baviera. Em 1924 são realizadas novas eleições, que levam ao poder o marechal Paul von Hindenberg, dando início à segunda fase da República de Weimar, marcada pela estabilidade política e econômica. A entrada de capitalistas dos Estados Unidos da América, que passam a investir diretamente na Alemanha, fizeram com que o país alcançasse a estabilidade e uma melhoria expressiva nos salários dos trabalhadores, além de diminuir a taxa de desemprego. Esses dois fatores ajudam a estabilizar os conflitos dos operários com o Estado, ajudando Constituinte de Weimar, 1919

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a manter estabilidade política e social. Entretanto, esses investimentos acabaram por atrelar a economia alemã à bolsa de Nova Iorque, que, ao quebrar, teve grande impacto no país. A principal consequência foi o desemprego, que atingiu 5 milhões de trabalhadores. Essa situação causou uma descrença da população nos antigos grupos políticos, como os social democratas, o que abriu caminho, nas eleições de 1932, para a ascensão e consolidação do nazismo. Os conflitos entre nazistas e comunistas começaram a ser constantes nas ruas das principais cidades alemãs. Com o apoio de capitalistas industriais, opositores do comunismo, os nazistas se aproveitam da crise política no Reichstag e proclamam Hitler Chanceler da Alemanha, em 1933. Nesse mesmo ano, após um incêndio do Reichstag, apontado como ação dos comunistas, Hitler põe o KPD e, posteriormente, o SPD na ilegalidade. Em 1934, com a morte do presidente Hindenburg, Hitler se torna o chefe único do Estado alemão, o Führer, iniciando a articulação para consolidar o Terceiro Reich.

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o arquiteto

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Marcel Breuer foi um arquiteto, escultor e designer húngaro-americano nascido em 21 de maio de 1902 e que faleceu em 1º de julho de 1981. Filho de Jacques Breuer, e Franciska (Kan) Breuer, nasceu em Pécs, capital do condado de Baranya, localizada no sul da Hungria. Se trata de uma cidade antiga, também chamada de Liinfkirchen, sede de uma das mais antigas universidades do mundo. Desde muito jovem já tinha uma inclinação pela pintura e escultura, o que fez com que, em 1920, ao se graduar no ensino médio, o húngaro recebesse bolsa escolar na Academia de Belas artes de Viena para estudar pintura. A importância desse deslocamento se dá ao entender que a cidade de Viena era uma cidade focal do Império Austro-húngaro, sendo, portanto, um centro cultural significativo, com oportunidades e atrativos para homens como Marcel Breuer. Ao entrar em contato com a academia, Breuer sente, a princípio, deslocado, afirmando que seu interesse é em enfoque mais prático. Deixa, assim, a escola. Breuer continua em Viena e passa a trabalhar e estudar com um arquiteto. Esse é o seu primeiro contato com arquitetura e marcenaria.

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marcel breuer Em Weimar Em 1921 Marcel Breuer deixa o arquiteto com quem trabalhava em Viena por constrangimento, se dizendo incapaz de tomar ações práticas de trabalho e tomando a decisão de “dar um passo atrás”. Muda sua postura perante a academia: passa a pensar que estudar e entender deve ser uma etapa prévia à realização do projeto; se descobre um estudante curioso que pretende pensar o projeto antes de materializá-lo, dessa maneira “Breuer decide se forçar a estudar mais sobre fatos simples da construção, sobre como as coisas são feitas, antes de projetar em si” (BLAKE, 1949, p.15. Tradução livre). Em 1921, aos 18 anos, muda-se para Weimar na Alemanha e se matricula na famosa escola Bauhaus que havia sido fundada dois anos antes. Nesse período em que foi estudante da escola alemã, Breuer foca seus estudos no design, principalmente no desenho de mobiliário. Seu objetivo era ter melhor entendimento dos mecanismos e ferramentas que possibilitam e estruturam os móveis. Seus estudos na Bauhaus, contudo, acabam se distanciando da prática arquitetônica. No período em que passa pela primeira vez pela escola, Breuer tem contato com grandes nomes do movimento moderno, tais como Wassily Kandinsky, Laszlo Moholy-Nagy, Paul Klee e Josef Albers. Quando ele se junta à comunidade Bauhaus, a escola passava por sua fase expressionista inicial, de forma que as suas primeiras obras compõem também essa corrente. Em 1921 o estudante já produz exemplares de design que antecipam algumas das suas propostas ao longo da vida, suas cadeiras produzidas naquele ano “Chair” e “African Chair” revelam sua escolha por soluções mais robustas, simples, que não vão de encontro com o design industrial. A produção desses designs era dissociada do projeto e utilizava escavação como sua principal solução. Em especial a “African Chair” tem costas altas e referências à arte negra primitiva, além de fazer uma retomada ao mobiliário produzido em Pecs, na Hungria, sua cidade natal. Em 1924 termina seus estudos na Bauhaus e passa um breve período em Paris onde estuda arquitetura e conhece Le Corbusier.

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African Chair, 1921.


o arquiteto Logo em 1925 retorna à escola a pedido de Walter Gropius, agora já em Dessau. É indicado pelo diretor à chefe da carpintaria e a compor uma comissão para projetar o interior da Bauhaus. Já no seu primeiro ano de trabalho consegue revolucionar todo o conceito de mobiliário, principalmente através da sua reconhecida cadeira de aço tubular de 1925, Wassily Chair, que será estudada mais a fundo adiante. Nos anos 1920 e 1930 a maior fonte de renda do artista foi o design, possuindo tímidas produções arquitetônicas. E, embora o estabelecimento da escola em Dessau devesse significar um maior campo de trabalho, tais propostas se limitam a promessas. As condições econômicas da época eram muito desfavoráveis o que limitava o trabalho dos arquitetos. Em 1926, casou-se com Marta Erps, também formada pela Bauhaus.

Berlim Em 1928, Breuer se muda para Berlim, onde passa a se dedicar mais à sua obra arquitetônica. Nesse mesmo ano abre seu escritório, com ênfase no projeto de casas pré-fabricadas e no uso de concreto nas edificações. Nessa época Breuer projeta para a Potsdamer Platz, apartamentos para Spandau-Haselhorst e um hospital em Elberfeld, completa também a Lewin House e os Apartamentos Harnischmacher, em Wiesbaden. Esse último projeto tem destaque por se tratar de uma inflexão na forma de pensar o mobiliário nos interiores. O uso de materiais contrastantes é feito de maneira totalmente distinta das vistas anteriormente. Em 1931 o arquiteto trabalha no projeto do Kharkov Theatre, que já ressalta sua fantasia construtivista, assim como algumas das características de seus projetos já demonstravam interesse por arquitetura americana. O cenário em arquitetura na Europa não era muito favorável no período, portanto, em 1931 o arquiteto fecha seu escritório em Berlim e inicia suas viagens pela Europa e pelo norte da África. Passa por Budapeste, Zurique, Marrocos, Grécia e Espanha. Com sua máquina fotográfica, registra de forma única as mais diversas arquiteturas com que ele se deparou.

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marcel breuer Em 1932 retorna à Alemanha, se dedicando mais especificamente ao design em alumínio. Porém, com o avanço da ameaça nazista e as perspectivas de fechamento da Bauhaus, se desenha o movimento de repressão. Em 1934, Breuer projeta os Apartamentos Dolderthal para Sigfried Giedion - historiador de arquitetura -, em Zurique. É nesse ano também, que se divorcia de Marta Erps. Diante desse cenário político crítico, em 1935 Marcel Breuer se muda novamente, desta vez para Inglaterra (1935 – 1937) onde firma parceria com F. R. S. Yorke que dura até 1937. Durante esse período projeta para o “Isokon” (isometric unit construction) e trabalha no design “plywood furniture” que depois será amplamente copiado. Em questão arquitetônica, seu projeto para o Bristol Pavilion ganha destaque, sendo reconhecido como uma edificação de muito sucesso em sua carreira e para a nova arquitetura. O projeto expressa a possibilidade de usar materiais tradicionais em uma estrutura moderna, com paredes de pedra e espaços internos livres. Ganha destaque no projeto também a forma como é pensada a relação entre o interior e exterior. Com esse projeto, inaugura novos conceitos na sua própria arquitetura, com um edifício fluido, fachada envidraçada, planta livre e o uso de materiais naturais, pedra local e wood frame, ele conclui: “that traditional materials can help to humanize the International Style” (BLAKE, 1949, p. 56).

Estados Unidos Em 1937 o arquiteto e designer húngaro deixa permanentemente a europa e muda-se para os Estados Unidos. A convite de Walter Gropius, recebe uma oferta para se tornar um professor na universidade situada em Cambridge e aceita. Marcel representava uma segunda geração de arquitetos da Bauhaus, a transição entre a tradição moderna estrita e as novidades na arquitetura, nessa época seu diálogo com a arquitetura americana e o estilo internacional essas inclinações influenciam uma terceira geração de arquitetos muito importante. Dessa maneira, diante da impossibilidade de trabalhar na Europa no cenário da guerra, de 1937 a 1941 Gropius e Breuer vão ser parceiros e projetam juntos na américa do norte e,

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Bristol Pavilion, 1936.


o arquiteto segundo Peter Blake “for better or for worse, American architecture has not been the same since 1937.” (p. 62, 1949) Nesse período de chegada na América do Norte o Arquiteto projeta, junto com Walter Gropius, a casa escolhida para o estudo da monografia, a Chamberlain Cottage, ou Weyland Cottage, nome da cidade em que se situa, em Massachusetts. Além dessa, termina também um projeto maior, Frank House em Pittsburgh. Suas obras revelam o diálogo que o arquiteto europeu teve com a arquitetura da américa e a materialização dessa apropriação através da simplicidade da arquitetura americana. Em 1941-42 é realizado o último projeto da dupla Breuer e Gropius: defense housing project for aluminum workers in New Kensington após esse, o escritório se desfaz e eles seguem carreira em escritórios individuais. Novamente Marcel se depara com o dilema entre a academia e a prática, sentindo o peso de ter ensinado muito e praticado pouco, portanto, passa a focar em seus trabalhos práticos mesmo enquanto leciona, aguardando que eles pudessem se expandir no período pós-guerra. Em 1942 uma nova aposta do arquiteto vinha através do design pré-fabricado, com seus dois projetos: “Yankee Portables” e “Plas-2-Point”, essa linha de pensamento revela sua estratégia para suprir a demanda habitacional crescente no país. Nesse período, faz projetos urbanos como o Stuyvesant Six, para o investimento que seria feito na cidade de Nova Iorque, se trata de pensar, em cima do plano que seria realizado, uma nova forma de pensar o morar, com torres espaçadas e apartamentos intercalados para Manhattan, discute a densidade urbana e os novos modelos de urbanização, com esse e com o projeto do bairro sul em Boston o arquiteto da Bauhaus dá espacialidade através do desenho e de pesquisas à suas discussões para cidade moderna. Em 1943 surge um marcante conceito na sua forma de projetar habitações: a casa “bi-nuclear”, com o núcleo social e familiar, mudando a forma de pensar a casa americana e trazendo um novo conceito para seus futuros projetos.

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marcel breuer No ano de 1946 Breuer se instala em Nova Iorque, onde funda seu escritório na East 88th Street townhouse. Em 1947 projeta sua famosa Breuer House, em New Canaan. Nesse período em que vai para Nova Iorque amplia a sua produção arquitetônica e amplia a escala de suas edificações, isso é, passa a não mais se limitar à projetos domésticos, mas também públicos, institucionais, culturais, educacionais... não se limitando aos Estados Unidos, mas expande seu trabalho para a América do Sul e de volta para a Europa. O ponto inicial dessa mudança de escala está em 1953, quando em colaboração com Pier Luigi Nervi e Bernard Zehrfuss ele projeta o da UNESCO em Paris, um projeto de grande escala que muda o rumo da arquitetura produzida pelo arquiteto até esse momento. Em 1953 associam-se ao seu escritório em Nova Iorque Herbert Beckhard, Robert F. Gatje e Hamilton Smith. Em 1965, Tician Papachristou. Em associação com herbert beckhard, renova a forma de pensar arquitetura residencial na época de 50 a 70, pensando em espacialidades com mais espaço e menos massa, deslocando a atenção para as necessidades individuais dos moradores, evitando decorações desnecessárias: “a new balance between the elements of structure, purê form, and function; and intimate relationships between the interior and the exterior natural setting” (architecture without rules, david masello) Dessa maneira, segue a produzir edifícios com clareza e projeto único, funcionais e racionalistas, que através de inovações conceituais como a planta em H com áreas para o dia e a noite, se mostram distintos dos outros trabalhos da arquitetura moderna. Em 1956 Funda o escritório “Marcel Breuer and Associates” em Nova Iorque e, para melhor articulação com os projetos na Europa funda um escritório com seu nome em Paris. O famoso projeto do Whitney Museum of American Art, também em nova Iorque começa a ser trabalhado em 1963, marcando uma era de projetos que se aproximam do brutalismo UNESCO, Paris, 1957.

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o arquiteto e revelam o estilo único do arquiteto húngaro discípulo da Bauhaus. Em 1965, estabelece seu escritório na 635 Madison Avenue e 59th Street in 1965. Outros projetos marcantes dessa última fase do arquiteto são: St. John’s Abbey e University em Collegeville, Minnesota (1953-61); a loja de departamentos De Bijenkorf, Roterdã (1955-57); a sede do Departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano (HUD), Washington, DC (1963-68); e a Atlanta Central Library (1969-1980). Depois de sofrer uma série de ataques cardíacos, Marcel Breuer reduziu as viagens que realizava para a Europa e deixou a coordenação do seu escritório de Paris para Mario Jossa. Em 1981 faleceu em Nova Iorque.

Whitney Museum of American Art, 1966.

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bauhaus

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A Revolução Industrial, no século XVIII, trouxe consigo transformações que afetaram diferentes esferas da vida humana. Os processos industriais evoluíram em grande velocidade, levando com que quase todos os objetos cotidianos fossem fabricados com auxílio de máquinas. A demanda por trabalhadores nas fábricas crescia cada vez mais e com ela a jornada de trabalho desses trabalhadores. Dentre as discussões travadas acerca dos fundamentos e funções da arte com o advento da Revolução Industrial a partir do século XVIII, uma das principais foi a respeito da produção industrial de bens de consumo. Com o advento das máquinas, a produção sai das mãos dos artesãos, que passam a serem obrigados a se submeter às opressoras condições do trabalho fabril. A produção industrial desses objetos não vinha acompanhada de grandes soluções técnicas, trazendo produtos mal resolvidos com relação à forma e função nessa fase inicial da industrialização. Nesse contexto, passam a surgir correntes antagônicas, trazendo argumentos contrários e favoráveis ao processo de industrialização e às máquinas. Se destaca o inglês William Morris, caracterizado como um dos primeiros pré-urbanistas, de viés culturalista. O urbanismo vem no sentido de resolver o problema do crescimento desenfreado das cidades, consequência da industrialização. Morris, como arquiteto, incorpora-se ao grupo pré-rafaelita e funda em 1862 uma firma de decoração cujos trabalhos irão contribuir poderosamente para a gênese do melhor modern style. Morris defende o trabalho artesanal como arte e afirma “atualmente a arte acha-se alienada pelo trabalho degradante do sistema industrial; sua (arte) liberdade é necessária.” Ele defendia a volta das condições de produção medievais, defendendo que somente a produção manual seria capaz de honrar o trabalho humano. Após a Primeira Guerra Mundial, a Alemanha se encontrava em um cenário caótico, com muitas cidades destruídas pelo conflito, além de uma situação econômica desfavorável, com a inflação muito alta, restrições industriais impostas pelo pós-guerra e uma república recém instaurada de forma não muito tranquila. Tudo precisava ser reconstruído, física, política e ideologicamente.

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marcel breuer Como principal expoente desses conflitos surge uma escola de arquitetura, design e artes plásticas, no sentido de solucionar o impasse entre o trabalho manual e o industrial, trazendo o design industrial como união desses dois processos. Além de trazer consigo a máxima da reconstrução total da arte, da arquitetura e da sociedade alemã, a partir da perspectiva de que a arte deveria novamente ter um propósito social. A Bauhaus é um manifesto político, econômico e social, como será exposto a seguir, pelo entendimento de suas três sedes, em seu processo de criação, ascensão e crise. Sua importância se dá mais pela sua obra educacional do que pela produção de arquitetura, arte e design em si. O nome Bauhaus (casa de construção), vem da inversão do termo Hausbau (construção da casa) - “haus” significa casa e “bauen”, para construir. A Bauhaus era “mais que uma escola; era uma comuna, um movimento espiritual, uma abordagem radical da arte sob todas as formas, um centro de filosofia comparável ao Jardim de Epicuro.” Os alunos aprendiam sobre a máxima de aprender do zero. Recriar antigos conceitos, repensar a forma das coisas e suas funções. Desde novas religiões, novas dietas de alimentos naturais, etc. “Começar do zero significava nada mais que recriar o mundo”. “Conforme disse Dostoievski, as ideias têm consequências; o estilo da Bauhaus tinha origem em determinados pressupostos sólidos. Primeiro, a nova arquitetura estava sendo criada para os operários. O mais sagrado dos objetivos: aperfeiçoar a habitação do trabalhador. Segundo, a nova arquitetura devia rejeitar tudo o que fosse burguês. Uma vez que quase todos os envolvidos, tanto arquitetos quanto burocratas social-democratas, eram eles mesmos burgueses no sentido literal e social da palavra, ‘burguês’ tornou-se um epíteto que significava qualquer coisa que se quisesse”

Nos trechos a seguir, debate-se mais sobre a Bauhaus em suas diferentes sedes, entendendo suas especificidades, o contexto político e social por trás de cada uma delas e os fatores que levaram a seu fim, buscando sempre fazer paralelos entre a história da Bauhaus e a produção e trajetória profissional de Breuer.

Bauhaus Weimar (1919-1925)

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bauhaus A cidade de Weimar sediou uma Assembleia Constituinte em 6 de Fevereiro de 1919, tendo o Projeto Constitucional Republicano Parlamentarista, instaurando na Alemanha duas casas legislativas no comando central: o Reichstag (o Parlamento) e o Reichsrat (a Assembleia). O Chanceler seria o cargo administrativo, chefe do executivo. No ano de 1919, é fundada a Staatliches Bauhaus (a palavra alemã staatliches significa Estado) em 1º de abril em Weimar, por Walter Gropius, a partir da junção da Grand Ducal Saxonian School of Arts and Crafts e da Grand Ducal Saxonian School of Arts. A Bauhaus se instala na cidade de Weimar, nova sede do poder político alemão, se tornando um importante ponto de encontro da avant-gard européia. Em seu manifesta de fundação, Gropius clama por um novo começo para a construção de uma cultura com elementos então considerados visionários. O primeiro programa da escola é publicado em 1919, em tom profético e obscuro, afirmando que as artes visuais têm como objetivo final a construção completa. Nele, Gropius coloca a arte não como profissão, entendendo o artista e o artesão como “uma única comunidade de artífices, sem nenhuma distinção de classe que levanta uma arrogante barreira entre o artesão e o artista”. (p.404 do Benevolo). Esse discurso se assemelha ao pregado pelos futuristas na época, mas não se encerra enquanto manifesto de alguma nova tendência, trazendo apenas, em termos difíceis e sugestivos, a exigência de metodologia, baseada em estudos práticos que supere as diferenças abstratas. Whitney Museum of American Art, 1966.

A Bauhaus estava mais associada às esferas política, socioeconômica e cultural da República de Weimar do que qualquer outra Instituição de ensino da história da Alemanha, tendo sido influenciada, em seu início, pelo expressionismo. Os primeiros a se juntar a Gropius foram Johannes Itten, Lyonel Feininger e Gerhard Marcks. Em seguida vem Adolf Meyer, Georg Muche em 1920, Paul Klee e Oskar Schlemmer em 1921, Wassily Kandinsky e Laszlo Moholy-Nagy em 1922. A escola se inseria no entendimento de que a arte deveria novamente cumprir [G3] um papel social, sem que houvesse separação entre as disciplinas crafts-based. O processo de seleção possibilitava que jovens talentosos pudessem estudar na Bauhaus Weimar independente de sua histórico acadêmico,

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marcel breuer gênero e nacionalidade - a questão de gênero era um elemento importante, uma vez que até um passado muito recente, mulheres não podiam ser arquitetas ou artistas. A Bauhaus Weimar tinha entre 150 e 200 estudantes. a porcentagem de mulheres dependia do semestre, variando entre 25 e 50%. Havia também uma grande quantidade de estrangeiros, variando entre 17 e 33%. O método pedagógico da Bauhaus era baseado em curso básico desenvolvido por pelo professor e artista suíço Johannes Itten e na teoria das Cores e Formas de Paul Kleen e Wassily Kandinsky, além de atividades práticas de nos ateliês. O objetivo do programa educacional era o trabalho colaborativo em um edifício representativo, “a Síntese da Arte”, como era chamado por Gropius, com a contribuição de todos os trabalhos desenvolvidos na escola. Uma importante marca do ensino da Bauhaus era o stage workshop, dirigido por Lothar Schreyer entre 1921 e 1923 e por Oskar Schlemmer entre 1923 e 1925. O departamento era visto como um ateliê integrado no qual todo as artes visuais e de performance eram explorados com uma abordagem interdisciplinar. O programa previa: um curso preliminar de seis meses, no qual os alunos adquirem confiança com os materiais e com problemas formais simples; um ensino trienal, parte técnico, no qual o aluno deveria frequentar um dos sete laboratórios de trabalho (com pedra, madeira, metal, terracota, vidro, cor e textura) e receber lições teóricas de contabilidade, avaliação e contratação econômica; e parte formal, o que compreende a observação dos efeitos formais na natureza e nos materiais, o estudo de métodos de representação e a teoria da composição. Ao término desses três anos, aluno poderia, após um exame, receber o título de artesão; um curso de aperfeiçoamento, de duração variável, de acordo com o projeto arquitetônico e do trabalho prático nos laboratórios da escola, com o qual o aluno poderia obter, após exame, o diploma de mestre em artes;

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bauhaus Fica clara a importância dada ao aprendizado simultâneo de questões teóricas e práticas, sendo o curso trienal orientado por dois professores: um artesão e um de desenho. vEm 1923, Gropius deu início a mudanças decisivas na Bauhaus Weimar. O grupo De Stijl, protagonizado por Theo van Doesburg, que servia como catalisador do desenvolvimento, entra em conflito com o Construtivismo e as demandas por um mundo orientado pela técnica, prevalecendo uma abordagem pragmática e funcionalista. O De Stijl era um dos principais grupos políticos da República de Weimar, que já começava a flertar com o que viria se tornar o nazismo. Esse conflito não foi tratado de forma silenciosa na Bauhaus, que, em 1923, faz Festa da Bauhaus no restaurante Ilmschlösschen, a primeira exposição sobre a Bauhaus, levando a público essa nas proximidades de Weimar em 29 de Novembro nova orientação da direção que, sem dúvida foi o gatilho alta de 1924. produtividade, presente em muitos dos designs clássicos da Bauhaus. É nesse contexto que é construído o Haus am Horn, projeto como a primeira produção arquitetônica da Bauhaus em Weimar.

Cartaz da Exposição da Bauhaus em Weimar, em 1923. Joost Schmidt

Entre os anos de 1919 e 1923, o governo da República de Weimar apoiou as ideias de Gropius para a escola. Nas eleições de 1924, a ala direita do partido Thüringer Ordnungsbund ganhou maioria no Parlamento. Com isso o orçamento destinado a Bauhaus foi cortado pela metade e os contratos com os professores foram cancelados em 31 de março de 1925. Após os cortes, Gropius e os mestres da Bauhaus resignaram em dezembro de 24. Muitas cidades se mostraram interessadas em ser o novo lar da escola, que acabou optando pela cidade de Dessau, governada pelo Partido Social Democrata da Alemanha. Vale destacar, que é nesse ponto que se encerra a primeira fase da República de Weimar, marcada por oscilações entre enormes bolhas inflacionárias, ondas de desemprego, insatisfação popular e falta de credibilidade dos comandantes e lideranças políticas. Com a eleição de Paul Von Hindenberg como presidente, o país tem uma quase inexpressiva recuperação econômica, que foi, como veremos mais à frente, retrocedida com a Quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque e a Crise de 1929, provocando uma nova onda de recessão e crise social, muito bem aproveitada pelo radicalismo nazista. Depois da mudança para Dessau, Gropius doou 160 produtos

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marcel breuer feitos nos ateliês da Bauhaus Weimar para o Estado Alemão, que desde então possui a maior coleção de itens da Bauhaus do mundo.

Bauhaus Dessau (1925-1931) Ao ser transferida para Dessau, em 1925, a Bauhaus deixa de ser Staatliches Bauhaus e se torna Escola de Design. Apesar da mudança de localidade de Weimar para Dessau ter uma motivação política, não houve uma crise na Bauhaus, havendo, ao contrário uma consolidação da produção de novos produtos em massa da nova indústria. Proclamada na exposição de 1923, a união entre arte e tecnologia, grande legado da Bauhaus, só atingiu seu auge em Dessau. O edifício onde a escola se instalou foi o primeiro a dar mostras desse novo processo. O projeto é de Walter Gropius, com o auxílio dos ateliês da própria escola e é inaugurado em 1926, sendo um dos mais importantes projetos da carreira do fundador e diretor da escola. A maior parte dos produtos e edifícios que definem, até os dias de hoje a imagem da Bauhaus foram feitos em Dessau. Houve também a fundação da Bauhaus GmbH, que possibilitou que os estudantes fizessem parte do sucesso dos produtos desenvolvidos na Bauhaus. Alguns desses nomes serão vistos mais à frente. Em Dessau, a Bauhaus teve o apoio de figuras importantes, tais como o pioneiro da aviação Hugo Junkers, o prefeito Fritz Hesse e Ludwig Grote. Eles não só buscaram a Bauhaus para soluções acessíveis de moradias operárias em regiões industriais, como também anteciparam impulsos de inovação cultural para a cidade de Dessau. Gropius já era um arquiteto renomado e foi, portanto, recebido de braços abertos pelos patronos da cidade. Os grandes mestres, Lyonel Feininger, Wassily Kandinsky, Paul Klee, László Moholy-Nagy, Georg Muche e Oskar Schlemme igualmente conhecidos, seguiram Gropius e se mudaram para a Casa dos Mestres projetada por Gropius. Isso significava que a maior colônia de artistas conhecidos internacionalmente, estava em Dessau. Deve ser destacada nesse contexto, a importância da imagem da cidade para o desenvolvimento da indústria local.

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bauhaus

Professores durante a inauguração da nova sede da Bauhaus em Dessau: Josef Albers, Hinnerk Scheper, Georg Muche, László Moholy-Nagy, Herbert Bayer, Joost Schmidt, Walter Gropius, Marcel Breuer, Wassily Kandinsky, Paul Klee, Lyonel Feininger, Gunta Stölzl, Oskar Schlemmer. Autor desconhecido. 1926.

Refeitório da Bauhaus Dessau visto do terraço. Irene Bayer. Em torno de 1927.

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marcel breuer Em 1926 a Bauhaus se torna oficialmente Escola de Design. O certificado de formação recebido na época de Weimar foi substituído por diplomas e os mestres passaram a ser professores. As temáticas voltadas a arte foram deixadas de lado em detrimento de uma educação voltada para o design industrial. Os estudantes passaram, também, a ser uniformizados; homens de terno e mulheres com seus cabelos cortados na nuca e saias na altura dos joelhos.

A falta de confiança e o ressentimento, no entanto, estavam evidentes em Dessau. Devido a falta de moradia a custos acessíveis em detrimento dos altos custos de vida da região cria revolta na classe média em Dessau, tanto quando o modo de vida libertino dos estudantes da Bauhaus causavam aversão. A crise mundial, havia alguma apreensão com relação a valorização cultural com o palco da escola, sua banda Bauhaus-Kapelle, recitais e festivais. Assim como em Weimar, Gropius The Triadic Ballet. Fotografia de todos os figurinos. A Ernest Schneider. 1927. se vê forçado a lutar pela sobrevivência política da escola. Em 1928, a diretoria da Bauhaus passa às mãos do arquiteto e urbanista suíço Hannes Meyer, antes diretor do departamento de arquitetura estabelecido na escola em 1927. Junto aos estudantes, Meyer desenvolveu projetos, sobre a máxima “A necessidade das pessoa acima da necessidade por luxo”. Meyer acreditava que a arte deveria ser pouco mais que um meio para se alcançar um objetivo. Por suas simpatias com o socialismo, Meyer foi rotulado como um “bolchevique cultural” e é, em 1930 é demitido pelo conselho municipal por supostas práticas comunistas. Em 1930, Mies van der Rohe assume a diretoria da escola, sendo o último e menos politizado dos diretores da escola, quando em comparação com Gropius e Meyer. Sob sua direção, a Bauhaus passou a ter uma orientação mais voltada para a arquitetura, ainda que faltassem discussões sociopolíticas na produção da arquitetura da escola. Foi proibida a realização de atividades políticas por parte dos estudantes e as linhas de trabalho se tornaram descontínuas. Em 1932, o conselho municipal de Dessau já havia sido tomado pelo Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães - partido nazista -, o que fez com o que em setembro desse ano fosse aprovado o fechamento da Bauhaus. A escola foi realocada, com todos os seus equipamentos, para uma antiga fábrica de telefones em Berlim, em uma breve sobrevida organizada por Mies, até seu

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Artista: Oskar Schlemmer. Foto:

bauhaus fechamento definitivo em 1933.

Bauhaus Berlim (1932 - 1933) Devido à repressão política criada pelo crescimento do partido nazista e pelos cortes de orçamento, apenas algumas atividades puderam acontecer no breve existência da Bauhaus em Berlim. Em abril de 1933 os paramilitares do Partido Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP) fecharam as salas de aula e as atividades acadêmicas se tornaram impossíveis. A fase breve e dramática da Bauhaus em Berlim fez com que muitos professores e estudantes se mudassem para outros lugares da Alemanha, ou a sair do país. No processo de fechamento das salas de aula da Bauhaus em Berlim, em abril de 1933, 32 estudantes foram presos. A reabertura só seria possível sob condições ditadas pelo governo nazista, inaceitáveis para Mies van der Rohe, que dissolve o corpo docente e fecha a escola em 20 de julho de 1933. Uma placa comemorativa foi instalada próximo do último local de atividade da escola, no entanto, ela não existe mais.

Desdobramentos Após o fechamento da Bauhaus em Berlim, muitos estudantes e professores da Bauhaus saíram da Alemanha, levando consigo o legado da escola e contribuindo para a disseminação de seus conceitos. O movimento moderno europeu foi enfraquecido como um todo com a tomada de poder dos governos totalitários, fazendo com que muitos profissionais do ramo da arquitetura e outras personagens que faziam qualquer tipo de enfrentamento político aos governos fossem obrigadas a deixar seus países. Em contrapartida a saída desses arquitetos, designers e artistas plásticos em direção aos Estados Unidos e à países da América Latina fortaleceram e ajudaram a estruturar um movimento moderno nesses países. A ida de Breuer, por exemplo, para os EUA foi um passo importante para sua carreira profissional. Os desdobramentos e legados da escola serão discutidos mais à frente, assim como o trabalho realizado por Breuer nos Estados Unidos.

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design industrial

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Arts & Crafts Para entender o design industrial, seus objetivos, sua essência e desenvolvimento, é necessário primeiramente voltar algumas décadas e entender o movimento anterior a ele e como um influenciou no surgimento e questões ligadas ao outro. O movimento Arts and Crafts surge por volta do ano de 1860 no Reino Unido como contestação e crítica ao contexto da Revolução Industrial e suas consequências, e busca retornar ao modo de vida mais simples e satisfatório. Suas principais questões são o trabalho artesanal, o uso de materiais de alta qualidade e a ênfase na utilidade no design. A Revolução Industrial proporcionou um grande deslocamento de trabalhadores para as cidades, que estavam mal preparadas para isso, amontoando-os em moradias precárias, em locais insalubres, uma vez que a poluição provinha tanto das fábricas quanto do esgoto da população tomava conta da cidade. Neste contexto, surgem figuras que contestam esses problemas e retomam questões de um passado que, para eles, se mostrava ideal. O escritor John Ruskin e o arquiteto Augustus Pugin acreditavam na associação entre a moralidade de uma nação e sua arquitetura e, por isso, contrastam o período com a era gótica, um período idílico de piedade e altos padrões morais, além de saudável, acreditando ser o melhor do desenvolvimento humano.

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marcel breuer William Morris William Morris foi a principal influência desse período, desenvolvendo ideias com um grupo de estudantes, desde a década de 1850, com base na literatura romântica e na reforma social. Em 1885, com as visões de Ruskin, de contraste entre a arte contemporânea e os pintores que procederam Rafael, forma-se a Irmandade Pré-rafaelita, que buscava seguir os mesmos objetivos artísticos. Morris trabalhou no que viria a ser a marca do Arts and Crafts, não desvencilhar o ato intelectual do design, do ato manual de criação física. E mais, para se trabalhar em uma oficina, deveria haver o domínio da técnica e do material apropriado. Por fim, com essa forma de produção, inspiraria indústrias caseiras entre a classe trabalhadora, trazendo prazer ao trabalho e criando uma arte democrática. Trabalhou em diversos ofícios, projetando móveis em todas as suas etapas, desde o design até a fabricação. Em seus projetos, modelou seus desenhos em estilo medieval, com padrões em flora e fauna e tradições vernaculares ou domésticas do interior britânico. Seus trabalhos evidenciavam a verdade do material, da estrutura e da função, características marcantes do movimento. Em 1861, fundou a Morris, Marshall, Faulkner & Co., firma de artes decorativas especializadas em papel de parede que, cresceu durante as décadas de 60 e 70, trabalhou com design de interiores, e expandiu a variedade de seus produtos em móveis (como a “cadeira Morris”) têxteis e vitrais. Em 1875, compra a empresa de seus demais parceiros e a reorganiza como Morris & Co. Nos anos seguintes, seu trabalho se popularizou na Grã-Bretanha, Europa Continental e Estados Unidos, e Morris abre a Kelmscott Press, em 1891, para a impressão de trabalhos como manuscritos e romances. Faleceu em 1896, deixando um legado de trabalhos e ideias.

Art Nouveau Um estilo que compartilha as qualidades teóricas e visuais desse movimento é o Art Nouveau, que surge na década de 1880 em parte do Arts & Crafts na Europa. Ambos trabalham a ênfase na natureza, reivindicam o estilo gótico, desenvol-

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design industrial vem vários ramos das artes, em especial as decorativas, e tem ideias de remodelar fisicamente o ambiente. A linha que categoriza o movimento Arts & Craft do estilo Art Nouveau é tênue. Muitos escritos e filosofias de Morris são compartilhados pelos artistas do Art Nouveau, entretanto, há um ponto em específico que se destaca: a simplicidade e a problemática com a máquina são substituídas pela complexidade e nova tecnologia, levando ao ponto, inclusive, de se disfarçar a verdade dos materiais em detrimento do efeito visual. Quanto à esse ponto, também se trabalha mais outras fontes de estilo, como a barroca, a romântica e o rococó. Nota-se pelo próprio nome Art Nouveau (“Nova Arte”) o interesse na criação de um estilo para o século XX, ao invés de rejeitar a vida moderna. Era menos associada ao poder de mudança nas atitudes e costumes sociais, buscando mais embelezar e encantar.

Declínio Muitos foram os fatores do declínio do movimento no século XX. O principal deles é um problema inerente do artesanato: a questão de ser algo trabalhoso, em relação a quantidade a ser produzido, com o custo para atingir a grande massa, ou seja, em suas próprias raízes há a contradição de ser algo que dificilmente se barateia pela quantidade produzida. Este problema foi identificado em diversos lugares em que o Arts & Crafts era trabalho e houve, por conta disso, a introdução da máquina no processo de produção ou a falência de empresas. Outro fator que conduziu o declínio do movimento foi o tempo, seguida das mudanças e introduções de novos estilos. O neoclassicismo tradicional ganha destaque e dá fim ao movimento Arts & Crafts tanto na Europa quanto nos EUA.

Legado O movimento, com suas ideias e filosofias, encorajou diversos artistas a trabalharem noções de artesanato e a dar visibilidade na sua produção como princípio central da produção criativa. Assim, na Áustria e Alemanha surgem escolas de design baseadas no artesanato, colônias de artistas como em Darmstadt e cidades planejadas ecoaram os princípios do

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marcel breuer movimento. Dessas movimentações surge a Bauhaus, fundada por Walter Gropius em 1919, e já trabalhada nesta monografia, mas que merece a lembrança de ter sido destaque pelas suas tendências e aproximações com ideologias socialistas, o que a obrigou a mudar diversas vezes, até seu fechamento em 1933.

Design Industrial O design industrial surge do declínio dos movimentos falados anteriormente e da ascensão e aceitação do uso da máquina na produção, em um momento que há a necessidade de romper com o passado. Neste contexto, há a fusão de duas escolas alemãs, a Escola Superior de Belas-Artes e a Escola de Artes e Ofícios, criando a Bauhaus, escola que viria a ser o maior local de experimentações e avanços quanto ao design, a arte, ao artesanato e a tecnologia. A Escola propunha tirar a arte do isolamento, incentivando o trabalho cooperativo, combinando habilidades, técnicas, materiais, além do próprio objeto a ser trabalhado. Assim, cadeiras, luminárias, mesas, dentre outros móveis e objetos tornaram-se peças de investigação quanto suas possibilidades de desenho, material, fabricação. Durante a existência da Bauhaus, alguns personagens foram de fundamental importância para construir e consolidar conceitos de estética que prevalecem até os dias de hoje. Esses conceitos têm como princípio a funcionalidade racional do objeto, ou seja, a função é mais importante que a ornamentação, assim, o desenho passou a ser mais simplificado, as formas são mais geometrizadas, os volumes são menores e o as cores são mais sólidas. Dos trabalhos que são realizados nesse período pelos membros da Bauhaus, evidencia-se a necessidade de os móveis e objetos serem confeccionados na lógica da produção industrial, como nos exemplos a seguir:

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Acima: chaleira, 1924, por Marianne Brandt. Abaixo: abajur, por William Wagenfeld


design industrial

Cadeira Barcelona, 1929, por Ludwig Mies van der Rohe e Lily Reich

Mesa de tubos de ferro criada em 1928, por Marcel Breuer

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cadeira wassily

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Dos trabalhos realizados por Marcel Breuer, a mobília tem destaque quanto às questões de visibilidade, inovação e dedicação. Após trabalhar em escritório de arquitetura e questionar seu entendimento quanto à construção e o funcionamento básico de certos processos da construção civil, dedicou-se ao design de móveis. Assim, como estudante de carpintaria, aprendeu a manusear os materiais, a projetar e a, como ele mesmo diz, deixa-los de pé, levanta-los. Na década de 20, após alguns anos de prática na área e algumas cadeiras projetadas, tornou-se chefe e mestre na Bauhaus. Seguiu seu trabalho entendendo a distinção entre duas questões primordiais de seu caráter: quanto à estrutura, existe o desafio construtivista da estética tradicionalmente aceita; já quanto ao elemento de contato humano em um design, se dizia romântico, uma vez que pensava na utilização de materiais cada vez mais macios, nas cores e texturas, adaptando-os às curvas da forma humana. Seguindo essas características, a mobília de Breuer desenvolveu-se em duas direções paralelas: a estrutura tornava-se mais leve, mais delicada, com uma forma determinada, primeiro, pela madeira e sua forma rígida e reta, seguida pelo uso de aço tubular dobrado, depois pelas tiras de alumínio dobradas, de compensado dobrado e, por fim, por chapas de compensado laminadas e recortadas. Paralelo à estrutura, trabalhava o elemento de contato humano, refinando assentos, encostos e materiais, tornando suas cadeiras cada vez mais macias. Quanto a evolução dos materiais, iniciou usando lajes direitas de madeira compensada, seguida do uso de estofamentos de lona esticada, caneladas em molduras dobradas, madeira compensada dobrada e, finalmente, almofadas estofadas e molduras de ripas de madeira curvadas em forma de um S alongado, ajustado a postura humana. Característica visível em suas cadeiras é seu desenvolvimento a partir de uma angularidade que se assemelha às pinturas cubistas, mas ainda ligada a uma tendência às formas mais orgânicas. Nesse contexto de experimentação do uso de materiais destaca-se dois importantes eventos que marcaram a história do design moderno: o primeiro é a invenção da cadeira de aço tubular e o segundo é a crescente preocupação com as unidades modulares padrão.

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marcel breuer A cadeira de aço tubular Em 1925, por conta da mudança da Bauhaus para Dessau, Breuer muda-se também e compra uma bicicleta da marca Adler, com os característicos guidões de aço tubular cromados. Enquanto aprendia a andar, pensou em como aquele material poderia ser dobrado de diferentes maneiras, formando a estrutura de suporte de uma mesa ou cadeira. Levou a ideia adiante, entrando em contato com um dos gerentes da Adler, mas foi questionado quanto a aceitação da população para esse tipo de material em um móvel dentro de casa e a inexistência de qualquer coisa parecida com aquilo. Apesar disso, seguiu em frente com a ideia e, em meados de 1925, construiu a primeira cadeira inteiramente de aço tubular cromado, com assento, costas e braços feitos com lona esticada. Apresentou-se como um objeto construtivista, extremamente complicado e complexo, mas muito refinado. Embora não tenha sido excessivamente usado na época, influenciou diversos projetos futuros, além outros arquitetos e designers, como a cadeira de Le Corbusier, de 1929, abaixo.

Le Corbusier, 1929.

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cadeira wassily

Projeto da cadeira Wassily, 1925.

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arq. moderna nas amĂŠricas

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Modernismo nos EUA e modo de vida americano Após a primeira guerra mundial, os Estados Unidos passam a ter muito destaque no cenário econômico internacional, se tornando uma potência mundial. Com o processo de industrialização e o uso difundido da eletricidade, eletrodomésticos são desenvolvidos e produzidos em massa, tais como os carros, mudando a rotina do cidadão comum assim como sua alimentação com amplo uso de geladeira e alimentos industrializados. Em meio a grande prosperidade os EUA exportam não só produtos agrícolas e industrializados mas também o seu modo de vida. O “american way of life” foi disseminado pelo mundo, preenchendo a lacuna que a Europa, arrasada pela guerra, deixava, através da literatura, do cinema e da música. Consumismo e individualismo eram as palavras chaves para se alcançar a felicidade assim como a meritocracia como explicação da ascensão social através do esforço individual por meio do trabalho. A história da arquitetura moderna estadunidense e o próprio movimento moderno do país como um todo estiveram estreitamente ligados com o modo de vida americano do século XX. O modernismo tem que se desenvolver num campo onde a visão de coletividade e sociedade está escassa, onde os princípios privilegiam o indivíduo e não o coletivo, um reflexo do contexto estadunidense capitalista do período pós-depressão e pós- guerra.

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marcel breuer Do ponto de vista tecnológico os Estados Unidos desempenharam um papel importante no movimento modernista pelo desenvolvimento de novos materiais e técnicas construtivas, como a inovação na utilização de materiais como ferro, aço e concreto armado, como pode ser visto na Ponte do Brooklyn por John e Washington Roebling (1869–1883). Já do ponto de vista social e ideológico o empenho estadunidense no desenvolvimento da arquitetura moderna é reduzido como podemos ver na visão do historiador Colin Rowe: “O tema revolucionário jamais foi um componente proeminente da especulação norte-americana sobre a construção. A arquitetura moderna européia, mesmo quando operava dentro das brechas do sistema capitalista, existia dentro de um ambiente essencialmente socialista; a arquitetura moderna norte americana não. E foi assim por inadvertência ou desígnio, que, quando na década de 1930 a arquitetura europeia veio se infiltrar nos eua, ela foi introduzida simplesmente como uma nova abordagem a construção - e nao muito mais que isso. Isto é: ela foi introduzida extremamente purgada de seu conteúdo ideológico ou social, e se tornou disponível não como uma manifestação (ou causa) evidente do socialismo com determinada forma, mas como uma decoração para a rua” de Greenwich, Connectcut, ou como uma fachada adequada às atividades empresariais do “capitalismo esclarecido” (CURTIS, 2008, p.403)

Louis Henry Sullivan foi líder do que foi conhecido arquitetura de Chicago, que tinha como princípio o desenvolvimento de design funcional em parceria com materiais modernos. Frank Lloyd Wright foi um seguidor de Sullivan, por isso absorveu deste a tradição romântica alemã da arquitetura orgânica. Wright desenvolveu o “estilo de pradaria”, uma nova abordagem para arquitetura residencial antes da Primeira Guerra, seus projetos estavam ligados ao território numa reinvenção da arquitetura vernacular, fazendo uso de materiais como pedra e madeira em suas condições mais rústicas para assim trazer um efeito de abrigo íntimo e protetor. Arquitetos estrangeiros como Richard Neutra, Rudolf Schindler e William Lescaze durante a década de 1920 desempenharam um papel importante no desenvolvimento da arquitetura americana, executando posteriormente um estilo, que ganhou o nome de estilo internacional e se refletiu no design de edifícios de escritórios corporativos após a Segunda Guerra. Edifícios como o Lever House de Skidmore, Owings e Merrill (1952) e o Seagram Building de Ludwig Mies van der Rohe

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arquitetura moderna nas américas (1956-1958) em Nova Iorque são exemplos desse novo estilo. Quando europeus como Walter Gropius, Marcel Bruer e Mies van der Rohe imigraram para os Estados Unidos, muitas escolas de arquitetura americanas foram influenciadas pelas tradições da Bauhaus na Alemanha.

Latino América A desestabilização social e econômica causada pelo entre Guerras na Europa levou os arquitetos do período a optarem por duas frentes de atuação: limitar-se à produção acadêmica (difusora ou de vanguarda), ou buscar trabalho migrando para países como o Brasil e os Estados Unidos. Os anos 1920 significaram, ao mesmo tempo, a decadência do movimento moderno na Europa e um “começo” para os americanos, coincidindo com a introdução do “International Style”. Apesar dos grandes nomes da arquitetura moderna (como Mies van der Rohe, Walter Gropius e Marcel Breuer) terem migrado a princípio somente para os Estados Unidos, os intercâmbios culturais começavam a ser estabelecidos também com os países latino americanos. Inicialmente, foram estabelecidas três formas de circulação de ideias preliminares entre o Brasil e a arquitetura moderna européia e americana ainda nos primeiros anos do século XX: a primeira, pessoalmente, nos congressos e exposições internacionais às quais compareciam os arquitetos brasileiros (ainda que a participação brasileira oficial como integrante desses tenha sido rara); a segunda, pela produção de livros, artigos e textos apresentados em congressos internacionais e/ou publicados em revistas especializadas da época; e terceiro, da realização de cursos de urbanismo no exterior. “Os intercâmbios foram muitos. E tiveram sua origem, mesmo que lentamente, muito antes da consagração da arquitetura moderna brasileira. Importante é se tomar cuidado com marcos tão intensos que indicam estas trocas ocorrendo somente a partir da final da década de 1930. Afinal, os próprios modernistas dessa época já estavam fazendo estas relações desde os primeiros anos do século XX, muitos deles ainda em fase de formação profissional.” (HORMAIN, 2012)

Nesse período, tanto no Brasil como na Argentina, as vanguardas apresentavam um embate entre a defesa de uma modernidade sob influência européia, com a renovação de lin-

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marcel breuer guagens, e a reflexão sobre a identificação e defesa de uma cultura nacional e tradicional. “Essa dinâmica pode ser comprovada no Brasil, pela linguagem neo colonial dos dois arquitetos presentes na Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo, considerada como o ingresso oficial da América Latina nas vanguardas; e pela diversidade semântica da vanguarda argentina, explicitada seja nas diferenças entre o criollismo urbano pregado por Alberto Prebisch, e a revolução estética e política dos intelectuais agrupados ao redor da revista Contra, ou então no paradoxo da residência em “estilo moderno” projetada por Alejandro Bustillo para Ocampo (1929).” (FALBEL, 2009)

O American Institute of Architects (AIA, formado em 1867) possuia um Comitê de Relações Internacionais entre 1920 e 1930, que se mostrou relevante para o fortalecimento da atuação dos arquitetos fora dos Estados Unidos após a Primeira Guerra, principalmente na América Latina. Entre 1927-28 esse movimento se fortalece, tanto de emigração dos arquitetos americanos para a América do Sul e Leste da Ásia, quanto arquitetos estrangeiros mudando-se para os EUA para se formarem. Destacam-se dois exemplos: John P. Curtis que se mudou para o Rio de Janeiro para projetar o Consulado americano na cidade e Edgar Viana, que estudou na Escola de Belas Artes da Universidade da Pensilvânia em 1919 e, ao retornar ao o Rio de Janeiro, torna-se um dos principais expoentes consultados na imprensa e também um dos tradutores de Frank Lloyd Wright no Brasil. Nos anos 30, no período da Grande Depressão Econômica, os países de Terceiro Mundo ganham espaço e certa “autonomia” no cenário internacional, tendo o Brasil apresentado papel determinante no processo ao abrigar imigrantes e brasileiros retornando de estudos no exterior, como Gregori Warchavchik, Rino Levi e Flávio de Carvalho (HORMAIN, 2012). Entre os anos 20 e 30, quando o Brasil experimenta uma relativa expansão econômica, a promessa do modernismo enquanto modelo para desenvolvimento do país durante a Era Vargas parecia ideal, mesmo que a infraestrutura nacional não pudesse suprir as demandas técnico construtivas necessárias a ela. Nesse mesmo período, os Estados Unidos buscavam fortalecer-se enquanto nação hegemônica do continente americano, e o estreitamente das relações econômicas entre a América Latina, Alemanha e Itália levou à adoção da chama-

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arquitetura moderna nas américas da “Good Neighbor Policy” que direcionou toda a política do governo norte americano no período e resultou, entre diversos outros, na substituição do parâmetro de civilização e modernização europeu pelo americano, assim como na relação de colonização cultural entre os EUA e os países da América Latina. Esse conjunto de políticas facilitou a conexão entre os países do continente americano e criou situações mais “amistosas” como a abertura do MoMA para a arte dos países ao sul e favoreceu as trocas culturais e profissionais entre os países. “Que essas iniciativas não eram produto de uma coincidência e sim parte de um plano de construção de uma aliança política ficaria claro no número especial do Boletim (do MoMA) de outubro/novembro de 1942, chamado The Museum and the War, em que se podia ler um trabalho - “A United Hemisphere” - no qual se reconhecia a necessidade de representar a imagem dos latino-americanos na opinião pública dos Estados Unidos, descobrindo novas qualidades e valores em algumas culturas que até então - e especialmente durante o anterior período republicano - só haviam sido julgadas generalizadamente pela ignorância, pelos preconceitos e pelo desprezo. No sentido inverso, tratava-se também de substituir - pelo menos transitoriamente - a imagem do gringo prepotente pela de um vizinho solidário e compreensivo.” (LIERNUR em HORMAIN, p. 38)

Ao mesmo passo que a imposição cultural americana se fortalecia no território brasileiro (e latinoamericano como um todo), outras trocas também eram estabelecidas, tendo destaque a visita e atuação de Le Corbusier em meados dos anos 1930. Demonstrando claro interesse em envolver-se em projetos e não somente em conferências ou palestras, exprime um sentimento compartilhado com outros arquitetos e urbanistas que enxergavam no Brasil um campo de possível experimentação. Em 1934, Lúcio Costa lança em seu livro Razões da Nova Arquitetura uma dura crítica ao modelo americano imperialista, comparando-o ao Império Romano, e apontando que a imposição cultural impressa pelos Estados Unidos “desqualifica, de certa forma, o que a arquitetura americana poderia nos fornecer, e amplia o que a Europa pode nos dar.” (HORMAIN, 2012, p. 22). Lúcio Costa, com suas palavras, lança então um holofote à produção européia, desqualificando a americana e estabelecendo o que pode ser um dos “ganchos” para colocar

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marcel breuer Le Corbusier à frente do processo da produção da arquitetura moderna a partir dos anos da Guerra Fria. Em 1936, Le Corbusier dirige os dois ateliers no Brasil: o do Ministério da Educação e Cultura e o da Cidade Universitária. Esse evento inaugurou a suposta “afiliação” movimento moderno brasileiro ao arquiteto francês, assim como representou um importante marco na trajetória dos arquitetos brasileiros associados ao projeto, Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, os quais se tornaram os maiores expoentes da arquitetura moderna brasileira, principalmente da vertente que viria a ser chamada de Escola Carioca. A historiografia sobre a arquitetura moderna brasileira até os anos 1980 tinha aspecto generalizante e americanizado, desconsiderando parte importante e pioneira dessa produção nacional como a realizada por Warchavchik no período de 1927 a 1933, e reduzindo o chamado Brazilian Style ao trabalho da Escola Carioca na década de 40, liderada por Lúcio Costa. Apesar da arquitetura moderna brasileira desenvolvida a partir dos projetos do Ministério de Educação e Cultura e da Pampulha ter sido a mais reconhecidos no cenário internacional, a obra de Warchavchik e do grupo paulista que liderava é considerada a primeira manifestação de fato da arquitetura moderna no Brasil. “O pioneirismo de Warchavchik na constituição da arquitetura moderna no Brasil é ponto consensual dos estudiosos, unânimes em associar seu nome às origens do racionalismo arquitetônico no país. Se verificarmos a semelhança de sua arquitetura com aquela realizada por Walter Gropius, por exemplo, na mesma época, ainda residente na Alemanha, essa afirmação toma ainda mais significado.” (HORMAIN, 2012. p.58).

Apesar de seu pioneirismo, Warchavchik teve sua importância de certa forma invisibilizada (ou menos valorizada) na época por ter defendido uma visão mais universalizante da arquitetura moderna, enquanto que a visão mais voltada ao “brasileirismo” como caminho para o universal se mostrava hegemônica entre os intelectuais modernos brasileiros contemporâneos a ele. (FAUBEL, 2009) Por fim, o estreitamento da relação entre os países da América mostrou-se uma das principais entradas pela qual o modelo de modernismo americano foi introduzido no Brasil com

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arquitetura moderna nas américas tanta expressividade. Apesar da influência historicamente reconhecida do mestre francês Le Corbusier na produção da Escola Carioca, é indiscutível que a postura imperialista americana absorvida institucionalmente pelo governo brasileiro nos anos 40 - com os preceitos de verticalização e metropolização, destaque para os automóveis, arranhas-céu e a criação de subúrbios, características do desenvolvimento de “novo mundo” estadunidense - moldou, se não a produção arquitetônica, mas a produção das cidades brasileiras a partir dos anos 40 e 50.

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mĂŠtodos construtivos

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A Chamberilain Cottage como inflexão Marcel Breuer, durante sua carreira, percorreu um longo processo de experimentação acerca dos materiais explorados em seus trabalhos. Como já abordado na monografia, percorreu um caminho no design entre a madeira, o aço, o alumínio laminado, o compensado em placas e em lâminas e, finalmente as estruturas modulares. Na arquitetura, de forma análoga e subsequente, explorou o uso de estruturas pré fabricadas em concreto, sistemas construtivos vernaculares em pedra natural e sistemas modulares em madeira, não restrito a um ordem cronológica de uso desses. Ao mudar para os Estados Unidos, Breuer imergiu em um interesse já demonstrado acerca das tradições construtivas estadunidenses, juntamente com sua investigação para formular um novo modo de habitar. Como docente na Harvard University’s School of Architecture, decidiu por mesclar suas lições sobre arquitetura moderna com a simplicidade e clareza da estrutura de madeira tradicional de New England, empregando uma docência mais investigativa do que doutrinadora em seus alunos. A fascinação de Marcel Breuer pelo baloon-framing mostrou-se uma das mais importantes inflexões em sua produção arquitetônica, permitindo uma investigação formal muito semelhante à empregada por ele na produção de design: leve, industrializada, mas ainda assim humanizada ao atentar-se mais à interação entre o corpo e a obra do que à monumentalidade de seus projetos.

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marcel breuer

Essa técnica remonta a passagem do século XIX ao XX, quando a estrutura rígida e linear do baced frame - o método construtivo padrão da américa pré Guerra de Secessão - mostrou-se insuficiente tanto em questão de estilo quanto em questão de técnica. Com o advento da serra circular, a produção de peças serradas mais esbeltas tornou-se mais rápida e barata, assim como a produção de parafusos em escala industrial causou sua popularização e barateamento (GARVIN, 2001). Aliado a isso, um desejo do século XIX por habitações mais elaboradas em planta e elevação, com intersecção de planos e janelas salientes, levou a elaboração de um método construtivo sob a promessa de velocidade, economia de mão de obra e material e flexibilidade de planos: o baloon-framing. Apesar de sua aparente fragilidade, por conta das peças mais esbeltas, o baloon framing destacou-se por sua simplicidade de execução: poderia ser erguido sem encaixes complicados e ser fixado uns aos outros apenas com parafusos, o que causou extrema popularização, sendo adotado até hoje como um dos métodos de construção em light framing tradicional nos EUA.

Por conta de sua experiência com carpintaria na Bauhaus, Breuer acreditava que os painéis leves em baloon frame poderiam ser aperfeiçoados para trabalhar com maior eficiência se acrescidos de uma camada interna de madeiramento diagonal, pois funcionariam como grandes “lajes” ou “vigas” de um pé direito e permitiram grandes aberturas e balanços, antes impedidos pela estrutura regular e frágil do método tradicional. A partir desse aperfeiçoamento de uma técnica tradicional e intersecção com os preceitos modernos trazidos por eles, Marcel Breuer juntamente com Walter Gropius abriram caminhos para a reformulação da arquitetura residencial estadunidense. Apesar de sua simplicidade e tamanho reduzido, a Chamberlain Cottage mostrou-se uma das obras de destaque de Marcel Breuer tanto no quesito arquitetônico como no estrutural. O “chalé” utiliza a os conceitos do prisme pur (prisma puro) corbusiano sem se restringir à estética asséptica da caixa branca e das grandes aberturas; além disso, sua relação de descolamento e elevação com relação ao nível do solo pode ser considerada protótipo para designs subsequentes como o da Farnsworth House de Mies van der Rohe.

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métodos construtivos - chamberlain cottage Quanto a estrutura, as paredes usadas na Chamberlain Cottage foram vistas como um experimento muito bem sucedido realizado por Marcel Breuer, ao ponto que ao sobrepor camadas de madeiramento vertical, horizontal e diagonal, Breuer criou um sistema que funcionava como uma “laje”, o que garantiu o balanço de 2,5 metros da fachada oeste sem a necessidade de adição de nenhuma estrutura em metal ou concreto. Esse uso de materiais laminados pode ser comparado ao uso de madeira laminada em compensado nas cadeiras desenhadas por ele em seu período na Bauhaus. Enquanto no volume principal são utilizados os painéis em baloon frame, no subsolo as paredes são constituídas de pedras naturais e a varanda, acessada tanto pelo jardim como pela cozinha, é concebida em uma estrutura pilar viga que cria uma caixa aberta ao exterior, voltando-se à paisagem de forma muito mais ampla do que as aberturas enquadradas da caixa principal. “The materials used in this cottage are unpainted wood (applied to the braced frame in narrow vertical siding) and local fieldstone, which forms the deeply recessed base for the wooden box on top. The fieldstone appears again on the upper level in the form of a rugged, free-standing fire place. A simple system of box girders and twin columns ties this building together, and gives it an astonishing attitude of unconcern for the usually accepted limitations of structure. The outside walls themselves, acting as solid vertical slabs, help support the deep cantilever, a system which Breuer used again in his own house at New Canaan in 1947.” (BLAKE, 1949, p.71)

O pavimento principal alocado em uma base embutida - um aspecto de design revolucionário à época - continuou a influenciar os designs de Breuer para as “long houses” posteriores e a estratégia de elevar a edificação do solo também se mostrou continuamente presente nas obras em concreto “lightweight” nas décadas seguintes.

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chamberlain cottage

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A obra de Marcel Breuer em parceria com Walter Gropius, Chamberlain Cottage, se localiza na zona rural de Wayland, Massachusetts num terreno de 9 hectares. O projeto foi encomendado por Henry Chamberlain e sua esposa Margareth Chamberlain que procuravam por uma casa de retiro para finais de semana inspirada no alpendre da casa de Breuer em Lincoln. O projeto se desenvolve a partir de uma fundação de pedras elevadas que sobre ela repousa uma caixa de madeira que percorre os sentidos norte e oeste, no sentido oeste o volume ultrapassa as paredes de pedra e fica em balanço, suspensa no ar. No sentido norte se desenvolve o alpendre (inspirado como foi dito anteriormente na casa de Breuer em Lincoln) é todo envidraçado trazendo a vista da paisagem da floresta para dentro da residência caracterizando uma zona de transição entre a floresta e a residência. O acesso ao alpendre pode ser feito por uma escada a partir do jardim e seu piso tem tamanho suficiente para o armazenamento de madeira para a lareira.

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marcel breuer O acesso principal, na fachada sul, é feito através de uma escada com guarda corpo com revestimento distinto do corpo da casa e acoplado a ele, criando uma composição com uma diagonal marcada nessa face do projeto. A escada é construída sem fundação e é pendurada nas vigas de ancoragem do balanço, sem necessidade de adição de estruturas em concreto ou metal, devido ao sistema estrutural bem sucedido experienciado por Breuer nessa construção. Cabe destacar a questão em aberto encontrada durante o estudo sobre a Chamberlain Cottage acerca do acesso da área externa para a varanda, que em algumas fontes é citada como sendo através de uma escada, e em outras como uma rampa. Nos desenho originais de Breuer, o acesso aparece como escada em planta, mas em elevação não é especificado; ao mesmo tempo, podem ser encontrados croquis com representações semelhantes a uma rampa, ainda que não se tenha certeza sobre suas fontes ou autor. O pedido do casal Chamberlain era de uma “casa de campo” pequena, de baixo custo e informal. Apelidada por eles de “shoestring house” (algo entre “caixa de sapato” e “casa apertada”, numa tradução livre), e ela é mais conhecida como cottage, ou seja, um chalé, do que uma residência de fato. O programa pedido por eles incluia um espaço de estar e jantar que pudesse abrigar um convidado em pernoite, um banheiro, estantes para cerca de 500 a 1000 livros, uma mesa e um espaço para armazenamento de um barco de 16 pés. Segundo Isabelle Hyman, “the contour of the boat, stored in the basement, is drawn on the ground plan like a Pharaonic ship in its own sepulchral chamber.” (p. 334). O porão é acessado externamente, por uma porta na fundação de pedras, flanqueadas por paredes também de pedra que se estendem do cubo. O teto plano visava servir como terraço para banhos de sol (HYMAN, 2001). Seu volume é claramente uma forma modernista, uma composição de cubos com telhados planos, além de cômodos em balanço e ângulos exatos de noventa graus, elementos típicos da Bauhaus porém executados de maneira funcionalista. Ela também não se encaixa nas construções modernas de Le Corbusier por não estar sobre pilotis mas sim em uma base de pedras sólidas, não possui janelas de fita e sim caixilhos de moldura padrão (como qualquer casa americana suburbana) e

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Planta do primeiro pavimento

Planta do porão


chamberlain cottage também não é branca, é revestida por madeiras naturais, tento todos os materiais utilizados processados o mínimo possível. Breuer buscou a utilização de materiais (madeira e pedra) e tradições construtivas locais. Com duas entradas separadas, a disposição dos ambientes é dividida em áreas amplas e áreas estreitas por uma linha longitudinal. Cozinha, banheiro e closet ocupam a zona estreita; sala de estar/jantar e quartos ocupam a zona mais ampla. Mas a característica mais proeminente da edificação é a lareira e chaminé, que aparece pela primeira vez em um projeto de Breuer. Em pedra, que parece ter emergido do subsolo tendo tudo disposto em seu entorno podendo assim dividir o ambiente em faixas que criam diferentes zonas de uso, como entre espaços privativos e sociais, mais diurnos ou noturnos, além de separar a sala de estar da de jantar. “More important even than the extraordinary delicacy of this structure is the complete and final assimilation in it of the tradition of New England building to the demands of the new architecture. This cottage is an organic concept; its materials are no longer used self-consciously, in abstract patterns. They are used with the utmost facility and with a sure mastery of technique. Like some of the earlier houses, the Weyland cottage defies nature; but unlike those earlier houses, it is not a brittle product of industrialism. Its “human-contact” surfaces are warm in color and soft in texture, fully satisfying the demands of “human nature.”” (BLAKE, 1949, p. 72)

A Chamberlain Cottage se mostrou um sucesso instantâneo a sua inauguração, tanto para os clientes quanto para o público em geral, tendo a Sra. Chamberlain declarado em uma correspondência a Breuer em abril de 1941 elogiando o projeto mas, ao mesmo tempo, relatando que eles eram constantemente importunados por turistas. “Twenty-nine strangers came on Easter Sunday from Harvard entirely disrupting our egg hunt and Easter celebration.” (HYMAN, 2001, p. 334) Apesar das ótimas soluções construtivas no projeto como um todo, a adoção de cobertura plana não se mostrou a melhor solução para a região com presença de neve. Ainda na primavera de 1941, a construção apresentou problemas de vazamento na cobertura, e o teto de compensado de madeira começou a desintegrar antes de Dezembro de 1941. Breuer e o mestre de obras atribuíram o problema a absorção de umi-

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marcel breuer dade pelo material isolante adotado, a lã de rocha, que por ser um material ainda novo à época, tinha pouco histórico de experiências com ele para evitar riscos do tipo. Uma solução, segundo Hyman (2001), seria fornecer um espaço entre o vigamento e a cobertura para a ventilação dessa região. Breuer ainda apresentaria problemas com a drenagem em seus projetos de cobertura plana até 1950, quando passa a adotar telhados inclinados.

Legado A Chamberlain Cottage bebe da fonte da Ville Savoye (1929) de Le Corbusier e trabalha seu entorno, como já citado na monografia, de forma menos asséptica e mais integrada, mais mesclando-se à paisagem do que destacando-se dela. Com sua base embutida que faz com que a edificação principal pareça “brotar” do solo, tece um design inovador, que é tida como influência de projetos como o da Farnsworth House (1951), de Mies van der Rohe. Com a adoção de materiais totalmente distintos, a Farnsworth House cria uma relação contemplativa com a paisagem, enquanto que a Chamberlain Cottage parece estar mais em contato com ela sem impacta-la de forma brusca. O vidro, principalmente, cria na Farnsworth House a barreira de distinção entre o luxo do interior versus a natureza bruta do exterior. O balanço também é aspecto comum em ambos projetos, sendo o da Farnsworth sustentado pelas colunas laterais que guiam o projeto e o da Chamberlain, pela estrutura de paredes reforçadas criada por Breuer. A relação com o terreno é ainda um terceiro paralelo importante, na qual o projeto de Mies flutua sobre a natureza “selvagem”, enquanto que o de Breuer emerge nela. Apesar das contraposições entre os projetos, a Chamberlain Cottage ainda é apontada como uma referência relevante ao projeto da Farnsworth House, ambos criando uma relação de harmonia (imersiva ou contemplativa) com a natureza, com as linhas claras e ortogonais da Bauhaus aplicadas a eles. A Chamberlain Cottage de Breuer, portanto, mostra sua relevância enquanto ponto de inflexão para a arquitetura moderna posterior a ela, tanto em termos estruturais, quanto formais, tornando compreensível a valorização desse projeto tanto pelo arquiteto, que a considera uma de suas obras mais

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relevantes, quanto pela historiografia como um todo, que mesmo não tendo o mesmo destaque quanto outros projetos supracitados, apresenta-se como importante degrau na concepção desses.

Vista do interior da casa, lareira.

Vista da facahada sul.

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stuyveisant six

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Manhattan A Cidade de Nova Iorque é dividida em cinco distritos (Borough): Manhattan, Bronx, Brooklyn, Queens e Staten Island. Manhattan é o mais antigo (fundado em 1683) e mais densamente povoado desses distritos (1 585 873 habitantes – censo nacional 2010), mas um dos menores quanto extensão territorial. A ilha de Manhattan é estreita e alongada, 21,7 quilomentros de longitude por 3,7 quilomentros de largura, com uma área de 59,1 km2 territoriais, sendo rodeada pelo rio Hudson a oeste, rio East a leste e rio Harlem a norte. O município também abrange outras ilhas, como a Ilha de Randall, a Ilha Ward e a Ilha de Roosevelt, todas a oeste, e a Ilha da Liberdade ao Sul, na baia de Nova Iorque. Manhattan é o centro da cidade de Nova Iorque e, junto ao resto da cidade, é o segundo maior aglomerado de edifícios do planeta, atrás de Hong Kong, na China, e na frente de São Paulo, Brasil. Assim, conta com os maiores e mais importantes edifícios do mundo, como o Empire State Building, Bank of America Tower, Chrysler Building e o recente One World Trade Center. Além disso, na ilha estão os dois maiores centros financeiros da cidade, a Lower Manhattan, ao sul, onde se encontra o coração financeiro do país, a Wall Street; e a Midtown Manhattan. Destaca-se também como um dos maiores centros turísticos do mundo, com pontos marcantes como a Times Square, o Central Park, o Empire State Building, a Quinta Avenida, dentre outros. A organização da ilha se dá de um padrão herdado do Plano de Comissários de 1811. O plano foi o projeto original para as ruas de Manhattan acima da Houston Street e abaixo da 155th Street, que colocou em prática o plano de grade retangular de ruas e lotes que definiu Manhattan até hoje. Tem sido chamado de “o documento mais importante no desenvolvimento de Nova York”, e o plano tem sido descrito como abrangendo a “predileção republicana pelo controle e equilíbrio ... [e] desconfiança da natureza”. Foi descrito pela Comissão que o criou combinando “beleza, ordem e conveniência”. Originou-se quando o Conselho Comum da Cidade de Nova York, procurando prover o desenvolvimento ordenado e a venda da terra de Manhattan entre a 14th Street e Washington Heights, mas incapaz de fazê-lo por razões de política local e objeções de proprietários, pediu à Assembléia Legislativa do Estado de Nova York que interviesse. A legislatura nomeou uma comissão com amplos poderes em 1807, e seu plano foi apresentado em 1811. Assim, o plano propôs a criação de 16 avenidas norte/sul e 155 ruas na direção leste/oeste, no norte da ilha. Entrou em vigor a partir da região de Greenwich Village. As ruas possuem uma largura media de 18 metros e as avenidas, devido a maior frequência de uso, possuem 30 metros. Principalmente por conta dessa organização, Manhattan pode ser dividida em três partes: Downtown, sul histórico da ilha; Midtown, área de negócios mais importante dos EUA; e Uptown, predominantemente residencial.

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marcel breuer A análise do plano urbano desenvolvido por Marcel Breuer se baseou no artigo da revista Pencil Points do próprio arquiteto: “Stuyvesant six: a redevelopment study”. O projeto para Stuyvesant Town, em Manhattan é conjunto de uma série de projetos urbanos que aconteceram no período da grande crise de 29 e da depressão da guerra. Esse contexto necessitou e viabilizou a construção habitacional em massa, tanto pela demanda, quanto pelos incentivos políticos e econômicos, quanto pelos diversos estudos dedicados a esse tipo de construção, rápida, eficiente e de baixo custo. Robert Moses planejou esse conjunto para classe média branca, mas de início foi habitado por veteranos de guerra e suas famílias. Esse coordenador possuiu uma variedade de escritórios em Nova Iorque durante sua carreira, em 1934 se tornou o primeiro comissionário do Departamento de Parques de Nova Iorque. Era muito influente como governante e figura pública e famoso por suas obras em larga escala que deram a ele a fama de “master builder” ou “Power Broker”. Tinha um poder de articular diversas escalas políticas, públicas e econômicas para fazer as obras acontecerem. Eticamente questionáveis, as práticas de Moses resultaram em rodovias, pontes, parques, habitações, centros cívicos e pavilhões de exposição. O período em que se insere o plano para Stuyvesant Town, e também o de Breuer Stuyvesant Six foi iniciado em 1930 quando o presidente Roosevelt começou o investimento em habitação com o programa do New Deal, compondo um conjunto de ações em resposta à grande depressão, ações para levantar um país destruído pela guerra e pela crise. No período pós Segunda Guerra a cidade de Nova Iorque se deparou com escassez de casas para veteranos de guerra, Moses, que então ocupava o cargo de coordenador de habitação, uniu as possibilidades do New Deal com o problema habitacional. Para viabilizar as obras, Robert Moses trabalhou com o consultor da New York City Corporation, Paul Windels, da State Insurance com o superintendente Louis Pink e o Comissário de Habitação do Estado Edward Weinfeld na Lei de Recuperação de Empresas (RCL) de 1942. A RCL permitiu que a cidade exercesse domínio eminente, a fim de montar parcelas de ter-

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stuyvesant six ra em nome de desenvolvedores privados. Em troca, os desenvolvedores foram obrigados a encontrar habitação adequada para os moradores deslocados de áreas a serem redesenvolvidas, construir parques e ruas e colocar limites de aluguel na habitação para a duração da isenção fiscal do desenvolvedor. Dessa maneira, a relação público-privada na construção da cidade é consolidada. A parceria que desenvolve Stuyvesant Town é entre a cidade de Nova Iorque e a Metropolitan Life Insurance Company (MetLife). Stuyvesant representa um investimento de escalas e caráter inovadores, o encorajamento dos projetos ligados ao capital privado, mas além disso se mostra uma nova solução para os problemas econômicos, sociais e arquitetônicos.

O projeto O projeto desenvolvido pelo MetLife se trata de um complexo habitacional inaugurado em 1947. Foi o maior conjunto de reurbanização construído nos Estados Unidos, com 8.755 apartamentos distribuídos por prédios em forma de cruz, ocupava 18 quarteirões da quadriculada Manhattan. O projeto, pensado em 1942, arrasou a antiga área conhecida como Gas House District entre a 14º e a 27° ruas de Manhattan. Esse nome é dado devido à alta concentração de tanques de armazenamento de gás que existiam no local, devido à essas construções o local se tornava vulnerável e desvalorizado, os vazamentos faziam com o que a região fosse indesejável para habitar, de modo que os residentes eram, em sua maioria, pobres e irlandeses, se tratando de uma área marginalizada, havendo atuação de gangues e forte repressão das autoridades. Na época o local possuía cerca de 3000 famílias, 500 lojas, pequenas fábricas, 3 igrejas, 3 escolas e 2 teatros. O acordo feito com a empresa concorda com a remoção de residentes, suspensão do imposto por 25 anos e concessão de ruas. Cerca de 11.000 pessoas foram forçadas a se mudar, o projeto de Stuyvesant se torna significativo por ser o maior movimento de massas de famílias na história de Nova Iorque. Em 1930 foi construída uma grande via que começou a mudar a ocupação do local, reduzindo o número de tanques de ar-

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marcel breuer mazenamento de gás, consequentemente, mudando o perfil socioeconômico que habitava o espaço. Quando aprovado o investimento significava a promessa habitacional para famílias de classe média em Manhattan. O projeto sofreu influências fortes do urbanismo europeu, com ideias como as torres cercadas por parques e principalmente os planos utópicos de Le Corbusier, trazendo a proposta dos arranha-céus intervalados por parques, o protagonismo do automóvel, as vias arteriais, o tráfego intenso, todas as propostas utópicas do arquiteto francês influenciaram o desenho de Breuer e o desenho que foi construído para a Stuyvesant Town. “From the point of view of the architects, theorist-practicioners such as Sert or corporate practicioners such as Gordon Bunshaft, the “tower in the park” was legitimized as a progressive vision by its association with European theory, especially with Le Corbusier, who was emerging as the most powerful single international architectural “hero” of the postwar period. From the point of view of Robert Moses, New York’s most powerful bureaucrat, the “tower in the park” was ideal as a forceful emblem of reform, which could sustain universal application in a myriad of neighborhoods, and at a low cost that tended to maximize profits to the development community…Robert Moses was the catalyst and buffer between theory and practice. He gave the ‘tower in the park’ final economic and political credibility, and also its incredible design mediocrity.” (SPEED, 2018, p. 33)

O projeto se apresentou controverso por ser uma introdução às seguradoras e bancos ao campo de limpeza urbana e de favelas, antes de domínio público, instaurando uma nova parceria público-privada. Abriu espaço para várias críticas como: liberdade da empresa de selecionar e discriminar inquilinos, além de outros tópicos geradores de exclusão que eram plausíveis em uma parceria como essa. O racismo, por exemplo, foi um ponto forte no debate, houve a tentativa de introduzir uma cláusula que impedia a discriminação racial e religiosa na seleção dos inquilinos, porém não foi aceita. Dessa maneira, negros foram impedidos de viver no complexo. O projeto foi feito sem participação pública e às pressas, violava vários pontos do plano diretor da cidade, sofrendo com

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stuyvesant six a falta de equipamentos públicos, a privatização do espaço público e negação dos cidadãos ao direito de caminhar por parte da cidade. Embora refletisse as sensibilidades arquitetônicas da época, o design de Stuyvesant Town já era contestado por arquitetos no momento de sua concepção. Por exemplo, o arquiteto húngaro Marcel Breuer desenvolveu um esquema alternativo para o Stuyvesant Local da cidade, que substituiu o planejamento concêntrico por uma organização axial.

A crítica de Marcel Breuer Marcel Breuer se posiciona em relação ao plano para Stuyvesant. O arquiteto apoia a parceria público-privado e enfatiza a importância do estudo arquitetônico do conjunto construído, afirma que o projeto tem vários aspectos econômicos e sociais por se tratar do interesse público.

Projeto do MetLife para Stuyvesant Town, 1942

A proposta do MetLife foi recebida de forma bem negativa (com objeções quanto à discriminação racial) em questão arquitetônica por se tratar de um plano vulnerável (que acabou em audiências públicas). Porém, no final o projeto foi aprovado. Mesmo sendo categorizado como problemático arquitetônica e socialmente, vários arquitetos se debruçaram ao caso de Stuyvesant para pensar em alternativas mais humanizadas e propor melhoramentos, tanto para a escala do indivíduo quanto para a escala urbana do plano que seria colocado em prática. Dessa maneira, diante do plano do Metropolitan os arquitetos geraram situações hipotéticas para o desenvolvimento da área urbanística e de planejamento. Marcel Breuer é um desses arquitetos. Seu esquema não é considerado ideal, mas se apresenta como uma evolução considerável para os próximos projetos urbanos e deve ser melhorado a partir dele também, com o tempo.

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marcel breuer

Stuyvesant Six, proposto por Breuer em 1943.

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stuyvesant six Breuer insiste, principalmente na questão da densidade urbana, afirmando que enquanto muitos especialistas consideram essa densidade elevada das metrópoles como algo negativo (citando congestionamentos, favelas, problemas de higiene, problemas sociais e econômicos), ele acredita que se opor a um modelo tão consolidado não faça sentido, o ideal seria pensar como ele pode se tornar algo positivo: “They have a practical and psychological fascination which undeniably attracts numbers of people. One of the basic elements of this attraction is the concentration, the nearness of a great any things to each other; the choice, or the illusion of a choice between many possibilities.” (BREUER, 1944, p. 69) Dessa maneira, afirma que a qualidade de vida não pode ser medida pela quantidade de habitantes por metro quadrado, segundo ele esse cálculo não é confiável e se trata de um dado insignificante, afirma que dependendo da tipologia e economia local, espaços podem produzir favelas e congestionamentos: “the element of planning in both physical and economic sense is of more import than the element of density” (BREUER, 1944, p. 70). O que Marcel Breuer conclui é que o planejamento é baseado em satisfazer os recursos humanos e que a alta densidade tem vantagens: 1. solução de problemas de tráfego, 2. Solução de problemas de manutenção, 3. Solução de problemas de administração cívica, 4. criação de grandes áreas vagas, intermediárias e metropolitanas desenvolvimentos previstos, como aeroportos, estações de helicópteros, etc. O redesenho de 18 quarteirões da cidade de Nova Iorque vem como um experimento revolucionário quanto ao planejamento urbano e investimento de capital. Mas as críticas principais são: pela falta de instalações comunitárias, para isenção fiscal, para segregação, para a densidade da terra usados. Breuer, por outro lado sente falta de crítica ao projeto em si, da análise mais profunda da vida das pessoas que vão habitar os edifícios. Críticas como conforto térmico, distâncias a se percorrer, privacidade, problemas que ele acredita que não seriam tão facilmente resolvidos no projeto inicial sem o aumento de gastos.

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marcel breuer O objetivo do arquiteto húngaro era o de repensar e analisar problemas para a habitação do pós-guerra, de criar uma situação não utópica, aplicável, mas que leve em consideração aspectos excluídos pelo projeto aprovado pela corporação. Breuer primeiro concebeu o bloco de lajes, os edifícios de elevadores retangulares dispersos em um cenário verde, como uma forma de habitação de baixo custo em 1924 (estudo de habitação de baixo custo vertical). A lâmina como escolha para a habitação em massa aparece como alternativa mais barata, soluções baratas permitiriam que os custos de moradia se abaixassem também, permitindo maior democratização do aluguel. O projeto de Stuyvesant Six, de 1943, faz propostas novas em relação ao plano, com a densidade 19% menor, distância satisfatória entre as janelas, parques e áreas de lazer para a comunidade. “Stuyvesant Six” sugere: ventilação Cruzada, (para conseguir isso sem perder na eficiência do elevador, um novo tipo de prédio de apartamentos tinha que ser inventado. Em cada ala em três lados de uma central torre de comunicação, a cada andar pode ser chamado intermediário (como representado na imagem), a privacidade nas janelas, o conforto térmico possibilitado pela entrada de sol e luz, a existência de varandas e depósitos, um diferente uso do solo, com jardins e áreas de recreio, estacionamentos adjacentes às entradas, lojas e instalações comunitárias (que deve ser de acesso fácil sem cruzar vias de carros), escola para 1200 crianças, parque, auditório, ginásio. “For many reasons it would be, I believe, not only socially just but economically soud to provide these Community facilities. A complex such as this, with its 20,000 to 25,000 people, should represent an element of the metropolis dependent on its surroundings only for its traffic lanes, civic administration, and job possibilities” (BREUER, 1944, p. 116)

Outro projeto urbano também proposto por Breuer é o estudo do redesenvolvimento de potencialidades de uma área de 24 acres em Boston, ao contrário do que acontece em Manhattan, o caso aqui não é condicionado por requisitos de alta densidade. Em Boston 1000 famílias seriam abrigadas em um projeto com instalações comunitárias

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Stuyvesant Six, proposto por Breuer em 1943.


Comparativamente, maior liberdade no uso de terra é evidente, com prédio de 12 andares, com varandas privativas no lado mais vantajoso e corredores externos contínuos ao longo do lado de acesso, modelo de grande sucesso na Europa. Algumas inovações dadas como práticas são características e revelam a forma de pensar o urbano no moderno: uma praça comunitária, a garagem no subsolo, pátios escolares e uma circulação em áreas acima. A maior parte da área aberta ao norte da comunidade o edifício torna-se um parque tranquilo e um espaço de recreação para adultos e crianças. A operação se daria por uma corporação ou cooperativa. Com base nos preços e custos da terra de 1940, o aluguel adequado seria de US $ 14,75/mês, incluindo custos de paisagismo, novas ruas e serviços públicos.

Stuyvesant Six, proposto por Breuer em 1943.

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consideraçþes finais

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A realização da monografia foi uma importante experiência de aprendizado, no sentido de possibilitar o entendimento de diversas esferas do modernismo, na Europa e no mundo ocidental como um todo. Breuer foi um arquiteto e designer muito relevante no cenário da época, trazendo uma perspectiva inovadora, através de seus experimentos e embasamento empírico de suas obras. Breuer foi responsável por uma ampla produção e, por isso, tentamos trazer nessa monografia trabalhos de diferentes ramos - arquitetura com a Chamberlain Cottage, design com a Cadeira Wassily e urbanismo com a Stuyvesant Six. Breuer participou dos diferentes momentos do movimento moderno e se adaptou a cada um deles, se desenvolvendo enquanto profissional e criticando suas obras. Fora do período de análise deste trabalho, Breuer passou por novas fases, sendo uma das mais importantes o brutalismo, fase na qual produziu algumas de suas obras mais relevantes, como o Met Breuer, em Nova Iorque. Por sua associação, desde o início da carreira, com a modernismo alemão e a Bauhaus, combinando habilidades técnicas, materiais e o próprio objeto, ganhou destaque pelos inúmeros móveis desenhados em design industrial e sua diversidade e inovação com o uso do aço. No ramo da arquitetura, a Chamberlain Cottage se destaca como uma de suas obras de destaque, tanto no quesito arquitetônico, quanto estrutural. As paredes fazem parte de um experimento bem sucedido, desenvolvido pelo arquiteto, enquanto que o volume principal traz painéis de baloon frame. As técnicas usadas na casa, foram aplicadas em outros projetos de Breuer, sendo aperfeiçoadas ao longo do tempo. A Stuyvesant Six começa com um projeto de habitação, que compunha um conjunto de respostas para levantar um país destruído pela Guerra e pela crise. Tem grande importância, não só pelo projeto, que não chegou a ser executado, mas pela crítica que o próprio Breuer fez a ele. Vale ressaltar que Breuer, apesar de sua importância e caráter inovador, não é um arquiteto que recebe o devido destaque, não sendo estudado a fundo em nosso curso. Em sua própria carreira, algumas de suas obras não foram reconhecidos na época, com destaque especial para a cadeira Wassily, que não repercutiu como esperado quando de sua criação. Ademais, a monografia foi uma importante oportunidade de estudo, nos possibilitando entender com maior clareza as consequência da Primeira Guerra no modo de vida da Europa e das Américas, além da compreensão do design industrial, da Bauhaus e dos desdobramentos do modernismo enquanto movimento artístico e arquitetônico para o modo de vida e as cidades da sociedade moderna.

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bibliografia

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