CANAIS: PROJETAR AS SOCIABILIDADES PARA ALÉM DAS MARGENS EM BELÉM Marcela Cordeiro Carneiro
Trabalho de Graduação Integrado
CANAIS: PROJETAR AS SOCIABILIDADES PARA ALÉM DAS MARGENS EM BELÉM Marcela Cordeiro Carneiro
Instituto de Arquitetura e Urbanismo IAU.USP São Carlos/SP . Fevereiro de 2021
CANAIS: PROJETAR AS SOCIABILIDADES PARA ALÉM DAS MARGENS EM BELÉM Trabalho de Graduação Integrado Instituto de Arquitetura e Urbanismo IAU.USP Marcela Cordeiro Carneiro
Comissão de Acompanhamento Permanente (CAP) David Moreno Sperling Joubert José Lancha Luciana Bongiovanni M. Schenk Coordenador de Grupo Temático Tomás Antônio Moreira
Banca examinadora
David Moreno Sperling Instituto de Arquitetura e Urbanismo - USP
Tomás Antônio Moreira Instituto de Arquitetura e Urbanismo - USP
Paulo Sérgio Teixeira Universidade Metodista de Piracicaba
AGRADECIMENTOS
À Patrícia e Luiz, pelo incentivo, compreensão e amor incondicional. Esse olhar sobre nossa cidade tem muito do que construímos juntos. A cada uma das amigas e amigos, pela jornada compartilhada e por todos os momentos que criamos jutnos. Vocês são minha inspiração, emoção e alegria. Ao tempo e aos processos.
ÍNDICE introdução sobre a cidade, o sujeito urbano e a coletividade
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ação percepção
belém, metrópole ribeirinha
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território alagado água, cidade e espaço público
canais: projetar as sociabilidades para além das margens
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plano urbano estudo de caso proposta
considerações finais
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referências bibliográficas
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anexo: pranchas síntese de projeto
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INTRODUÇÃO
Sendo assim, o projeto se propõe a conectar a ampliação e democratização dos espaços públicos através dos canais de drenagem da cidade, trazendo esse elemento renegado ao primeiro plano, e reestruturando as sociabilidades na cidade através deles. Como forma de responder a esse desafio, é eleito um dos canais como estudo de caso e a proposta é pensada de forma a articular três elementos: espaço público, infraestrutura de drenagem e relação com a água. Por fim, para o desenvolvimento do projeto foi importante passar por diversas escalas, do corpo ao plano urbano, de forma a provocar reflexões e alternativas à tríade sujeito, coletivo e cidade, compreendendo a relevância de cada uma delas no estabelecimento de novas percepções e narrativas e para a cidade de Belém. Palavras-chave: Espaço Público. Planejamento Urbano. Sociabilidades. Canais Urbanos. Belém.
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O Trabalho de Graduação Integrado aqui apresentado parte de uma investigação teórica acerca da produção do espaço urbano contemporâneo e seus impactos na constituição das sociabilidades entre o indivíduo, habitante da cidade, o outro, enquanto coletivo social, e o próprio território enquanto espaço de disputa de ocupação e narrativa. Enquanto investigação projetual, olha para a cidade de Belém, capital do estado do Pará, em busca das relações estruturais e simbólicas entre o espaço público e os habitantes da cidade e encontra no controverso movimento de negação e atual reconquista da margem fluvial uma brecha para propor alternativas a essas relações.
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SOBRE A C URBANO
CIDADE, O SUJEITO O E A COLETIVIDADE
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parte 1
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17 O espaço urbano é resultado físico de fenômenos, acordos e principalmente, conflitos sociais. Ele, ao mesmo tempo em que é consequência desses processos, é também estruturado de forma a mantê-los e potencializá-los, tornando-se responsável pela criação de mecanismos de controle complexos, que atuam na subjetividade dos indivíduos e diretamente em suas percepções sobre si próprio enquanto componente da estrutura urbana. A investigação aqui proposta parte de uma interpretação sobre a produção do espaço urbano, que através da criação de consensos induz também à produção de um sujeito urbano passivo e à supressão de seus potenciais como causadores de mudanças nessa estrutura. A partir destes conceitos é possível construir um entendimento sobre a relação sujeito-coletivocidade, que justifica a característica multi escalar do exercício de projeto.
AÇÃO A constituição da sociedade fragmentada
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Harvey (2012), em Cidades Rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana, aponta que a cidade foi, desde o princípio, moldada a partir da acomodação social e geográfica de um excedente de produção, conformando uma representação física de um fenômeno de classe. Sob o modelo capitalista essa situação é potencializada, tendo em vista que esse sistema tem como premissa a geração constante de excedente de produção para que possa produzir a maisvalia – o lucro –, o cerne de seu sistema. Sendo o excedente (de capital e de mão de obra) um dos principais insumos das obras de urbanismo, a cidade se torna não apenas resultado, mas também instrumento de absorção e reinvestimento do lucro, gerando uma relação íntima entre desenvolvimento do capitalismo, urbanização e segregação socioespacial. Esse movimento de absorção de excedente pela urbanização levou às diversas transformações de escala do processo urbano. Desde as obras Haussmanianas em Paris no século XVII, que buscaram reinserir o capital monetário e a mão de obra excedente na transformação da cidade, passando pelas grandes obras de infraestrutura e suburbanização de Nova Iorque implementadas por Robert Moses durante do século XX e, na atual conjuntura, atingindo uma nova escala, chegando a um nível global de urbanização. Harvey (2012) aponta a urbanização da China nos últimos vinte anos como caso mais expressivo dessa “hiperurbanização”, ou desse “novo urbanismo”, mas também afirma que esse é só o cerne de um processo de urbanização de caráter global, baseado em booms imobiliários, em projetos urbanísticos tecnicamente mirabolantes e ambientalmente absurdos, na promoção de eventos de escala global e na expansão de infraestruturas que se adequem ao competitivo modelo de “cidade global”, tanto no parâmetro infraestrutural, com a construção de grandes aeroportos, parques científicos e enormes centros comerciais, como também no parâmetro midiático, gerando paisagens ao mesmo tempo mais sedutoras e mais genéricas, adaptadas à tendência estética global.
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Todos esses processos, em suas distintas escalas, foram baseados na violência – referida por Harvey também como destruição criativa – contra as camadas sociais de menor renda, que são sistematicamente desapropriadas e deslocadas pelo território das cidades em prol do redesenvolvimento urbano e de benefícios supostamente públicos. O novo urbanismo territorializa a segregação social capitalista (percebido nos processos de periferização e favelização das cidades) e, com isso, retira das massas urbanas “todo e qualquer direito à cidade” (HARVEY, 2012). Morar, circular, trabalhar, conviver, todos são direitos cada vez mais negados às massas populares e concentrados nas mãos de uma “pequena elite política e econômica com condições de moldar a cidade cada vez mais segundo suas necessidades particulares e seus mais profundos desejos” (HARVEY, 2012, p. 63). “A qualidade da vida urbana tornou-se uma mercadoria para os que têm dinheiro, como aconteceu com a própria cidade em um mundo no qual o consumismo, o turismo, as atividades culturais e baseadas no conhecimento, assim como o eterno recurso à economia do espetáculo, tornaram-se aspectos fundamentais da economia política urbana [...]. A tendência pós-moderna a estimular a formação de nichos de mercado, tanto nas escolhas de estilo de vida urbano quanto de hábitos de consumo e formas culturais, envolve a experiência urbana contemporânea em uma aura de liberdade de escolha do mercado, desde que você tenha dinheiro [...].” (HARVEY, 2012, p. 46)
A expansão do capitalismo a partir da globalização da economia levou a uma urbanização também globalizada, generalizante, que se utiliza de um “manual” de espetacularização e empresariamento para a produção de seus espaços e que prioriza a proliferação de espaços direta ou indiretamente ligados ao consumo, generalizando a mercantilização da experiência urbana, como apontado por Harvey (2012). Isso resulta em dois nichos principais de empreendimentos urbanos: a profusão de espaços de consumo considerados como legítimos espaços de coletividade, como os shoppings centers, e a priorização de obras que sejam
estrategicamente localizadas em zonas de maior concentração de renda na cidade, por propiciar valorização e, com isso, maior geração de capital.
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Essa estratégia de empreendimento urbano pontual ligado à “valorização e reprodução ampliada do capital dominados pela financeirização” é o que Vera Pallamin (2015) comenta como principal mudança conceitual na forma de intervir nas cidades. Em oposição a uma análise sistêmica e englobante das quais os planos urbanos se encarregaram, o que se tem hoje são “intervenções pontuais, localizadas e desconectadas entre si”, implementadas como estratégia de gentrificação e mercantilização compulsiva, numa escala jamais vista das cidades (PALLAMIN, 2015). Essa lógica de conformação das cidades, portanto, leva a uma urbanidade ao mesmo tempo homogeneizada, em termos de uma ocupação regulada pela capacidade de consumo; fragmentada, pela valorização exacerbada dos direitos de propriedade privada com a consequente formação de “comunidades muradas e espaços públicos mantidos sob vigilância constante” (HARVEY, 2012, p. 48); e individualizante, cujo modelo de socialização segue a ética neoliberal de intenso individualismo (HARVEY, 2012). As noções de coletividade, identidade urbana, cidadania e pertencimento são fortemente abaladas – ou em visões mais pessimistas, impossibilitadas – frente ao individualismo e fragmentação tão potentes.
O sujeito passivo
“A passividade corresponde a uma acomodação nociva, cujas razões estão dadas na fragmentação do fenômeno urbano, e, por outro lado, manipulação do cotidiano, na medida em que este se torna objeto da organização social. Em tais condições, que são o chão no qual germina a sociedade burocrática de consumo dirigido, o uso desaparece ou cai no silêncio, que, de resto, não é outra coisa senão a passividade, ou aquilo a que o habitante urbano chama satisfação (...)” (VELLOSO, 2016, n.p)
O que Velloso aponta aqui é a criação de uma noção de normalidade na ausência de poder por parte do indivíduo e, com isso, uma noção limitada e limitante sobre si, sobre as estruturas de governança e sobre a sua própria vivência urbana, mas que é interpretada como uma satisfação por estar cumprindo o papel a que foi designado: o de espectador. A atitude passiva demarca o sujeito vivendo sob regime do espetáculo, “alheio de tudo, não merecedor de nada” (DEBORD apud VELLOSO, 2016, n.p), ao qual lhe basta e lhe convém apenas observar o desenrolar dos fatos e das decisões sem intervir. O espetáculo é a sociedade sem a comunidade, afirma Debord. O regime do espetáculo cria não somente o indivíduo passivo como também uma incomunicabilidade coletiva que reitera a noção de que a única semelhança entre
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Um dos produtos resultantes dessa urbanização que mais interessam esse trabalho é a noção de passividade ao mesmo tempo imposta e assumida pelos sujeitos urbanos. Retirado seu poder de apreensão e decisão sobre o território, o indivíduo é tranquilizado pela figura do especialista, assumindo uma posição de passividade não apenas no âmbito da ação, mas também das preocupações envolvidas nas decisões sobre a cidade. Rita Velloso (2016) aponta que o resultado na dominância da opinião do especialista sobre a cotidianidade é esse espaço petrificado no qual a submissão do indivíduo passa a ser não apenas tolerada como também aceita.
si é a condição de um viver em conjunto, empobrecendo a comunicabilidade e a vida urbana. A coletividade é suprimida enquanto ideia, pois a comunicação é unilateral - do espetáculo para o espectador passivo -, retirando do sujeito sua subjetividade e assim, condenando-o ao isolamento e a comunicação inautêntica entre os indivíduos.
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“A própria justificação da sociedade existente como a única possível proferida repetidamente pelos instrumentos do espetáculo baseia-se nessa unilateralidade da comunicação. “O espetáculo é o único a falar sem esperar a mínima réplica, condena quem ouve a jamais replicar, o que equivale à passividade na contemplação”.” (VELLOSO, 2016)
O sujeito como espectador não reflete, apenas absorve a realidade à qual é submetido. É retirado junto com a sua subjetividade a capacidade de imaginar outras realidades e, desassociado de outros sujeitos, é também impossibilitado de gerar trocas que levem à criação de reflexões coletivas. A contemplação é o que lhe compete e mesmo que a realidade apresentada não seja satisfatória, o papel de espectador o é.
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PERCEPÇÃO “(...) o potencial é, obviamente, é mover a fronteira entre quem é o autor e quem é o receptor. Quem é o consumidor, se você quiser, e quem é o responsável pelo que alguém vê. Eu acho que existe uma dimensão socializante em, digamos, mover essas fronteiras. Quem decide o que a realidade é?”
Combater a passividade O contrário da passividade é a ação. Entretanto, a ação consciente é ligada a uma compreensão da totalidade na qual ela se insere. A superação da noção de um poder central, ao qual estamos subordinados e, mais ainda, da desconexão entre o espaço edificado, o espaço urbano e o território de forma ampla é o que Velloso (2016) aponta como a noção totalitária fundamental para que se possa imaginar possíveis mundos alternativos. “Só a compreensão do cotidiano numa totalidade cria espaço para experimentos mentais” (VELLOSO, 2016, n.p). Para contestar o sujeito em estado de espectador é necessário que haja um sujeito oposto que possa confrontá-lo em sua passividade. Esse sujeito oposto é dotado de uma subjetividade radical que opera através dos acontecimentos, da percepção da realidade, de si e dos contextos e através deles se permite construir imaginários próprios para alternativas de mundo (VELLOSO, 2016). A compreensão do todo o permite visualizar possibilidades que não àquelas que são impostas; a percepção da totalidade é o primeiro passo para a validação das subjetividades e, através delas, o rompimento da passividade.
Dan Graham, instalação Public Spaces/Two Audiences (1976). Fonte: You May Find Yourself, 2012.
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Olafur Eliassom, 2010
O espelho toma aqui o papel de abrigar esse mundo imaginário, virtual, no qual há o deslocamento do sujeito através do espaço visível mas irreal que existe “dentro” do espelho. O espaço da obra supõe o deslocamento físico e perceptivo do espectador como formas de reflexão sobre a situação normativa: a relação entre o público e o objeto no espaço da arte, comumente passiva. É através dele que há a contestação do que é real e do que não é; o questionamento do corpo, do espaço e do outro, trazendo à tona o sujeito que confronta a passividade de si próprio.
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Jogos de percepção como esse são explorados, no campo da arte, pelo artista Dan Graham em uma série de obras nas quais ele discute as relações entre o objeto e o público convencionadas pelo espaço da arte. Através de espaços que exploram as diferentes compreensões que o público consegue estabelecer entre a obra, o público, o espaço e o artista, Dan Graham tece um suporte à subjetividade do observador, deslocando-o de sua passividade espectadora e colocando-o em constante movimento de relevância para a compreensão do todo. Na obra Public Spaces/Two Audiences (1976), por exemplo, Dan Graham cria um jogo de visualidades provocado por um ambiente conformado por espelhos e planos de vidro, no qual a instalação coloca os observadores a observarem as outras pessoas interagindo com a obra, ao mesmo tempo em que possibilita uma auto observação através do reflexo e também um “achatamento” desses personagens, visualmente sobrepostos e aglutinados como um grupo social (de espectadores), mas que leva a uma percepção de si próprios e do ambiente em que se inserem.
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No espaço da cidade, a compreensão da totalidade é profundamente complexa; entretanto, as reflexões sobre a relação entre o corpo, a cidade e o outro se tornam possíveis quando o indivíduo, assim como na obra, é provocado constantemente a se colocar em primeiro plano, como agente, em segundo, como coletivo, e em terceiro, como componente da cidade, tecendo através dessas sociabilidades novas possibilidades de urbanidade. Olafur Eliasson (2010) aponta que a compreensão do corpo como parte do espaço, ao invés da ideia do corpo como observador dele, é algo que traz uma noção de consequência ao sujeito, pois ao perceber a tangibilidade do espaço, o sujeito sente a possibilidade de alterá-lo ou, ao menos, de imaginar possibilidades a ele.
Coletividade como proposta
O que se percebe, então, é que para imaginar outras possibilidades de sociedade é fundamental que se combata a comunicação unilateral e se instaure uma comunicação ativa. Para isso, Velloso (2016) aponta dois movimentos de resistência ao espetáculo: uma, no campo individual, é o engajamento do corpo e dos gestos no espaço urbano, apontada como a primeira dimensão da revolução política e transformação do espaço. É a partir dela que se dá o primeiro âmbito de significado da arquitetura e da relação entre a percepção do corpo e sua relação com o espaço, permitindo imaginar e inaugurar uma alternativa inicialmente utópica ao espaço atual existente. No entanto, esse engajamento individual do corpo à experiência urbana, o qual é denominado práxis urbana por Lefebvre, não seria suficiente se realizado individualmente, pois somente a realização da subjetividade individual em uma forma coletiva, que possa potencializá-la, seria capaz de revolucionar a percepção cotidiana sobre os habitantes e sua própria vivência urbana. Estar
O esvaziamento da noção de coletividade leva também a um esvaziamento do espaço físico da coletividade. Desconectado da esfera do consumo, o espaço público é condenado ao esvaziamento; aliado ao consumo, mantém a alienação dos sujeitos submissos à condição de espectadores. O que se quer apontar aqui, então, é essa ilusão promovida pelo espetáculo urbano e pela conformação neoliberal dos espaços nas cidades – a sensação de uma alteridade quando na verdade, se promove segregação e homogeneidade – e impacto que tem no esvaziamento do potencial dos espaços públicos em serem palcos de disputa pelo direito à cidade. O trabalho se coloca, assim, em uma posição de investigação acerca de formas de estruturar sociabilidades no território que tragam ao primeiro plano o sujeito, suas subjetividades, auto percepções e sua relação com o coletivo e com a cidade, para assim, buscar formas de romper a unilateralidade do discurso de configuração da cidade, abrindo espaço físico e imaterial para a imaginação de possibilidades outras de configuração das sociabilidades e do próprio espaço.
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presente no “uso da cidade” é instaurar uma atitude revolucionária frente à imposição de uma atitude espectadora, passiva, e realizála de forma coletiva. carregando uma consciência de subjetividade individual é dar subsídios para momentos de espontaneidade e manifestações de alternativas à dominação espetacular (VELLOSO, 2016).
METRÓ
BELÉM, ÓPOLE RIBEIRINHA
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parte 2
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Olhando Belém, Nilson Chaves
desenho de andrés sandoval (disponível em: http://www.andressandoval.com/projetos/patterns/artigos-sobre-milton-hatoum/)
Sou mais um brasileiro Olhando Belém enquanto uma canoa desce um rio E o curumim assite da canoa um boing riscando o vazio Eu posso acreditar que ainda da pra gente viver numa boa Os rios da minha aldeia sao maiores do que os de Fernando Pessoa ( e o sol da manha rasga o ceu da Amazonia ) Olhando os meus olhos de verde e floresta Sentindo na pele o que disse o poeta Eu olho o futuro e pergunto pra insonia Sera que o Brasil nunca viu a Amazonia E vou dormir com isso Sera que e tao dificil
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localização do território
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área: 1 059,458 km² habitantes: 1 492 745 hab. densidade habitacional: 1 409 hab./km²
TERRITÓRIO ALAGADO
Dentre as diversas características que constituem este território, a água é um elemento que permeia diversos deles: desde a relação portuária que levou à estruturação da cidade como tal; o clima equatorial que a coloca como a cidade mais chuvosa do país; as médias de temperatura que fazem com que o suor seja característica das vivências na cidade; os constantes alagamentos que as soluções urbanísticas de conquista por terra firme impuseram à população; a cultura ribeirinha que a vida à beira rio proporcionou; a coloração barrenta marcante da paisagem que margeia o território; todos trazem ao primeiro plano as diversas relações que a cidade e seus habitantes têm com esse elemento da natureza tão potente e característico da cidade. Ao notar essa potencialidade, tanto em termos de conflito quanto como um assunto comum à diversas camadas da sociedade, o trabalho toma a noção de metrópole ribeirinha como mote para tecer diálogos entre o espaço e o sujeito, com a água como elemento de tecitura para analisar e agir no território. Para analisar essas relações, é feito um recorte a partir do centro histórico da cidade, estendendo-se aos bairros inseridos em um raio de aproximadamente 4km do centro dele, por entender as camadas históricas que essa região pode apresentar para a discussão.
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Ao olhar para a cidade de Belém, é impossível ignorar a expressividade que a confluência entre as águas do Rio Guamá e da Baía do Guajará representam limítrofes ao território. Dentro dele, a grande densidade do território, sua herança histórica e a influência econômica e cultural que exerce entre os estados da Região Norte do país.
evolução histórica do território
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Evolução histórica do território e criação das baixadas O território colonizado e constituído às margens do Rio Guamá e da Baía do Guajará, cuja posição da cidade foi escolhida estrategicamente com objetivos militares e comerciais no século XVII, é originalmente permeado de conflitos relativos às águas. Apesar de sua localização ter se mostrado estratégica para sua consolidação e estruturação urbana, suas características geográficas se mostraram um obstáculo para sua ocupação e desde o século XVIII suscitaram discussões sobre a escolha do sítio inicial para a capital do estado, que em meio a pantanais, o tornava de difícil acesso e defesa (ALMEIDA, 2011). A ocupação das margens da cidade em uma lógica tipicamente ribeirinha logo foi sobreposta por traçados mais retilíneos e por sucessivos aterros desde o período colonial. Nos primeiros séculos de ocupação de Belém, os primeiros ocupantes da idade
1625 1625-1700 1700-1839 1839-1919
se depararam com um território de alagados intercalados com terrenos baixos, que com o regime de chuvas regulares inundavam e secavam conforme os movimentos da maré. Essas formações, denominadas igapós e igarapés, foram alvo de jornadas disciplinatórias das águas, que aliados ao pensamento sanitarista eurocêntrico fundamentados na teoria dos miasmas, resultaram em uma série de obras de dessecamento e esgotamento por meio da abertura de valas por toda a cidade. A drenagem por valas e aterramento dos territórios onde se localizavam o Igarapé do Piry, Igarapé das Almas e o Igarapé Murucutu, dentre outros, foi uma tarefa que se estendeu ao longo do século XIX e início do século XX, em uma busca de expandir a cidade e torná-la mais populosa, superando os alagados como obstáculos a essa expansão (ALMEIDA, 2011).
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Igarapé do Murucutu
igapós e igarapés: desenho esquemático dos terrenos alagados no início da ocupação de Belém (elaboração prpria)
Igarapé do Piri
canalização dos terrenos alagados: canais atuais da cidade, utilizados para drenar o terreno
Igarapé das Almas
Ocupação socioespacial do território: renda x alagamento
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Apesar do movimento intenso de devoração das áreas alagadas, a consolidação dos núcleos urbanos mais favorecidos economicamente priorizavam a ocupação das cotas mais altas da cidade que, apesar de não serem expressivamente mais elevadas, estavam menos sujeitas às constantes inundações em comparação aos terrenos limítrofes às valas. Esses territórios, de baixa infraestrutura urbana e grande quantidade de áreas desocupadas e desvalorizadas pelo relevo alagadiço, foram ocupados pela população de baixa renda local e adensados a partir dos anos 1960 pela migração da população rural para a capital em busca de oportunidades de emprego, que inseriram e adaptaram os padrões de ocupação ribeirinhos praticados na área rural ao meio urbano. Próximo às áreas centrais e de fácil acesso ao rio contituíram-se as primeiras “baixadas” da cidade, termo dado para as ocupações irregulares ao longo das obras de drenagem, e que se transformaram em bairros ao longo da orla fluvial da capital e na periferia próxima (LEÃO, 2017). Dos mais de 60 canais que hoje compõem o território de Belém, apenas 20 foram urbanizados (IOEPA, 2016), e mesmo apesar das obras, a precariedade e grande densidade habitacional dos seus entornos fez com que os canais se tornassem grandes esgotos a céu aberto. A grande extensão que percorrem a cidade somados à desvalorização do solo de seus entornos também fez o poder público se ausentar da maior parte desses territórios, faltando tanto com projetos quanto com a manutenção básica dos canais existentes. O acúmulo de lixo às margens e dentro dos canais, associado às chuvas constantes em boa parte do ano tornam a relação entre a cidade e os canais ainda mais hostil devido aos caóticos alagamentos que se estendem pela cidade para muito além dos limites dos canais. Ainda que muito mais trágicos à população de baixa renda que habita em suas proximidades, os alagamentos impactam grande parte da cidade, que parece tomar de volta os perfis dos grandes alagados do século XVIII.
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representação gráfica representando o “território remanescente” com baixos riscos de alagamento (em aerofoto limitada pelo traçado azul), os cursos d’água (em linha azul) e, em vermelho, os quadrantes com salários mínimos maiores que 10 SM (elaboração própria)
ÁGUA, CIDADE E ESPAÇO PÚBLICO
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Contato com as águas Oriundo do desenvolvimento de uma urbanização pautada no desejo pelas terras secas, a relação da cidade de Belém com suas margens foi se tornando cada vez mais fragmentada e mistificada. Não apenas a ocupação como também o imaginário belenense se constituiu ao mesmo tempo negando e almejando um contato com as águas fluviais. Na história da cidade, as margens foram conquistadas de forma juridicamente irregular sobre os aterros e às margens do rio e da baía (XIMENES, 2004), seja em forma de portos particulares, empresas diversas ou em assentamentos informais, levando a uma dinâmica paisagística e socioespacial que, por bastante tempo, vê com maus olhos a relação com a água, resumindo-a à sua relevância econômica, à marginalização social e à degradação ambiental. Processos econômicos Devido às mudanças econômicas sentidas na Região Norte como um todo a partir do declínio do ciclo da borracha, ainda no início do século passado, e especialmente na capital devido à pulverização da produção industrial em microrregiões no estado, o município sofre um processo de empobrecimento e diminuição da sua relevância de seu PIB para a economia do estado a partir dos anos 1970, com recuperação na década de 80 e nova queda nos anos 90 (XIMENES, 2004). Em Belém,
com a decadência dos ciclos, a mudança das bases produtivas e a construção da rodovia Belém-Brasília (finalizada nos anos 60), há uma estagnação econômica devida ao relativo esvaziamento da região e a cidade passa por alterações na administração das políticas públicas visando o enfrentamento da crise (ibid.). Belém entra nos anos 90 sob a crise brasileira e mundial dos anos 80 e busca, diante dela, alternativas para a dinamização dos setores da economia. Tendo que lidar com o problema da reestruturação do perfil econômico do município, “que permanece calcado no setor terciário e com uma precarização evidente, com a estagnação como perspectiva” (XIMENES, 2004), as políticas públicas e os discursos da política urbana se alinham ao modelo globalizado de desenvolvimento baseado na capitalização sobre o patrimônio histórico-cultural e ambiental da cidade e buscam inserir a cidade na lógica de competitividade e empresariamento urbano como estratégia de transformação sócio-econômica (ibid.).
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principais edificações na orla do município de Belém (elaboração própria, baseado em PAIVA, 2018)
portos e terminais hidroviários espaços de lazer e turismo instalações institucionais comércio em geral
espaços privados de lazer em Belém (elaboração própria, baseado em PAIVA, 2018)
espaços públicos de lazer em belém (elaboração própria, baseado em PAIVA, 2018)
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construções construções construções construções construções do do do do do séc. séc. séc. séc. séc.
clubes sociais cinemas e teatros
XVII XVIII XIX XX XXI
É nessa virada econômica nos anos 90 em que, dentre as estratégias adotadas, há uma redefinição da visão estratégica que a administração pública tem com relação à orla fluvial e o centro da cidade. Cria-se um discurso de “devolução” da orla e do centro à cidade, tida como uma demanda consensual da população e que tem na situação de irregularidade da ocupação das margens um dos principais argumentos para o desenvolvimento de projetos de abertura de “janelas para o rio”, expressão importante cunhada pelo próprio poder público e que passou a ser disseminada no imaginário da cidade. Belém passa então a ser alvo de projetos e intervenções mirando a “abertura urbanística da orla fluvial da cidade, para a apropriação franca, aberta e irrestrita daquele espaço” (XIMENES, 2004, p. 13), em um processo de construção de narrativa de “resgate” das qualidades ambientais e paisagísticas da cidade sob o mote da “devolução” das bordas da cidade à população (ibid.). Assim como a expansão da cidade, a oferta de espaços de lazer, público e privados, historicamente adentrou o território, dissociado de sua margem. Com o advento do discurso de abertura da orla e de janelas para o rio, o apelo paisagístico de recuperação da orla fluvial da cidade se une à oportunidade de criar espaços de lazer associados a ela. Tendo em vista a escassez e limitada distribuição territorial dos espaços públicos de lazer na cidade, a possibilidade de ampliação desses espaços é percebida tanto pelo poder público como pelo poder privado e há, mesmo que ainda de forma ainda pontual, uma série de investidas rumo às margens da cidade.
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Espaço público: direito e lazer na cidade
estação das docas complexo ver o rio
feira do ver-o-peso complexo feliz lusitânia
porto futuro
praça das mercês praça da república
mangal das garças portal da amazônia praça batista campos
basílica n. sra. nazaré
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praça princesa isabel porto da palha
universidade federal do pará
janelas para o rio e algumas referências no território
museu emílio gueldi
porto custódio
Para a realização do projeto político de aberturas da orla, Belém passa ao longo dos anos por diferentes modelos de gestão desse ideal. Algumas propostas se apresentam alinhadas mais diretamente aos modelos de empresariamento da gestão urbana, dando destaque para parcerias público-privadas, associadas a discursos culturalizantes e apoiados nos interesses de mercado, como foi o caso do complexo turístico da Estação das Docas inaugurado no ano 2000 e do Mangal das Garças em 2005. Outras propostas se apresentam com discursos mais alinhados a ideias de democratização do espaço e de produção do lugar público, franco e aberto como paradigma, mas que reproduzem usos do solo sem maiores proposições alternativas (XIMENES, 2004) e que muito se alinham às concepções do modelo de orla como um modelo salvador das sociabilidades e da democratização do patrimônio natural (SILVA, 2015), como é o caso do Complexo do Ver o Rio, de 1999, e do Portal da Amazônia, de 2012. Apesar de terem se consolidado como intervenções de caráter mais popular do que as citadas anteriormente, também suscitam discussões sobre o real impacto de sua implementação na população do seu entorno.
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Novas janelas: as obras para abertura da orla
Consensos ilusórios e o sujeito passivo
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O discurso democratizante sobre o Rio e a Baía, patrimônios naturais da cidade, anda de mãos dadas com um ideário de orla relativamente novo, que acolhe a retomada do rio como um reencontro ressentido sobre sua exclusão e a exclusão de suas benesses no passado. O desejo das “janelas para o rio”, portanto, antes de se tornar um discurso dominante, foi construído, do sentimento da decadência pós ciclo da borracha, passando pela consolidação, através da permissividade governamental, de uma imagem de obstrução da orla até o ponto de uma exaltação do modelo de modernização como única alternativa possível. Firmada em interesses econômicos e vendida como de interesse público, a aspiração pela orla se coloca como discurso hegemônico, apesar de não ser. Em contraponto à lógica de renovação urbana para criação de novas fronteiras de aculamulação (XIMENES, 2004) se colocam também resistências culturais, simbólicas e até mesmo econômicas, de populações historicamente estabelecidas nas margens. Ao mesmo passo que esse modelo de criação de “janelas” busca favorecer o turismo e a especulação imobiliária, aos quais interessa “o visitante, no papel do cliente” (SILVA, 2015, p. 695), no outro pólo deste processo se situa a vivência ribeirinha, que propõe, alternativamente, a metáfora das “portas para o rio”. (ibid. p. 8). Esta disputa metafórica é uma disputa quase invisível, mas que expressa a vivência histórica da população que se estabeleceu às margens da baía: sujeitos ativos na relação com as águas da cidade, que veem nos portos, portas de acesso à educação, saúde, trabalho e laços familiares.
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Apesar da disputa metafórica, a disputa política real se dá de forma muito díspar, como há de ser na sociedade neoliberal. A criação e disseminação do discurso das janelas para o rio cria uma esfera mítica para a relação entre a cidade e a água que mascara muito bem as intenções de mercado e cumpre o papel de espetáculo e para criar o sujeito espectador. Apesar da validade e da potência dicotômica das disputas de narrativa entre a visão de “portas” e “janelas” apresentada por Silva, há uma profusão de disputas vigentes no território, como é característico das cidades, mas sob o poder do discurso de consenso coletivo a relação de passividade dos sujeitos se sobrepõe aos conflitos.
PROJETAR PARA A
CANAIS: AS SOCIABILIDADES ALÉM DAS MARGENS
49
parte 3
50
PLANO URBANO
A ação de projetar o canal na cidade de Belém objetiva, na escala do território, propor uma alternativa à relação dicotômica historicamente estabelecida entre o sujeito, a cidade e a água, entre repulsa e desejo, ampliando as possibilidades entre essas interações, tanto no âmbito técnico como no subjetivo. Objetiva também, na escala do indivíduo, inferir no papel do sujeito urbano enquanto componente da cidade.
51
Frente a uma cidade historicamente em conflito com suas águas e em um atual e controverso movimento de reconquista de sua margem com o rio, o trabalho propõe pensar além da dicotomia entre dentro e fora, terra e água, e escolhe olhar para os meandros dessa relação. Entender os canais não apenas como escape da água, mas como um território onde as fronteiras se embaraçam, e assim apresentam novas formas de lidar com as relações entre água, cidade e o sujeito.
A anál de met de aber da cida
tv. almirante tamandaré av. visc. de souza franco
1- eleiç 2-levan potenci entorno 3- leva potenci 4- estu alocaçã ao long
52
tv. três de maio
recorte de análise
tv. quintino bocaiúva
Apesar da proposta ser pensada como um plano de diretrizes urbanas para Belém como um todo, são feitos recortes para o desenvolvimento de um estudo tipo, para o desenvolvimento de uma metodologia de projeto a ser replicada na cidade. Dentro do recorte prévio de análise, são escolhidos 4 canais para ser realizado um primeiro estudo de reconhecimento do local, através de imagens do Google Earth e do Google Street View: o canal da Avenida Visconde de Souza Franco, o canal da Travessa Almirante Tamandaré, o canal da Travessa Quintino Bocaiúva e o canal da Travessa Três de Maio. Ainda no século XIX, os três primeiros foram abertos para drenar, respectivamente, o Igarapé das Almas, o Igarapé do Piri e o Igarapé do Murucutu, importantes alagados da história da cidade. Com paisagens atuais muito semelhantes, os canais percorrem extensas áreas em meio a regiões altamente densificadas e de baixa infraestrutura urbana, com muita presença de lixo dentro e nas margens do canal, ausência de pavimentação ao longo do percurso e água de rejeito sendo descartada diretamente no canal, em ligações ilegais. O canal da Av. Visconde de Souza Franco é uma exceção; por se situar em uma área nobre da cidade, não apenas seu entorno é de um padrão urbanístico muito mais elevado, como o tratamento do próprio canal é diferenciado, com calçamento com padronagens regionais e passeio público largo ao lado do canal.
lise do canal escolhido segue uma proposta todologia para implementação de projetos rtura de espaços públicos junto aos canais ade, pensada em 4 etapas, sendo:
ção do canal; ntamento dos equipamentos, ialidades e atividades preexistentes no o do canal; antamento de lotes subutilizados e áreas iais para a abertura de espaços públicos; udo de ampliação dos canais junto à ão de infraestrutura para passeio público go deles.
av. visc. de souza franco
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estudo da paisagem e levantamento de áreas com potencial de projeto
tv. almirante tamandaré
tv. quintino bocaiúva
tv. três de maio
ESTUDO DE CASO
feira do ver-o-peso
estação das docas
complexo feliz lusitânia praça das mercês
praç
mangal das garças
p portal da amazônia
Dentre os canais analisados, é escolhido o canal da Travessa Quintino Bocaiúva para desenvolvimento de projeto, principalmente por sua localização ao mesmo tempo fora do eixo central, onde se localizam a maior parte dos espaços públicos de lazer da cidade e onde se desenvolvem as maiores obras nesse sentido na cidade, e estratégica, conectando em sua extensão importantes pontos da cidade. No eixo Norte-Sul, na extensão do canal que se dá pela Avenida 14 de Março, se chega à Basílica de Nossa Senhora de Nazaré, importante marco religioso e simbólico da cidade onde o Círio de N. Sra. de Nazaré se encerra, e na Avenida Nazaré, famosa avenida da cidade, pela presença das frondosas mangueiras. No eixo Leste-Oeste, o canal é cortado pela Avenida Padre Eutíquio, que se estende desde o Mercado do Ver-o-Peso até o Porto da Palha, dois importantes pólos da atividade portuária e ribeirinha na cidade.
complexo ver o rio porto futuro
ça da república
basílica n. sra. nazaré museu emílio gueldi
localização na cidade e grandes eixos de conexão 55
praça batista campos
praça princesa isabel porto da palha
56
paisagem: canal da tv. quintino bocaiúva
57
58
equipamentos do entorno
análise de equipamentos e lotes do local
lotes subutilizados
59
60
aridez
lixo e esgoto jogados no canal
casas sobre o canal
problemáticas no território
61
barreira ao contato com o rio
apropriações da via ao longo do canal
feiras livres na via do canal
potencilidades do local
63
potencial de paisagem
suportes à visualidade
espaços públicos em contato com a água
pisar
nadar enquadrar e observar o rio
aproximar
encher/secar
PROPOSTA molhar
espelhar e refrescar
O lazer, como atividade do sujeito coletivo, se apresenta como convite ao sujeito ator, protagonista da experiência urbana, que contrapõe o sujeito passivo ao espetáculo social e urbano. Somado a isso, a colocação de dispositivos que pressupõem o envolvimento do corpo no espaço para sua apreensão recupera no indivíduo a tangibilidade do espaço, e com ela, a possibilidade de alterá-lo. A água, por fim, surge como fio que tece essa trama, abrindo espaço no território e na percepção dos indivíduos sobre alternativas à produção urbana.
65
percorrer/estar
remoções para ampliação do canal a 40 m
proposta de projeto
O projeto atua em três etapas: a primeira, na qual se adentra o território propondo a qualificação do espaço público ao longo do canal. Para tal, é tomada uma decisão de projeto de ampliar a calha do canal, para a ampliação da capacidade de resistência aos alagamentos, mas sem que seja necessário um alto número de remoções, o que inviabilizaria social e economicamente o projeto. Na segunda etapa, são associadas à ampliação da calha do canal estruturas para a mitigação de água da chuva localizadas junto ou sob espaços públicos, visando ganhar espaço tanto para a água quanto para a população na cidade. Por fim, e terceira etapa consiste na conexão entre terra e água, tanto nos espaços dentro do território quanto em sua margem através de distintos contatos com a água.
A2
escala da cidade 0
100
200
400
A
67
A1
escala local
Para um estudo de caso mais detalhado da proposta, são feitos dois recortes no território e um estudo de perfis para o canal.
A1
suporte para atividades livres
abrigo para feiras livres
68
passeio público em via compartilhada
área rebaixada para retenção de água em situações de elevação do nível da água
área c
conjunto habitacional
playground sobre piscinão subterrâneo para mitigação de água de chuva
com sprinklers
subterrêneo
para
No primeiro recorte de detalhamento de projeto, apresentam-se duas áreas eleitas para a ampliação dos espaços públicos, além da extensão do próprio canal, que nesse trecho tem as menores larguras de via no projeto.
desnível para retenção temporária de águas pluviais
69
praça sobre piscinão mitigação de água de chuva
A1 De caráter mais local, os espaços de ampliação do espaço público no recorte 01 se voltam para usos ligados de forma mais específica ao seu entorno. Devido a necessidade de remoção de 104 residências para a ampliação do canal, é proposto um conjunto habitacional para realocação dessas famílias. Na outra quadra é proposta uma praça com espaço livre para a realização esporádica das feiras livres e comércio ambulante comuns na região. Localizada ao lado de uma escola estadual, também são pensados locais de permanência para a ocupação contínua do espaço.
desní das á
c
b sprinklers
b’ suporte para feira livre
suporte para permanência
estação compacta de tratamento de esgoto
novo conjunto habitacional
playground
a 71
ível de retenção temporária águas de chuva
a’ Na quadra onde é alocado o novo conjunto habitacional, é proposto um playground que soma elementos que se repetem ao longo do projeto, como a estrutura e os fechamentos, à elementos mais lúdicos. O círculo e o desnível de retenção temporária de água da chuva marcam no espaço o encontro de dois canais que alimentam o canal da Tv. Quintino Bocaiúva sem fazer com que a extensão do pavimento da praça até as quadras do entorno invisibilize o contato com a água.
A1
balanços
tabela de basquete
bancos com cobertura bancos com cobertura
patamares
73
labirinto
0
5
10
corte aa’
20m
74 perspectiva: espelho d’água, playground e nova quadra
75
A1
cobertura
estrutura de cobertura
diagrama de elementos do módulo base para as estruturas
fechamento com epelho
fechamento translúcido monocromático
bancos
brises
revestimento com janela em fita
janela em fita
revestimento ripado
-1m
Ao longo da proposta, nas estruturas de suporte aos espaços públicos criados, é utilizado um mesmo grupo de elementos de projeto, agrupados de maneiras distintas de acordo com a demanda e a intenção de projeto para o local. Pensado em uma estrutura de viga e pilar em madeira, dispostas em uma grelha de 7 x 5,5 metros, o módulo base para as estruturas conta com elementos de enquadramento, alteração e reflexão do entorno através dos diferentes fechamentos. Também apresenta elementos de permanência, como bancos e coberturas.
escadas
77
s
-0,5m
0
5
10
corte bb’
20m
78 perspectiva: suportes ao corpo e sprinklers na praça
79
A1
A2
corte cc’ 5
10
20m
81
0
corte dd’
82
CANAL: ARQUÉ
83
ÉTIPOS
secção de 28m
2,0 2,5
secção de 32m
2,5
8,0 14,0
2,5
2,5 2,0
2,0 3,0
4,0
0
8,0 14,0
4,0
3,0 2,0
85
Pelo caráter arquetípico do projeto, ao invés de projetar o canal segundo as micro relações, necessidades e espacialidade que apresenta ao longo de sua extensão, são propostos modelos de interação entre o passeio e o canal, respondendo a dois critérios fundamentais: a dimensão da via em que se insere e, consequentemente, da ampliação do canal possibilitada por ela, tendo como parâmetro a dimensão mínima de 10 metros de largura para o canal e de 20 metros para a via. Ao longo do canal, de acordo com as dimensões disponíveis, são propostas diferentes modelos de compartilhamento de via, priorizando o espaço do pedestre, com mobiliários e extensões de espaços de estar sobre o canal, assim como largas travessias sobre ele. Por fim, a via é transformada em boulevard arborizado, trazendo a referência já existente na cidade de vias intensamente arborizadas, até então restritas às áreas nobres da cidade.
secção de 20m
1,5 2,0 1,5
secção de 24m
8,0 10,0
1,5 2,0 1,5
2,0 2,5 1,5
8,0 12,0
87
secção de 28m
1,5 2,5 2,0
2,0 2,5
2,5
8,0 14,0
2,5
2,5 2,0
A2
piscina pública flutuante
mirante
88
praça de frente ao rio
canal de drenagem
enseada fluvial artificial praia fluvial artificial
escola livre de produção audiovisual passeio lúdico: passarela e cobertura skatepark
O terceiro trecho de detalhamento é onde o canal encontra o Rio Guamá. Os dois lotes escolhidos para projeto são conectados através do passeio público e se tornam um único espaço, no qual se desenvolvem distintas atividades e em sua extremidade, abre o contato com a paisagem natual.
lago perene
89
parque sobre bacia de mitigação de água de chuva
No trecho em que o canal encontra o Rio Guamá são propostos amplos espaços para a realização de eventos públicos coletivos frente à margem fluvial. O parque funciona ao mesmo tempo como um grande respiro urbano, tendo em vista a grande densidade de ocupação do solo da região em que se insere, e também como uma solução de infraestrutura urbana, funcionando como bacia de mitigação de água da chuva. A criação do relevo artificial contrapõese à paisagem plana natural da região e convida ao descobrimento do espaço, assim como as estruturas dispostas em seu terreno. Por fim, o espaço público se estende até a margem do território e através de uma estrutura flutuante, se destaca dele, ocupando o rio e interagindo com ele para além da dimensão da paisagem.
enseada artificial
f
praia artificial
f’
piscina + praça + cine flutuante
mirante
e novo conjunto habitacional
escola livre de produção audiovisual
estação compacta de tratamento de esgoto
91
e’ passarela
cobertura e acesso à passarela pista de skate
A2 A proposição de uma escola de produção audiovisual junto ao parque vem de uma associação entre uma intenção simbólica, de dar insumos à elaboração de novas visões sobre o território; e uma demanda funcional, de abrigar a produção audiovisual independente da cidade que, apesar do baixo incentivo, vem crescendo ao longo dos anos, muito ligada a essa vontade de ampliar as narrativas sobre a cidade e as pessoas que nela habitam.
+3m -2m
93 +1m
corte ee’ 0
5
10
20m
perspectiva:94 periscópio acoplado à escola livre de produção audiovusual no parque
95
A2 cobertura
estrutura em madeira
periscópio
mezanino oficina de edição banheiros
sala de projeções oficina de produção área comum
administração depósito banheiros jardim interno bar/café cozinha
97
oficina de criação
a2
a1
of
0
5
10
20m
+18m
+9m
+6m
+3m
corte a1
0m
99
+18m
+9m
+6m
+3m
0
5
10
corte a2
0m 20m
A2
centro histórico bairro Jurunas
parque Rio Guamá
O periscópio, acoplado à escola livre de audiovisual, é um instrumento ótico lúdico, que usa do jogo de visualidades para instigar à investigação, à percepção ativa através do envolvimento do corpo e à imaginação através do deslocamento do olhar. Para isso, é estruturado apresenta jogos de espelhos em três níveis, um fora da escola e dois dentro dela, direcionados a diferentes pontos da cidade: o Rio Guamá, o centro da cidade, o parque no qual está inserido e o bairro do Jurunas.
O percurso que atravessa o parque longitudinalmente é proposto para marcar essa travessia de dentro do bairro do Condor para o passeio aberto no canal. Em uma contraposição com o relevo construído no parque, percorre em um nível constante uma grande extensão dele, mas através dos fechamentos distintos, vai criando uma narrativa de percepção ao longo do trajeto, de uma visão ampla e monocromática, interrompida por uma sequência de brises que fragmentam a visão, até chegar em um feixe contínuo e enquadrado da paisagem (e vice versa, no sentido oposto do trajeto).
101
Do lado oposto da escola livre se encontra uma estrutura aberta, com rampas que dão acesso à passarela e com a mesma estrutura de pilares da escola, sendo um espaço aberto à apropriação e imaginação das possibilidades de configuração do próprio espaço. Com uma ampla cobertura e localizada entre o lago e a pista de skate, funciona como uma marquise para atividades cobertas.
0
5
10
20m
102 perspectiva: feixe contínuo de paisagem na passarela
103
104 perspectiva: paisagem fragmentada pelos brises na passarela
105
106 perspectiva: visão ampla e monocromática do fechamento com filtro de cor na passarela
107
108 perspectiva: marquise para atividades cobertas
109
A2 No contato com o rio Rio Guamá, o flutuante se apresenta como um espaço híbrido, entre a terra e a água, mediando e ampliando essa relação. Seu programa visa abrigar o ato comum, porém não muito seguro, de banharse nas águas abertas do rio, apropriando-se da linguagem das piscinas de água natural também muito comum nos bares e balneários das ilhas no entorno da capital. Pensado como uma estrutura móvel, que pode ser deslocada para diferentes pontos da orla da cidade, possui uma tela para projeção, podendo levar produções audiovisuais para qualquer ponto da cidade e de suas ilhas. De estrutura relativamente simples, tendo em vista o amplo conhecimento local sobre grandes estruturas flutuantes, poderia ser replicado para a ampliação do espaço público flutuante na cidade.
+4m
praça flutuante cinema flutuante
111
piscina natural
+3m
corte ff’ 0
5
10
20m
112 perspectiva: flutuante
113
mezanino
arquibancada
mezanino
estrutura de madeira
espelhos d tela de projeção
espaço de apoio
piscina com sistema de filtragem da água do
5
10
20m
115
0
direcionados à piscina
o rio
0
5
10
20m
116 perspectiva: praia artificial e mirante
117
118 perspectiva: inserção do projeto na paisagem
119
121
A colocação da tríade sujeito-coletivo-cidade em primeiro plano trouxe ao exercício projetual, ao mesmo tempo, um desafio e uma potência de causa e consequência nas decisões tomadas nas múltiplas escalas de projeto investigadas. A ideia da potencialização das subjetividades do sujeito enquanto componente fundamental de reconfiguração do território fez com que o ato de projetar se tornasse dinâmico e, em certo limite, poético. Em outra frente, pensar um relacionamento da cidade de Belém com a água através dos canais traz luz a uma faceta tão relevante e renegada como eram suas margens no passado. Ao limite do que é do domínio da arquitetura e do urbanismo, somar soluções infraestruturais a espaços de imaginação e lazer em meio a territórios renegados em sua história mas ricos em subjetividades parece não apenas ser uma conciliação pertinente aos conflitos elencados, mas também uma conciliação com os anseios imateriais que o processo de investigação projetual atravessou em seu percurso.
123
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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APÊNDICE: PRANCHAS SÍNTESE DE PROJETO
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