marcela cordeiro carneiro
trabalho de graduação integrado i
Trabalho desenvolvido como produto de conclusão da disciplina de Trabalho de Graduação Integrado 1, do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, IAU-USP. Sob o acompanhamento do professor David Moreno Sperling e orientação do professor Tomás Antonio Moreira. Agosto I
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2020 U
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Marcela Cordeiro Carneiro
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sumário apresentação inquietações repertório metrópole ribeirinha bordas e fraturas bibliografia
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apresentação
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Esse trabalho é processo de uma investigação sobre os conflitos urbanos, os espaços e relações socioespaciais produzidos nas cidades contemporâneas. É também um questionamento acerca da atuação, das limitações e das alternativas para o desenvolvimento da arquitetura e do urbanismo frente ao gargalo sistêmico no qual nos inserimos. O trabalho surge do desejo pela vida urbana e pela diversidade dos espaços das cidades, desejos que já têm em seu surgimento uma raiz de frustração. Ao recorrer a esse tema, o trabalho se predispõe a pensar a arquitetura como um campo amplo de atuação não apenas sobre o espaço mas também sobre a dimensão simbólica dele, traçando diálogos entre o afetivo e o investigativo, a teoria e o espaço, para pensar outras formas de atuar sobre o espaço das cidades e entre as relações humanas que o permeiam. 9
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inquietações
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a produção do espaço capitalista Os processos contemporâneos de produção da cidade capitalista apontam, segundo Harvey (2012), para um imbricamento entre o desenvolvimento do capitalismo, a urbanização e a segregação socioespacial, que na atual conjuntura atingem uma escala de nível global. A expansão do capitalismo a partir da globalização da economia levou a uma urbanização também globalizada, generalizante, que se utiliza de um “manual” de espetacularização e empresariamento para a produção de seus espaços, com a profusão de shopping centers, megaeventos com suas obras grandiosas, e a proliferação de espaços cada vez mais ligados ao consumo, generalizando a mercantilização da experiência urbana (HARVEY, 2012). Vera Pallamin (2015) aponta para o papel da produção de arquitetura nos processos de “valorização e reprodução ampliada do capital dominados pela financeirização” através dos projetos urbanos como estratégia de gentrificação e mercantilização compulsiva, numa escala jamais vista das cidades. A lógica de empresariamento urbano leva a uma urbanidade ao mesmo tempo homogeneizada, em termos de uma ocupação regulada pela capacidade de consumo, fragmentada, pela valorização exacerbada dos direitos de propriedade privada e, consequentemente,
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da formação de “comunidades muradas e espaços públicos mantidos sob vigilância constante” (HARVEY, 2012, p. 48), e individualizante, cujo modelo de socialização segue a ética neoliberal de intenso individualismo (HARVEY, 2012). As noções de coletividade, identidade urbana, cidadania e pertencimento são fortemente abaladas – ou em visões mais pessimistas, impossibilitadas – de resistirem a esse individualismo e fragmentação tão potentes. Em meio aos extensos impactos socioespaciais gerados pela voracidade da urbanização em prol do capital, esse trabalho busca, além de identificar suas fraturas físicas, entender esferas simbólicas sobre as quais ela pode afetar e, com isso, pensar formas de atuação que confrontem e contornem tais interesses.
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dissenso e espaço público Dentro dessa esfera de fragmentação socioespacial, um dos fatores decorrentes que mais interessa essa pesquisa é a característica amansadora que esses processos assumem sobre os indivíduos, retirando deles não apenas o poder de decisão sobre a urbanização e a organização socioespacial mas criando uma esfera de aceitação imperceptível desse modelo. Rita Velloso (2016), ao comentar sobre a concepção de Lefebvre e Debord acerca da “miséria do cotidiano”, aponta para a noção de passividade que se estabelece a partir dessa retirada de poder decisivo: ao perder totalmente o controle das decisões, o indivíduo é submetido à figura do “especialista” (os planejadores, os arquitetos, os desenhistas) e assume uma posição (quase que forçada) de passividade, de isenção das preocupações envolvidas nas decisões sobre a cidade. A ideia do “dissenso”, advinda da filosofia política, se mostra como uma possibilidade de investigação sobre outras formas de interpretar a passividade social e, quem sabe, de entender formas de romper com ela. Jacques Rancière (1976), ao falar sobre “dissenso” se refere à uma racionalidade própria da política, relativa ao confronto e ao debate, que paradoxalmente foi sobreposta por uma espécie de “acordo coletivo” sobre o qual indivíduos ou grupos em geral combinam seus in-
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teresses e sentimentos ao invés de aterem-se a oposição de seus respectivos mundos sensíveis. O que Rancière aponta, portanto, é que nos movimentos de dominação da sociedade, a tendência natural do debate e do confronto como atos políticos foi sobreposta por uma razão conciliadora e, por consequência, anuladora do potencial de transformação proveniente do conflito. Aplicando essa ideia na dimensão urbana, podemos analisar o discurso do empresariamento das cidades como um processo “amansador”, ou dentro de um discurso rancieriano, propositor de uma razão consensual que visa através do discurso de mercado disfarçado de melhoria urbana gerar uma ilusão coletiva submissa aos interesses do capital. O que se quer apontar aqui, então, é essa ilusão promovida pelo espetáculo urbano e pela conformação neoliberal dos espaços nas cidades – a sensação de uma alteridade quando na verdade, se promove segregação e homogeneidade – e impacto que tem no esvaziamento do potencial dos espaços públicos em serem palcos de disputa pelo direito à cidade. Guilherme Wisnik (2015), em sua reflexão acerca da noção de espaço e esfera pública no Brasil, aponta para o potencial de pensar no espaço público não a partir da visão romantizada de sua esfera de equidade, mas sim através da noção desse espaço como local da disputa em si, não apenas no âmbito reflexivo – pela
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chave do dissenso rancieriano – mas também em sua dimensão propositiva: “Essa noção do espaço público como lugar de deflagração e da mediação dos conflitos é absolutamente vital, e relativamente nova entre nós” (WISNIK, 2015). Nesse ponto reside uma das questões caras a esse trabalho: esse intermédio entre a produção da cidade e a anulação do potencial de disputa política pelos (e nos) espaços públicos. Frente ao processo de aniquilação da esfera (e do espaço) pública(o), é possível ainda instaurar uma dimensão de dissenso nesses espaços, em busca do rompimento da passividade, da reativação da disputa política e da atualização dos princípios de controle, equidade e direito à cidade? Paralelamente à discussão política do dissenso, outro conceito levantado por esse processo investigativo é o de “heteroteopias”, conceito deslocado da medicina para o campo filosófico por Focault (2013), sob o qual ele discute a existência, em todas as culturas, de espaços sublimes, nos quais há uma conformação entre o mítico e o real e que modificam as relações por eles designados. São uma espécie de utopia efetivamente realizada; realidades imaginadas que se tornam reais. Dentre as diversas heterotopias apontadas pelo filósofo, uma em especial é trazida ao trabalho por sua carga simbólica e interpretativa que dialoga com os conceitos aqui trabalhados:
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heterotopias “No espelho, eu me vejo onde não estou, em um espaço irreal que se abre virtualmente atrás da superfície; estou ali onde não estou; uma espécie de sombra que me confere minha própria visibilidade, que me permite olhar-me ali onde sou ausente: utopia do espelho. Mas é igualmente uma heterotopia, na medida em que o espelho existe realmente e tem, no local que eu ocupo, uma espécie de efeito de retorno; é a partir do espelho que me descubro ausente do local onde estou, já que me vejo ali. A partir desse olhar, que de certa forma se dirige a mim, do fundo desse espaço virtual do outro lado do vidro, eu retorno a mim e recomeço a dirigir meus olhos a mim mesmo e a me reconstituir ali onde estou.” (FOCAULT, 2013, p. 116)
O que se pretende aqui, portanto, é evocar essa imagem de um espaço de suspensão no qual a percepção sobre si é deslocada e, quem sabe, até mesmo do outro para si próprio. Essa ideia da virtualização, deslocamento e achatamento da percepção dos indivíduos e do espaço é um campo de exploração de sensibilidades que se pretende explorar.
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arte e arquitetura: investigações sobre o dissenso no espaço urbano Em meio às elucubrações filosóficas e políticas, uma questão central que se coloca neste trabalho é a tradução dessas ideias para o campo da arquitetura e do urbanismo, e que em um primeiro passo, encontra nos debates sobre a arte urbana contemporânea e sua relação com a cidade e a política meios de investigar alternativas para o projeto do (e no) espaço público. Vera Pallamin (2015), ao mencionar a “arte urbana como prática crítica”, aponta para o caráter profícuo da relação entre a ação artística não estetizada e o espaço público, especialmente o seu potencial de ressignificação e contraponto à lógica capitalista e a possibilidade de contribuir com a desregulação de valores socialmente cristalizados. Algumas ações artísticas contemporâneas buscam profanar, usar, ocupar, apropriar-se do espaço público como forma de resistência ao processo de espetacularização das cidades (BERENSTEIN, 2009), movimentos que disputam politicamente o uso do espaço e criam uma a dimensão potencial de dissenso rancieriano. A tentativa de criar tensões permanentes ao invés de criar experiências pacificadoras e hegemônicas é que as distancia da lógica “amansadora” da estetização urbana.
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“Em meio aos espaços públicos, as práticas artísticas consistem em apresentação e representação dos imaginários sociais. Sendo um campo de indeterminação, a arte urbana adentra a camada das construções simbólicas dos espaços públicos urbanos, intervindo nos modos diferenciais da produção de seus valores de uso, sua validação ou legitimação, assim como de discursos e formas sedimentadas de representação cultural ali expostas. Pode criar situações de visibilidade inéditas, apontar ausências notáveis no domínio público ou resistências às exclusões aí promovidas, desestabilizar expectativas e criar novas convivências, abrindo-se a uma miríade de motivações” (PALLAMIN, 2015, p. 147).
Posto esse potencial, interessa ainda retomar algumas iniciativas de um momento em que a arte e a arquitetura constituíram um campo comum na virada dos anos 60 e 70 como reação às sociabilidades espetacularizadas e voltadas ao consumo. Algumas práticas investigadas pela coreógrafa Trisha Brown e pelo arquiteto Bernard Tschumi, se mostram interessantes tanto por buscarem uma superação de seus limites disciplinares quanto pelo potencial de alteridade existente em suas práticas híbridas. (SPERLING, TIDEI, 2015). A ideia do acaso é inserida nos processos investigativos desses artistas em uma noção da experiência, na qual buscam, cada um em seu campo de atuação, criar espaços para que ele pudesse acontecer. A dialética que se coloca entre o programado/projetado e o acaso/imprevisto, entre máquina e acontecimento (SPERLING; TIDEI, 2015) é algo que interessa nesta investigação acerca de modos de atuação da arquitetura e do urbanismo na percepção de um campo menos funcional e mais ligado à constituição de dissensos e “lugares outros”.
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Public Space/ Two Audiences (intalação) Dan Graham Bienalle di Venice, 1967
Êxodus Rem Koolhaas Associates Londres (UK), 1972
Através do jogo de visualidades provocado pelo ambiente conformado por espelhos e planos de vidro, a instalação coloca os observadores a observarem as outras pessoas interagindo com a obra ao mesmo tempo que possibilita uma auto percepção através do reflexo e o achatamento desses personagens, virtualmente sobrepostos e aglutinados como um grupo social va uma percepção de si próprios e do ambiente em que se inserem.
Em um grande gesto projetual, o escritório ao mesmo tempo estabelece uma crítica às dinâmicas sociais da cidade em que inserem a distopia, ao mesmo tempo em que revisam o papel e os limites da própria arquitetura.
Aida (cenografia) Teatro Verdi di Padua Verona (IT), 2008
Running fence Christo & Jean-Claude California (US), 1976
Periscópio (instalação) Guto Lacaz São Paulo (IT), 2008
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locus: metrรณpole ribeirinha
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Belém é bíblica? Milton Hatoum
Alguém que passou por aqui Sentiu o calmo andamento do tempo E vislumbrou vestígios da paisagem Do paraíso da infância Em alguma noite distante Serei esse andarilho que sonhou contigo. A insensatez e a ganância Vão dissipar teus cheiros misturados Da floresta com o oceano? Apagar o riso de moças vestidas para o olhar? Destruir teus bosques praças casarios Teus templos de Landi e teu céu de telhas? Tua altivez belle époque Ou bela simplesmente? Temo o inferno do futuro Que já se insinua no presente. Será eterna a cidade do Círio? Belém é bíblica? Assim espero.
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As inquietações teóricas que guiam o trabalho, apesar de serem diretamente ligadas à explicitação de processos urbanos agudos e à sobreposição de interesses nas cidades, ainda não diziam respeito a um lugar específico. Para buscar uma materialização desse campo de ideias, foi feita uma busca por territórios nos quais pudessem ser mapeados conflitos e conectá-los com uma dimensão simbólica, cara à investigação desde o princípio. A cidade de Belém, capital do estado do Pará, norte do Brasil, se apresentou, assim, como um território fértil para tal investigação, tendo em vista sua constituição contrastante, multifacetada e simbólica, somados à camada afetiva na qual essa investigação assume também tange um campo pessoal de inquietações sobre um território ao mesmo tempo tão rico e tão conflituoso como esse.
Na página anterior, ilustração “Águas”. Elaboração própria. Direita, acima, ilustração de viela nas “baixadas” de Belém. Autoria própria. Direita, abaixo, ilustração do contraste da paisagem em baixada do bairro do Jurunas, em Belém. Autoria própria.
“Profanar os espaços luminosos significa tirá-los dessa esfera do sagrado, dessa esfera do consumo e da exibição espetacular, e restituílos ao uso comum dos habitantes, passantes ou demais usuários” (BERENSTEIN, Paola)
Belém é bíblica? Até que ponto é possível profanar os espaços de uma cidade bíblica?
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constituição do território O território colonizado e constituído às margens do Rio Guamá e da Baía do Guajará, cuja posição da cidade foi escolhida estrategicamente com objetivos militares e comerciais no século XVII, é originalmente permeado de conflitos. Apesar de sua localização ter se mostrado estratégica para sua consolidação e estruturação urbana, suas características geográficas se mostraram um obstáculo para sua expansão devido à grande quantidade de áreas alagadas e a constante “luta” que se travou contra elas. (LEÃO, 2017). A ocupação das “beiras” da cidade em uma lógica tipicamente “ribeirinha” logo foi sobreposta pelo traçado retilíneo e a lógi-
ca de aterros desde o período colonial. Depois de um período de “devoração” das áreas alagadas, o crescimento do núcleo urbano se voltou para as áreas de cotas mais altas a partir do século XVIII e condicionou uma segregação socioespacial que relaciona ativamente o poder aquisitivo à ocupação de áreas mais altas e saneadas em contraposição aos terrenos mais baixos e alagadiços, remanescente e ocupado pela população mais empobrecida (LEÃO, 2017), as quais constituíram as chamadas “baixadas” de Belém.
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Esses territórios, de baixa infraestrutura urbana e grande quantidade de áreas desocupadas e desvalorizadas pelo relevo alagadiço, foram ocupados pela população de baixa renda local e adensados pela migração da população rural a partir dos anos 1960 para a capital em busca de oportunidades de emprego, que inseriram e adaptaram os padrões de ocupação ribeirinhos praticados na área rural ao meio urbano. Próximo às áreas centrais e de fácil acesso ao rio, as primeiras “baixadas” da cidade se transformaram nos bairros ao longo da orla fluvial da capital e na periferia próxima (LEÃO, 2017). Oriundo do desenvolvimento de sua urbanização, a relação da cidade de Belém com suas margens foi se tornando cada vez mais fragmentada e mistificada. Não apenas a ocupação como também o imaginário belenense se constituiu ao mesmo tempo negando e almejando um contato com as águas fluviais. Na história da cidade, as margens foram conquistadas de forma juridicamente irregular sobre os aterros e às margens do rio e da baía (XIMENES, 2004), seja em forma de portos particulares, empresas diversas ou em assentamentos informais, levando a uma dinâmica paisagística e socioespacial que inicialmente vê com maus olhos a relação com a água, resumindo-a a sua relevância econômica, marginalização social e degradação ambiental. Devido às mudanças econômicas sentidas na Região Norte como um todo a partir do declínio do ci-
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Ao lado, mapa de renda média por salário mpinimo (acima) e mapa de riscos de alagamentos (abaixo). A análise de sobreposição dos mapas permite perceber a segreação socioeconômica condicionada pelas condições geográficas do território. Elaboração: Thales B. Miranda, 2015.
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Acima, representação gráfica resultante da sobreposição dos mapas à direita, representando o “território remanescente” com baixos riscos de alagamento, os cursos d’água e, em vermelho, os quadrantes com salários mínimos maiores que 10 SM.
clo da borracha, ainda no início do século passado, e especialmente na capital devido à pulverização da produção industrial em microrregiões no estado, o município sofre um processo de empobrecimento e diminuição da sua relevância de seu PIB para a economia do estado a partir dos anos 1970, com recuperação na década de 80 e nova queda nos anos 90 (XIMENES, 2004). Em Belém, com a decadência dos ciclos, a mudança das bases produtivas e a construção da rodovia Belém-Brasília (finalizada nos anos 60), há uma estagnação econômica devida ao relativo esvaziamento da região e a cidade passa por alterações na administração das políticas públicas visando o enfrentamento da crise (ibid.).
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processos visíveis Belém entra nos anos 90 sob a crise (brasileira e mundial) dos anos 80 e busca, diante dela, alternativas para a dinamização dos setores da economia. Tendo que lidar com o problema da reestruturação do perfil econômico do município, “que permanece calcado no setor terciário e com uma precarização evidente, com a estagnação como perspectiva (XIMENES, 2004), as políticas públicas e os discursos da política urbana se alinham ao modelo globalizado de desenvolvimento baseado na capitalização sobre o patrimônio histórico-cultural e ambiental da cidade e buscam inserir a cidade na lógica de “competitividade” e empresariamento urbano como estratégia de transformação sócio-econômica (ibid.). É nessa virada econômica nos anos 90 em que, dentre/ as estratégias adotadas, há uma redefinição da “visão estratégica” que a administração pública tem com relação à orla fluvial e o centro da cidade. Cria-se um discurso de “devolução” da orla e do centro à cidade, tida como uma demanda consensual da população e que tem na situação de irregularidade da ocupação das margens um dos principais argumentos para o desenvolvimento de projetos de abertura de “janelas para o rio”, expressão importante cunhada pelo próprio poder público e que passou a ser disseminada no imaginário
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portal da amazônia
mangal das ga
estaçã
orla sul
da cidade. Belém passa então a ser alvo de projetos e intervenções mirando a “abertura urbanística da orla fluvial da cidade, para a apropriação franca, aberta e irrestrita daquele espaço” (XIMENES, 2004, p. 13), em um processo de construção de narrativa de “resgate” das qualidades ambientais e paisagísticas da cidade sob o mote da “devolução” das bordas da cidade à população (ibid.). A lógida de espansão do modelo de orla fluvial se estende para a orla sul da cidade.
arças
ão das docas
Por razões de disputa política, são criadas duas visões para esse projeto de “abertura da orla” de Belém: a do Governo do Estado do Pará e a da Prefeitura Municipal de Belém. No caso estadual, há um alinhamento direto ao modelo dos planos estratégicos de “revitalização” e “empresariamento da gestão urbana urbana” (HARVEY, 1996, apud. XIMENES, 2004), com o destaque para as parcerias público-privada e o discurso “culturalizante” apoiado nos interesses do mercado. No caso municipal, tem-se um discurso mais alinhado a um ideal de democratização do espaço e de produção do lugar público, franco, aberto como paradigma, mas que reproduz usos do solo sem maiores proposições alternativas à proposta estadual (XIMENES, 2004). Em ambos os casos, apesar de se colocarem como “antagônicas”, o que se pretende e se projeta é a criação de waterfronts que permitam a “reconexão” da população com suas águas, nos quais se enquadram obras como a Estação das Docas, o Mangal das Garças e o Portal da Amazônia, todos produtos do sedutor discurso das “janelas para o rio”.
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processos velados O discurso democratizante sobre o patrimônio natural da cidade que se estabelece anda de mãos dadas com um ideário de orla relativamente novo, que acolhe a retomada do rio como um reencontro ressentido sobre sua exclusão e a exclusão de suas benesses no passado. A valorização do lazer e da contemplação como formas de aproveitamento de um espaço antes negado, pobre e insalubre e a ideia da experiência “espiritual” de reconexão com a natureza que se propõe são ressignificações físicas e simbólicas sobre um território que se quer “transformar”. O desejo das “janelas para o rio”, entretanto, antes de se tornar um discurso dominante, foi construído, do sentimento da decadência pós ciclo da borracha, passando pela consolidação de uma imagem (acima de tudo negociada) de obstrução da orla até o ponto de uma exaltação do modelo de modernização como salvador das sociabilidades e da democratização do patrimônio natural (SILVA, 2015). É esse discurso que guarda, portanto, uma série de camadas caras à discussão deste trabalho. A primeira delas e mais direta é a contradição intrínseca ao discurso de democratização do espaço contra a clara intenção de especulação e espetacularização
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desses espaços. Como já mencionado, aliadas à lógica do empresariamento urbano e da acomodação sob o modelo de cidade criativa, essas intervenções são ações de renovação urbana em favor acima de tudo, do mercado. A criação de novas frentes urbanas é ligada à abertura de novas fronteiras de acumulação (XIMENES, 2004) para serem absorvidas pelo do setor imobiliário, que embora possa adotar estratégias de associação dos novos usos com a vitalidade preexistente nas áreas de investimento, tente a um processo de gentrificação e homogeneização do espaço, levando à “destruição criativa das estruturas populares e tradicionais que hoje dão sentido à originalidade do lugar” (CARDOSO apud. XIMENES, 2004, p. 27). Sob o discurso de democratização do acesso à orla fluvial mascara-se a tendência óbvia de valorização dos imóveis nas redondezas dos locais de intervenção, levando à retirada de um núcleo populacional que se desenvolveu estrategicamente às margens dos rios para “devolvê-las” às exigências de aproveitamento do capital na cidade. Atrelados à reverência que a cidade ainda sustenta sobre o centro histórico e comercial da cidade, que tem através desses projetos, seu valor simbólico renovado (XIMENES, 2004), o interesse de mercado pressiona o poder público para que dê início à “transformações” não espontâneas em áreas estratégicas da cidade e que atualmente se estende sobre toda a orla sul do município.
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disputa metafórica Dentre o processo explícito de criação de um novo “ideal” para a cidade, motivado pela modificação dos interesses econômicos, há um processo portanto implícito, ou velado, de higienização do território. O questionamento sobre a validade de desobstrução da paisagem natural da cidade e a criação de novos espaços de coletividade não se encerra apenas em uma visão cética sobre a constituição de uma esfera pública a partir de intervenções pontuais ou na constatação que o interesse de mercado é na verdade o maior (e talvez único) beneficiário desse processo. Há também uma camada simbólica a ser levantada. Ao mesmo passo que esse modelo de criação de “janelas” busca favorecer o turismo e a especulação imobiliária, aos quais interessa “o visitante, no papel do cliente” (SILVA, 2015, p. 695), no outro pólo deste processo se situa a vivência ribeirinha, que propõe, alternativamente, a metáfora das “portas para o rio”. (ibid. p. 8). Esta disputa metafórica é uma disputa quase invisível, mas que expressa a vivência histórica da população que se estabeleceu às margens da baía: sujeitos ativos na relação com as águas da cidade, que veem nos portos, portas de acesso à educação, saúde, trabalho e laços familiares.
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A “retomada” a orla supõe a instauração de uma lógica nova, incompatível com a atrasada, “primitiva” ali estabelecida (XIMENES, 2004). A tendência culturalista, mesmo que por vezes e use de um discurso regionalista e identitário (XIMENES, 2004), tem na verdade como objetivo fazer uma varredura estética e social para fetichizar sua paisagem cultural a gosto do mercado e abrir uma “concepção de cidade excludente do Outro” (SILVA, 2017). O discurso das “janelas” pressupõe a anulação da lógica das “portas”, significando segundo a lógica de Paul Ricoeur (apud. SILVA, 2017) a morte do Outro, ou seja, o contrário da presença de uma alteridade. A impossibilidade de coexistência é incompatível com o ideal de democratização pressuposto nos discursos de “devolução” da orla. A anulação da alteridade, dessa possibilidade de relacionar-se com o outro e perceber-se através dela é a anulação do potencial político dos espaços, e com isso, do potencial de dissenso existente neles. A criação de consensos discursivos, como já apontava Rancière, é a anulação dos conflitos e das diferenças essenciais ao estabelecimento da política. No caso de Belém, a instituição hegemônica do discurso das “janelas” limpa o campo de batalha, removendo os sujeitos ativos da lógica das “portas”, para manter a passividade de necessária à manutenção do status ? da lógica capitalista.
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fraturas
janelas
portas
bordas e fraturas
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Entendendo as fronteiras estabelecidas historicamente no território de Belém, potencializadas pela adminitração pública e, nas últimas décadas, disputadas por projetos políticos distintos, a relação do território (e de sua população) com suas principal de intervenção.
bordas
se torna o objeto
Frente à disputa narrativa entre “janelas” e “portas” pelas bordas da cidade, os cursos d’agua que rompem a margem e permeiam o território se mostram
fratu-
ras
cujo valor simbólico não se mostra em disputa, mas que permeia a vivência de diversos grupos sociais.
disputa metafórica pela narrativa da cidade, em busca de zonas de tensão que explicitem os processos que constituem esse território.
O que se pretende, assim é traçar uma
As ideias de dissenso e heterotopia se inserem como campo investigativo para criar contra narrativas na cidade, atuando através do choque, do conflito, do contraste, do deslocamento e do simbólico.
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dissenso por desprogramação
“janelas”
“portas”
bordas
fraturas consenso
“o outro”
heterotopia por ilusão
pura contradição envolvimento contradição involução
como
Baseado no diagrama Piaget que Rosalind Krauss (2012) utiliza pra explicar o campo ampliado da escultura, o diagrama opõe as questões centrais para o desenvolvimento projetual desse trabalho: a dicotomia entre os discursos de “janela” e “porta”, relativos à ocupação das bordas da cidade; e os ideais de consenso, nesse caso observado sob a ótica negativa do consenso ilusório de coexistência diversa e harmônica no espaço público versus a noção de alteridade e contraponto expressa pelo “o outro”. A partir de suas correlações de pura contradição, envolvimento ou contradição como involução, são tecidas algumas visões sobre a territorialização do conflito e estratégias de abordagem desses.
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O projeto se propõe a atuar como intervenção de conflito, oposta às tentativas de criação de consensos manipulados e ilusórios. A instituição de contra paisagens não se trata de uma nova negação das bordas, mas sim da interrupção dos consensos estabelecidos para que provoque o pensamento de cenários outros. Trabalhando entre o campo da ironia, da metáfora e da abstração, é proposto um sistema de estruturas metafóricas e articuláveis entre si para explicitar, contrapor ou propor novas relações com a paisagem relacionada às diversas águas da cidade: nas orlas, dos canais ou nos terrenos alagadiços.
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mirante
elemento de ironia e convite; materializa a contra-passividade, convidando ao deslocamento e à observação
porta
janela
elemento de afirmação; materialização da narrativa de resistência e de contraponto
elemento de conflito; materialização em oposição do consenso discursivo
espelho
elemento de ilusão; materializa a fragmentação do território em suas brechas e o espaço heterotópico; flexível, pode ser usado para criar espaços de negociação, conflito, deslocamento e associado a outros elementos
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As próximas etapas a serem desenvolvidas nessa investigação, pretendem: aprinfudar-se nas sensilbilidades e sociabilidades dos espaços de intervenção; investigar a relação do corpo com o espaço, suas interações e contatos; integrar as intervenções às dinâmicas e/ou infraestruturas preexistentes, buscando formas de questiona-las sem causar estetizações ou apagamentos acidentais; pensar a relação máquina/evento; programado/acidental em suas localizações e buscar formas de integrá-las às dinâmicas socias para que nçao sejam meros espetáculos, e sim zonas de constante tensão
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