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Plauto

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Hardy

Hardy

azar dela, né. Ela casou com um cara que é boêmio. De vez em quando dá um choque aqui... Mas agora já faz muito tempo. Periga não haver retrocesso por causa disso aí, né. Retrocesso existe quanto um casal é novo ainda, mas depois de uma certa idade já tem que "aturar".

Sou registrado na Ordem dos Músicos como cantor. Ontem eu recebi a conta do ano de 94 prá pagar. É só isso que ela representa prá nós. No momento é só isso. Eu poderia descontar INPS por aí, como autônomo... Prá poder me aposentar como músico, como muita gente se aposenta. Esse Menotti, que falei, ele só vive de música. Ele toca na noite, ele leciona... É certo que quase todos eles morrem pobres. Aqui em Porto Alegre... Mas, na Ordem eu tirei carteira como cantor e violonista. Fiz teste lá prá tirar, né. Eu nunca precisei da Ordem dos Músicos. Inclusive o rapaz que era o presidente, o doutor Norberto, é muito meu amigo. Grande violonista! Meu querido amigo, viu. Mas pelo que eu sei, lá tem dentista... Não sei se tem que pagar alguma coisa... Mas eu sei que tenho direito à isso aí. É que eu nunca precisei. Então eu não posso condenar nem elogiar a Ordem dos Músicos. Eu só pago. A carteira da Ordem dos Músicos é o seguinte: você não pode tocar em lugar público nenhum sem ser associado da Ordem dos Músicos. Se você estiver tocando num barzinho, sem carteira, o dono do bar é multado porque não pode ter artista, ou música ao vivo, sem que esteja legalizado na Ordem dos Músicos. Prá isso que serve a Ordem dos Músicos. Então, trocando em miúdos, ela dá força prá quem é associado. Um camarada que não é associado, não vai tirar o trabalho de uma pessoa que tenha a carteira, né. Mas é por aí... Porque por outra coisa, nunca me deram nada. Só mandam a conta.

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A SBACEM, era de diversões públicas, né. Não sei o que quer dizer SBACEM. Mas a SBACEM fiscaliza os clubes... Por exemplo, um clube não pode dar um baile sem primeiro tirar uma licença lá na SBACEM. Inclusive o Johnson era da fiscalização. O Lupicínio era o presidente. Depois que o Lupicínio morreu, parece que ficou o Hamilton Chaves... Outro amigo nosso, que era jornalista, que também morreu. Depois que morreu o Hamilton, eu não soube mais quem era, quem é hoje o presidente da Ordem dos Músicos... Me parece que o Lupinho, filho do Lupi, andou dirigindo por lá... Não sei se ainda está. Porque não é a minha área, entendeu? Decerto vem junto o fiscal da Ordem dos Músicos e o da SBACEM, quando tem baile...

Quando eu tocava mais seguido, não era tão rígido. Mas me parece que hoje 'tá sendo. Eles querem é dinheiro, né. Então tudo que é festa, que é baile que tem, a fiscalização vai lá. Eu não sou filiado ao Sindicato dos Músicos. Mandam seguidamente carta prá mim. Prometeram cargo na diretoria, porque teve eleição há pouco... Eu nunca fui lá, né. Não tive tempo de ir lá até hoje. Tudo é gente conhecida minha, mas eu não tenho tempo de ir até lá. As vezes as sessões deles são durante a tarde e eu quase não saio durante o dia.

Eu tenho uma letra que diz assim:

Eu fiz este samba num momento oportuno que me apareceu Disseram um dia que tudo que eu fazia não era só meu Acreditem vocês que toda pessoa tem poesia nas veias Mas ela aparece nas horas de dor, alegria ou saudade Não fossem essas coisas a vida da gente não era verdade163

Plauto Cruz

Eu nasci em 15 de Novembro de 1929. Na cidade de São Jerônimo, no Rio Grande do Sul.

Minha mãe chamava-se Elisa Cruz da Cruz e meu pai José Alves da Cruz. Minha mãe era doméstica. Meu pai era maquinista da Marinha Mercante. Também tocou flauta muito tempo. Ele tocava no tempo de moço, no cinema mudo. Tocou aqui no Cinema Navegantes. Prá ver como é velho o Cinema Navegantes. Tocava flauta. Fazia aquelas "cortinas", cenas né. Fogo eles faziam com papel... Faziam aqueles acordes, com violões, com flautas... Eles faziam atrás do pano que passava o filme. Olhavam por trás. A pessoa que 'tava assistindo não via eles. Tive dois irmãos: Paulo e Cláudio. Nós perdemos o Cláudio. Mas morreu faz tempo. Tinha 11 anos. Em 1961.

Eu estudei em São Jerônimo mesmo, no Grupo Escolar Castro Alves. Estudei até o 5o. ano, no curso primário. Quando eu ia entrar no 6o. ano parei. Mas eu escrevi bem, viu. Deu prá escrever bem. Saí do colégio por opção de trabalho e pela música mesmo, pois já tocava em baile.

Eu com 8, 9 anos já tinha vontade de aprender. Por volta dos 14, eu furava taquarinha, prá poder tocar. Meu pai não queria que eu tocasse não. Ele achava que a gente ia ser boêmio, não ia parar em casa... Mas depois que ele soube que eu tocava mesmo, num conjunto carnavalesco em São Jerônimo, aí deixou de mão, e me deixou livre. Porque ele sabia que eu queria aprender, né. Me deixou mais à vontade. Me deu uma flauta de ébano de presente. Aquelas de madeira branca, que era tipo um osso... Que o ébano de madeira escura é recente, né. Me deu aquela flauta e me deixou à vontade prá tocar. Trabalhei em dois cordões carnavalescos: Os Batutas e o Não Sai. Quando Os Batutas ganhou, eu ganhei livros prá estudar, cadernos... Então, era gurizote. Com 13, 14 anos... Ainda no primário. Aí me incentivou... Me diziam, "Plautinho, continua..." Depois com 15, 16 anos, não parei mais de tocar.

Aos 20 anos eu trabalhava numa companhia aqui em Porto Alegre, na Imcosul. Como expedidor. Mas, larguei de tudo, prá continuar na música. Nessa idade, trabalhei também em diversas emissoras de rádio: Itaí, Farroupilha, Difusora, Gaúcha, Guaíba... Toquei em todas as rádios e televisões em Porto Alegre. Por volta dos 23, 24 anos

163 Entrevista realizada em 6/1/94.

comecei a estudar música. Prá ficar mais "consciente" do instrumento. Estudei uns três ou quatro anos... Estudos pelo espelho também, prá ver onde colocava os dedos... Não podia olhar, porque a flauta transversa não é possível... Escrevo bem música, leio... Estudei esse tempo, depois fui desenvolvendo mais por minha conta.

Também trabalhei em marcenaria, em fábricas de faca de cozinha... Colocava cabo nas facas. Trabalhei em pelaria, esticando pele prá calçados, prá casacos. Trabalhei numa pelaria muito antiga, não sei se existe ainda, a Polar. Trabalhei no Wallig, fogões... Vários serviços, sabe. E, na Imcosul, como expedidor. Encaixotando rádio, engradando... Ali foi meu último serviço. Depois segui na música. Porque eu tocava na rádio Farroupilha, aos 21 anos. Mas eu ainda trabalhava uns tempos na Imcosul. Aí eu já tinha tido algumas aulas.

Meu professor de música chamava-se Arthur Schefer. Já dava umas notinhas... Depois com 24, 25 anos eu passei a compor música. Sambas, chorinhos, outras coisas... Eu era garoto e a minha mãe sugeriu que eu fizesse essas aulas como o seu Arthur. Aqui em Porto Alegre. Ele me alertou muito na parte musical. Eu vivia escutando também um flautista muito antigo. Chamava-se Benedito Lacerda.

Eu tinha o livro de música... E o cara me dava um escrito, eu levava prá casa a lição e trazia, e ele me testava. Esse cidadão, com quem eu estudei depois de grande, chamava-se Marcos Mandagará. Aí foi que ele me orientou. Inclusive eu fiz um show, chamado "Ao Mandagará". Talvez eu tenha, ainda, o escrito dessa música em casa. Foi uma homenagem prá ele, né. Ele era músico do 18o. R.I. Militar. Tocava muito bem. Tocava clarinete. Aí que eu fui estudar mesmo. Estudei uns três anos com ele, e depois estudei mais pelo método do bandolim. Fazia as escalas de Dó a Dó. Ascendente e descendente. Naturais, cromáticas.

Também toquei cavaquinho. Me dediquei muito ao cavaquinho, não como solista, mas como centro. Eu toquei também em conjuntos como cavaquinista. Toquei quase sete anos. O solista é aquele que sola, e o centro faz o acompanhamento. Trabalhei também assim, no pagode, no samba. Mas sempre voltei prá flauta. Meu ideal é flauta. Também toquei flautim em banda. Por curiosidade eu cheguei a tocar pandeiro em algumas ocasiões. Fui pandeirista um ano e pouco, mas depois parei. Mas, sempre com o sentido na flauta. Sempre toquei a flauta transversa, sempre de lado. Desde o tempo que eu furava taquarinha. Quando eu comprei as de metal, também comprei estas desse estilo.

Já fiz o cinqüentenário de música... Eu tenho 64 anos, né. Entre amador e profissional. Já fiz 51 anos de dedicação à música.

Eu me casei com 27 anos. Eu trabalhava na rádio Farroupilha... Num programa muito famoso, que era a Rádio Seqüência. Tinha o Clube do Guri, do Ari Rego, onde eu conheci Elis Regina, nos seus 12 anos. Bem garotinha. Já cantando... Querendo entrar no samba, já cantando jazz. Ali conheci a Elis. Fizemos amizade. Com os

amigos trabalhando em casa noturna... Fui me saindo... Porque a gente tem que ter aquela prática, a "tarimba" na música... Fui me "tarimbando"...

Quando eu me casei, ganhava um salário mínimo. Vivia apertado. 'Tava sempre me virando. Agora prá mim já é mais folgado. Um show aqui, outro ali... "Tá sempre cobrindo aquelas despesas... E, naquela época não sobrava.

Eu casei no Dia dos Namorados, 12 de Junho de 1957. Minha esposa se chama Eva Maremi Fraga Cruz, que é o meu sobrenome, né. Meus filhos chamam-se: Maria Elisa, Marlene, José Bernado, Jorge Luís, Jairo e a Juliana. Eu tenho 6 filhos, mas nenhum deles faz música. Sabe, eu não sou daqueles pais que decide o que os filhos vão fazer. Podem ser o que quiserem. Todos seguiram esse lado, fora da música... Tudo bem. Quando me perguntam se nenhum filho meu é músico digo que não. Mas, a ourivesaria é arte. Pintura é arte. Tudo prá mim é arte. Não é só música não. Minha esposa nunca se importou com as viagens, apresentações... Ela sabia que eu era músico. Não se preocupa porque sabe que estou com os amigos... Eu vou viajar já me dá saudade, telefono... Ela sempre foi dona-de-casa.

Depois que me profissionalizei na música, só trabalhei com a música. Com a música que eu ganho o meu sustento, prá família toda, né. Sempre me sobra um troco prá poder ter uma segurança, né.

A primeira rádio que eu trabalhei foi na Gaúcha, na Sete de Setembro... Tinha 11, 12 anos. Fugia de casa, pulava a janela prá tocar e tirar o prêmio de 50.000 réis. Chamava-se a "Hora do Bicho". A mamãe me prendia, mas eu fugia. Me escutava pelo rádio... Lá 'tava o guri tocando de novo. Ganhava um dinheirinho lá... Tirava o primeiro prêmio, 50.000 réis... Era uma notinha pequenininha... Depois da Gaúcha, toquei num programa de uma rádio, chamada rádio Clube Metrópole. Antes rádio Canoas... Acho que ainda existe a rádio Metrópole. Ali eu toquei com um regional, chamava-se Barros. Já faleceu. Bom violonista. Catarinense, muito bom. Então passei a trabalhar depois na rádio Itaí, com o Braguinha, na Farroupilha com Antoninho Maciel. Perdemos esses dois... Deus chamou... Em São Paulo, trabalhei num regional muito bom, o Lenha de Casa. O Agnaldo, o Nelsinho, o Arnaldo, são meus amigos também... O Jessé Silva... Saudoso Jessé! Participei em festivais de chorinho, com o Lenha de Casa. Foram grandes coisas que me aconteceram na vida. Eu tenho grandes troféus, nesse mesmo festival... E, viajando de lá prá cá, daqui prá lá... Vitória, Espírito Santo, Brasília... Tive no Clube do Chorinho três vezes... Inclusive eu tenho o diploma... Sócio benemérito do Clube do Chorinho do Brasil. O dia que for lá eu tenho entrada à vontade. Mais outros fatos que a gente vai guardando de lembrança, né.

Da rádio Itaí, eu fui passando prá Farroupilha... Com mais propostas... Na Itaí eu já era contratado, como músico. Dali eu fui prá Farroupilha, com um pouco mais de dinheiro. Um outro contrato. Na Farroupilha passei prá rádio Gaúcha. Eles queriam o meu "concurso"... Me tiravam da outra rádio, eu ia De repente, me davam mais

dinheiro. Naquela época, em moço, eu 'tava assim numa espécie de auge... Porque eu agora estou trabalhando de novo, no auge da música de novo, com a idade que eu estou, né. Estou trabalhando em shows, pelo interior do Estado... Mas, quando eu era mais novo, tinham as propostas que vinham... Eu parava dois, três anos numa emissora... Quatro e meio na outra... Eu não podia trabalhar nas duas num tempo só. Tinha que ir de uma prá outra. Tinha um contrato assinado que obrigava a gente. Era uma forma de nos valorizar.

Estou trabalhando, atualmente, com Mário Barros.164 Depois dos vários conjuntos que eu trabalhei, eu estou agora com o Mário Barros. São violões que me acompanham... Tem o Menotti Garcia, Joel Moraes, Darci Alves, Fabrício... Grandes violonistas... Também já trabalhei junto com o Lúcio do Cavaquinho, que é do Grupo Lamento... Também trabalhamos muito tempo juntos.

Eu conheci o Lupi há anos, trinta ou quarenta anos. Tocando as músicas dele, às vezes com ele... Gravei um LP com ele. Ele tinha uma casa em Porto Alegre que chamava-se Batelão. Eu trabalhava na Varanda, uma outra casa perto dali... Então eu ia ali curtir o Lupicínio Rodrigues... Aí às vezes ia com a flauta, dava uma "canjinha"... Foi quando ele me mostrou a última composição. Ao que eu retruquei dizendo que não era a última, e ele asseverou que era a última. O Lupi era muito assim, né, muito à vontade. Chama-se Coquetel de sofrimento. Muito linda a música. Até uma colega nossa, a Lourdes Rodrigues... Uma criatura, uma voz incrível... Prá mim, um fenômeno. Ela canta o Coquetel muito bem. A Lourdinha... É cantora do meu tempo da rádio Farroupilha. A Lourdes jamais se entregou aos anos... Até hoje, 'tá cantando como nunca.

O contato que tive com o Lupicínio foi no Batelão, e antes mesmo do Batelão, quando ele tinha o Mau-mau, o Galpão do Lupi, ali na João Alfredo... Antiga rua da Margem, quase esquina da Joaquim Nabuco.

Tinha uma gravadora na Marechal Floriano, chamava-se ARTECSOM. Nesta gravadora, gravei um disco com ele. Um samba muito bonito. Gravou Rosário de Esperança... Lindo também. Esse LP ou veio, ou então não lançaram esse disco... Depois foi lançado com o Jamelão. Depois outro disco que eu fiz com ele foi lançado. Porque eu fiz dois discos com ele. Um foi lançado e o outro não. Não sei porque... Fizemos um regional, quando foi gravado esse disco... O Darci no violão... O saudoso Clio Paulo, no cavaquinho... Prá fazer o LP com o Lupi...

Eu devo ter "rolando" aí pelo Brasil umas 18 músicas. Sempre vem alguma coisa de direito autoral. Sou associado em duas arrecadadoras: a SOCINPRO,165 que o diretor é o Luís Vieira e, a SBACEM, que era o Lupicínio... Depois não sei se ficou o Lupinho tomando conta... Eu recebo pelo ECAD, então a arrecadadora que me paga é

164 165 Mário Barros é violonista. Não encontrei a definição para esta sigla.

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