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Cruz
a SBACEM. Eu recebo todos os meses... Sempre tem um dinheirinho prá buscar, né. Os direitos de execução coletiva... Sempre vale a pena, porque sempre tem um dinheirinho... O compositor sempre é o que recebe menos mesmo. De repente ele não sabe quanto é que deu, qual é o rateio que dá... Mas o que vem, vem... Ao menos recebe, né.
Sou filiado ao Sindicato dos Músicos... Todo ano tem o imposto sindical, né. E, também, pela Ordem dos Músicos. Inclusive nesta gestão desse ano ainda sou do Conselho Deliberativo da Ordem... Sou suplente justamente da Lourdes Rodrigues. De repente ela não vai e eu vou no lugar dela. Eles fazem uma escolha pelo nome das pessoas e votam. O Norberto Santos é o diretor administrativo. 'Tá sempre fazendo aqueles programas pela Ordem... Fui há pouco tempo com ele à Santa Cruz... Fizemos um programa... Fui com um conjunto muito bom. O grupo Clave de Sol, com Sampaio, com Alésio, com Ademarzinho, a turma toda né. A gente sempre 'tá com essa turma tocando. E, entrando mais um dinheirinho... A gente recebe um cachê pela Ordem... No Sindicato é o Vedana. Outro cara também esforçado. Fora isso, uns amigos meus também, como pianistas... O Paulo Pinheiro, o Adão Pinheiro... Amigos que eu trabalhei sempre junto... Tem o Hélio Pinheiro, toca tango, outro estilo de música. Quando não é violão, é piano... Eu viajo com o Mário, pro Paraná, Santa Catarina, às vezes por 15, 20 dias... Ele pega o monza dele... Tudo com contratos... Me faz um bem incrível. Que legal, né? Minha vida é isso aí, ajudar os amigos, os colegas e viver a música. Gosto disso aí, gosto muito.
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A música me dá um alento incrível. Me tira todos os pensamentos negativos. Através da música esqueço tudo. Não tenho maldade por ninguém... Nunca tive inimigo. Não tenho ninguém por inimigo. Eu me sinto bem. Se isso for pago 'tá bom, se tiver que ser de graça, vou lá e toco também. Porque eu gosto muito de tocar.
A música não tem fronteira não. É a maior linguagem do mundo. Tem que viver música mesmo. Te larga de corpo e alma através de uma melodia bem tocada. Não tem fronteira. Jazz, blues, chorinho, bossa-nova... Tem quem vai escutar e quem vai gostar sempre. Quem não gosta de música, não tem o que escolher. É o que me dá força prá continuar sempre. Me perguntam porque eu não 'tou milionário... Mas eu tenho saúde e os meus amigos... Vou tocando...
Isso só faz bem prá gente. O dia que eu morrer eu vou morrer tranqüilo. Eu fiz aquilo que eu gosto de fazer. Viver prá família, pros amigos e tocar. A gente não é imortal. Então, morre feliz.166
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A Construção da música pelos sujeitos
Entrevista realizada em 7/6/94.
A experiência dos entrevistados
Duas características básicas definem o grupo de entrevistados nesta dissertação: o amor à música e à boêmia; e a diversidade das pessoas que o compõem.
A aproximação destas pessoas dificilmente aconteceria se não fosse pela atividade musical. Pelo pequeno relato da história de cada entrevistado é possível perceber as diferenças de formação cultural, social e mesmo, as condições econômicas de existência. Na própria construção do conhecimento musical as possibilidades de acesso são também bastante diferentes e antagônicas. Da experiência individual de cada entrevistado depende sua percepção em relação à música, assim como, do conjunto destas mesmas pessoas, a construção de um tipo de conhecimento e prática musical peculiar a este grupo.
Pessoas como Johnson, Rubens Santos, Zilá Machado, Jorge Machado e Plauto Cruz associam sua iniciação musical diretamente a pessoas que já faziam música, mesmo não tendo para isso uma formação mais específica. A proximidade destes indivíduos com a música se deu por uma relação cotidiana, bastante próxima à sua rotina e feitos diários. Não é o caso de Demosthenes Gonzalez, Paulo Sarmento, Jaime Lubianca, Hardy Vedana e Lourdes Rodrigues, que estiveram próximos de pessoas mais escolarizadas na prática musical. A diferença entre estes e os primeiros está em que freqüentaram ambientes onde a formação musical se dava de maneira mais sistematizada e segundo maiores exigências quanto ao conhecimento prático e teórico. Mesmo que não tenham, em sua própria formação, realizado um estudo mais sistematizado na música, tinham consciência das restrições e exigências que se colocavam a quem ingressasse nesta área sem um conhecimento mais específico ou "apropriado".
No entanto, o que basicamente aproximou o grupo de entrevistados foi o surgimento de um tipo de música considerada "popular e brasileira". Apesar de reconhecerem as especificidades desta música feita em Porto Alegre, construída fora do eixo do Rio de Janeiro, que se mostrava até então portador de um movimento com tais características, teimam por afirmá-la segundo estas duas qualidades. Para os entrevistados, independe a origem étnica ou social dos compositores ou intérpretes na construção da música feita nesta cidade quando a definem como "popular" e "brasileira". Sejam brancos, negros, mestiços, percebe-se na música feita por estas pessoas o surgimento de ritmos e melodias que ultrapassam as fronteiras das afinidades culturais/étnicas. Novas fronteiras são construídas. Novos espaços são abertos. Da valsa ao samba, dos ritmos abolerados às canções de serenata, tudo isso compõem o repertório deste grupo. Tudo isso é considerado por eles "música popular
brasileira". Os ambientes de música alternam-se, o grupo permanece. Do cabaré ao barzinho, do programa de rádio ao disco.
As diferenças na escolaridade dos entrevistados se relacionam também com sua formação musical. Na medida em que alguns tem acesso às instituições de ensino cujo complemento nesta área se faz mais presente, outros nem chegaram a concluir o curso primário. Neste sentido, inverteu-se a prática. Pode-se perceber no grupo que algumas pessoas que teriam melhores condições materiais de aprofundar seus conhecimentos musicais não o fizeram, mas continuaram ligados à idéia de música popular associada à informalidade na prática musical. Outros, contrariando o esperado, acabaram por seguir tal ofício, chegando à especialização e profissionalização na atividade musical. Alguns dedicaram-se à música em tempo integral e tiraram dela o seu sustento e de sua família. Outros continuaram a levar suas profissões, onde a música representava uma atividade alternativa de aproximação com outro grupo de pessoas. Chama a atenção o variado número de profissões que compõe o grupo dos entrevistados: funcionário público, cantor e compositor, jornalista e publicitário, instrumentista, agrônomo, professor, comerciante, entre outras. Apesar de todas as responsabilidades que cercam a vida dos entrevistados, como os filhos e o trabalho, a música aparece como razão de existência nas suas vidas.
A partir destas colocações do grupo de entrevistados é possível compreender a multifacetada existência de Lupicínio Rodrigues na cidade de Porto Alegre. Saído da Ilhota, pobre, mestiço, teve na música o vínculo com uma cidade que orgulhava-se, até então, de sua herança branca, européia. A música foi para Lupicínio o veículo de acesso através dos diversos limites imaginários, ou não, que a vida cultural da cidade de Porto Alegre colocava. Nas manifestações musicais que surgiam na cidade estavam as pessoas que viviam, sentiam e se recriavam.
Neste sentido é importante ressaltar uma outra faceta da boêmia. Geralmente este termo é associado à pratica da música na noite. No entanto, não se resume a isso. Através dos depoimentos é possível perceber que a música era um veículo de aproximação de um grupo, mas que não resumia seus interesses à ela. Neste caso, através da música fluíam outras relações, novas perspectivas sobre a sociedade, novas imagens sobre o mundo, que a criação musical refletia. As saídas na noite de Porto Alegre iam além do exercício musical. Os depoimentos mencionam sentimentos de interação destes indivíduos com as demais pessoas, descritos por eles como de "universalização". Percebem-se de modo especial, ao divertirem-se nestas noitadas, justificando todo o cansaço físico, que se arrastará pelo outro dia de trabalho. A música torna leve o esforço. Os depoentes vêem-se como pessoas tocadas por este privilégio. Expressões como o "alimento da alma" ao definirem não apenas a música, mas o fato de fazer a música, demonstram estes sentimentos. Nos vários depoimentos, embora ditos das maneiras mais diferentes, manifesta-se a crença na função social