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Imagem 4 – Notícia publicada em O Estado de S.Paulo, em 15/10/1994, p. C4
from Ginga no asfalto: figuras de marginalidade nos sambas de Germano Mathias e nos raps do Racionais MC'
Imagem 4 – Notícia publicada em O Estado de S.Paulo, em 15/10/1994, p. C4.
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De acordo com Michel Misse (2010:24), a representação social do “bandido” incorpora três dimensões: a “trajetória criminável”, ou seja, a expectativa de que haverá, em algum momento, demanda pela incriminação de um determinado agente; a “experiência específica” deste agente, obtida em suas relações com outros bandidos e/ou com a experiência penitenciária; e a crença de que o agente não poderá justificar sensatamente seu curso de ação ou, ao contrário, a crença em uma justificação que se espera que esse agente dê (ou que possa ser dada legitimamente a ele) para explicar por que segue reiteradamente um curso de ação criminável. Como se nota, esses aspectos
constituem o tratamento dado a Edi Rock pelas forças da lei, pela imprensa e pela sociedade na ocasião, conforme ele também evidencia no rap “A Vítima”:
A mídia, a justiça querendo me fuzilar Virei notícia, primeira página Um paparazzi focalizou a minha lágrima Um repórter da Globo me insultou Me chamava de assassino, aquilo inflamou Tumultuou, nunca vi tanto carniceiro Me crucificaram Me julgaram no país inteiro Pena de morte, se tiver sorte Cadeira elétrica, se fosse América do Norte Opinião pública influenciada Era um réu sem direito a mais nada Meu mundo tinha desabado Na lei de Deus fui julgado Na lei do homem condenado Assim é necessário ampliar os sentidos da narrativa de “A Vítima”, a começar pelo próprio título, que se trata de uma referência ambígua tanto ao acidentado quanto aos processos a que o MC foi submetido depois da contingência em que se viu envolvido. Pelo enfoque da Vitimologia139, no Direito Penal, existem outros níveis de vitimização além da provocada pelo delito, seu primeiro grau. A vitimização secundária seria causada pelas instâncias formais no decorrer do processo de registro e de apuração do crime, por exemplo, durante a realização do boletim de ocorrência, o exame de corpo de delito ou a chamada para prestar depoimentos em juízo. E a terciária diria respeito à estigmatização da vítima no âmbito social, o que é comum, por exemplo, em crimes contra a dignidade sexual, ou quando a vítima passa a se enxergar como corresponsável pelo acontecido. Ao considerar esses últimos dois sentidos, nota-se que Edi Rock se define na música como uma vítima indireta. Isso acontece devido à sujeição criminal, à cobertura midiática tendenciosa (“opinião pública influenciada”), ao sistema judicial (“dois anos e
139 Com base no artigo “Vitimização e processo penal”, de Sandro Carvalho Lobato de Carvalho e Joaquim Henrique de Carvalho Lobato, publicado na biblioteca jurídica do Portal de e-governo, inclusão digital e sociedade do conhecimento da Universidade Federal de Santa Catarina. Disponível em: http://www.egov.ufsc.br:8080/portal/sites/default/files/anexos/13746-13747-1-PB.pdf. Acesso em 6 de outubro de 2018. Também me baseio no post ‘Análise de “A Vítima – Racionais MCs”’ feita por Hermes Elegguá (possível pseudônimo de Hermes Lisboa) no blog [des]Razão do Direito. Disponível em: http://razaododireito.blogspot.com/2014/07/analise-criminologica-de-vitima.html. Acesso em 6 de outubro de 2018.
pouco de audiência/ pra mim já era o início da minha penitência”), à angústia com a morte da outra pessoa e com a sua situação (“o pesadelo apenas começava” ,“um suspiro, perdi a calma/ vi uma faca atravessando a minha alma”). Deste modo, é possível compreender como a experiência concreta de marginalização a que foi submetido se articula à narrativa de “Na Fé Firmão”, rap em que assume o lugar de um bandido. Não à toa, na letra são evidentes as marcas pessoais (como o próprio nome soletrado), assim como as intertextualidades com a narrativa anterior (“A Vítima” é a sexta, e “Na Fé Firmão” é a sétima faixa, do disco Chora Agora, do primeiro CD duplo Nada como um dia após o outro dia): No corredor da morte, o apelo da sentença O sol da liberdade é a verdadeira recompensa Meu delito, um rap que atira consciência É crime hediondo a favela de influência Na rua eu conheço as leis e os mandamentos Minha dívida sagrada eu carrego o juramento (...) Voltei, tô firmão, então, daquele jeito Eu não sou santo, eu tenho meus defeitos Meu homicídio é diferente Eu sou o bem, já citei, mato o mal pela frente Esses aspectos explicam ainda os motivos pelos quais a personagem bandida aqui surge a partir de um recorte que lhe confere um ar de paladino – alguém que corrige os erros e ministra a justiça, depois de ter sido ele mesmo vítima de injustiças, conforme explica Eric J. Hobsbawm (2010).
O mito do bandido também persiste no mundo urbanizado moderno como uma espécie de memória popular a que periodicamente os meios de comunicação públicos e o ressentimento privado dos fracos injetam vida nova. Todo mundo sabe, por experiência, o que significa ser tratado injustamente por pessoas e instituições, e os pobres, os fracos e os desvalidos sabem disso melhor do que ninguém. E na medida em que o mito do bandido representa não só liberdade, heroísmo e o sonho de justiça para todos, mas representa também, de modo mais especial, a rebelião da pessoa contra a injustiça de que é objeto (a correção de minhas injustiças pessoas), perdura a ideia do justiceiro pessoal, principalmente entre os que carecem das organizações coletivas que são a principal linha de defesa contra tais injustiças. Não faltam pessoas na parte inferior da sociedade urbana moderna que sentem isso. (HOBSBAWM, 2010:220) [grifo do autor] Por isso, além de buscar dinheiro “igual coreano e judeu”, a atitude do protagonista envolve o resgate de sua reputação, que acontece por meio da reafirmação