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Diálogos Necessários

Você já parou para pensar como as crianças lidam com o que você propõe em termos de planejamento? Já identificou que, muitas vezes, elas tendem a ressignificar o que você, professor(a), lhes oferece nas atividades que propõe? Já considerou que, em muitas situações, quando você está explicando sobre uma determinada coisa ou situação, as crianças apresentam um amplo repertório de conhecimentos sobre o assunto? Pois bem! Se você já considera essas questões no âmbito de seu trabalho cotidiano, é um sinal de que você é sensível à participação infantil. Mas o que é participação infantil? Como as crianças podem participar mais ativamente do cotidiano pedagógico da instituição?

A participação infantil tem sido discutida nas pesquisas realizadas em diferentes áreas do conhecimento educacional, sobretudo no campo dos Estudos da Infância, sendo a criança vista como sujeito de direitos, potente e capaz de construir e reconstruir culturas. Segundo Cruz (2011), a participação é um dos pressupostos para a qualidade do atendimento nas instituições de Educação Infantil. Nesse sentido e buscando garantir esse direito, as crianças são compreendidas como sujeitos e não objetos de pesquisa, com direito à fala e à escuta, contribuindo, assim, para a reflexão sobre as situações de aprendizagem vivenciadas e/ou construídas por elas e com elas no espaço escolar. Promover a participação das crianças depende não somente de elas poderem se expressar na escola, mas é preciso que tais expressões sejam reconhecidas pelos adultos. É necessário que meninos e meninas também sejam reconhecidos(as) como ativos(as) na construção de sua própria vida, na vida das pessoas que os(as) rodeiam e da sociedade onde estão inseridas, não subestimando sua capacidade por se expressarem de forma diferente dos adultos (AGOSTINHO, 2010). Portanto, pensar a participação infantil é pensar o conceito de participação como “ser parte do processo”, isso quer dizer, participar de forma ativa, com o direito e poder de definir sobre as decisões ou caminhos a serem tomados, sem diminuir o papel do adulto. A limitação ou potencialização da participação das crianças depende das relações de poder que se estabelecem no ambiente, sendo possível a criação de espaços que estimulem seu envolvimento nas decisões coletivas da rotina da instituição.

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A participação, desse modo, é um compromisso recíproco entre os sujeitos – crianças e professores -ao explorarem soluções compartilhadas para situações do cotidiano. Assim sendo, a participação se torna compromisso de toda comunidade escolar, não apenas numa acepção simplista do “fazer parte”, mas dar sentido à participação como algo próprio da vida na coletividade. O direito de participação das crianças está relacionado aos direitos de experienciar, experimentar e opinar, trazendo uma ideia de cidadania vivida nos contextos em que ela ocorre.

Reconhecer o direito de participação das crianças no contexto educacional é também reconhecer sua competência social, cabendo ao adulto a organização de tempos e espaços para a efetivação desse direito. A participação infantil, além de um direito, é também uma necessidade para o desenvolvimento do princípio da democracia, pois implica interações, convivência, ideias, pensamentos, reflexões diversas que acontecem nas relações sociais.

Crian As E Inf Ncias

Partindo do pressuposto de que a participação das crianças é um fator importante para a construção do trabalho pedagógico de qualidade nas instituições de Educação Infantil, organizamos esta Revista. Ao se pensar na construção de práticas pedagógicas, as contribuições das crianças precisam ser consideradas. Para isso, é importante uma escuta sensível que objetiva apreender como a criança pensa, questiona, interpreta e relaciona a sua realidade, com seus pares e com o adulto, pois “...o que escutamos é somente uma parte de um conhecimento mais amplo, [sendo preciso] sensibilidade para ouvir e ser ouvido, não somente com os ouvidos, mas com todos os sentidos” (RINALDI, 2005, p.124).

A noção de criança e de infância resulta de uma construção social e histórica: do “miniadulto” ou do “sujeito incapaz” e que devia ser conduzido ao sujeito de direitos, ativo e construtor de cultura, que “contribui para a produção de sociedades adultas” (CORSARO, 2011, p. 15).

A história cultural da infância se “move por linhas sinuosas com o passar dos séculos”

(HEYWOOD, 2004, p. 45), sendo que a sociedade atua como fator preponderante para a formação e integração da criança no mundo infantil e adulto simultaneamente. Com o avanço das pesquisas dos Estudos Sociais da Infância, essa etapa da vida passa a ser compreendida como plural, sinalizando a existência de diferentes infâncias e crianças em contextos diversos e muitas vezes desiguais.

As crianças contemporâneas vivem numa sociedade marcada pela exclusão e pelos contrastes, tornando, assim, impossível pensar em uma única forma de ser viver a infância. Posto isso, em uma atmosfera diversificada, as crianças se desenvolvem por meio da interação e das brincadeiras. Como sujeitos, elas influenciam e são influenciadas por seus pares, por adultos e pelo próprio meio. Desse modo, buscar uma ação pedagógica comprometida com a concepção de criança capaz de participar da definição dessas práticas é refletir sobre seu potencial como agente de instituição e transformação da sociedade onde está inserida (ANDRADE, 1997). É pensar na sua capacidade de interagir de forma independente e de fazer escolhas.

A criança estabelece relações sociais de forma ativa, incorporando papéis e comportamentos próprios da sociedade, ao interagir ativamente com os adultos e com os seus pares, assim como com o ambiente no qual está inserida.

Participa O Das Crian As

As crianças formulam um sentido para o mundo em suas relações sociais e culturais, sabem tanto quanto o adulto, porém, de uma forma distinta, com uma diferença qualitativa e não quantitativa. Em vista disso, ao afirmarmos sobre a atuação das crianças em ressignificar, construir e modificar culturas, acreditamos na sua autonomia, como indivíduos capazes de exprimir pontos de vista que são genuínos, originais e merecem ser considerados. Conforme salienta Corsaro, as crianças não são receptáculos passivos das culturas adultas, mas sujeitos ativos na produção cultural da sociedade, recebendo através das múltiplas instâncias de socialização as culturas socialmente construídas e disseminadas, que interpretam de acordo com seus códigos interpretativos próprios, configurando-se assim uma situação de “reprodução interpretativa.

(Corsaro, 1997 citado por Dorneles, 2007, p. 22-23)

Nessas relações sociais, as crianças se constroem e apreendem o mundo adulto, ressignificando-o.

Uma vez que a assimilação do mundo adulto não é somente uma imitação passiva das relações percebidas nesse intercâmbio, observa-se a utilização de diferentes formas de expressar pelas crianças. Entre as mais significativas para a infância, estão as interações e o brincar. Nesse exercício, elas consolidam os conhecimentos sobre o mundo e revelam sentimentos, desejos, inquietações e exprimem seus saberes ao experimentar, imitar, repetir, imaginar e criar.

Estudos recentes realizados por Silvia Cruz (2008), Julia Formosinho (2008), entre outros, refletem a preocupação em considerar as vozes infantis e as instituições educativas focadas no atendimento da Educação Infantil, instituições fundamentadas no mundo social da criança, como espaços privilegiados para escutá-las.

Ao discorrer sobre a necessidade de ver e ouvir as crianças, Cruz (2008) pauta a importância da construção de um olhar e uma escuta sensível e cuidadosa.

De tal modo, ouvir a criança dessa etapa é um importante passo para garantir sua participação e fortalecimento da instituição de Educação Infantil, enquanto espaço a ser apropriado pelas crianças.

Em outras palavras, o envolvimento da criança é um dos aspectos de garantia de qualidade do atendimento, “fundamental para que a creche e a pré-escola sejam espaços de enriquecimento, de desenvolvimento e de prazer, para todas as crianças” (CRUZ, 2011, p. 67).

As instituições de Educação Infantil têm o desafio de propiciar e estimular a participação das crianças nas práticas educativas, priorizando a escuta sensível e inclusiva da criança tratada como ser competente, completo e consciente das transformações ao seu redor.

Objetivando a superação desse desafio, emergem, no campo pedagógico, as pedagogias participativas, tendo como premissa central o reconhecimento da criança como centro do processo educativo. Segundo Formosinho e Oliveira Formosinho há dois modos essenciais de fazer pedagogia o modo da transmissão e o modo da Participação. A pedagogia da transmissão centra-se no conhecimento que quer veicular, a pedagogia da participação centra-se nos atores que coconstroem o conhecimento participando nos processos de aprendizagem

(Oliveira-Formosinho; Formosinho, s.d., p. 2)

Tais abordagens têm seu foco na interação entre os atores que convivem cotidianamente na escola. Sendo assim, o(a) professor(a) é visto(a) também como um(a) pesquisador(a), juntamente com as crianças, que têm seu senso investigativo reconhecido e valorizado.

Podemos identificar diferentes abordagens e propostas curriculares, baseadas nas pedagogias participativas, que discorrem sobre a relevância da escuta e participação das crianças nos processos de construção de conhecimento (FOCHI, 2018). Nesse horizonte, podemos citar o Movimento da Escola Moderna, a ideia de Pedagogia em Participação de Formosinho, do pedagogo brasileiro Paulo Freire, que, apesar de não ter se dedicado aos estudos da infância, tem seus trabalhos centrados nos sujeitos e na educação como prática da liberdade e, ainda, as abordagens italianas inspiradas nos estudos de Loris Malaguzzi.

AGOSTINHO. Kátia Adair. Formas de Participação das Crianças na Educação Infantil. Tese de Doutorado em Estudos da Criança. Universidade do Minho. 2010. Disponível em: https://repositorium. sdum.uminho.pt/handle/1822/11195>. Acesso em: 11 jul. 2019.

ANDRADE, Angela Nobre de. A criança na sociedade contemporânea: do ainda não ao cidadão em exercício. Disponível em: SciELOBrasil - A criança na sociedade contemporânea: do ‘ainda não’ ao cidadão em exercício A criança na sociedade contemporânea: do ‘ainda não’ ao cidadão em exercício Acesso em: 11 jul. 2019.

COHN, Clarice. Antropologia da Criança. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.

CORSARO, William A. Sociologia da Infância. São Paulo: Artmed, 2011.

CRUZ, Silvia Helena Vieira (Org.). A criança fala: a escuta de crianças em pesquisas. São Paulo: Cortez, 2008.

Em suma, esses autores, teorias e conceitos nos ajudam a pensar no cotidiano das instituições de educação uma pedagogia das infâncias que nos permite pensar a ampliação das possibilidades de participação das crianças.

CRUZ, Silvia Helena Vieira. Consulta sobre qualidade na Educação Infantil: o que pensam e querem os sujeitos desse direito. São Paulo: Cortez, 2011.

DORNELLES, Leni Vieira. Produzindo pedagogias interculturais na infância. Rio de Janeiro: Vozes, 2007.

HEYWOOD, Colin. Uma história da infância: da Idade Média à época contemporânea no Ocidente. Porto Alegre: Artmed, 2004.

OLIVEIRA-FORMOSINHO, Julia; KISHIMOTO, Tizuko Morchida; PINAZZA, Mônica Apezzato. Pedagogia(s) da infância: Dialogando com o passado construindo o futuro. Porto Alegre: Artmed, 2007.

PINTO, Manuel, As crianças como construção Social. In: PINTO, Manuel e SARMENTO, Manuel Jacinto. As Crianças Contexto e Identidades. Universidade do Minho, Centro de Estudos da Criança, Portugal, 1997.

RINALDI. Carla. Diálogos com Reggio Emilia: Escutar, Investigar e Aprender. São Paulo: Paz e Terra, 2005.

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