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Quem tem medo de criança na Educação Infantil?
from Revista Percursos
by Marcia Gomes
Sandro Vinicius
Sales dos Santos Professor do Curso de Pedagogia da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri – UFVJM. Atuou como professor de Educação Infantil na Prefeitura e Belo Horizonte de 2005 a 2014.
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Fui convidado por Marcia Gomes para partilhar algumas de minhas experiências como professor de Educação Infantil – cargo público que eu ocupei de junho de 2005 a abril de 2014 – na Prefeitura Municipal de Belo Horizonte e que envolvem a participação das crianças no contexto de minha prática pedagógica.
Confesso que este exercício de revisitar minhas memórias do período em que fui professor de Educação Infantil me proporcionou lembranças e muita saudade desse momento de minha trajetória profissional e acadêmica. Se, hoje, sou professor universitário (e pesquisador do campo da infância e da Educação Infantil), com certeza, as origens desse percurso encontram-se no período em que atuei como professor nas Unidades Municipais de Educação Infantil (UMEIs), hoje, Escolas Municipais de Educação Infantil (EMEIs) de Belo Horizonte.
Nos quase dez anos de atuação em diferentes instituições de cuidados e educação de belohorizontinas, trabalhei com crianças de diferentes faixas etárias. Sempre gostei de atuar com os bebês –no berçário – pois acredito que acompanhar e poder contribuir com os processos de desenvolvimento que eles vivenciam nesse momento da vida é muito gratificante. Considero ser uma experiência ímpar trabalhar como mediador dos processos de apreensão do mundo pelos bebês.
De igual modo, também gostava muito de trabalhar com as crianças maiores, em especial, as de cinco anos de idade. Acredito que o maior domínio que elas possuem da linguagem oral me permitia uma maior aproximação com seus universos de referência; com suas produções culturais e com as experiências sociais que elas vivenciavam dentro e fora da escola. Ao me aproximar das experiências delas, eu tinha a possibilidade de construir outras e novas situações educativas que eram significativas tanto para elas quanto para mim. Foi assim que me constitui professor de Educação Infantil: me esforçando para observar e ouvir as crianças. Acredito que esse professor é, na realidade, o pai do pesquisador (e do docente universitário) que me tornei.
Mas, como profissional de Educação Infantil eu também possuía algumas limitações. Recordo-me que, ao longo de minha trajetória profissional eu evitava atuar com as crianças de três anos de idade. Não sei explicar o porquê dessa limitação; talvez porque a política da Educação Infantil na PBH previsse que as crianças e três anos fossem atendidas a partir de uma lógica organizacional muito próxima daquelas de quatro e cinco anos, quando, na realidade, seus processos de desenvolvimento as aproximassem das crianças de dois anos de idade. Não sei! O que sei é que, como costumo brincar com os/as estudantes do curso de Pedagogia, eu tinha pavor de crianças de três anos. O fato curioso é que, uma das experiências mais importantes envolvendo a participação das crianças no planejamento das práticas pedagógicas na Educação Infantil aconteceu, justamente, com as crianças de três anos.
No ano de 2010, eu fui aprovado no processo seletivo para ingresso no curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação Conhecimento e Inclusão Social da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (PPGEFaE-UFMG). Assim, já no início de 2011, eu abri um processo na PBH pleiteando licença sem vencimentos para estudos. Esse processo, aberto em fevereiro daquele ano, levava cerca de três meses para tramitar em diferentes instâncias, até que me foi concedida a liberação para os estudos em maio de 2011. Ocorreu que, naquele período, uma das minhas colegas de profissão, professora da turma das crianças de três anos, perdeu um ente muito querido e desenvolveu um quadro depressivo severo, vindo a licenciar-se já no início do ano letivo. Como eu ainda estava trabalhando e para evitar que uma professora advinda de outra instituição substituísse a colega, a direção me pediu que assumisse a turma de três anos, pois havia muitas crianças novatas e uma pessoa totalmente estranha àquele contexto, poderia não ser bom para os/as pequenos/as.
Aceitei o convite, mas fiquei apreensivo, pois, como dito, eu sempre evitei trabalhar com as crianças de três anos. As Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI) (Brasil, 2009) tinham acabado de ser revistas, ampliadas e reeditadas pelo Conselho Nacional de Educação, há poucos mais de dois anos. Nelas, havia toda uma discussão curricular que pressupunha que o trabalho pedagógico na Educação Infantil deveria partir das crianças, de suas experiências e das situações que elas vivenciavam no cotidiano. Ademais, essas Diretrizes concebiam as crianças como centro do trabalho pedagógico em creches e pré-escolas. Na PBH, vivíamos um momento de ampla formação, pois a RME, criava, por meio de um processo coletivo e dialógico, as Proposições Curriculares para Educação Infantil da PBH, que tinham como documento norteador as DCNEI. Diante disso, comecei a investigar formas de me conectar com o grupo de crianças de três anos. Após, muita leitura e investigação na e sobre a própria prática, decidi partilhar com as crianças o meu planejamento. No primeiro mês de trabalho, eu busquei identificar quais eram as atividades que as crianças mais gostavam. Dentre essas atividades, meninos e meninas me mostravam que gostavam da “Hora da Leitura”; da “Hora da matemática”; da “Hora do Baú do Faz-de-Conta” – uma caixa com fantasias que havia na UMEI; da “Hora da descoberta” – um momento em que eu levava alguma brincadeira ou atividade de exploração de conceitos científicos; da “Hora das Artes” –que poderia ser um desenho, uma pintura, uma colagem ou qualquer outra situação que envolvesse as artes visuais; a “Hora da Música”; “a Hora da Dança” (quase sempre aconteciam juntas); a Hora do Projeto (naquela ocasião, as crianças tinham um projeto de observação de um casal de corujas que habitava na escola), além da Hora do Parquinho –que naquele contexto era compreendido como um direito inegociável das crianças.
Depois que eu identifiquei que essas eram as atividades de que as crianças mais gostavam, comecei a registrar fotografias da turma de crianças de três anos nessas atividades. Solicitei à direção que imprimisse as fotografias em tamanho maior (15x21cm), colei-as em papel cartão colorido e coloquei o nome da atividade: Hora da Leitura; Hora da matemática etc. Por fim, plastifiquei as plaquinhas e passei a levá-las para a sala de referência a turma de três anos de idade. Assim, todos os dias, eu planejava o maior número possível de atividades e, sempre no início da manhã, logo após o desjejum das crianças, apresentava as plaquinhas ao final da roda de conversa e negociava com elas as atividades que iríamos desenvolver naquele dia. Muitas vezes, era um processo de negociação mesmo, pois em determinadas situações elas diziam para mim: –Sandro, a gente queria fazer desenho hoje! e eu dizia:
–Gente, mas nós desenhamos ontem?! Que tal a gente trocar: a gente substitui a “Hora das Artes” pela “Hora da Leitura”, pois eu trouxe um livro bem legal para a gente ler juntos hoje. Amanhã eu estou querendo trazer uma atividade de pintura! Vamos trocar?
Algumas vezes, eu conseguia convencê-las, outras não. E foi assim que, entre os meses de fevereiro e maio de 2011 eu consegui vencer minha insegurança de atuar com as crianças de três anos. Sem dúvidas esse foi um dos períodos em que eu mais trabalhei, contudo, foi também um dos momentos de minha trajetória profissional em que mais me realizei profissionalmente. Ao reconhecer que, apesar da pouca idade, do pouco repertório linguístico, as crianças eram capazes de apontar caminhos para uma prática pedagógica que fosse prazerosa para elas, mas sobretudo, repleta de sentidos para mim. Naquela situação, eu me aproximava cada vez mais delas e as compreendia melhor. Acredito que naquele período, eu compreendia uma das especificidades da docência da Educação Infantil: reconhecer a criança como sujeito no tempo presente, capaz de participar da própria educação.
Só depois de muito tempo, ao intensificar meus estudos sobre a prática pedagógica na Educação
Infantil é que fui me dar conta de que, naquela ocasião, ao buscar superar meu inacabamento profissional, eu estava construindo uma forma de ampliar a participação das crianças no planejamento da prática pedagógica na Educação Infantil. Considerando as crianças como sujeitos que participam ativamente de diferentes processos sociais, inclusive, das práticas de cuidado e educação a elas destinadas.
PARA SABER MAIS!
BELO HORIZONTE. Proposições Curriculares para a Educação Infantil: Fundamentos. (Desafios da Formação, 1) - Belo Horizonte: SMED, 2014. 136 p.
BRASIL, Ministério da Educação. Resolução CNE/CEB nº 05. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Oficial da União. Diário Brasília, 17 de dezembro de 2009.