Mulheres na Construção Civil

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Ficha técnica Organização/Edição Sérgio Coutinho Lopes Texto Alexandre Assumpção Ana Maria Felipe Carlos Santana Diego Gomes Nilcéia Freire Zuleide Araújo Teixeira Capa/Editoração Damião Abadi Fotos 2D Produção Gráfica SL Propaganda www.slpropaganda.com

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Sumário

SPPM ajudando a construir a autonomia das mulheres - 7 O orgulho de estar no caminho certo - construir a autonomia é antes de tudo resgatar a auto-estima - 9 Mulheres Construindo Autonomia - 11 Autonomia para as mulheres - uma grande missão do CCDS - 17 O que orienta o Programa Mulheres Construindo Autonomia? - 21 Análise da situação das mulheres no mercado de trabalho - 28 Síntese dos indicadores sociais do projeto - 32 Entrevistas - 37 Perspectivas de continuidade. Essa história não acaba aqui. - 70 Album - 73

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SPPM ajudando a construir a autonomia das mulheres

Apresentação

Ministra Nilcéia Freire Ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres

O Projeto Mulheres Construindo Autonomia é um marco na atuação da Secretaria Especial de Promoção de Políticas para as Mulheres, pois é um projeto focado em capacitar cidadãs para atuarem em campos tradicionalmente ocupados pelos homens. Sua atuação e desenvolvimento, em vários estados do país, buscou arregimentar mulheres com baixa escolaridade, pouca ou nenhuma profissionalização, e dar a elas a possibilidade real e concreta de se tornarem profissionais em áreas importantes e tradicionais como o artesanato e a construção civil. Uma grata surpresa! Pois percebemos que a iniciativa mobilizou as mulheres. Gerou interfaces interessantes com os vários polos receptores do projeto e, ao mesmo tempo, propiciou o resgate da auto-estima delas. No Rio de Janeiro - experiência que ilustra esta publicação - o projeto foi desenvolvido principalmente em casas religiosas de matrizes africanas, demonstrando em si a pluralidade de idéias envolvidas em torno desta atividade. Esperamos que esta experiência retratada neste livro estimule novas ações desse tipo e que possamos, nos anos vindouros, capacitar cada vez mais mulheres a conquistar um espaço que é delas e que só precisa ser ocupado.

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O orgulho de estar no caminho certo construir a autonomia é antes de tudo resgatar a auto-estima Carlos Santana Deputado Federal pelo Rio de Janeiro O Projeto Mulheres Construindo Autonomia nos enche de orgulho, afinal, foi através de uma emenda proposta pelo nosso mandato que conseguimos trazer este projeto para o Rio de Janeiro. Antes de tudo acreditamos que precisamos reconhecer a capacidade de liderança e a visão inovadora da Ministra Nilcéia Freire ao elaborar e propor, junto com sua equipe um projeto como este, pois esta ação coloca a mulher num outro patamar de disputa nas relações do mercado de trabalho e, ao mesmo tempo, a convoca para ser protagonista do seu próprio destino. Foi isso que nos atraiu na proposta, a possibilidade de ver em aplicação um projeto que não visava pura e simplesmente dar «assistência» às mulheres, mas que buscava, antes de tudo, resgatar sua auto-estima como cidadã e como profissional. Temos a certeza do dever cumprido quando vimos os resultados que ora ilustram esta publicação. Uma iniciativa com início, meio e fim e, queira Deus, com continuidade, pois percebemos que este projeto tem grande potencial de se ampliar e desdobrar em muitas outras iniciativas.

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Mulheres Construindo Autonomia Ana Maria Felippe Coordenadora de Memorial Lélia Gonzalez O projeto Mulheres Construindo Autonomia, proposto e executado pela ONG CCDS - Centro de Capacitação e Desenvolvimento Social é projeto de referência nos eixos temáticos do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, conforme avaliação da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), que financiou o projeto. A proposta foi trabalhar com duas linhas que pudessem atender às mulheres, especialmente aquelas que são chefes de família. Os conteúdos específicos de “Construção Civil” e de “Artesanato”, de acordo com cada turma, foram obrigatoriamente aliados a conteúdos de “Cidadania” e de “Conhecimentos sobre a História e a Cultura AfroBrasileira”. Assim, as mulheres de bairros do subúrbio do município do Rio de Janeiro, especialmente aqueles que apresentam situação de carência, passam a contar com projeto de formação que viabiliza uma política pública de capacitação profissional, pela necessidade de oferecer às mulheres condições que lhes permitam fazer frente aos apelos que lhes são dirigidos enquanto chefes de família: não apenas no que diz respeito ao sustento, mas na retomada da dignidade de cada componente do grupo familial. As alunas participantes, além de terem acesso a conhecimentos básicos e (até mesmo) suficientes para o alcance de uma profissionalização, são chamadas a refletir sobre sua própria situação de “vulnerabilidade social”, sobre seus direitos e deveres – como cidadãs, mulheres, mães, esposas e companheiras, como atendidas em serviços de saúde – sobre Leis de dignidade humana e de gênero a respeito das quais, muitas vezes, ouviram falar, mas não tinham segurança para lançarem mão em qualquer que fosse o fórum de reivindicação (até mesmo o seio da convivência doméstica). O cumprimento dessa proposta é possível a partir da complementaridade entre o Estado e a iniciativa social (ONG) que se apresenta como importante instrumento para execução de projetos no âmbito das políticas públicas, na direção de um crescimento que seja compartilhado por todos/as e que contribua para reduzir a pobreza e a desigualdade. Conforme o Banco Mundial, essa - 11 Mulheres Construindo Autonomia


perspectiva é uma orientação que fortalece o papel compensatório das políticas públicas, na medida em que visa a atender os segmentos populacionais mais vulneráveis. Ainda na perspectiva do Banco Mundial, essa necessidade decorre de uma ineficácia das políticas sociais e da sua incidência nos estratos de maior renda, cabendo aos governos corrigir tais desequilíbrios. (1) É nessa perspectiva que o Deputado Federal Carlos Santana, ao disponibilizar a emenda orçamentária para o “projeto das mulheres”, colocou aos dirigentes da ONG a exigência de que além dos conteúdos técnicos específicos, fossem agregados, em igual proporção, conteúdos de Cidadania e de Cultura Afro-Brasileira, mas também que a ONG se estruturasse, igualmente, para que se tornar referência de competência, para essas mulheres, em todos os conteúdos que estavam empenhados em ministrar. Foi assumindo essa perspectiva que professores/as, instrutores/as, monitores/as e funcionários/as da ONG participaram de oficinas de reflexão e desenvolvimento sobre letramento funcional; ser mulher, construção de identidade e dignidade; questões de saúde reprodutiva e sexualidade; sobre violência doméstica; limites impostos pelo racismo e exclusão social; dificuldades de empregabilidade para mulheres negras, para além das tarefas estigmatizadas pelo racismo; a superação, o resgate da dignidade e da auto-estima; sobre os direitos universais (Declaração Universal dos Direitos Humanos) e sua aplicação no dia-a-dia das mulheres e seus familiares; trabalho justo; trabalho decente; igualdade de gênero e raça, erradicação da pobreza e geração de emprego. Tratou-se também, como referência importante para essas mulheres, do conceito e da necessidade da economia solidária, do cooperativismo e Advocacy. Coube, ainda, à ONG e a seu corpo de trabalhadores/as, a reflexão sobre a importância da CIPA, tratando da segurança da trabalhadora e no trabalho; a necessidade da inscrição perante a Previdência Social; gestão ambiental de resíduos sólidos; o uso racional da água; acesso a modelos de contratos (mais especialmente para a Construção Civil); modelos de recibos; além de cálculos percentuais e elaboração de planilhas de custos, como proposições importantes que devem ser informadas às alunas, complementando o conteúdo técnico e ao mesmo tempo de consciência cidadã. O desenvolvimento dessa visão de “elo de referência” foi considerado fundamental para a continuidade do trabalho das mulheres que, com - 12 Mulheres Construindo Autonomia


segurança, podem tirar suas dúvidas e reafirmar suas convicções no trabalho e nas relações advindas daí. Por outro lado, a ONG se torna parceira do desenvolvimento dessas alunas que poderão, em outros cursos, seminários, palestras, além de eventos culturais, ampliar e abrir, para além das perspectivas de trabalho, para a atuação cidadã. Com essa disposição, o CCDS se torna um aliado, ou melhor, oferece um corpo de aliados/as, considerando professores/as e funcionários/as que, imbuídos do espírito solidário, têm consciência do compromisso de continuidade que passam a ter com essas mulheres, quando se colocam como alavanca de um processo que, estando adormecido, ganhou instrumentos para se colocar em marcha. Toda essa disposição tem o propósito de estar em sintonia com o conceito de “desenvolvimento humano”, proposto (desde os anos 1980) pelo Programa para o Desenvolvimento das Nações Unidas (PNUD), “como processo de mudanças conduzido de acordo com as necessidades, talentos e aspirações das pessoas.” (2) “Mulheres Construindo Autonomia” na Construção Civil e no Artesanato, muito além das perspectivas de habilidade, sensibilidade e dedicação já tratadas por algumas análises, coloca propostas concretas de construção, reforma e recuperação de si mesmas, em cada ato de rejunte, nivelamento, acabamento, pintura e finalização; do assentamento de cada tijolo, de cada azulejo, integrando cada uma no escopo do conjunto que deverá terminar harmônico e equilibrado. A descrição do parágrafo anterior, muito além de poder identificar uma figura de sensibilidade poética, deve ser vista como uma proposta de abandono do lugar da expectadora para o lugar da construtora; da superação da análise diagnóstica, para a proposta, prognóstica; da ruptura com a reação (provocada por algum motivo ou incentivo externo), para a ação, impulsionada pela motivação, designada por seu próprio movimento interno. As reflexões oferecidas pelas canções “Construção“ (1971) e “Pedro Pedreiro” (1965), ambas de Chico Buarque de Hollanda, identificam a proposta de tratamento do ser humano como ser integral, muito além de qualquer “funcionalidade” que lhe possa ser atribuída. Em Chico Buarque temos um “Pedro pedreiro PENSEIRO esperando o trem” que “Quer ser pedreiro pobre e nada mais”, “Sem ficar esperando, esperando, esperando”... Mas este pedreiro de 1965 estava sob o - 13 Mulheres Construindo Autonomia


jugo da ditadura que começava; impulsionando cidadãos e intelectuais a uma vigília que demoraria 21 anos! Hoje, depois de fundados o Movimento de Mulheres, o Movimento Negro e o Movimento de Mulheres Negras (mesmo dentro do período da ditadura), as mulheres “penseiras” vivenciam sua construção nas oportunidades, como as que aqui descrevemos tomando seus próprios relatos. Como na “Construção Civil”, no curso de “Artesanato” não é difícil compreender que a reciclagem dos materiais – oferecendo a eles novas formas, novas utilidades ou, às vezes, a transformação unicamente pelo gosto estético – implica na reciclagem, nas novas formas, na descoberta de novos prazeres e na satisfação de si mesmas. No artesanato as mulheres lançam mão de embalagens, materiais que “naturalmente” seriam descartados, jogados fora como inúteis, sem finalidade, e, além da recuperação, dão a eles outro significado; um significado diferente do anterior, modificando a finalidade inicial “para o que foram feitos”, suplantando o “lugar natural”. Os argumentos do artesanato, em cada peça que é manipulada, preservada, transformada são facilmente aplicados à superação de um lugar “natural” reservado para as mulheres; à recuperação do “descarte” social que ainda lhes é dirigido pelo machismo, pela misoginia que permanece como um estigma que, além de provocar sofrimento nas mulheres, traz a alienação dos homens, a desagregação da família e o desequilíbrio social. A importante obra da pensadora francesa Simone de Beauvoir, precursora das reflexões sobre a situação da mulher nos tempos modernos, completou sessenta anos no ano passado (2009). Foi obra importante para a discussão do Movimento de Mulheres que se manifestou em todo o mundo ocidental dos anos 1970. Depois desses anos de reflexão e luta social, as mulheres ainda têm sido apontadas como “do lar” ou como aquelas que trabalhando em casa, cuidando dos filhos e de familiares idosos ou doentes, trabalham para uma remuneração como “ajuda” aos maridos que, muitas das vezes são ausentes contumazes. Não se trata de provocar conflito! Ao contrário, tratamos de colocar foco no conflito para que possamos analisá-lo para a superação. Sem esquecer que devemos verificar as razões que fazem com que essas - 14 Mulheres Construindo Autonomia


mulheres sejam “chefes de família” e, ainda, o significado da reciclagem de materiais para a preservação do planeta! No curso de “Construção Civil”, como no de “Artesanato”, além dos conteúdos e do apoio oferecido pela ONG, o que fica evidente é a TRANSFORMAÇÃO. Transformar fora para transformar dentro; transformar dentro para transformar fora; transformar fora quando se articulou estruturas internas de transformação; em um processo dialético que não tem fim, como não tem fim a vida de dignidade pela qual reconhecidamente as mulheres tem lutado, trabalhado e que, com firmes argumentos e sólida vivência, se colocam a reivindicar. Notas: (1) SIMIONATTO, Ivete. “Crise, reforma do Estado e políticas públicas: implicações para a sociedade civil e a profissão.” Disponível em: http://www.artnet.com.br/gramsci/arquiv87.htm. Acesso em: 12 ago. 2010. (2) “Dirigido ao desenvolvimento econômico, o desenvolvimento humano tem como propósito imediato apoiar as pessoas ou grupos, para que estes possam administrar empresas ou desempenhar-se em empregos, de maneira competitiva.” In BUARQUE, Cristina e VAINSENCHE, Semira A. “ONGs no Brasil e a questão de gênero”. Disponível em: http://www.fundaj.gov.br/tpd/123.html. Acesso em: 12 ago. 2010.

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Autonomia para as mulheres - uma grande missão do CCDS Diego Gomes Presidente do Centro de Capacitação e Desenvolvimento Social O Centro de Capacitação e Desenvolvimento Social (Ccds) vem, ao longo dos anos, pautando sua atuação instituicional na formação de mão-de-obra e no desenvolvimento local. Portanto, para nós foi muito natural nosso envolvimento no projeto Mulheres Construindo Autonomia. Afinal, de certa forma este projeto sintetiza um pouco do que já vimos desenvolvimento nos últimos tempos. Para nós a parceria fundamental com o deputado federal Carlos Santana foi o elemento impulsionador para que o Ccds fosse uma das organizações desenvolvedoras do projeto Mulheres Construindo Atuonomia, pois o deputado conhece nossa atuação, reconhece a seriedade de nossa instituição e percebeu o potencial que tínhamos para, não só assumir, como levar adiante todas as ações envolvidas neste projeto. Uma vez definido que seríamos nós, no Rio de Janeiro, a coordenar o projeto. Buscamos identificar e reunir os possíveis parceiros para que pudéssemos implantar a ação. O primeiro passo, depois desta identificação, foi realizar uma série de fóruns de capacitação para que os futuros coordenadores de núcleos compreendessem bem a dimensão do projeto e suas responsabilidades em seu desenvolvimento. Creio que acertamos em cheio na escolha destes parceiros foi ficou nítida a capacidade de coordenação e de gestão de cada um deles. Podemos afirmar, sem sombra de dúvida que o projeto foi um sucesso. É claro que encontramos dificuldades, afinal elas fazem parte do processo, mas não podemos deixar de destacar que a questão religiosa - 17 Mulheres Construindo Autonomia


de certa forma deu a tônica destas dificuldades. A tão falada intolerância religiosa se tornou visível no âmbito do projeto e muitas mulheres que poderiam ser objeto desta ação deixaram de sê-lo por não aceitarem que o projeto de desenvolvesse em casas religiosas de matrizes africanas. Uma pena! Ainda mais quando sabemos o quanto de pessoas ligadas às matrizes africanas muitas vezes adotam, ou mesmo frequentam regularmente algumas igrejas, seja como forma de sincretizar sua fé, seja para ser atendidas por alguma ação social dessas igrejas. Mas nem por isso o projeto deixou de acontecer e deixou de ser um sucesso. Pelo contrário, o que se viu foi uma enorme gana, uma vontade imensa das mulheres em agarrar com unhas (sempre bem feitas) e dentes a oportunidade dada. Mostraram-se artesãs de mãos cheias e, principalmente, capazes de, literalmente, meter a mão na massa, revirar o cimento e levantar estruturas. Sintomatico ouvir de algumas mulheres que, mesmo que não fossem absorvidas pelo mercado de trabalho, agora com o aprendizado em construção civil poderiam, pelo menos, melhorar suas próprias casas sem depender da boa vontade dos seus maridos. O seja, literalmente vimos mulheres construindo suas autonomias, resgatando sua autoestima e valorizando a capacidade que sempre tiveram e não sabiam. Esta publicação mostrará isso em textos e fotos. Mas o mais importante, a meu ver, não há publicação alguma que consiga mostrar, que é o orgulho que vimos estampado nos olhos dessas mulheres ao concluirem cada etapa do projeto e passarem a se ver como cidadãs capazes e autônomas de seguir adiante em suas vidas, construindo um novo futuro para elas e seus filhos. Sobre o Ccds O CCDS é uma organização não-governamental, com sede no Rio de Janeiro, focada na pesquisa, na capacitação e no desenvolvimento social para transformação do ser humano, promovendo o apoio às famílias, cultura e cidadania. Fundado em 08 de fevereiro de 2004, por representantes de diversos segmentos da sociedade, como fonte de apoio frente aos mais - 18 Mulheres Construindo Autonomia


variados problemas sociais de nosso estado. Através de pesquisa, tentamos levar adiante como soluções propostas para a implementação de ações para se tornarem políticas públicas podendo ser encaminhadas pelo estado, pelas instituições civis e, principalmente, por outras ONGs. O CCDS, no início de suas atividades, teve como prioridade um olhar para as comunidades de sua região (Congonha, Cajueiro, Serrinha e outras de Madureira e adjacências) mas logo, face a amplitude gerada por suas ações, começou a alçar projetos em outras localidades por todo o estado, nunca descartando a possibilidade, de num futuro próximo, interagir, também, com outros estados e o exterior (com a participação em ações internacionais). O CCDS vê na população juvenil dos bairros pobres como uma grande fragilidade da sociedade, que na omissão do estado, se torna “presa fácil” para o “comando paralelo” que se aproveita e promove, sumariamente, sua inserção, caracterizando-os como grupo de risco para a violência armada. A violência urbana não é somente representada por esta frente, mas com certeza neste maior temor, configurado neste vetor principal que é a arma de fogo, que banaliza a vida, destruindo as famílias. Apesar de não, necessariamente, termos que ligar a linha de pobreza, comum em favelas e periferias, à exclusão social, se torna imperativo a promoção do trabalho social para a reabilitação urbana. Partindo desses pressupostos, o CCDS desenvolveu a sustentação de seu trabalho em 3 (três), principais, pilares: Ações Comunitárias, de Segurança Humana e Cidadania. O CCDS continuará trabalhando muito, sem medir esforços, para atingir os melhores índices relacionados ao objetivo de inclusão de jovens em situação de risco social como tem sido suas ações até os dias de hoje, em parceria com o Governo, a iniciativa privada e com o imenso amor dos vários voluntários e amigos, que unidos por um mesmo ideal, ajudaram ao nosso CCDS crescer em trabalho social para o desenvolvimento do povo brasileiro, sobretudo do nosso estado do Rio de Janeiro.

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Desenvolvimento

O que orienta o programa Mulheres Construindo Autonomia? A Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres estabeleceu um diálogo permanente com as mulheres brasileiras por meio de conferências nacionais que constituíram um marco na formulação de políticas públicas orientadas para a promoção da igualdade de gênero e o respeito à diversidade que garantam os direitos humanos de todas as pessoas. O Programa Mulheres Construindo Autonomia na Construção Civil tem o propósito de fortalecer as ações previstas no II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres – II PNPM, com foco no Capítulo 1 “Autonomia Econômica e Igualdade no Mundo do Trabalho com Inclusão Social” que tem como uma das prioridades a promoção da autonomia econômica e financeira das mulheres por meio da assistência técnica, do acesso ao crédito e ao apoio ao empreendedorismo, associativismo, cooperativismo e comércio. No intuito de obter êxito nessas prioridades, é preciso uma ação articulada entre governo e sociedade civil direcionada ao desenvolvimento sustentável local, ao fortalecimento organizacional e ao empoderamento das mulheres, atendendo de forma prioritária as mulheres mais pobres, sujeitas a vulnerabilidade social, econômica e violência doméstica. O setor da construção civil é notória e comprovadamente uma das principais alavancas do desenvolvimento econômico, seja pelo seu dinamismo, pelo seu efeito multiplicador ou sua capacidade de O QUE ORIENTA O PROGRAMA incorporar trabalhadores e trabalhadoras que não têm acesso ao ensino superior. Uma série de tendências (o crescimento da renda das famílias, a oferta de crédito, a demanda por imóveis e obras públicas) indica que este segmento vem ampliando a demanda por mão-de-obra, o que irá gerar novos postos de trabalho. As obras e empreendimentos de infraestrutura do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o Programa Minha Casa Minha Vida do Governo Federal, vem destinando grandes recursos para regiões carentes do país, o que se pressupõe que a demanda das atividades de construção civil irá aumentar nos próximos anos, ampliando assim a oferta de mão-de-obra para essa atividade.

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A esta dinâmica estrutural própria a conjuntura agrega-se outros elementos que são considerados bons indicadores. Ao levar-se em conta o crescimento do PIB ao longo do ano de 2008, percebe-se que dentre todas as atividades econômicas, a construção civil foi uma das que obteve o melhor desempenho no setor industrial. No ano de 2007, havia no Brasil 186 mil mulheres ocupadas em empreendimentos cuja atividade principal era o setor da construção civil, sendo que 127 mil mulheres estavam empregadas, 9 mil mulheres trabalhavam por conta própria, 6 mil eram empregadoras, 16 mil trabalhavam sem remuneração (“ajudando” outros membros do domicilio) e 28 mil mulheres trabalhavam na autoconstrução (construção para uso próprio). O processo de “feminização” no setor da construção civil aponta que houve um aumento de postos de trabalho ocupados pelo contingente de mulheres na ordem de 2,96%, segundo o Boletim Mulher e Trabalho do Observatório Brasil da Igualdade de Gênero, 1ª edição de 2009. Os indicadores revelam que ocorreu não somente um crescimento do setor de construção civil, mas também a ampliação do número de mulheres ocupadas nesse setor, o que aponta para a efetivação de políticas que contemplem a igualdade de gênero como vetor de desenvolvimento econômico e sustentável a partir da crescente inclusão de mulheres em atividade de ocupação em setores historicamente ocupados por homens, onde a discriminação de gênero ainda é bastante presente. Este é o momento propício para o desenvolvimento de ações capazes de mobilizar, sensibilizar, capacitar e apoiar processos de inclusão econômica e social das mulheres no setor de construção civil, tanto do ponto de vista da promoção do conhecimento e da qualificação a este setor específico de atividade, como de orientar para oportunidades de emprego e trabalho. O projeto Mulheres Construindo Autonomia na Construção Civil atuará diretamente na qualificação e na formação de mulheres para sua inserção no mercado da construção civil, um lugar de trabalho historicamente “masculino”. O Programa contará com uma ação conjunta entre a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, Governos dos Estados e dos - 22 Mulheres Construindo Autonomia


Municípios, por meio das Secretarias/ Coordenadorias da Mulher, Secretarias do Trabalho ou correlatas e entidades da sociedade civil. O programa será desenvolvido no território nacional em articulação com o Pacto Nacional pelo Enfrentamento da Violência contra as Mulheres. Objetivos Gerais • Contribuir com o desenvolvimento sustentável do país, com a geração de trabalho e renda a partir do fortalecimento e valorização do trabalho da construção civil para as mulheres. • Promover a inclusão social, o empoderamento e autonomia das mulheres em situação de vulnerabilidade socioeconômica e violência domestica, ampliando as possibilidades de trabalho e renda. • Reduzir a desigualdade e a discriminação de gênero no mundo do trabalho, desenvolvendo novos conhecimentos e campo de atuação das mulheres. Objetivos Estratégicos • Viabilizar o processo de capacitação profissional das mulheres, desenvolvendo habilidades, aptidões e saberes teóricos e práticos da área da construção civil (pedreiras, pintoras, carpinteiras, encanadoras, azulejistas, ceramistas, assentadoras de tijolos) integrados com os conhecimentos e questões de gênero e raça. • Possibilitar a criação de um ambiente favorável ao setor de construção civil, além de projetos que gerem conhecimentos capazes de multiplicação e divulgação de experiências realizadas por mulheres, através de parcerias e alianças estratégicas para o apoio às ações. • Estimular a articulação de gestoras e gestores públicos visando a criação e o fortalecimento de redes de desenvolvimento local através do reconhecimento da competência municipal quanto à formulação de políticas especí?cas com vistas à criação de oportunidades de trabalho e renda no setor de construção civil para as mulheres. • Incentivar a formação de empreendimentos solidários e comercio justo. Público Prioritário O Programa tem como prioridade atender mulheres pobres, com baixa-renda, pouca escolaridade, em situação de risco social e vulneráveis à violência doméstica.

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DESENHO CURRICULAR Teia de Conhecimentos do Programa Mulheres Construindo Autonomia - Construção Civil

Representa a relação direta entre os temas geradores Representa a ligação entre todos temas existentes e com os outros que forem criados Representa os temas geradores e o eixo temático central Representa os temas que são criados a partir dos eixos geradores.

O percurso formativo das mulheres deve incluir uma formação geral e especíca de conhecimentos, por meio de aulas teóricas e práticas em cursos, ocinas e seminários. As aulas práticas devem ser desenvolvidas em canteiros de obras supervisionadas por equipe de prossionais da área da construção civil. Cada participante deverá participar no mínimo, de dois cursos da área da construção civil.

DESENHO CURRICULAR Teia de Conhecimentos do Programa Mulheres Construindo Autonomia Construção Civil l ŸRepresenta a relação direta entre os temas geradores; ŸRepresenta a ligação entre todos temas existentes e com os outros que forem criados; ŸRepresenta os temas geradores e o eixo temático central; ŸRepresenta os temas que são criados a partir dos eixos geradores. O percurso formativo das mulheres deve incluir uma formação geral e específica de conhecimentos, por meio de aulas teóricas e práticas em cursos, oficinas e seminários. As aulas práticas devem ser desenvolvidas em canteiros de obras supervisionadas por equipe de profissionais da área da construção civil.

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CONSTRUÇÃO

TELA DE CURSOS DA CONSTRUÇÃO CIVIL

Dentro do arco ocupacional

As instituições deverão

da área da construção civil

escolher alguns dos

apresentamos alguns cursos.

cursos para desenvolverem com as mulheres.

Cada participante deverá participar no mínimo, de dois cursos da área da construção civil. TELA DE CURSOS DA CONSTRUÇÃO CIVIL Dentro do arco ocupacional da área da construção civil apresentamos alguns cursos. As instituições deverão escolher alguns dos cursos para desenvolverem com as mulheres. CONSTRUÇÃO Princípios Metodológicos Todos os cursos e eventos do programa devem ter como princípios metodológicos e sócio-políticos os seguintes: • Conhecimento como direito de todos e todas.

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• Construção do conhecimento de forma lúdica, dinâmica, prazerosa, refiexiva e participativa. • Construção coletiva a partir da realidade e prática social das mulheres trabalhadoras. • Prática educativa democrática, participativa e dialógica como pressuposto do processo sócio-político da construção do conhecimento e da apropriação de tecnologias para a transformação social. • Produção de conhecimento como base do desenvolvimento socialmente justo, economicamente viável, ambientalmente sustentável, solidário com igualdade de gênero na perspectiva da diversidade étnico-racial. • Capacitação profissional como processo permanente de pessoas autônomas, críticas e criativas frente à realidade social. • Criação de um espaço de reflexão e construção das lutas e organização das mulheres. Implementação do Projeto FASE I- Estudo/Reconhecimento do Universo do Programa FASE II- Implementação das ações. FASE III - Consolidação, sustentabilidade e multiplicação. CONTATOS Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres Presidência da República Via N1 Leste s/n - Pavilhão das Metas, Praça dos Três Poderes Zona Cívico Administrativa CEP: 70 150 908 – Brasília –DF Fones: (55 61) 3411-4246 Fax: (55 61) 3327-9231 www.spmulheres.gov.br e-mail: spmulheres@spmulheres.gov.br Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180 UM PAÍS DE TODOS E TODAS

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Impactos

Análise da situação das mulheres no mercado de trabalho Zuleide Araújo Teixeira Subsecretária de Planejamento e Orçamento da Secretaria Especial de Políticas para as mulheres As desigualdades vividas no cotidiano da sociedade, no que se refere às relações de gênero, não se definiram a partir do econômico, mas, especialmente a partir do cultural e do social, formando daí as "representações sociais" sobre as funções da mulher e do homem dentro dos variados espaços de convivência, ou seja: na família, na escola, na igreja, na prática desportiva, nos movimentos sociais, enfim, na vida em sociedade. Nos últimos cinqüenta anos um dos fatos mais marcantes ocorridos na sociedade brasileira foi a inserção crescente das mulheres na força de trabalho. Este contínuo crescimento da participação feminina é explicado por uma combinação de fatores econômicos e culturais. Primeiro, o avanço da industrialização transformou a estrutura produtiva, a continuidade do processo de urbanização e a queda das taxas de fecundidade, proporcionando um aumento das possibilidades das mulheres encontrarem postos de trabalho na sociedade. Segundo, a rebelião feminina do final dos anos 60, nos Estados Unidos e Europa, chegou como uma onda nas nossas terras, em plenos anos de chumbo; apesar disso, produziu o ressurgimento do movimento feminista nacional fazendo crescer a visibilidade política das mulheres na sociedade brasileira(Melo, mimeo/2003). A população brasileira, segundo dados do IBGE/CENSO 2000, é de 169.799.170 milhões de habitantes, com participação de 51,31% de mulheres. Não há dúvida de que há uma estreita relação entre o trabalho e a educação no processo de desenvolvimento dos grupos e da sociedade como um todo. Segundo dados do IBGE/2000, a PEA brasileira, em 2001, tinha uma média de escolaridade de 6,1 anos, sendo que a escolaridade média das mulheres ocupadas era de 7,3 anos e a dos homens de 6,3 anos. Uma conclusão corrente é a de que o cidadão ou a cidadã com maior nível de escolaridade tem mais oportunidade de incluir-se no mercado de trabalho. Como afirma Lena Lavinas, em estudo recente, além da inclusão no mercado, constata-se uma significativa melhora entre as - 28 Mulheres Construindo Autonomia


diferenças salariais. Entretanto, mesmo com o expressivo crescimento da mulher no mercado de trabalho, como já foi colocado, ainda não foram superados os obstáculos de acesso a cargos de chefia e diferenças salariais; estes, embora tenham diminuído desde os anos 90, ainda permanecem e significam que as mulheres aceitaram postos de trabalhos miseráveis para sobreviver com sua família, já que as taxas de desemprego feminino são significativamente maiores do que as da população masculina. As trabalhadoras brasileiras concentramse nas atividades do setor de serviços; 80% delas são professoras, comerciárias, cabeleireiras, manicures, funcionárias públicas ou trabalham em serviços de saúde, mas o contingente feminino mais importante está concentrado no serviço doméstico remunerado, primeira ocupação das mulheres brasileiras. São negras cerca de 56% das domésticas e usufruem ainda os menores rendimentos da sociedade (Melo, 1998). O desemprego tem atingido mais fortemente as mulheres, conforme dados da OIT (com base nos microdados da PNAD 2001). Hoje, o desemprego está em uma taxa de 11,7%, 31% superior a dos homens (7,4%). No que se refere às mulheres negras (13,8%), o percentual é 86% superior a dos homens brancos (6,5%). Grande aumento nessa diferenciação se deu entre 1992 e 2001. Preocupante é a taxa de desemprego juvenil, destacando-se os negros e as mulheres: jovens brancos têm taxas de 13,6%, jovens negras de 25% e jovens brancas 20%. A presença das mulheres no trabalho precário e informal é de 61%, sendo 13% superior à presença dos homens (54,0%). A mulher negra tem uma taxa 71% superior a dos homens brancos e destas 23% são empregadas domésticas.Necessariamente, a análise da situação da presença feminina no mundo do trabalho passa por uma revisão das funções sociais da mulher, pela crítica ao entendimento convencional do que seja o trabalho e as formas de mensuração deste, que é efetivada no mercado. O trabalho não remunerado da mulher, especialmente aqueles realizados no âmbito familiar, não são contabilizados por nosso sistema estatístico e não possuem valorização social - nem pelas próprias mulheres - embora contribuam significativamente com a renda familiar e venham crescendo, englobando inclusive atividades exercidas para grandes empresas. O que vem sendo concluído com os estudos sobre a mulher é que - 29 Mulheres Construindo Autonomia


ocorre evidentemente uma dificuldade em separar casa-fábrica ou vida pública-privada, mesmo em se tratando da participação no mercado de trabalho, na população economicamente ativa. Doaré analisa uma das conseqüências da internacionalização do processo de produção e formas de sua realização, ressaltando a gestão da mão-de-obra barata, mecanismo que envolve a maior parte da força de trabalho feminina, com dados de 1975 que ainda se mantêm atualizados: "... a subcontratação - uma das formas de deslocamento geográfico industrial - apesar de abranger 725.000 trabalhadores em 39 países (1975), de acordo com Frobel, é menos um fenômeno quantitativamente importante em escala mundial, do que uma expressão particularmente significativa de uma nova exigência do capital, através da exploração da mão-de-obra vulnerável dos países subdesenvolvidos, em condições específicas, e principalmente das mulheres. Com efeito, trata-se menos, nesta circunstância, da exportação de capitais do que da exportação de uma relação social de produção que integra a divisão sexual às novas formas de internacionalização do trabalho." Somente a partir de uns 10 a 15 anos atrás, especialmente desde o período Constituinte, 1987/88, as questões que envolvem as relações de gênero no trabalho e na produção encontraram maior espaço nas pautas importantes de discussão de políticas de emprego, como sindicatos, dos partidos políticos, e outros setores similares. Há que se reconhecer, neste contexto, que seja por falta de consciência política ou pelo desejo de manter o "status sexual" ? muitos ainda apóiam a "partição" sexual do trabalho, como um procedimento "natural" ? que o panorama continua. Na verdade, é toda uma formação cultural que contribuiu e contribui com esse quadro de ?naturalização" da questão, a fragmentação da sociedade em dois espaços hierarquizados, em função dos sexos, são temas omitidos na maioria das análises sócio-econômicas de nossas sociedades. As contradições da relação homem/mulher são diluídas na aparente neutralidade dos conceitos científicos; outras vezes delimitam artificialmente os campos de análises, como podemos observar mais freqüentemente na educação, na economia, na sociologia do trabalho e na sociologia da educação. Sejam as operárias de fábricas, as trabalhadoras do comércio ou do campo, e outras, elas convivem com problemas de ordem privada que em muito dificultam seu desempenho como profissional, suas necessidades de qualificação e requalificação, afetando o cotidiano - 30 Mulheres Construindo Autonomia


de toda família. No entanto, os homens dificilmente consideram tais problemas também como parte de sua vida. São dificuldades que, embora internas a questões da vida familiar, refletem sobre as condições de exploração da força de trabalho - apresentando-se, de fato, como um problema coletivo, tomando caráter público - como é o caso da não existência de infra-estrutura (creches, restaurantes, lavanderias, etc.), que apoiariam a saída para o trabalho. Pesquisas sobre a utilização de novas tecnologias indicam que as mulheres estão sendo excluídas dos treinamentos que possibilitam o conhecimento das máquinas e de programação, sendo mantidas nas funções que exigem menos qualificação, como já nos referimos. Salvo esparsas exceções, raramente a mulher consegue penetrar em áreas onde sejam feitos diagnósticos e tomadas decisões técnicas. Sua atuação é sempre restrita à esfera de execução do que já foi decidido. Mesmo hoje, com as mudanças na organização do processo de trabalho, ela ainda não participa do processo decisório. Nas fábricas, ela está na linha de montagem, no comércio, está no balcão, no campo, está na colheita, e assim por diante. Finalmente, hoje observa-se a possibilidade concreta de uma nova ordem que inclui a relação complementar entre os sexos, a possibilidade de um núcleo familiar democrático e outros componentes de formação da sociedade que venham garantir a efetivação do velho/novo clamor por uma sociedade socialmente justa. Vários são os caminhos construídos pela recente história cultural de nossa sociedade e pela produção teórico-conceitual que explicitam a existência das diferenças, possibilitando maior clareza e uma concepção bem elaborada sobre a questão, de forma que não permitam que seja dada uma continuidade ao processo de desigualdade, gerada a partir das diferenças.

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Síntese dos indicadores sociais do projeto Segundo pesquisa social realizada pelo Centro de Capacitação e Desenvolvimento Social com as mulheres do Projeto, constatamos que a maioria delas ainda não possuem o Ensino Fundamental completo. As mesmas em sua realidade estão inseridas em famílias tradicionais, compostas por 4 pessoas, porém 35% delas são chefes de família, provedoras do sustento de seus lares. Em 60% dessas famílias somente 1 pessoa da casa trabalha fora, dificultando assim a sua sobrevivência, por isso buscaram este curso para que tenham independência financeira e ampliação da renda familiar para enfim terem melhores condições de vida. Constatamos que esta não é uma realidade somente das mulheres que atendemos no Projeto Mulheres Construindo Autonomia e sim uma realidade do nosso Brasil Pesquisa do IBGE mostra que o número de mulheres chefes de família cresceu 79% em 10 anos passando de 10,3 milhões para 18,5 milhões no mesmo período o número de homens responsáveis pela família aumentou 25%. De acordo com a mesma pesquisa, houve um crescimento acentuado no número de mulheres casadas que assumem a renda familiar. Esse percentual saltou de 9,1% para 20,7% em 10 anos. Em 1996, o número de mulheres “chefes” de família que estavam ocupadas era de 51%, chegando a 54% em 2006. Porém, os homens – seja na posição de pessoa de referência ou cônjuge – ainda têm taxas de ocupação superiores a das mulheres. O mesmo acontece com as desigualdades que saltam os olhos. A nível de Brasil é no Nordeste que essa presença feminina é mais forte. Os dados do IBGE revelam também uma maior quantidade de filhos nas famílias mais pobres. Já a redução da taxa de fecundidade ocorreu, principalmente com as mulheres nas famílias com melhores condições de vida. As mulheres são responsáveis por manter a roda girando e esse trabalho não é reconhecido como uma contribuição social, mas visto como uma atividade social. - 32 Mulheres Construindo Autonomia


Em entrevista, a ministra Nilcéia Freire, da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres enfatiza a importância da inclusão das mulheres no mercado de trabalho para o desenvolvimento econômico dos países latino americanos e caribenhos. Os quadros adiante demonstrarão um pouco da pesquisa feita pelo Ccds com as mulheres envolvidas no projeto: DAS PESSOAS QUE MORAM NA MESMA RESIDÊNCIA QUANTOS TRABALHAM FORA? NENHUMA UMA DUAS TRÊS QUATRO

12 60 15 2 2

70

QTDE DE FAMÍLIAS

60 50 40 30 20 10 0 NENHUMA

UMA

DUAS

TRÊS

QUATRO

QTDE DE PESSOAS DA FAMÍLA QUE TRABALHA FORA

ESCOLARIDADE ENS.FUNDAMENTAL INCOMPLETO: ENS. FUNDAMENTAL COMPLETO: ENS. MÉDIO INCOMPLETO: ENSINO MÉDIO COMPLETO: ENS. SUPERIOR:

47 12 12 31 4

NÍVEL

ENS. SUPERIOR:

ENSINO MÉDIO COMPLETO:

ENS. MÉDIO INCOMPLETO:

ENS. FUNDAMENTAL COMPLETO:

ENS.FUNDAMENTAL INCOMPLETO:

QUANTITATIVO

ESCOLARIDADE 50 40 30 20 10 0

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TIPOS DE FAMÍLIA TRADICIONAL: MULHER CHEFE DE FAMÍLIA: FAMÍLIA RECOMPOSTA: MISTA:

48 26 15 13

60

QUANTITATIVO

50 40 30 20 10 0 TRADICIONAL:

MULHER CHEFE DE FAMÍLIA RECOMPOSTA: FAMÍLIA:

MISTA:

TIPOS DE FAMÍLIA

NUMERO DE PESSOAS QUE MORAM NA MESMA RESIDÊNCIA 1 PESSOA 2 PESSOAS 3 PESSOAS 4 PESSOAS 5 PESSOAS 6 PESSOAS 7 PESSOAS

11 18 20 28 13 10 4

30

20 15 10 5

QTDE DE PESSOAS NA MESMACASA

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AS 7

PE S

SO

AS 6

PE S

SO

AS 5

PE

SS O

AS 4

PE

SS O

AS SS O PE 3

SS O PE 2

PE S

SO

A

AS

0

1

QTDE DE FAMÍLIAS

25


O QUE TE LEVOU A BUSCAR AUTONOMIA ECONÔMICA ATRAVÉS DESTE CURSO?

TER UMA RENDA AMPLIAR A RENDA FAMILIAR BUSCA DE INDEPENDÊNCIA FINANCEIRA REFORMAR A PRÓPRIA CASA

24 30 37 3

40 30

10

REFORMAR A PRÓPRIA CASA

BUSCA DE INDEPENDÊNCIA FINANCEIRA

AMPLIAR A RENDA FAMILIAR

0

TER UMA RENDA

QTDE DE MULHERES

20

EM QUE ASPECTOS VOCÊ TERÁ MAIS SATISFAÇÃO APÓS COMEÇAR A TRABALHAR? CONTROLE DA PRÓPRIA VIDA CAPACIDADE DE CUIDAR MELHOR DA FAMÍLIA BUSCA DE AUTONOMIA MELHORES CONDIÇÕES DE VIDA

15 19 14 51

60

QTDE DE MULHERES

50 40 30 20 10 0 CONTROLE DA PRÓPRIA VIDA

CAPACIDADE DE CUIDAR MELHOR DA FAMÍLIA

BUSCA DE AUTONOMIA

MELHORES CONDIÇÕES DE VIDA

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Entrevistas

Entrevista com Diego Gomes, presidente do Centro de Capacitação e Desenvolvimento Social, organização responsável pelo desenvolvimento do projeto “Mulheres Construindo Autonomia”.

Pergunta - O senhor Pode explicar como funciona a proposta do projeto: Mulheres Construindo Autonomia? Diego Gomes – Há quatro anos a nossa ONG, o CCDS (Centro de Capacitação e Desenvolvimento Social) identificou uma demanda por capacitação profissional na área específica para mulheres. Nosso trabalho é com comunidades e em sua maioria, as mulheres de comunidades, são as que não têm emprego formal, elas estão muito ociosas e identificamos essa demanda para que tivessem uma renda própria. A partir daí, começamos a estudar o que poderíamos levar para essas mulheres de propostas para que de imediato, elas já pudessem ser inseridas no mercado de trabalho e conseguir a tal geração de renda. Nós fizemos um trabalho de pesquisa para identificar as áreas que elas teriam maior interesse. Como estamos com a construção civil “fervendo”, a grande maioria optou pela construção civil.

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No início, o projeto não seria com a construção civil. Seria só o artesanato, mas partir das pesquisas que realizamos entre as mulheres, a grande maioria preferiu a construção civil. A ideia foi lançada e a gente não sabia por onde começar. A ideia de ter a mulher na construção civil é uma coisa que até existe hoje em dia, mas mesmo assim é uma coisa nova. A gente começou a pensar, falamos com os técnicos, engenheiros... Desenhamos o projeto. Foi quando conseguimos uma emenda parlamentar. Levamos a proposta para o Deputado Federal Carlos Santana, que leu o projeto, adorou, gostou e nos encaminhou para a Secretaria Federal de Projetos para as Mulheres, que é de onde conseguimos a verba para por o projeto pra frente. Pergunta – E quais dificuldades o senhor enfrentou ao promover um curso de construção civil para mulheres? Foi muito difícil de trabalhar

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a cabeça das pessoas? Diego – Encontramos uma barreira enorme. Primeiro, porque o histórico da construção civil é mais voltado para os homens. É um trabalho masculino. Como já te disse, sabemos que existem mulheres na construção civil, mas isso ainda é novo. E essa foi a primeira barreira que encontramos. As mulheres dizendo: “Mas eu na construção civil?” “Mas eu construindo casa?” Na verdade, quando falamos de construção civil, não é de toda a construção civil. Não é desde a fundação até a estrutura. Não é isso. São áreas da construção civil que não exigem muito esforço físico e que as mulheres tem condição de fazê-las. Pergunta – E quais seriam essas áreas? Diego – Pintura, aplicação de cerâmica, levantamento de parede, eletricista, marcenaria... Então, essas são áreas em que não existem muitas dificuldades para que as mulheres possam exercer. De fato, isso foi um grande complicador para as mulheres, mas hoje elas já

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entenderam a parte social do projeto, a política que o projeto propõe. No início, pensamos em trabalhar só com mulheres professoras. Mulher ensinando mulher. Não querendo discriminar o trabalho masculino, mas a gente achou que criaria uma identificação aluno/professor melhor. Infelizmente não foi possível, pois não encontramos todo o corpo técnico só de mulheres. Para você ver como é novidade mulher na construção civil. Normalmente elas são engenheiras, arquitetas... Mas não técnica em edificações, que é o currículo ideal que a gente pede para que o profissional dê aula no projeto. Daí, a gente acabou contratando alguns homens, mas a gente conversou e tem conversado com eles para mostrar que é um projeto para mulheres, que é uma coisa nova, que é uma ideia nova... Então, tem que ter toda uma delicadeza no trato com as mulheres. Pergunta – E qual a proporção entre profissionais masculinos e femininos no corpo docente? Diego – Mínima. A proporção de profissionais masculinos é mínima. Foram justamente as posições que a gente não conseguiu ocupar.

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Pergunta – Como surgiu a parceria com as casas de axé? Diego – Bem, quando o governo aprovou a ideia... Nós já tínhamos um trabalho desenvolvido na questão da igualdade racial e pensamos: “Vamos unir o útil ao agradável. Vamos fazer com que esses projetos funcionem dentro das casas”. Primeiro porque são casas que política e socialmente falando não são assistidas. Pergunta – Até porque algumas são em regiões carentes, né? Diego – Isso. E inclusive, porque elas ainda são vistas como casas religiosas, quando na verdade, não são simplesmente casas religiosas. Resolvemos unir a fome com a vontade de comer. Se as casas já tem esse trabalho, se as casas já tem o público do projeto... É claro que quem participa do projeto não é só representante de casa ou quem segue a religião de matriz africana. - 41 Mulheres Construindo Autonomia


Pergunta – Teve algum preconceito com relação a essa escolha de lugar para as aulas? Diego – Não só teve como tem. O preconceito ainda está “fervendo”, está forte ainda. Muitas pessoas não quiseram participar do curso por funcionar numa casa de axé. Muitas delas não queriam pensar que o curso funciona dentro de uma casa de axé. Muitas mulheres não queriam participar porque pensavam que o curso seria confundido com religião, quando na verdade não é nada disso. Rosely Soares – Sem contar também que antes de fazerem a aula prática, elas têm aulas de cidadania... Pergunta – E de história afro, também... Diego – Isso. De cultura afro. Quando a gente fala de cultura afro, as religiões de matrizes africanas são um “braço” dessa cultura, uma peça dessa cultura. Então, não tem como deixar de falar da cultura afro. Agora, o objetivo não é pregar a religião, mas levar o histórico... Pergunta – Dizer pra pessoa quem ela é. Diego – Nosso objetivo é mostrar para ela a história da África, a história do negro, os seus ancestrais... A história dela. O objetivo do projeto é esse. E do meu ponto - 42 Mulheres Construindo Autonomia


de vista, um dos locais essenciais para fazer essa atividade são justamente essas casas de axé. Rosely – Sem contar que elas chegaram já achando que iam levantar parede... Diego – E no final do projeto, o projeto ainda vai se propor com as alunas, sob a supervisão de um engenheiro, a fazer um estágio prático com elas nas próprias casas. Então, a engenheira vai supervisionar isso, vai mostrar a casa que precisa fazer alguma reforma. A casa vai entrar em contrapartida com o material que precisa ser utilizado e elas com a mão de obra. Vai ser dentro daquilo que elas aprenderam. Ai, já é uma forma prática de estágio. Rosely – As alunas estão tendo dificuldades com a matemática. E elas acharam que para levantar parede...

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Diego – na verdade, o que acontece é que teve mulheres que falaram: “Poxa, mas meu marido é pedreiro e construiu a minha casa lá no alto da comunidade e ele não precisou calcular isso. Ele não precisou fazer nada disso de matemática”. Só que na verdade, foi o que explicamos para elas. Ele fez uma construção que está muito legal, e que estão utilizando. Só que legalmente falando, essa construção está fora do padrão e a gente não pode ensinar uma disciplina fora de um padrão. Essa etapa a gente tem que passar. Estamos falando com os técnicos para que eles coloquem a matemática de um jeito fácil de ser aprendido e que não seja o forte dessa história toda porque isso assusta. Essas mulheres, em sua maioria, ainda não concluíram o Ensino Fundamental e têm algumas dificuldades. Pergunta – Qual é a média escolar dessas mulheres? Diego - Nós não concluímos ainda o perfil de avaliação. Nós temos um

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perfil, que está circulando entre os polos, mas a média é Ensino Fundamental incompleto. Então, pelo que já temos é de 60% e eu acredito que cresça no final do apanhado. Pergunta – E como vocês estão adaptando a questão da matemática para essas mulheres? Diego – Dentro do projeto Mulheres Construindo Autonomia, a gente não pôde prever uma situação que pudesse ajudá-las neste sentido. Até porque isso, apesar de estar bem visível, pra gente é um fator novo. Não contávamos com isso, apesar de estar claro pra gente. Já estamos pensando em conjunto com o projeto Mulheres Construindo Autonomia, criar outro projeto que ajude essas mulheres no reforço escolar. Ai sim, voltado para matemática, português... Pergunta – E quais são as outras dificuldades que elas têm tido? Diego – A matemática, todas elas têm. As outras são realmente as dificuldades do dia-a-dia, coisas que a gente já esperava. Como colocar o prumo ou usar algum outro aparelho. Pergunta - Como está sendo a adaptação dessas mulheres no núcleo - 45 Mulheres Construindo Autonomia


delas, agora que elas estão tendo? Diego – O projeto ainda é recente, mas o nível de adaptação está sendo muito grande. Por quê? Primeiro pela metodologia que estamos desenvolvendo as atividades. Como te falei, estamos sempre chamando os técnicos e tentando passar pra eles que aquilo não é simplesmente um curso. Por exemplo, quando eu visitei um polo, vi que o grau de relacionamento com eles está acima de professor e aluno. Primeiro porque a maioria das alunas são senhoras. Pergunta – Qual a idade média delas? Diego – Ah, elas tem entre cinquenta e cinquenta e cinco anos. Temos alunas com quarenta anos. Rosely – Temos uma aluna com 18 anos. Pergunta – E qual a idade máxima para absorção na construção civil? Diego - Pelo que já pesquisamos, com condições físicas, até os

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cinquenta e cinco anos. Pergunta – Então, as formandas ainda podem... Diego – Podem. Algumas dessas mulheres resolveram participar desse projeto não pelo mercado de trabalho. Até para a vida dela diária. Muitas vezes as mulheres falam pra gente: “Puxa, agora eu vou poder aprender a reformar minha casa porque o meu marido... Eu estou pedindo a anos, mas ele não reforma”. Então é assim, de um lado a gente quer capacitar para o mercado de trabalho e por outro lado, para a vida delas, para o dia-a-dia. Pergunta - E nas comunidades que elas moram? Elas têm sido bem vistas? Diego – Tem, tem sim. É uma novidade nessas comunidades onde o projeto está funcionando. Já parte desse princípio. Apesar de muitas mulheres da comunidade não estarem indo, algumas porque não querem e outras porque não podem, a comunidade está esperando pra ver o que vai dar. E se der certo, outras virão e a ideia se estende. Pergunta – Vocês têm planos de dar continuidade ao projeto? Diego – Temos, inclusive estamos vendo com a própria Secretaria de políticas para as mulheres para fazermos mais um ciclo, que a gente chama de: Mulheres construindo Autonomia fase dois. Já estamos em negociação para que esse projeto tenha uma continuidade em outras áreas e atenda ainda mais mulheres.

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Entrevista com Nilce Naira, mãe-pequena do Ilê Axé Omolu e Oxum de Mãe Meninazinha da Oxum.

Pergunta – Como a senhora tomou conhecimento do projeto? Nilce – O projeto nos foi indicado através da assessoria do deputado Carlos Santana. Pergunta - A senhora já fazia projetos aqui? Projetos sociais? Nilce – Nós começamos com projetos sociais em 1997, numa parceria com o governo Fernando Henrique Cardoso no projeto “Comunidade Solidária”. A partir dai fizemos outros projetos com o SESI, com o SASE, com a SPM... Esse projeto também é da SPM. Já fizemos outro projeto para a secretaria de políticas públicas para as mulheres, a casa hoje é ponto de cultura. Pergunta – A senhora sempre trabalha com mulheres? - 49 Mulheres Construindo Autonomia


Nilce – Também. Pergunta – E quais são os outros projetos que a senhora oferece aqui? Nilce – Aqui, nós temos artesanato afro, culinária afro, vestimentas para orixás... Tudo ligado à tradição africana. Pergunta – Por ser uma casa de axé a senhora tem tido dificuldades...? Tipo, as pessoas criam empecilhos para estudar aqui? As pessoas se inscrevem, mas por ser numa casa de axé decidem não ir... Nilce – Isso ai sempre houve. Por ser uma comunidade de terreiro... Nós abrimos para evangélicos, para católicos, enfim... Mas os evangélicos se recusam até a entrar. Às vezes até mandam um vizinho para saber a informação. Isso acontece bastante, mas entrar... Dificilmente. Eu até tenho aqui, nesse curso, uma pessoa evangélica que se inscreveu, mas até agora não veio. Pergunta – Como é o seu trabalho com a comunidade? Como a comunidade vem recebendo isso? Nilce – A comunidade sempre foi parceira. Nós sempre buscamos uma coisa que beneficiasse a comunidade como um todo. Nós trabalhamos oferecendo cesta básica por um bom tempo. A cesta também vinha do governo federal, era um trabalho da SEPIR... E temos uma convivência muito boa, porque você sabe que a comunidade de terreiro é uma comunidade muito farta em alimento. O pessoal acha que a gente fica - 50 Mulheres Construindo Autonomia


matando galinha e recebendo santo o dia inteiro, o que não é verdade. A gente mata galinha, sim, porque não dá pra comer galinha viva. Então, nós matamos, comemos e celebramos até a vida. Distribuímos o que sobra para os vizinhos. Muitos vizinhos aqui já receberam saquinho de arroz, galinha... Tudo aqui é distribuído. Roupas, a gente consegue doações de roupas, calçados e distribui para as comunidades do entorno. E os projetos que são todos convidados a participar. Não pagam nada, é tudo gratuito... Então, essa nossa relação com a comunidade do entorno é realmente muito boa. Sempre foi. Nilce – Essa aqui é a Kátia de Ogum, ela é a nossa professora... Pergunta – Tudo bem, Kátia? Como tem sido a sua experiência com o projeto? Kátia – Já trabalho com artesanato há muitos anos. E aqui também, já fiz um trabalho. Pergunta – E como foi o contato da senhora com o projeto? Katia – Ah, é porque eu sou da casa, né? Então, eu já venho de outros projetos. Como já trabalho com artesanato, me convidaram para dar

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as aulas. Pergunta – E qual a média de alunos que a senhora costuma ter? Kátia – Entre trinta e quarenta. Pergunta – E a evasão? Katia – Tem bastante. Numa turma de quarenta é mais ou menos 20%. Pergunta – 20%... Katia – Aqui, a evasão acontece porque as alunas têm problemas, tem problemas com a família... Pergunta – A senhora tem planos de fazer uma exposição ou algo que dê continuidade aos trabalhos delas?

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Katia – Aqui sempre tem projeto, sempre tem continuidade. A casa não para. Pergunta - E com relação à família? As alunas tem tido problemas com a família? Katia - Não, não... A maioria, quando vem é família também. A grande maioria aqui já frequenta os cursos há bastante tempo e fizeram geração de renda através de cursos que foram dados aqui. Pergunta – Que tipo de projetos vocês tem feito com os trabalhos delas? Nilce - Normalmente levamos para feiras, pra fazer exposições, quando tem seminário... A dona da casa é conselheira da Rede Nacional de Religiões Afro-brasileiras e de Saúde. E essa rede faz seminários no Brasil inteiro, é uma rede nacional. Então, sempre temos a chance de levar os trabalhos delas. Agora, em agosto, teremos um evento de Saúde num hotel. Todo o material será exposto e levaremos algumas alunas, o que é uma chance para elas gerarem renda. Pergunta – A senhora já disse que a casa é um ponto de cultura, mas antes de ser um ponto de cultura, a senhora fazia que tipo de trabalho? Nilce – Nós começamos com pequenos projetos... O SESI, de Salvador, Comunidade Ecumênica, SASE, SAAP, que é aqui de Botafogo. Pequenos auxílios... Na verdade, começamos com recursos próprios. Pergunta – Em que ano? Nilce – A casa foi fundada em 1968. A partir de 1972, já começamos a fazer algo pensando nas comunidades do entorno, além daquela distribuição de alimentos que já te falei. - 53 Mulheres Construindo Autonomia


Pergunta – Foi feito um estudo das necessidades da comunidade? Nilce – Com certeza. Quando viemos pra cá ainda não tinha um terço da casa que se tem hoje. Não tinha nada, mas as poucas famílias que tinham aqui já eram muito carentes de tudo. Nós tínhamos dois médicos, filhos de santo da casa que faziam o atendimento à comunidade. Pergunta – Qual o raio de abrangência do seu ponto de cultura? Nilce - Geralmente esses trabalhos são para as comunidades do entorno, mas nesses nossos trabalhos, temos gente aqui de Realengo, de Madureira, Itaguaí e por ai... Uma passa pra outra e abrange por causa disso. Pergunta – Onde vocês divulgam o curso? Nilce - Eu normalmente divulgo os cursos em rádios e jornais ligados a religião e prospectos. Porque se eu colocar um curso aqui, não anunciar e colocar três alunas. Essas três vão trazer trinta. Boca-aboca. E um bom trabalho. Pergunta – Além dos que a senhora já me disse, a senhora dá algum outro curso? Nilce – Nós já tivemos aqui marcenaria, construção civil, que hoje eu não quis quando a ONG me propos... Pergunta – Por quê? Nilce – Porque eu não tenho público alvo pra isso. Eu conheço as minhas mulheres. A maioria acha que isso é serviço de homem. Se jogarem um curso de culinária todo mundo vai querer fazer, por exemplo. O artesanato é amplo e pra elas é uma terapia. Pergunta – Já que a senhora está fazendo todo esse investimento... Aonde vocês se vêm daqui a algum tempo? Até onde pretendem crescer? Nilce – Eu pretendo fazer uma cooperativa. Como eu falei, a gente trabalha para geração de renda. A gente não pode ficar no: Ensinou fazer? Tchau, querida! Acabou. Não é assim. Você tem de dar possibilidade de o pessoal crescer e gerar a renda deles. Eu, aqui, - 54 Mulheres Construindo Autonomia


tenho como buscar um recurso, mas elas têm que ganhar dinheiro com o material pra poderem fazer as coisinhas delas. Como elas não tem uma renda vão preferir tirar dinheiro pra pagar as contas de luz do que comprar bolinha pra fazer as coisas. Então, com uma cooperativa fica mais fácil, porque posso conseguir um recurso financeiro legal pra comprar material. Esse material, a maioria delas fez o curso de empreendedorismo e vai saber como dividir e fazer renda.

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Entrevista com o grupo de mulheres que se auto-denomina «As Totocas»

Pergunta – Eu gostaria que cada uma de vocês contasse um pouco da sua história e de como conheceram o projeto. Creuza – Eu não tenho história nenhuma. Rose– Eu também não... Lena – Ué! Vocês não começaram na terapia... Como é que não tem história? Ana Lúcia – O meu nome é Ana Lúcia. Quando eu comecei, eu almoçava e dormia toda tarde. Ai, um dia eu passei e vi no portão da Lena escrito o projeto, né? Ai, eu vi, me informei e eu falei: “Eu venho!” Só que o que aconteceu... Eu fui pra casa, comi, deitei e dormi. Lena – Dormiu... (Risos) Ana Lúcia – Quando eu acordei, eram quase quatro horas da tarde. Três e meia. Ai, eu voltei... Vim de novo. Bati... Sem graça, né? Porque estava além do horário, né? Ai eu fiquei: “Eu posso assistir hoje?” E ela falou: “Tudo bem, entra”. Ai, eu entrei, parei com a rotina de dormir e estou até hoje. Graças a Deus. Pergunta – E a senhora já está há dois meses... Ana Lúcia - Não. Um ano e... Pergunta – Ah, sim... Já existia um projeto nesse espaço. Lena – Já existia, é. Ana Lúcia - E é assim, eu fui ficando, - 57 Mulheres Construindo Autonomia


ficando... Pergunta – E como a senhora se sente agora? Ana Lúcia – Hoje, eu já estou bem melhor. Eu já não durmo as tardes... (Risos) Pergunta - A senhora também aproveita para trabalhar um pouquinho à tarde... Ana Lúcia – Isso, porque a gente faz de tudo um pouco, né? Tanto a gente conversa, como faz os trabalhos de artesanato. Está sendo gratificante. Lena – Está sendo gratificante em vários sentidos. De amizade, de conhecermos outras pessoas, porque o grupo era bem menor, né? Graças a Deus, aumentou... - 58 Mulheres Construindo Autonomia


Pergunta – Este é o maior grupo que eu já vi... Lena – E ainda tem mais. É porque hoje está friozinho, né? Mas tem mais... Está sendo ótimo maravilhoso. Cada vez se expandindo mais. Pergunta – E como a senhora se sente? Nilda - Eu estava na praça meio tristonha, meio de cabeça baixa. Ai, eu encontrei essa “benção” aqui. Eu ficava conversando com ela sobre meus problemas e ela disse: “Poxa, Nilda. Que isso... Vem pra terapia. Eu trabalho com umas meninas fazendo isso, fazendo aquilo outro lá no serviço...” Ai, eu falei assim: “Mas como é que é? Eu não tenho tempo. Tenho uma mãe de 89 anos, que é uma bebê... Tenho de fazer tudo pra ela”. E meu tempo se resume nela. Eu agora sou mãe dela. Antes, ela era a minha mãe, mas agora eu sou mãe dela. Então, tem de fazer comida... Eu parei até de trabalhar. Eu tomava conta de pessoas idosas em outros lugares e parei de trabalhar só pra tomar conta dela. Encontrei a Lena, ficamos conversando sobre esses problemas todos e - 59 Mulheres Construindo Autonomia


ela disse: “Não, vem pra terapia. Você vai ter umas horinhas, vai descontrair bater um papo, vai poder conversar...” E foi ai que eu me dei bem. Estou aqui vai fazer dois anos. Pergunta – Pelo seu sorriso, mudou bastante a sua vida, né? Nilda – Muito. Eu tive uma visão de outras coisas muito boa. E a minha vida mudou muito. Muito mesmo. Olha, temos um espelho aqui. A Lena está de parabéns por ter aproximado a gente e também por compartilhar com a gente as propagandas dela... Acho que ela não tem nada que dizer de mim e nem eu que dizer dela. Pergunta - Acho que pelo visto, a Lena tem acrescentado bastante na vida de todos vocês, né? Nilda – Muito. Ela foi um tudo na verdade, né?

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Creusa - Ela é mãe, é pai... É tudo pra gente. Nilda – Tudo! Pra todas as horas e todos os minutos. Lena – A terapia até começou por mim mesma, porque eu precisava. Pergunta – Você é psicóloga? Lena - Não, quase... Pergunta – E qual a sua área? Mas é ligada a isso... Lena – Não, é porque todo mundo fala que eu já nasci psicóloga, mas eu sou podóloga. Totalmente diferente... Mas assim, hoje eu curso Serviço Social por causa desse trabalho que eu gosto de fazer. E foi assim... Por mim mesma que eu comecei esse trabalho. Fui buscando apoios, buscando pessoas... Tudo foi crescendo e hoje, a gente tem um trabalho muito bonito. Até o nosso patrono vir nos conhecer e fazer a emenda para que tudo pudesse acontecer. E deu continuidade. O - 61 Mulheres Construindo Autonomia


artesanato permaneceu na nossa área porque era o que a gente já fazia. Pergunta – No caso, o projeto acabou sendo um facilitador maior... Lena - Já tinha um grupo. Eu não precisei ir buscar. Na verdade, a gente até vai ter que eliminar. No projeto só cabem trinta mulheres e todos os dias vem pessoas procurando. Pergunta – Engraçado... É o único lugar onde não tem problemas de evasão. Lena - Não, aqui pelo contrário. Eu que to segurando, por que... Até por causa do material. Não adianta deixar todo mundo assistir e participar porque vai faltar material para quem já está inscrito, quem já participava, né? Mas eu estou mandando que eles voltem depois, na próxima etapa... Ai, elas entram, né? Tem também a dona Valdira que é o “carro chefe” nosso... Pergunta – A senhora quer contar um pouquinho da sua história? Valdira - Bom, eu também conheci por intermédio dela. Um dia, eu passei e vi a placa ali e falei: “Ah, vou perguntar”. E ela falou: “Ah, vem! Tem que vir! Tem vaga”. Ai, eu entrei. Estava entrando em depressão, estava muito caída. Eu vivia na rua, pra baixo e pra cima. Ai, eu passei a fazer o curso aqui com eles e hoje, estou me sentindo muito bem. Não tenho mais depressão, agora vivo tranquila. As segundas, terças e quartas eu to aqui e sinto falta nos dias que não tem. Mas eu estou muito bem, graças a Deus e peguei a amizade de todos aqui. E foi assim que aconteceu comigo. Eu estou me sentindo muito melhor. Não tenho sentido mais nada. Problemas de doença eu não tenho sentido mais... Teve um dia que eu passei mal, mas fui ao hospital e melhorei. - 62 Mulheres Construindo Autonomia


Agora, estou aqui todos os dias, em todas as aulas. Eu não falto mais nenhuma. Pergunta – Mais alguém quer falar? Podem falar, não tenham vergonha... Elisa – Eu me chamo Elisa... Eu ficava em casa. Moro aqui do lado da Lena, né? Ai eu fiz uma oração a Deus e disse assim: “Deus, eu queria aprender alguma coisa”. Porque eu estava entrando em depressão. Então, esse projeto é muito bom porque ele é criativo, ele tem um objetivo, né? Pra mim foi muito bom porque aqui, a gente aprende a fazer um artesanato da reciclagem. E é uma horinha que a gente passa com as colegas aqui. E a gente se diverte. A hora passa... Pergunta – É tipo uma arte terapia... Elisa – É, é uma terapia. Aqui é tranquilo, cinco horas termina o curso. Segunda terça e quarta a professora vem. Ela é muito paciente. Ela dá atenção a todo mundo. E artesanato você sabe como é que é... A - 63 Mulheres Construindo Autonomia


pessoa tem que estar ali prestando atenção. E ele tem um objetivo que é também ganhar dinheiro. Que é o que a gente mais precisa também, né? Pergunta – E a senhora tem fonte de renda? Elisa – Não. Pergunta – Então, a partir do artesanato a senhora vai fazer uma fonte de renda. Elisa - É, fazer uma fonte de renda, porque eu não tenho. Eu vivo assim... Eu faço biscate, eu não tenho pensão... Então é assim, eu faço crochê, eu to aprendendo a fazer fuxico... O meu objetivo é crescer, é aprender a fazer as coisas... E aqui estou aprendendo a fazer fuxico que nunca fiz as caixinhas, o pote de sorvete também de fita, que fica muito bonito... Então, aqui é um local que a gente precisa porque tem muitas donas de casa, conforme a Lena falou, que vão querer aprender porque é uma terapia e as pessoas crescem, botam a mente pra funcionar, porque chega a uma idade que se a gente não estiver fazendo nada, atrofia. E agente precisa de atividade. Então, há um campo imenso pra abrir aqui em Padre Miguel porque tem que ter atividade, entendeu? Pra gente aprender e poder crescer porque o artesanato dá. É uma fonte de renda, né? Eu gosto de estar aqui, porque a gente conversa. Às vezes, eu estou muito quieta por causa de vários problemas e fico no meu cantinho prestando atenção naquilo que eu estou fazendo, mas eu presto atenção em tudo que se fala aqui. Eu levo meu material pra casa, eu estudo... Luiza - Eu gosto muito de artesanato, sempre fiz, e já trabalho em casa como artesanato e também gosto das pessoas que a gente encontra, a gente se dá bem, cuida dos amigos... Pergunta – Mais alguém quer falar? Lena – Fala ai, dona Luiza... - 64 Mulheres Construindo Autonomia


Luiza – É que eu não sei falar, mas posso dizer que gosto muito daqui, né? Aprendi um pouco de tricô... Pergunta – E como foi que a senhora chegou aqui? Lena – Foi a Teresa. A Teresa levou ela pra minha casa... Tudo começou lá, né? Veio uma e veio outra... Pergunta – Tudo começou na sua casa, então... Lena – A história da Regininha é muito interessante. Posso falar por ela? Porque a Regininha é muito tímida. A Regina é assim... Ela é o nosso “bebê” da terapia. Ela é mãe, é casada, tem uma filha... De quantos anos, a Ilana? Regininha – Dez anos. - 65 Mulheres Construindo Autonomia


Lena – A Regina sofria com o alcoolismo, ai, ela sofreu um acidente muito grave. Depois do acidente, tudo mudou... Ela entrou pra terapia, parou com tudo e hoje, é essa mulher abençoada. Regininha – O que eu posso dizer é que sou casada há dez anos e depois que eu vim pra cá o casamento melhorou. Tudo que eu achava impossível de fazer eu fiz. Pergunta – E o que foi o acidente? Regininha – Eu fui atropelada por uma moto e operei a cabeça. Quem me levou pro hospital foram os rapazes que bebiam cerveja comigo. Foram eles que me levaram. Pergunta – Mas você teve algum problema depois disso...? Regininha – Memória, porque eu operei a cabeça. Pergunta – Essa é uma historinha de superação. Regininha – A superação foi essa. Eu parei de beber, melhorei em casa... Pergunta – E como você se sente agora? Regininha – A única coisa que eu sinto falta é de andar de bicicleta, algo que não posso mais por causa da vista. Pergunta – Uma pergunta... A Regininha quando cheguei, brincou dizendo que “preto só faz filho bonito”. Como vocês se sentem tendo aulas de cidadania e cultura afro? Xuxo – É bom, porque esclarece e orienta. Lena – Acho que é o carro chefe, o mais importante porque elas estão tendo conhecimento dos direitos delas como cidadãs e estão aprendendo. Pergunta – E como é que está sendo essa mudança? Você que está acompanhando... Lena – Boa. Assim... Até em termos de diálogo porque independe da idade e da instrução de cada uma. Elas estão aprendendo a interagir - 66 Mulheres Construindo Autonomia


em qualquer lugar, com qualquer pessoa... Em qualquer circunstância, né? Até em termos de direito mesmo, de elas estarem em algum lugar, acontecer algum fato e elas poderem falar, poderem questionar uma coisa que hoje, elas sabem. A maioria, independente da idade, elas tinham uma timidez. Aconteciam as coisas erradas e elas não falavam... Hoje, elas têm esse livre arbítrio de poder falar, questionar e brigar pelos direitos, né? . Pergunta – E a autoestima pessoal? Lena - Ah, a autoestima pessoal é tudo. Começando por mim, porque aqui, eu sou a “Jaguatirica nova” e dai, eu fui criando as “Jaguatiriquinhas” todinhas. (risos gerais) Olha os meus filhotinhos ai, as “Jaguatiriquinhas”. E elas estão ótimas. Pergunta – Porque Jaguatirica? Lena – Por que eu sou apaixonada por Jaguatirica, então tudo meu é Jaguatirica. E elas todas me chamam assim... E elas estão se desenvolvendo muito bem, elas estão muito animadas. Elas estão tendo muito criatividade. Cada uma está criando coisas novas dentro do trabalho e dentro do que elas estão aprendendo, elas estão fabricando para que a gente possa montar a nossa própria empresa de artesanato. Pergunta – Isso é interessante, pois elas saem de uma situação onde havia até casos de depressão e se tornam uma história de sucesso. Lena – Com certeza. E nós vamos abalar na nossa microempresa. E temos muita coisa bonita como a nossa colcha, que foi um trabalho que envolveu todo mundo. Essa colcha de fuxico tem uma história muito bonita. Nós começamos a ganhar retalhos. Juntamos e falamos: “Vamos fazer uma colcha para no dia do bingo, a gente apresentar um trabalho que foi feito na terapia”. E até chegar o dia do bingo foi muita correria, foi muita mulher fuxicando. E olha que espetáculo (elas abrem a colcha e colocam na mesa)! Um ano de fuxico. E quem ganhou a colcha me deu de presente porque sabia a qualidade do nosso trabalho. Sabia o quanto era importante a gente apresentar este trabalho... Ai, eu costumo dizer que cada pérola, cada fuxiquinho tem os problemas e as lágrimas de cada um. Luiza - Fala pra ele o nome do grupo!

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Pergunta – E qual é? Lena – “As Totocas”. Pergunta – Por que “As Totocas”? (risos gerais) Lena - “As Totocas” tem uma história longa. Cada pessoa é chamada de um jeito... Tem pessoas que chamam de maluco, tem pessoas que chama de doido... E nós nos demos esse nome. “As Totocas”. Pergunta – Engraçado... Aqui não é uma “casa de axé”. Como isso acontece num projeto que foi formatado para funcionar em “casas de axé”? Lena – Porque aqui, esse espaço, foi o deputado que doou para a ONG. Entendeu? Eu faço trabalhos extras pra ele em outros lugares, mas devido a ter a oportunidade de usar este espaço aqui e essa comunidade que é o maior conjunto habitacional da América latina, aproveitamos para fazer também aqui dentro. Foi o que eu falei pra você: Aqui, nós temos excesso de pessoas. Por isso ficou aqui.

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Perspectivas de continuidade. Essa história não acaba aqui.

Conclusão

Equipe CCDS O Projeto Mulheres Construindo Autonomia tem como objetivo qualificar a mão-de-obra feminina e ampliar suas possibilidades de trabalho remunerado e, por meio disso, mudar o perfil socioeconômico de diferentes tipos de famílias. O projeto visa interferir na realidade social, interrompendo a dificuldade de aceso ao conhecimento, modificando a percepção das oportunidades de melhoria na vida e, consequentemente, na inserção no mercado de trabalho. Neste sentido, ele é destinado principalmente a mulheres que necessitam aumentar a renda familiar. O projeto Mulheres Construindo Autonomia busca a efetiva formação e qualificação profissional de mulheres para o mercado de trabalho em atividades tradicionalmente desenvolvidas por homens. Tratam-se de tarefas que podem ser realizadas por mulheres, com qualidade e possíveis ganhos de produtividade. A proposta é a formação, treinamento e igualdade. Além das questões práticas, o Mulheres Construindo Autonomia busca a construção da igualdade no mercado de trabalho articulada com a inclusão social. Este objetivo atende a uma das metas estabelecidas pelo movimento de mulheres, instituições com responsabilidade social e também as metas do Milênio da Organização das Nações Unidas (ONU).

Mulheres na Construção Civil O trabalho de mulheres na construção civil vem sendo feito há algum tempo em países desenvolvidos, mas, no Brasil, ainda é uma prática com certo pioneirismo. O Mulheres Construindo Autonomia quer mudar esta lógica e iniciar, efetivamente, a inserção das mulheres nestes mercados tradicionalmente ocupados por homens. Em razão do momento propício para a mão de obra na construção civil, nesta fase o projeto é resultado da parceria entre o Ministério da Mulher e o Centro de Capacitação e Desenvolvimento Social (Ccds) e vai capacitar mulheres para trabalharem na construção civil. Elas - 70 Mulheres Construindo Autonomia


devem ser, preferencialmente, chefes de família, que tenham baixa renda e que sejam beneficiárias do Bolsa Família, do governo federal. O Programa está disponibilizando cursos para cinco habilitações: - Pintura Predial Interna e Externa; - Aplicação de Cerâmicas e Assemelhados; - Assentamento de Tijolos e Regularização de Paredes e Pisos; - Instalação Elétrica; - Marcenaria.

Como são os cursos Os cursos dividem-se em módulos de conhecimento técnico e outro de cidadania, onde prevalecem temas sobre a saúde e direitos da mulher, bem como outras orientações e informações que contribuam ao fortalecimento da auto-estima e inclusão cidadã dessas mulheres. As aulas práticas criam oportunidades para as alunas aplicarem seu aprendizado e são realizadas em equipamentos públicos ou de instituições sociais, contribuindo com a recuperação desses espaços. A carga horária prevista é de 128 horas para cada curso (20 horas para Programa de Valorização da Vida e Defesa dos Direitos; 40 horas para aula teórica e prática em laboratório e 68 para prática de atividades na comunidade). E agora... a continuação! Este é um projeto vitorioso em sua essência. Acreditamos que cumprimos bem o objetivo que nos propudemos desde o início. Agora precisamos dar outros passos. Ampliar o campo de ação, envolver mais mulheres e parceiros, melhorar o que foi avaliado como negativo, reforçar o que foi positivo, enfim, é hora de pensar que um projeto como este pode e deve se tornar permanente até que não haja mais necessidade de sua existência. Os resultados estão aí para mostrar o êxito do projeto. Vidas transformadas, mulheres mais felizes, empregabilidade... ou seja, o impacto do projeto é tremendo e pode ser muito mais.

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Oxalá tenhamos condições de seguir adiante, pensando na perspectiva não só da continuidade mas, também de um novos olhares sobre o que realmente constrói e fortalece a autonomia de cada mulher carente de nosso país e de nosso estado.

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