BELÉM A HISTÓRIA PEDE SOCORRO INTERNET NEO-HEATERS
LULY MENDONÇA
GENTE QUE INFLUENCIA
O PAPEL DO DIGITAL INFLUENCER NA COMUNICAÇÃO CRÔNICA A REDOMA DOS GRILOS ESPECIAL
AS CORES E AS DORES DE SER DRAG QUEEN 1
EDITORIAL
Falar de cultura, informação e outras coisas parece ser mais fácil em tempos de internet, onde a comunicação ganha cada vez mais velocidade e nem sempre os usuários conseguem acompanhar. Brecha para o surgimento dos que odeiam o que é novo, odeiam quem usa a internet para difundir suas ideologias e idolatram quem faz o papel de melhor amigo e indica os melhores produtos que nem sempre são necessários, mas que fazem parte desse novo formato de atingir pessoas através das ferramentas digitais. Alcançar e levar a para um número cada vez maior de pessoas uma informação. No meio desse turbilhão de novidades, ainda se briga pela memória, ainda se discute preservação e ainda se busca enfatizar a importância de tudo isso. É importante prestar atenção no colorido e na dor que há por trás dele. Nem tudo é como um arco íris. Essa edição da CiO está recheada de assuntos que alimentam a polêmica nossa de cada dia e que merecem o registro eternizado nessas páginas.
ÍNDICE página 5 AS CORES E AS DORES DE SER DRAG QUEEN página 14 A HISTÓRIA PEDE SOCORRO página 20 OS NEO-HATERS página 26
EXPEDIENTE Colaboradores Flávio Cardoso Kalynka Cruz Monique Malcher
GENTE QUE INFLUENCIA página 34 A REDOMA DOS GRILOS
Projeto Experimental de Jornalismo Impressso Direção Diagramação Marcus Ayres
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Colaboração: Marcus Ayres Social Media e Estudante de Jornalismo Edição e Diagramação: Marcus Ayres
AS CORES e as dores de ser drag queen Seja por lazer, hobby, trabalho ou terapia, ser drag queen é o caminho de fuga que muitos artistas (e até pessoas comuns) percorrem para liberar seus medos, seus desejos e expressar uma liberdade coibida por rótulos e preconceitos. As cores e as dores de ser drag queen ficam evidentes quando se conhece o artista além do que se vê no palco.
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A drag queen usa do exagero para existir através da combinação de roupas extravagantes, maquiagem pesada e acessórios nada convencionais. Rótulos a parte, o “ser drag queen” vai muito além de composições chamativas. O “ser drag queen” tem relação direta com a vida pessoal de cada artista. Entrevistamos alguns deles e através do trabalho e da conversa com cada um, vamos conhecer quais são as cores e as dores de ser drag queen. Esqueça, caro leitor, dos estereótipos criados pelo cinema. Ser drag queen não é apenas usar um salto alto gigante ou atravessar o deserto sentado em um ônibus ao som de alguma diva da música dance. Ser drag queen vai além das barreiras que a imaginação pode ter.
SHAULA VEGAS 6
O cabeleireiro e maquiador Omar Junior, 35, deu vida ao seu personagem Shaula Vegas aos 17 anos. Através da arte, ele encontrou uma maneira de exteriorizar o que sentia. Para Omar, o papel da drag queen é colorir o mundo de uma maneira única, levar alegria e emocionar as pessoas. A escolha do nome do seu personagem já é um show à parte. Omar explica que “Shaula” é uma estrela que compõe a constelação de escorpião e é uma das mais brilhantes do céu. “Vegas” faz relação à Las Vegas, cidade referência quando se fala em entretenimento noturno. Omar se inspira em tudo e em qualquer coisa ou pessoa e usa a sua arte performática para lutar contra o preconceito. Ele afirma que o ser humano teme e discrimina aquilo que não está enquadrado em sua zona de conforto ou na chamada “faixa de normalidade”.
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O administrador de empresas Leonam Mescouto, 38, é o “pai” da personagem cômica Lilandra Melancia. Ele atua na noite paraense há 13 anos e uma das suas principais características é o humor. Um dos seus bordões enfatiza a beleza de Lilandra: “Gostosa com farofa e shoyo!”. Leonam acredita que o lado colorido de ser drag queen está relacionado ao fato dele entreter as pessoas, tornar os eventos dos quais participa mais alegre e fazer o público rir. As dores de ser quem se quer ser estão ligadas ao preconceito e à ignorância de quem não consegue viver em sociedade sem se importar com o trabalho ou com a vida alheia.
LILANDRA MELANCIA 8
E quem foi que disse que mulher não pode ser drag queen? Pois é! Elas têm dividido o espaço que, até então, era dominado por homens. As “faux queens” são mulheres que se vestem como drag queens e agem como tais. A “montagem” é tão exagerada quanto a dos homens e as performances seguem a mesma linha artística. A partir da análise da arte como uma expressão livre e que, cada vez mais, é importante explorar os conceitos de igualdade entre homens e mulheres, o ser drag queen quebra os paradigmas de gêneros. Ser drag queen não estereotipa alguém como homossexual, bissexual ou heterossexual. Ser drag queen é libertar os desejos aprisionados e reprimidos por uma sociedade que só enxerga erros e pecados em tudo que existe fora do âmbito que é considerado normal.
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A estudante de artes visuais Meg Dias, 25, dá vida ao personagem “Black Jambú”. Ela afirma que o ser drag queen é uma forma de auto conhecimento, empoderamento, entrega e criação. Meg acredita no poder que existe em ser drag queen como ferramenta de luta contra o machismo. Segundo Meg, a partir do momento em que você se entrega ao seu personagem drag queen, você passa a enxergar um mundo diferente daquele que foi imposto pela sociedade em que se vive. A drag queen carrega no nome boa parte da sua identidade. Foi assim, então, que Meg batizou a sua personagem. “Sou uma mulher negra que sofreu na infâcia por ser quem sou. Tive vários apelidos referentes à minha cor, ao meu cabelo, cheguei alisálo numa falsa tentativa de me enquadrar aos padrões, passei por todo esse processo que muitas mulheres negras passam. Achei que “Black” seria um bom nome pra me representar. O jambú é o nome de uma planta muito peculiar, de sabor marcante e que causa o famoso tremor. Tenho muito orgulho de quem sou e de onde venho, Black Jambú representa tudo isso.” – explica a artista. Dividir um espaço, até então, dominado por homens tem uma relação direta com o caráter revolucionário que o “ser drag queen” representa. Até pouco tempo atrás, as mulheres não tinham espaço nem no teatro. Através das faux queens, a entrada das mulheres na cena artística drag queen se torna cada vez mais importante e evidente. “Drag queen é arte feita por pessoas independente de gênero, orientação sexual, porte físico, ou de qualquer outra coisa. Aqui em Belém ainda somos poucas, mas esse número vem aumentando. Isso é lindo!” - enfatiza Meg.
BLACK JAMBÚ 10
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De acordo com a artista, as cores de ser drag queen estão relacionadas à liberdade de ser uma tela em branco pronta para receber pinceladas do artista e de se desprender de regras impostas por sistemas formadores de opinião. Para Meg, a sociedade ainda não está preparada para a presença das drag queens. Esses artistas são marginalizados, existe o medo da violência e ainda há a desvalorização do trabalho artístico. Apesar dos problemas, Meg diz que a drag queen precisa estar preparada para todos os tipos de situação e encarar todas elas da melhor forma possível. Sobre preconceito, ela diz que é preciso saber lidar com quem não aceita a existência do “diferente”. Ela afirma que ainda falta mais respeito e união entre drag queens homens e mulheres para a cena drag paraense tomar fôlego e começar a ser realmente valorizada.
SAMMLIZ 12
A cantora Sammliz, 40, é uma fã declarada do trabalho das drag queens. Prova disso ocorreu durante o show de lançamento do seu disco “Mamba” em uma casa noturna conhecida pelas festas com performances de drag queens. A cantora escalou um time de drags para encerrar a noite. “Sempre me identifiquei com a arte drag. Achei justo convidar algumas artistas que sempre se apresentam no local do show”, comenta Sammliz. Segundo a cantora, ser drag queen fala justamente sobre tornar-se algo além do que possa ser definido como essência masculina ou feminina. É algo com um bom nível de complexidade, pois toca nessa instabilidade de gênero, sexualidade e identidade, e arrasta a relação entre a drag queen tradicional e essa nova drag queen que chega a partir da agregação das mulheres. Para Sammliz, ser drag queen é provocação, auto deboche com o estabelecido como normalidade e a mulher está devidamente autorizada a se expressar dentro dessa arte. 13
AA histรณria HISTร RIA SOCORRO sobPEDE um teto de folhas 14
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Colaboração: Flávio Cardoso Jornalista e Advogado Edição e Diagramação: Marcus Ayres
“Casa da Bruxa” seria um apelido, no mínimo, injusto para um bucólico chalé varandado em estilo Art Nouveau, erguido no auge do Ciclo da Borracha na Amazônia, época em que a economia paraense produzia riquezas na cidade de Belém.
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as quem poderia discordar da sinceridade das crianças que brincam na Praça Moura Carvalho, no Distrito de Icoaraci, se elas dizem apenas o que veem do outro lado da rua? Na verdade, não é preciso ter a sensibilidade de uma criança para notar o aspecto, com o perdão da palavra, assombroso (e segundo alguns, até assombrado) do Chalé Senador Antônio Porphírio, localizado entre a Rua Padre Júlio Maria e a Travessa Souza Franco. A história do Chalé, hoje escondida sob um manto de trepadeiras e um aglomerado de árvores que tomaram conta de parte do telhado, é praticamente um mistério! Dado o difícil acesso ao interior da casa, transformado num matagal, além do fato de possuir uma família morando nos fundos do imóvel, o que
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restam são lembranças de vizinhos, como o aposentado Dionísio Barros, o “Seu Dudu”, que mora em frente à residência. Morador há 74 anos da chamada “Terceira Rua”, Seu Dudu relembra alguns detalhes do interior do antigo chalé, na época em que os donos o deixavam brincar dentro da casa. “Lembro que ela era toda de acapú e pau-amarelo. O assoalho e os móveis eram coloniais e tinha uma escada tipo caracol, que é colonial também”, conta Dionísio. Ele diz ter visitado o lugar pela última vez quando o espaço foi transformado em uma biblioteca pública, o que durou pouco tempo. Uma das moradoras da casa, que atende pelo nome de “Dona Cristina”, não quis entrar em detalhes, mas limitou-se a dizer que o proprietário do imóvel mora no centro de Belém e visita o local com pouca frequência.
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“Tratando-se de imóvel privado, é de responsabilidade do proprietário qualquer obra ou serviço a ser executado, incluída a liberação do bem para as obras de restauração via Programa Monumenta”, explica José Ribamar. De acordo com o representante do DEPH, o Chalé Senador Antônio Porphírio não é de conhecimento da Fumbel, logo, seria preciso consultar a Divisão de Preservação do Departamento de Patrimônio Histórico para encontrar o licenciamento do dono da residência. José Monteiro explica ainda que se o proprietário se dispusesse a fazer um acordo com a Fumbel para a restauração do imóvel, ele deveria: “Preencher um formulário com os dados de inscrição do imóvel e dar o valor aproximado da obra de intervenção. Depois disso, ele precisaria participar de edital de imóveis privados quando for lançado, participar da seleção e da classificação e depois, passar por um processo de avaliação perante a Caixa Econômica e dos órgãos de preservação”, detalha. Lamentavelmente, o resgate da memória e da história da cidade de Belém torna-se inviável quando o interesse privado rompe com o interesse público. Enquanto isso, pessoas como o Seu Dudu assistem parte da sua própria história de vida sumir diante de seus olhos, resistindo às ações do tempo debaixo de galhos e folhas.
Segundo o representante do Departamento de Patrimônio Histórico (DEPH) da Fundação Cultural do Município de Belém, José Ribamar Monteiro Filho, não seria competência direta da Fumbel questionar o estado de conservação do edifício, já que a função do órgão é criar projetos e acompanhar obras em prédios que sejam de interesse para a sua conservação.
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Colaboração: Kalynka Cruz-Stefani Doutoranda em Filosofia/Sociologia Sorbonne-EHESS (Paris) Professora da Universidade Federal do Pará Diagramação: Marcus Ayres
NEO-HATERS: OS JUSTICEIROS DIGITAIS
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ão importando a causa, haters, como o nome diz, são os odiadores, os cavaleiros negros do apocalipse-web, os dementadores da vida digital. Eles não podem conviver com o sucesso, com qualquer tipo de comportamento alheio que difira daquilo que entendam culturalmente como verdade. Não se trata exclusivamente de inveja, de querer o que outro tem; é mais obscuro que isso. Trata-se de tentar destruir o outro por causa de sua aparência, por causa de uma ideia, ou maneira de ser e viver diferente da sua. Os haters são responsáveis por espalhar mensagens desagregadoras, violentas, palavras de ódio, ou, na mais perfeita definição que pude pensar, haters são aqueles que, em crise ética, especializaram-se em, por meio da linguagem, desumanizar o outro, em um exercício de ruptura social, desamor e superexposição da barbárie interior. Desumanizar, como explica Morin (O Método 6), significa transformar em lixo, excremento um ser humano apenas porque ele é diferente de quem desumaniza. Essa desumanização talvez seja o bálsamo psicológico de um hater. O outro merece ser odiado porque não é humano, é um nada, é algo que o incomoda, logo, torna-se um “inimigo” que não tem face, que não se assemelha a qualquer coisa que possa suscitar empatia. Um hater nunca vai se colocar no lugar do outro: ele não pode, porque o lugar que o outro habita é o motivo principal de seu ódio. Logo, na sua lógica, tudo é permitido. A fórmula do hater mistura uma boa dose de bullying, humor perverso, violência verbal e assédio. Muitos famosos são vitimados por esse coquetel e, claro, encontramos muito mais histórias que envolvem haters e estes personagens públicos.
Os neo-haters
O termo hater surgiu na internet designando um grupo de pessoas que atacam motivados pelo ódio, geralmente relacionado a algum tipo de fanatismo e também por diversos tipos de preconceitos. Precursores do bullying virtual, os haters eram inicialmente considerados pessoas que estão infelizes com o comportamento, êxito, conquista ou felicidade de outra pessoa. Hoje, esta realidade foi atualizada: há um novo tipo de hater, os que aqui chamaremos de neo-haters.
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Nos primórdios da web ser vítima de um hater era “privilégio” de famosos ou web-celebridades. Mas hoje essa realidade difere do passado e surge um novo personagem, um hater repaginado, os neo-haters. Neo-haters, diferentemente dos haters originais são aqueles motivados por uma causa coletiva onde instauram uma espécie de julgamento sumário digital. São motivados, além do ódio, pelo desejo de castigar aquilo que julgam errado de acordo com as crenças nas quais estão inseridos. Estes neo-haters são também os juízes digitais. Movidos por uma “razão” que acreditam ser supostamente justificável, agem não apenas como juízes, mas principalmente como justiceiros.
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Segundo Morin, quando novos sistemas se criam, qualidades que antes não se demonstravam individualmente emergem. Podemos ver este acontecimento no caso do ataque em massa originado pelos haters e pelos neo-haters. Em grupo são mais corajosos e muito mais agressivos. A auto-organização também é imediata, agem com a dinâmica de um formigueiro. Criam a casa, debatem estratégias e montam seus ataques on line, ou seja: criam grupos para discutir contra o objeto de ódio, criam páginas fakes para o objeto de ódio, atacam o perfil em massa, discutem entre si, xingam o perfil da vítima até que de alguma maneira o perfil saia do ar ou fique inundado de ofensas. Independente de uma motivação ser ou não “compreensível”, como no caso do ataque a criminosos (de todos os tipos) uma grande parte do problema está na sede de punição imediata, sem julgamento. Tudo isso, é muito importante ressaltar, sem que se percebam como neo-haters. O tribunal digital é instaurado instantaneamente. Sem reflexão, apenas impulso. O comportamento dos neo-haters é claramente voltado à desumanização do outro e está diretamente ligado às mentes sequestradas pelas crenças (Fernando Haro, 2006). Não crêem nas regras sociais, na Justiça e não se importam com os resultados da desumanização, além daquele que objetivam diretamente: a aniquilação do outro justificada por um erro ou suposto erro.
Recentemente, um político brasileiro, sabidamente corrupto, foi retirado do hospital à força para ser levado a uma prisão. A cena, grotesca, tratava-se de um evidente desrespeito à dignidade humana. Porém, nas redes em uma histeria eufórica coletiva comemorava-se o acontecido numa evidente vitória da barbárie interior contra o bom senso. Não bastava ser preso, punido. Era necessária — e foi aplaudida — a humilhação pública, o escárnio. Interessante perceber, por tratarse de um político de um partido fisiológico, entre os neo-haters estavam muitas pessoas de esquerda que defendiam ferozmente os direitos humanos em outros casos. Como se roubar a dignidade de alguém em um linchamento virtual não fosse tão medonho quanto quaisquer outros tipos de linchamento e embora o ataque ao político, neste caso específico tenha se dado através dos jornais, por outro lado, toda uma orbe de pessoas compartilhou nas redes milhares de vezes a foto de tal político nesta cena humilhante — em uma maca sendo retirado do hospital. Não se trata este de um exemplo clássico da atitude de neohaters, mas de um preâmbulo para introduzir esta predisposição a se montar o tal tribunal digital, julgar e punir sumariamente o outro. Percebe-se que qualquer pessoa, a qualquer momento, no mundo virtual, está sob o risco de se tornar um neo-hater pois a linha entre expressar sua opinião, reclamar uma solução, fazer uma crítica e destruir em grupo a reputação de alguém, sem espaço de defesa, é muito tênue.
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Todos parecem querer julgar algo ou alguém como se, afoitos, tivessem finalmente descoberto um canal de escoamento de variados tipos de frustrações: emocionais, profissionais, políticas, sociais… não confundamos, porém, as ações dos neo-haters com as ações e espaços criados para se clamar justiça, apontar falhas, erros, corrigir-se problemas. Tudo isto é válido e faz parte da boa natureza do ciberespaço. A diferença entre um comportamento e outro é que no primeiro caso busca-se a punição sem julgamentos válidos, apenas pautados no ódio, enquanto que no segundo caso a busca pela justiça, pelo que é correto, dá-se dentro do respeito da dignidade alheia. Kalynka Cruz
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A velocidade com que se precipita a julgar e executar não permite o ato reflexivo da ponderação de um fato e da humanização do outro. Ainda mais recentemente tivemos um exemplo excelente da ação dos neo-haters. Um perfeito exemplo, deve-se ser ressaltado, porque além de seguir o “protocolo” dos neo-haters, deu-se dentro de um mesmo grupo de afinidades ideológicas, tornando o ataque paradoxal. Uma professora e escritora brasileira, articulista de esquerda, com milhares de seguidores em seu blog e Facebook, teve uma ascensão surpreendente como formadora de opinião graças à viralização de alguns textos seus, que além de bem escritos, refletiam com talento as crenças de grande parte de seus seguidores de esquerda. Ela porém, há alguns dias decidiu compartilhar a memória de um texto antigo no Facebook (que numa leitura precipitada e romantizada pode parecer elitista e preconceituoso). Não esperava que essa leitura superficial do texto por parte de seus seguidores, sem compreensão da complexidade e sem leitura de contexto viesse a se tornar seu pior pesadelo, obrigando-a a deletar seu Facebook com milhares de seguidores, uma vez que foi violenta e virulentamente atacada, julgada e executada on line. A saída do Facebook foi a sua morte simbólica, foi um linchamento virtual assistido ao vivo e a cores naquela rede. O paradoxo está no fato de que, como representante de uma esquerda militante e ativa, a professora teve contribuições efetivas em vários debates no último ano, sendo adorada, apreciada, obtendo comentários e aprovação massiva; mas bastou a interpretação descontextualizada, uma leitura singular, pontual, para que fosse destruída nas redes por aqueles mesmos que a seguiam. Não tenho a intenção de entrar aqui no mérito de sua publicação, embora já o tenha feito em meu perfil pessoal (atenção neo-haters), mas evidenciou-se claramente que o ódio foi violentamente estimulado pelo desejo de não compreender, por uma clara desumanização, porque como, já dissemos anteriormente, como nos ensina Edgar Morin, a desumanização, repetimos, é o ato de transformar o outro em objeto de ódio, porque esquece-se a sua humanidade, no caso da professora tão claramente explicitada (e viralizada) há mais de um ano nas redes. Bastava uma leitura contextualizada, um olhar humano sobre ela para que se percebesse que aquele texto, em específico, não poderia nunca ser usado como única “evidência” de condenação no tribunal digital. Se os mesmos que lutam por mais humanidades em outros campos, também cedem on line ao chamado do ódio, não deixando que o papel dos neo-haters seja exclusiva dos neo-fascistas, para onde caminharemos? É preciso ser crítico, autocrítico e paciente para não cruzar a tênue linha entre a boa militância virtual e a transformação em um neo-hater. Porque deste modo morre a ética. Morre o amor. Morre o humano. Nascem os neo-haters. 24
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Colaboração: Marcus Ayres Social Media e Estudante de Jornalismo Edição e Diagramação: Marcus Ayres
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Desde que chegou ao Brasil em 1988, a internet tem promovido muito mais do que a troca de e-mails ou a disponibilização de sites. Com a exploração comercial iniciada em 1994, a internet passou a ser vista como uma excelente forma de promover produtos. Claro que no começo a utilização era bem acanhada. Anos depois até os tempos atuais e com o surgimento das mídias sociais como Facebook e Instagram, as empresas passaram a investir mais na divulgação dos seus produtos via web.
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facilidade que as mídias sociais trouxeram para a vida cotidiana é algo inegável. Hoje é possível pagar contas e fazer compras sem precisar sair de casa. Quase tudo é feito a partir do smartphone e as empresas estão de olho em quem leva essa vida digital. Aliás, não são somente as empresas, mas pessoas comuns estão aproveitando todas as ferramentas da cibercultura para ganhar muito dinheiro. E não, não estamos falando de publicitários ou outros profissionais da comunicação. Estamos falando de pessoas comuns que viram suas vidas mudarem por causa da internet. Estamos falando dos influenciadores digitais, que ganham fortunas vendendo conceitos, produtos e o que mais as empresas julgarem rentáveis, tudo pela internet. “Olha que sapato bonito!”, “Hoje tem live direto da loja X” e “Meninas, hoje eu quero indicar esse batom maravilhoso!”. Essas são algumas das frases mais ouvidas pelos assíduos telespectadores dos influenciadores digitais. Mas quem são essas pessoas que ganham a vida influenciando quem as segue na internet? Os influenciadores digitais são um braço da ferramenta de marketing de influência, que utiliza pessoas famosas como cantoras, atrizes e outras celebridades para serem as estrelas das campanhas publicitárias dos seus clientes. Já os influenciadores digitais são pessoas comuns, profissionais ou não da área de comunicação, formadores de opinião e cheios de atitude. Pessoas que conquistam seguidores e que têm credibilidade. Seguidores que seguem não só as suas postagens, mas tudo o que eles falam. O influenciador digital tem uma característica chave em relação às demais pessoas: ele é o mais exibido e posta tudo sobre sua vida da forma mais encantadora possível. Dessa forma, ele atrai pessoas de todas as idades e sexos que ficam de olho nas postagens e nas marcas sobre as quais ele comenta. Tudo começou com os blogs. O tempo passou e os blogueiros começaram a produzir conteúdo em audiovisual e assim se aproximaram mais da sua audiência. O advento do YouTube, Instagram e Facebook facilitaram e promoveram uma produção desenfreada dos mais variados conteúdos. Dessa forma os produtores de conteúdos digitais começaram a ganhar mais notoriedade.
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Em alguns países, por exemplo, os influenciadores digitais vão além de fazer publicidade. Eles começam a divulgar outros tipos de produto como o lançamento de um filme, por exemplo. Ao entrevistar astros e estrelas, a convite dos estúdios, os influenciadores começam a atuar no mercado de jornalismo, também. Os influenciadores digitais atingem mercados segmentados que se adequam melhor ao seu perfil. Por esse motivo é fácil direcionar campanhas, ou publiposts (termo utilizado para indicar que uma postagem nas mídias sociais é paga) que atingem em cheio o público alvo da empresa que contrata esse profissional. De acordo com a Comscore, uma empresa especialista em dados digitais, o brasileiro passa em média 650 horas por mês na internet, o que torna o Brasil o campeão de navegação na rede mundial de computadores. Isso é uma audiência e tanto que usa a internet para tudo, de formas corretas ou não e que vive sedenta por informações e novidades que os meios tradicionais e os influenciadores têm para oferecer.
A internet no Brasil Pesquisa do Connected Life
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Essa relação criada entre influenciadores e audiência é o segredo do sucesso desse segmento. As pessoas enxergam no influenciador alguém de credibilidade e com total respaldo para oferecer um produto ou serviço. Kéfera, Hugo Gloss, Camila Coutinho e Gabriela Pugliesi são exemplos tácitos disso. Em se tratando de Belém do Pará, a atuação dos influenciadores digitais começa a tomar gás com uma turma muito bem intencionada e com um mercado que começa a abrir mais espaço para esse tipo de mídia. Alguns nomes bem conhecidos e já servem de referência para várias empresas e eventos. Conversamos com Luana Mendonça, ou Luly Mendonça, que destacou importantes pontos sobre a vida de digital influencer na terra do pato no tucupi.
Luly tem 34 anos, é publicitária e acumula mais de 12 mil seguidores no seu Instagram. Ela começou a produzir conteúdo para internet pelo seu fotolog (espécie de álbum virtual de fotos), trabalhou em portais de notícia e criou o Blog Diário de Plebéia onde falava de moda e comportamento. O blog durou quatro anos e Luly partiu para outras mídias como o Instagram e o Snapchat. Segundo a blogueira, assim ela pôde ser ela mesma e se sentiu bem mais à vontade para produzir conteúdos cheios de humor e atitude. Confira a entrevista.
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CIO: A partir de que momento você percebeu que produzir conteúdo para a internet seria uma forma de ganhar dinheiro? Luly: Eu comecei a ganhar dinheiro como blogueira quando eu deixei de ser blogueira. O blog fazia eu ter uma postura mais séria e me deixava menos à vontade. Quando comecei a usar o Snapchat logo depois de encerrar as atividades do Blog, descobri que poderia ser natural porque o conteúdo seria mais sincero e descompromissado. CiO: Qual o seu conceito de influenciadora digital? Você se considera uma influenciadora? Luly: Eu acredito que o influenciador digital é um formador de opinião na internet, mas não dá pra se autodenominar um influenciador. Não é fácil ser um produtor de conteúdo criativo para web. Eu não me considero ser uma influenciadora digital porque isso acarreta muita responsabilidade. Eu acredito que os iguais se aproximam e as pessoas me seguem por criarem uma afinidade comigo e com o que eu penso. CiO: Quais as vantagens de ser um digital influencer? Existem muitas vantagens. Eu amo trabalhar com internet. A primeira vantagem que eu vejo é de poder trabalhar com o que eu amo. As outras vantagens é conhecer muita gente legal que também trabalha no meio e trocar experiências é sempre muito válido. Os press kits que a gente ganha também são legais porque a gente conhece muita coisa boa. Outra vantagem muito importante é poder usar meu espaço na internet pra ajudar quem precisa, dar dicas legais e comentar assuntos relevantes. CiO: Qual a importância de ser o porta voz de uma determinada marca na internet e que cuidados devem ser tomados? Luly: É preciso tomar cuidado com a mensagem que porque eu sou responsável por difundir ideias. E é sempre legal gerar conteúdo criativo sendo você mesma. A gente precisa passar sempre uma mensagem boa. Na internet a gente quer gente de verdade e falando alguma coisa relevante. O profissionalismo do pessoal que produz conteúdo para a internet é algo extremamente importante. Não pode fazer as coisas de qualquer jeito porque isso desvaloriza o trabalho como um todo. Hoje toda menina quer ser blogueira. Ser blogueira é a nova paquita. Mas não é fácil assim. É preciso ser muito profissional e valorizar o seu trabalho. CiO: Como você vê a reação do mercado paraense sobre o trabalho do digital influencer? Luly: Agora que o mercado paraense começa a abrir espaço para nós. A gente pratica o boca a boca virtual. A gente aproveita as novas formas que a internet trouxe de comunicação. Sendo assim, as empresas precisam entender que é preciso estar onde todo mundo está. É possível fazer propaganda nos meios tradicionais, mas é preciso também entender as novas tendências de comunicação.
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O publicitário Paulo Falcão afirma que a internet é um ramo muito novo no Brasil.
De acordo com Audience Insights, uma ferramenta do Facebook, o Pará possui cerca de três milhões de pessoas ativas mensalmente na rede social. Mesmo com um número considerável de usuários, somente agora o mercado paraense começa a abrir os olhos para essa ferramenta, incluindo o trabalho dos influenciadores digitais. O publicitário paraense Paulo Falcão, 30 é especialista em marketing digital e explica que a proposta do trabalho dos influenciadores digitais é vender um produto ou serviço de forma sutil, mas é preciso tomar alguns cuidados. É importante informar que se trata de um “publipost” (publicação paga) para que não haja problemas ocorridos pela prática da publicidade velada. Paulo explica que é preciso usar o trabalho dos influenciadores digitais com moderação. Por exemplo, ao usar a função stories do Instagram não é indicado postar mais do que seis conteúdos por ação. Para quem assiste é cansativo e resulta no consumo excessivo de bateria e dados de internet móvel. E sim, o influenciador digital precisa pensar em detalhes como esses quando começa a produzir conteúdo. Para mediar tudo isso de forma profissional, entra em ação as agências de propaganda. O principal papel das agencias de propaganda, além de contratar o influenciador digital certo para a campanha do seu cliente, é explicar quem realmente é esse cliente. A agência precisa dar o direcionamento do trabalho do influenciador digital, mas nunca dizer como ele deve agir e o que deve falar. A naturalidade da campanha precisa notória. O mercado paraense A participação do influenciador digital ainda é vista de forma tímida pelo mercado. Algumas agências ainda não tem estrutura para educar e mostrar aos seus clientes o que realmente tem funcionado como é o caso da participação do influenciador digital nas campanhas. A atuação do influenciador digital é importante porque ele tem prestígio e seus seguidores acreditam fielmente no que é dito nas suas postagens. Quando a campanha se encaixa com a internet e até quando ele sai da internet para outros meios, a parceria resulta em sucesso garantido para ambas as partes. Segundo Paulo, o trabalho com internet ainda é algo novo no Brasil. Não há uma fôrma de bolo. É preciso fazer teste atrás de teste pra saber qual a melhor forma de chegar até o público alvo do cliente. Tudo precisa de um bom tempo, pesquisa e criatividade. Há um longo caminho a ser seguido antes de contratar um influenciador digital e ligá-lo a uma marca.
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Colaboração: Monique Malcher Jornalista Diagramação: Marcus Ayres
A redoma dos grilos Colocava grilo por grilo dentro do pote de vidro. A tampa era cheia de buracos, assim eles podiam respirar. Foi uma amiga de escola que me ensinou que existia um prazer inenarrável em capturar essas criaturas e vê-las se debatendo dentro de um espaço minúsculo. Era sádico, como a maioria das situações na vida. Mesmo com os furos que faziam crer que éramos humanas, era inevitável que em poucos minutos todos morressem. E durante um mês essa foi nossa diversão, até que a repetição fez com que enjoassemos. Não há um final de história onde percebemos metáforas sobre bondade e vida, não houve a grande lição. Apenas o cansaço, capturar grilos não dava mais prazer. E quando me olho, de dentro para fora, ainda vejo que não estou capturando vida para apreciar sua força, estou capturando morte, estou sempre capturando tudo na certeza de seu fim, porque ter prazer é a programação humana, suja e infeliz. Mas, se reparar melhor, nesses 28 anos quem esteve dentro do pote de vidro foi eu, sendo capturada pela vontade sádica de outros. O poder, o controle, tudo é mera ilusão. Os grilos não entendiam a transparência do vidro e ao achar que eram livres vinha o baque da redoma dura, e a cada choque iam morrendo, desnorteados demais para entender que o buraco de ar seria a saída. E nós, também ficamos errando nas soluções, porque a pressão nos deixa imediatistas, não reflexivos, fadados a uma tentativa idiota de perfurar a redoma perfeita e cruel. Transparente, por sinal.
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