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Do início ao fim da refeição Texto Margarida Reis | Fotografia DR
Proporcionar uma experiência inesquecível ao cliente é desejo comum aos profissionais de hotelaria e restauração. Que peso têm as entradas e as sobremesas nessa experiência? Não apresentamos percentagens, mas ideias; o investimento vale a pena e está a ser feito por chefes e pasteleiros de sucesso firmado.
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“Se o pão é a primeira impressão do cliente à mesa, a sobremesa é a última. Dois momentos muito importantes numa refeição, daí terem de ser cuidados.” A afirmação é de Luís Baena e resume bem a importância que o chefe confere à panificação e pastelaria, que caminham lado a lado com as melhores cozinhas, podendo ainda ser apelidadas de cartões de visita do restaurante. Ao couvert pede-se hoje que vá além do pão précozido a que muitos restaurantes, mesmo os de mais alto nível, habituaram os seus clientes. Sabores e conjugações inusitados, farinhas
biológicas e integrais, sementes ou especiarias, em produção própria ou “importada”: diversidade e multiplicidade de escolha estão na ordem do dia para os chefes que não querem apenas inovar e criar na cozinha mas que toda a oferta da sua casa acompanhe um estilo, conjugando-se os componentes da refeição. No restaurante 2780 Taberna, conta Nuno Barros à INTER Magazine, o couvert faz-se de três tipos de pão que, garante o chefe, surpreendem: um pão preto (integral) com cerveja Guiness e melaço, uma focaccia que se junta a diferentes ingredientes (pode variar entre simplesmente flor de sal e azeite e outros ingredientes, como o alecrim) e um pão feito de massa tipo de pão de leite cuja composição também varia, com ervas, alho, chouriço ou morcela e outros sabores. “As pessoas gostam muito de pão, e esta é mais uma maneira de surpreender: dar-lhes um pão diferente”, justifica o chefe. “Habituadas a uma oferta reduzida, até mesmo
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Couvert (inter)nacional
O restaurante Manifesto também tem produção própria de pão, no caso bolo do caco, um pão de trigo típico da região da Madeira, e flatbread, um pão ázimo, ao género do pão pita – cujas receitas foram adaptadas por Luís Baena. A nível deste produto, o objectivo do chefe é manter alguma coerência com a carta, na qual trabalha o mais possível com produtos portugueses. É por tal motivo que neste momento procura novos e diferenciados pães regionais portugueses para adicionar à oferta do restaurante. A pesquisar novas opções, Luís Baena consegue já apontar dois pães regionais que gostava de servir, para “fugir aos mais vulgares” (o pão alentejano e o de Mafra). O primeiro é a pada de Aveiro, que vai em breve também tentar confeccionar (“tem de ser mesmo produção local”, refere). O segundo é a broa do norte, que segundo diz não é fácil de
encontrar na capital. “A grande diferença entre a broa do norte e a de Lisboa tem a ver com o facto de no norte escaldarem a farinha de milho antes de trabalharem a massa de pão”, explica o chefe. Henrique Mouro é outro profissional de cozinha que valoriza grandemente a panificação, enquanto “arranque da refeição, um dos primeiros produtos que chegam ao cliente.” Para o Assinatura, que não dispõe de espaço para produção própria, optou por comprar o pão à Quinoa, uma padaria biológica que dá a opção de escolha de pães à medida. A gestão do fornecimento é trabalhada diariamente, existindo sempre uma encomenda minima – referente ao pão que seguramente será necessário “numa primeira fase”, tendo em conta a previsão inicial de reservas -, e depois se necessário uma segunda entrega, mais tarde. A prevenção é o primeiro acto; posteriormente, a atenção ao número de reservas e a satisfação ou anulação de expectativas relativamente ao serviço ditam decisões adicionais. Ou seja, mais pão. A nível de oferta, tal como o 2780 Taberna, o restaurante Assinatura apresenta três pães especiais. Pão de quinoa, o cereal que dá nome à própria padaria, pão de alfarroba e pão de kamut são o que se pode encontrar no couvert do restaurante; todos com farinhas biológicas e sementes e farinhas menos habituais. Mais a fundo, o kamut é uma espécie de trigo antiga; a alfarroba é o produto típico do Algarve que já vai aparecendo em algumas preparações, nomeadamente na pastelaria – a mais importante, no gosto pessoal do chefe -, e a quinoa é um cereal originário dos Andes, “cada vez mais na moda e utilizado na cozinha.” Com a oferta diversificada que existe no mercado, resta apenas escolher os melhores acompanhamentos e condimentos para completar as entradas.
Coma com pão
Mais do que protagonista no início das refeições, o pão é ingrediente privilegiado pelos profissionais de cozinha também na confecção de pratos principais e sobremesas. Henrique Mouro usa-o bastante, em forma de crouton ou tostas e em recheios, por exemplo. Nas sobremesas, pudim de pão é, de entre as que tem feito, “a mais óbvia”. Por seu lado, Nuno Barros destaca as bruschettas, igualmente os crouton e algumas sobremesas tradicionais que usam pão. “É um elemento fundamental dos nossos menus.” Fã incondicional de pão alentejano, que distingue como um dos melhores do mundo, Luís Baena gosta de o juntar às migas, que melhora depois acrescentando elementos como poejos e azeite da mesma região. Características que enaltece no pão alentejano? O sabor ácido e a textura compacta. “Para mim é mesmo um pão sem adjectivos, é fenomenal.” MAGAZINE
nos restaurantes de topo, onde chegam e têm aqueles pães pré-cozidos, todos muito parecidos, de azeitona e de manjericão… conseguimos marcar a diferença.” E o elemento é de tal forma tido em conta como factor diferenciador que o restaurante decidiu começar a produzi-lo, deixando de lado os fornecedores (“bons fornecedores, não só de pão congelado ou pré-cozido como do que era entregue fresco todos os dias”). Nuno Barros considera que a aposta compensa, até mesmo porque “não dá um trabalho por aí além”. Todo o pão é assim feito na cozinha, pela pessoa que também está encarregue de fazer as sobremesas. Se é visível que também o cliente valoriza a oferta disponível? Tanto que com frequência questiona se a Taberna produz para fora, nomeadamente o pão integral com Guiness e melaço. “É um pão bastante diferente de tudo o que estamos habituados a comer cá em Portugal. Infelizmente não temos capacidade para produzir mais.”
| Fotografia Humberto Mouco
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As sobremesas de Francisco Gomes (1.ª) e Joaquim de Sousa (2.ª e 3.ª), no CNC 2010
Inovar na rua
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Pesquisar, estudar e experimentar são palavras que, regra geral, estão no léxico dos profissionais de cozinha e pastelaria. Pelo menos aqueles que querem evoluir, criar novas receitas e surpreender o seu cliente. Na pastelaria de rua? Já não é tão comum. Francisco Gomes, da Confeitaria Colonial, em Barcelos, é um exemplo de dedicação à profissão, dispondo de novas instalações com avançadas tecnologias para “produzir melhor, não mais”. Novos equipamentos de frio são apenas parte da pequena “revolução” na pastelaria barcelense. Francisco Gomes inspira-se no mundo para inventar receitas, desde num telhado de uma casa como num filme a três dimensões – prepara-se para apresentar na Alimentaria&Horexpo uma sobremesa para comer com os famosos óculos 3D distribuídos nas bilheteiras dos cinemas postos na cara. “Ao degustarmos uma sobremesa, se nos estivermos a divertir, o nível de emoção vai ser muito maior”, afirma. Uma acção de “revisita” aos clássicos da pastelaria e um packaging atractivo e moderno para o pão-de-ló e os macarrons são ideias para agitar a cidade nortenha. Um espírito semelhante se vive nas aulas que Francisco Gomes dá na Escola Profissional de Esposende, em que tenta cativar os alunos para o que de original e divertido se pode fazer com a arte da pastelaria.
Uma ciência viva “Quando o cliente pega numa carta é quase como se estivesse a ler um livro, tem de haver uma progressão na narrativa, com início, meio e fim. E se de repente há um elemento fora do contexto deixa de haver uma linguagem contemporânea.” Por acreditar nisso, Luís Baena permitese também nas sobremesas ser arrojado, estendendo a sua filosofia de cozinha à pastelaria. Mantém assim alguns elementos tradicionais portugueses, mas também pega nos mesmos e torna uma receita mais actual, querendo marcar a diferença e não sendo fornecido externamente. Refere a título de exemplo uma tempura de Ameixa d’Elvas servida com sorvete de limão. “O sericá é um doce muito bom mas acho que não tem nada a ver com a ameixa”, avalia o chefe (afirmando também, aliás, que a receita original deste clássico não contava com o fruto). Na sua visão, a cozinha portuguesa, não necessitando de ser melhorada, pode ser “agilizada”. E compara-a à língua portuguesa, em constante dinamismo e evolução. Especificamente quanto às sobremesas, consegue indicar pelo menos um aspecto a desenvolver: “A
nossa pastelaria peca por excesso de açúcar. Tecnicamente é uma pastelaria que pode evoluir mais ainda porque não há necessidade de se usar tanto.” Joaquim de Sousa, chefe de pastelaria do hotel The Oitavos, divide-se entre a defesa da modernização e da tradição, nomeadamente quando a saúde é mencionada. “Para certas receitas, acho preferível comer-se menos quantidade mas manter o tradicional. Mas devemos pegar na base e tentar modernizar também.” O pasteleiro considera que é muito complicado substituir determinados ingredientes, num doce. No The Oitavos, porém, existe a preocupação de se criar sobremesas para quem tem alergia a algum componente ou quer simplesmente desfrutar de uma sobremesa mais saudável. “Noto que hoje em dia há clientes que têm mais cuidado com o que comem. Para evitar que estes peçam apenas uma peça de fruta ou uma bola de gelado, tentamos combinar sobremesas mais saudáveis para que tenham uma opção, também rica em cores e sabores.” De resto, Joaquim de Sousa trabalha em conjunto com o chefe
Dossiê | Panificação e Pastelaria pág 35 de cozinha, Cyril Deviliers, pela criação de um menu equilibrado e sem sabores repetidos mas antes que se complementem. E, tal como na cozinha, os produtos sazonais marcam o passo. No Outono usa a castanha, na Primavera/Verão os morangos e frutos vermelhos. Também Henrique Mouro, que não tem no Assinatura um pasteleiro mas um cozinheiro “com um gosto muito particular pelas sobremesas”, que se ocupa delas, segue a lógica da sua cozinha neste campo. “Tentamos utilizar os produtos de cada estaçãoEstou a lembrar-me da abóbora, que na altura dela tem um papel importante, tanto nos pratos principais como nas sobremesas.” Nuno Barros fala na tangerina, recentemente utilizada, nos menus de Inverno. O 2780 Taberna é um caso particular, uma vez que o menu é apenas um, mudando de 15 em 15 dias. Assim, a sobremesa é igualmente uma (podendo ser adicionado um sorvet, por exemplo), havendo uma atenção especial para que esta mantenha o menu equilibrado, do início ao fim. “Se é um menu mais leve pode levar uma sobremesa mais pesada. Com um menu mais ou menos equilibrado, conseguimos pôr uma sobremesa um bocadinho mais intensa, como um toucinho do céu.” A refeição como um todo não é novidade; contudo, a atenção ao detalhe deve ser cada vez mais cuidada. Nas sobremesas, com a pastelaria, a margem para deixar uma impressão que vai ditar o regresso do cliente ao restaurante é claramente alargada. ∞ PUB
WEB ACIP - Associação do Comércio e da Indústria de Panificação, Pastelaria e Similares www.acip.pt AIPAN - Associação dos Industriais de Panificação, Pastelaria e Similares do Norte www.aipan.pt Restaurante Manifesto www.restaurantemanifesto.com Restaurante 2780 Taberna www.2780taberna.com Restaurante Assinatura www.assinatura.com.pt Hotel The Oitavos www.theoitavos.com