Licí Ped Carn pág 42 Vinhos na Restauração | Perfil
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ova velha escola Texto Margarida Reis
| Fotografia Humberto Mouco
Licínio Pedro Carnaz chegou ao Ritz Four Seasons Lisboa há nove anos, mantendo desde então o restaurante Varanda nos escaparates, com um serviço carismático, luxuoso e clássico, mas atento ao presente e à mudança. A tradição ainda é o que era, ponto e vírgula.
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O ambiente é exclusivo e formal, até um pouco solene. A postura dos empregados não tem máculas, é calma, sem movimentos bruscos, correcta. Não restam dúvidas: chegámos ao restaurante Varanda do hotel Ritz Four Seasons. O entrevistado que nos espera, o escanção Licínio Pedro Carnaz, acompanha o ritmo do Ritz, e diz-se um low profile: no serviço que comanda prefere passar despercebido. Mas o êxito que o colocou no Top dos melhores sommeliers de Lisboa tem-no feito encarar as luzes, repetidas vezes. Uma estrada na hotelaria que despontou por acaso e cedo: era ainda um adolescente de 13 anos quando começou a trabalhar em cafés e restaurantes na Figueira da Foz. Chegado a 1974, poucos anos depois, o 25 de Abril levou-o a Lisboa e ao restaurante tradicional de um tio, o Telheiro, onde acabou por ficar durante quase três décadas. Vinte e sete anos no decorrer dos quais aproveitou para se formar, na Escola de Hotelaria e Turismo de Lisboa – curso de empregado de mesa, de barman, de escanção e por fim de chefe de sala -, e em que resistiu às muitas propostas para abraçar um desafio na hotelaria de topo, dada a ligação familiar ao restaurante típico. O Ritz fê-lo por fim arriscar, em 2002. “Se não o fizer agora, não o farei nunca mais”, pensou Licínio, na altura com 44 anos. Chegado directamente de um tipo de negócio completamente diferente, encontrou um restaurante com a sua especificidade. “Há poucos espaços com tanta aposta no serviço, que é um dos melhores, mesmo entre os cinco estrelas. Aqui quase não há direito a falhas; a expectativa do cliente é altíssima”, afirma o escanção. Com a exigência da perfeição e de superar as expectativas, a base é a da velha escola, mas não se restringe aos métodos clássicos de serviço. “Os tempos são de mudança. O serviço não deve ser rígido, deve existir um polimento, pois há métodos que hoje em dia estão completamente esquecidos ou anulados”, assume. É o caso do serviço de travessa (substituído pelo empratamento vindo da cozinha) e do nível de show off que lhe estava associado. Levantam-se hoje as prioridades da postura, disponibilidade, conhecimento profundo sobre aquilo que se está a fazer e criação de empatia com os clientes. E a sensibilidade para se perceber se o cliente quer mais ou menos informação, dependendo do tipo de conhecimento que este revela ter sobre vinho – podendo considerar certos pormenores excessivos – e da refeição que
Licínio Pedro Carnaz
ínio dro naz
Vinhos na Restauração | Perfil pág 43
SERVIÇO DE TOPO Os copos adequados, a temperatura, as regras do método tradicional – apresentar a garrafa, dar o vinho a provar, serviço correcto e atento. Para o sommelier, o Varanda do Ritz reúne todas as condições para oferecer um bom trabalho de sala, que também coordena à hora de jantar (“o mercado obriga a que se seja mais empreendedor e flexível”, justifica). Esse é o momento em que são os hóspedes do hotel os principais clientes do restaurante – 90 por cento deles estrangeiros, mais abertos a sugestões e interessados em provar os vinhos portugueses, segundo o escanção. Estão no lugar certo para fazê-lo: das 700 referências disponíveis no restaurante, a proporção de vinhos estrangeiros é apenas de um por cento. Na carta uma “Janela sobre o mundo” semicerrada. Os portugueses organizam-se por regiões, de norte a sul do País, dispondo a lista de várias colheitas do mesmo vinho. Por ordem cronológica, “porque facilita a escolha. Apesar de achar mais trabalhoso, pois temos de andar a passar os vinhos de um lado para o outro.” Durante a tarde – ao almoço o restaurante funciona em regime de bufete, e o escanção não está presente -, lugar à redacção da carta em conjunto com o chefe Pascal Meynard, depois das provas e decisões. “Se não dermos atenção ao que é feito na cozinha, muito dificilmente poderemos prestar o serviço a que chamamos de velha guarda.” Focado na excelência e dedicado ao trabalho, Licínio já foi presença em vários concursos, tendo vencido o Concurso Nacional de Escanções em 1997 e em 2000, representando Portugal na Áustria e no Canadá. Antes disso, substituíra João Pires em França, num ano em que este venceu o concurso mas não teve disponibilidade para ir à final. Segundo classificado, Carnaz foi convidado a avançar. As deslocações ao estrangeiro representam para o escanção os momentos mais interessantes da sua carreira. Como uma das personalidades marcantes, destaca mesmo o master sommelier português, com quem partilhou “bancos de escola” hoteleira e horas no Ritz. João Pires teve aliás o seu peso na mudança para a unidade por parte de Licínio, que hoje se arrepende apenas de não o ter feito mais cedo. Afinal, é um low profile que nasceu para altos voos. !
Charme 2008
DOC Douro, 2008, castas Tinta Roriz e Touriga Franca Cor aberta. Vinho contracorrente no Douro, fresco, elegante, aromas de cereja e caruma, notas de cogumelos, grande complexidade com impressões de folhas de chá e tabaco. Na boca, longo e fresco, taninos muito aveludados a contribuir para uma estrutura feminina e notas minerais a envolver a fruta e a contribuir para um conjunto longo, intenso e persistente. Vinho versátil que acompanha pratos delicados de carnes brancas, podendo ser ligado a peixe de confecção simples ou a queijos suaves.
Esporão Private Selection 2007
DOC Alentejo, 2007, castas Alicante Bouschet e Aragonês Cor granada intensa. Aroma fresco de menta e frutos do bosque, especiarias, ligeiro tostado e notas de tabaco. Envolvente, taninos robustos com textura sedosa, final longo e persistente. Acompanha bem caça, pratos de carne vermelha condimentados ou queijos de sabor forte.
Quinta de Cidrô Sauvignon Blanc 2009 Vinho Regional Duriense, 2009, casta Sauvignon Blanc Cor citrina. Aroma limpo e muito frutado, típico da casta, melão, groselha e notas herbáceas. Na boca, ligeiro, muito equilibrado, final fresco e brilhante com boa acidez. Sugestão gastronómica: como aperitivo ou com saladas, marisco ou peixe delicado.
Duque de Bragança Tawny 20 Anos DOC Porto, castas Touriga Franca, Touriga Nacional, Tinta Barroca, Tinta Roriz, Tinto Cão, Tinta Amarela Cor Tawny, notas acobreadas. Aromas intensos, notas de frutos secos, especiarias, frutos maduros e compota. Elegante, suave e aveludado, com boa persistência, frescura acentuada e muito equilibrada. Combina com creme queimado, tarte de maçã, frutos secos e queijos curados de pasta mole.
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está a fazer. O Varanda é um local de eleição para reuniões de negócios e outras situações em que se procura, acima de tudo, privacidade. Reagir à situação é uma das regras de ouro de Licínio Pedro Carnaz. Outra é que o cliente é soberano e consome o que quer, da forma que quer. Mesmo sendo a função do escanção “desencaminhar” para as melhores escolhas de vinho.