Sonho a Oriente

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Sonho a Oriente Texto Margarida Reis | Fotografia Catarina Mateus MARTINHO MONIZ LARGOU A SEGURANÇA DE PORTUGAL, ONDE TEM CRÉDITOS FIRMADOS ENQUANTO JOVEM TALENTO NA COZINHA, E RUMOU AO DESCONHECIDO, ASSUMINDO EM FEVEREIRO DESTE ANO A CHEFIA DA COZINHA DE UM NOVO RESTAURANTE PORTUGUÊS EM HONG KONG, A CASA LISBOA.

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Na cidade, cosmopolita e vibrante, é com emoção que Martinho cruza as ruelas salpicadas por pequenos restaurantes e que observa nos mercados a perícia dos peixeiros e talhantes. Fazer amigos foi motor de arranque para conhecer os melhores locais para estar e para comprar. O restaurante funciona com um stock mínimo, o que o obriga a receber produtos todos os dias, visitando semanalmente os comerciantes. 22


Portugueses no Mundo | Martinho Moniz

A ida de Martinho Moniz para o Oriente foi a realização de um sonho e de um plano que vinha maturando na cabeça. “Estou no momento de enfrentar um novo desafio, deixarei em breve de fazer parte da sua brigada”, tinha dito cerca de um ano antes de partir a Aimé Barroyer, com quem trabalhava no Pestana Palace como subchefe. Disponível para “abraçar de alma e coração um novo projecto em qualquer parte do planeta”, acabou por ser na China que o foi encontrar. Aliás, primeiro encontraram-no a ele. Perto dos 30 anos, e volvidos quatro a trabalhar no Pestana, a ideia de Martinho era “dar um salto” para longe, para algo completamente diferente. Comunicadas as partes que se veriam inevitavelmente envolvidas com uma viagem desse calibre (leia-se todos aqueles com quem trabalhava), o passa palavra encarregou-se do resto. A informação de que um chefe português procurava um desafio longe de casa chegou a Macau, e o contacto foi estabelecido. Depois de uma entrevista por telefone e do envio do currículo, a visita surpresa de um representante do projecto Casa Lisboa ao local de trabalho do chefe veio ditar o destino. Com a escolha feita e o repto lançado, Martinho não hesitou: “Senti que este desafio era uma porta aberta para caminhos nunca antes caminhados e para sentir novas emoções e culturas.” Viajar para cidades como Londres, Paris ou Nova Iorque não seria suficiente. Estar a 14 horas de casa, garante, faz com que encare tudo de maneira diferente. “Teria sido mais fácil ficar em Portugal, ou pela Europa. Mas esta experiência é para os duros. Ao vir sozinho não tenho muitas hipóteses, tenho de me mexer, e sei que vou vencer”, afirma convictamente.

Uma casa portuguesa

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“Entrar na Casa Lisboa é entrar num cantinho de Portugal num oitavo andar de um arranha-céus de uma das zonas mais animadas de Hong Kong, Lan Kwai Fong”. É assim que Martinho Moniz resume o espaço que o acolheu. Segundo o chefe, o restaurante quer dar a conhecer a cozinha tradicional portuguesa “de verdade”. Isto porque se é um facto que os chineses já conhecem um pouco da cozinha portuguesa, dada a proximidade com Macau, esta é no entanto sujeita, naquele país, a um certo “desenvolvimento chinês no toque adocicado e na utilização de molhos típicos, como os de feijão e chili, soja e caril.” Num ambiente pautado pela calçada portuguesa, os painéis de azulejo, a montra de presuntos e enchidos e o som de música portuguesa (composto por duas guitarras fado propriamente dito ainda não se ouve), o desafio de Martinho foi o de criar um restaurante inequivocamente português, com os sabores tradicionais. Não foi fácil, dada a inexistência de alguns produtos, como a couve galega, a simples batata pequena para fazer a murro e o fermento com o típico sabor português para fazer o pão (este acabou por ser cedido por um amigo de Macau, do Café ou Mun). A carta inclui desde a alheira de Bragança ao queijo de figo do Algarve, não sendo esquecidas cataplanas de peixe variadas e pratos típicos como o Bacalhau com grão de bico e netos, as Codornizes de papo cheio de secos e ervas e Caldo verde com chouriço das Beiras. Também no outro lado do mundo o chefe usa as maçãs moribundas que produzia em Portugal - pequenas maçãs que se assemelham a cerejas na cor, tamanho e forma -, juntando-as ao leitão assado (um prato que levou em 2008 à regional do Chefe Cozinheiro do Ano). Nas sobremesas encontram-se clássicos como a Tigelada de Abrantes com cremoso de baunilha e canela. A preocupação de Martinho, que acabou por desistir da ideia de menu que levava preparada desde Portugal, passou a ser encontrar um equilíbrio que agrade ao paladar chinês sem alterar o receituário luso. Há que ter alguma atenção: o chinês, que “adora a gastronomia portuguesa”, não aprecia por exemplo queijo, avinagrados e tudo o que seja muito doce ou muito salgado. Entre os vinhos representados no espaço, das principais regiões de produção portuguesas, os locais preferem os Verdes e os do Porto. A completar o aroma português, também o pão, caseiro e quente, está todos os dias sobre a mesa. Na cozinha, trabalha com uma equipa constituída por pessoal da China, Nepal e Filipinas, a quem ensinou a “cozinhar em português”. Como moeda de troca, também a equipa lhe transmite conhecimentos. A aprendizagem e, claro, a experiência no geral vão ser-lhe úteis de futuro. Martinho perspectiva voltar, quando sentir que mudou o suficiente e que vai ter uma vida “tranquila” em Portugal, tendo em mente um projecto de restaurante e turismo rural, na Barreira (Leiria), onde poderá aplicar tudo o que reteve com as experiências vividas. !


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