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Vinte e um anos depois de o MasterChef ir para o ar pela primeira vez, na britânica BBC, e de seguidamente ser replicado em quase duas dezenas de países, chegou a vez de Portugal ter a sua versão deste programa‐sensação e concurso de culinária com veios de reality show. A fórmula de sucesso repete‐ ‐se, desta vez com a gastronomia portuguesa e três nomes fortes da nossa cozinha.
Um País de cozinheiros
| Texto Margarida Reis | Fotografia Humberto Mouco
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O concurso é gravado em duas cozinhas: uma nos estúdios da RTP, outra na Abrunheira.
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Chegou às casas portuguesas dia 9 de Julho, através da RTP1, uma estreia que colocou o programa na posição de quarto mais visto desse Sábado. A anterior transmissão de versões estrangeiras no cabo, nomeadamente a australiana, teve certamente peso na recepção do MasterChef luso com entusiasmo. Primeira conclusão a tirar da adesão massiva aos castings: pelo menos seis mil portugueses com as mais diversas profissões gostam de cozinhar e ambicionam fazê-lo profissionalmente. O universo da cozinha profissional é cada vez mais reconhecido pela generalidade das pessoas, estando como nunca antes presente nas suas vidas. A protagonizar esta ligação doméstico-profissional estão o Chefe Cordeiro, Justa Nobre e Ljubomir Stanisic, os chefes a quem coube provar pratos de 100 concorrentes para seleccionar um grupo de 13 finalistas, que agora vemos em competição. Uma tarefa que não é fácil, garantem os três jurados: comeram “do que queriam e do que não queriam”, resume Cordeiro. Ljubomir Stanisic conta ter passado quatro dias doente, por reacção à comida ingerida. Justa Nobre, por sua vez, recorda o momento em que viu uma gota de suor de um dos concorrentes a cair na comida durante o empratamento, precisamente quando se preparava para o provar. “Por respeito ao concorrente tive mesmo de fazê-lo. Temos de ter respeito por toda a gente”, diz a chefe. É um dever que está constantemente à prova, tal como os candidatos a cozinheiros. “Todos eles são amadores, há que dizer de uma forma simpática ‘fique na sua profissão de bombeiro e não venha para a cozinha’. Está aí o respeito pelas pessoas que estão à nossa frente”, adiciona o Chefe Cordeiro. Nele se inclui o esclarecimento quanto ao que corre melhor e pior à frente dos tachos. “Não há um único concorrente a quem não tenhamos explicado o que falhara ou porque é que o prato
estava excelente.” Uma vertente pedagógica? O chefe afirma que sim, e que aliás é essa uma das suas maiores intenções no concurso. E que esse lado sobressaia “cá para fora”, levando os telespectadores a um conhecimento mais fundamentado da nossa gastronomia. O programa “tem interesse para um canal de serviço público”, considera Hugo Andrade, director de programas da RTP. “Vai para além daqueles que nós vemos noutros canais, noutros países, porque tem muito a ver com Portugal, com os portugueses, com a gastronomia portuguesa.” Exemplo disso é uma prova em que os concorrentes têm de alimentar 100 camionistas: os hambúrgueres da versão americana foram substituídos por bifes à portuguesa. O produto e receituário nacionais estão invariavelmente presentes. Também por isso, o Chefe Cordeiro valoriza o programa, que “vem fundamentalmente levantar um pouco por aquilo que é a gastronomia portuguesa. Todos nós comentamos que temos uma excelente gastronomia mas falta-nos aquele marketing internacional, transportar isso lá para fora, e o MasterChef pode contribuir para isso.”
CHEFES MAS POUCO “Quem não sabe estender uma massa de rissol não pode querer fazer um bom magret de pato.” A frase de Justa Nobre nos primeiros minutos do primeiro programa, que serviram também de teaser antes da estreia, tornou-se emblema da chefe, especialista em cozinha tradicional portuguesa. Lamenta que na pré-selecção, muitos dos concorrentes tenham optado por levar produtos internacionais, como o foie gras, ao invés de apostar nos das suas regiões, que estão mais habituados a cozinhar. “Quiseram impressionar, mas impressionaram mal”, diz Justa. Já quem “teve a feliz ideia de trazer um
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Cordeiro e Justa na despensa do programa, recheada de produtos nacionais.
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prato da sua casa, da sua mãe ou da sua avó, conseguiu um bom resultado.” Não se trata de um encerramento na cozinha portuguesa; a chefe ressalva que também faz pratos sofisticados. Defende simplesmente a filosofia recorrente também na sua cozinha: primeiro há que dominar as bases. “Se as aprendermos primeiro, podemos ir longe. É fácil irmos até onde nós queremos.” Apesar de alguma arrogância por vezes demonstrada pelos jurados no decorrer das provas, elogiar é-lhes sempre mais agradável do que criticar negativamente, garante a chefe. No momento em que se encontra a competição, todos os concorrentes são fortes e a concorrência é feroz. “Não fazemos a mínima ideia quanto à capacidade deles para chegar até à final. Há uma competição enorme”, diz Ljubomir. Cordeiro comenta como é “cada vez mais difícil eliminar seja quem for. Temos um leque muito bom, de MasterChef facto o nível surpreendeu-me. Isso deixaem números -me contente: em Portugal, ainda temos pessoas que cozinham muito bem em 6.000 candidatos casa”, afirma. A ponto de sair do programa 3 jurados “implacáveis” e ir directamente para uma cozinha 14 programas profissional? Não. “Há uma grande !"#$%&'()*&) diferença entre cozinhar para a família, 25 mil euros ou para oito ou dez pessoas, e cozinhar 1 livro de cozinha para 150 à carta num restaurante.” O dom 1 MasterChef natural para a cozinha de um advogado ou tatuador não é suficiente. O mais difícil é controlar um barco, o que implica desde as encomendas que chegam, ao controlo de custos, qualidade do produto, entrada de 20 ou 30 clientes simultaneamente, todos a ter de comer ao mesmo tempo, entre outras responsabilidades. “Há pessoas que nascem
sem esse dom; eu tive cozinheiros comigo que nunca vão ser chefes, porque quando chegam à ‘roda’ não a conseguem controlar.” Capacidade de liderança e de análise rápida são essenciais. Se os desafios para os concorrentes são exigentes, não o são menos para os três jurados. Todos profissionais com restaurantes movimentados a seu cargo - Chefe Cordeiro nos hotéis Altis, Justa Nobre no Spazio Buondi e Ljubomir no 100 Maneiras e 100 Maneiras Bistro -, dividem-se agora entre o trabalho habitual e as extenuantes gravações do programa. “São muitas horas de trabalho”, assume o Chefe Cordeiro, “e eu, que aguento bem a pressão (todos nós aguentamos a pressão nas cozinhas), já saí de algumas gravações exausto.” Justa foi obrigada a alterar férias do pessoal e outras rotinas do restaurante, conseguindo contornar a aceleração de um ritmo de vida que já era galopante. Para si, tem valido a pena, até pelo referido lado didáctico do programa. “As pessoas também começam a perceber que a fast food não é saudável, que é preciso cuidar da saúde. A melhor forma de o fazerem é cozinharem eles próprios o que comem, se não podem comer todos os dias em bons restaurantes.” A componente emotiva também pesa. “Além da parte da tristeza, houve momentos altos, outros cómicos... Temo-nos divertido [os membros do júri] muito e estamos a dar-nos muito bem. Nunca tínhamos trabalhado juntos, passámos a ser uma equipa”, conta Ljubomir. No ecrã a competição ainda agora começou, em termos de gravações há já muitas histórias para contar. Evitamos o spoiler. É para já certo o interesse dos portugueses pela cozinha, que poderá resultar em mais edições para o concurso. “Temos gente aí por esse País fora”, remata Justa, “dava para fazer uma segunda e uma terceira.” !