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Paulo Morais (à esq.) confia na garantia do seu fornecedor.
De olhos postos no Japão | Texto Margarida Reis | Fotografia DR
O acidente nuclear de Março, em Fukushima, resultado do terramoto e tsunami que devastaram o Japão, obrigou a um maior controlo nos produtos alimentares importados daquele país. Pode a situção pesar nas cozinhas de inspiração nipónica espalhadas pelo mundo? Como reagem as autoridades portuguesas à ameaça da radiação?
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Foi o segundo maior acidente nuclear da História, seguindo-se ao de Chernobyl. Dez dias depois da catástrofe natural no Japão, que provocou 28 mil mortos e a explosão na central nuclear de Fukushima, foram descobertos alimentos contaminados a 120 quilómetros do local. Autoridades internacionais vêem-se agora a braços com um reforço à vigilância dos produtos alimentares importados do Japão e a questão impõe-se: há de facto algum risco iminente? Luís Barradas, da Cominport Portugal – importadora e distribuidora de produtos alimentares orientais, acredita
que na qualidade não. “As autoridades sanitárias japonesas são das mais rigorosas do mundo”, afirma. “Desde logo, o produto que sai para a Europa está em perfeitas condições. E nunca entraria em Portugal, na Comunidade Europeia, se assim não fosse.” Se já existia controlo, mais reforçado se encontra, num processo coordenado pela Comissão Nacional para Emergências Radiológicas (CNER), órgão dirigido pela Autoridade Nacional de Protecção Civil e que integra a Direcção-Geral de Saúde e outras entidades competentes (ver caixa).
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Segundo uma delas, o Gabinete de Planeamento e Políticas (GPP) do Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, os produtos alimentares mais importados do Japão são algas, especiarias, pimentos, gengibre, todos eles em quantidades reduzidas – os produtos japoneses representam apenas 0,06 por cento das importações de Portugal. Além disso, de entre o que se consome no País, refere Luís Barradas, a maioria já é produzida em outros locais do mundo, fruto da banalização da cozinha asiática, as grandes fábricas japonesas estão também instaladas fora do Japão. “A maioria do arroz vem dos Estados Unidos, Itália ou Espanha; o vinagre do Reino Unido; a cerveja da República Checa ou da Rússia”, explica. Produtos mais específicos que nos chegam do Japão constituem as preocupações do responsável da Cominport, que acredita que o controlo pode levar a atrasos, escassez e encarecimento do produto. Apesar de a soja, nomeadamente, ser produzida em grande quantidade pela Europa, Estados Unidos e América do Sul, para Luís, também cozinheiro, a qualidade não é a mesma. “Claro que vamos esperar até à última hipótese de consumir soja feita na Europa, mas se tiver de ser...” As conservas, o whisky nikka, alguns condimentos mais especiais e tradicionais e as algas são outros produtos com proveniência no Japão e menos alternativas. Para Paulo Morais, chefe de cozinha e proprietário do restaurante Umai, são as algas que mais o apreendem. Apesar de existirem algas de países circundantes, como a Coreia e a China, para o chefe as algas japonesas não têm par. De resto, Paulo Morais não deverá ter dificuldade em manter a maioria dos pratos que constam habitualmente da carta do Umai, por usar muitos produtos locais. “O princípio da cozinha japonesa é muito esse”, coadjuva Luís, “aplicar a técnica e alguns ingredientes de base, mas existir um apoio considerável no que é local. Há quem ainda pense que mandamos vir peixe do Japão para fazer sushi. Os produtos naturais são todos daqui.”
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Futuro pode ser crítico “Nos últimos tempos houve alguma quebra; se calhar as pessoas estão um pouco mais receosas” , afirma Paulo Morais, lamentando que possa circular “má informação” mas apoiando-se na garantia de qualidade do fornecedor preferencial – Cominport. A empresa, aquando do acidente nuclear, emitiu um comunicado que tranquilizasse os clientes e que pudesse inclusive ser reproduzido nas ementas ou colocado nas portas dos estabelecimentos. Também Bruno Viegas, chefe de cozinha que, depois de no Lake House Resort se ter dedicado grandemente à cozinha japonesa e agora, no Tivoli Victoria, a usa em alguns apontamentos (normalmente em banquetes), está “descansado” com a nova realidade, confiando igualmente no seu fornecedor, também a Cominport. Sweet chili, molhos de soja, raiz de lótus, wasabi fresco e em pasta são alguns dos produtos que Bruno utiliza, ainda que a sua base de trabalho seja neste momento os pratos de cozinha portuguesa contemporânea. A DGV, na voz de Pedro Margarido, confirma a importância dos fornecedores: “Acreditamos que se os produtos forem adquiridos, como devem, nos circuitos normais de abastecimento, onde são submetidos a diversos controlos, não são justificáveis preocupações adicionais dos operadores e dos consumidores relativamente à segurança alimentar dos produtos em causa.” Tanto a DGV como o GPP afirmaram não dispor ainda de resultados sobre o processo de vigilância de produtos de origem animal e não
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Quem monitoriza* Direcção-Geral das Alfândegas e Impostos Especiais sobre o Consumo (DGAIEC) Possui informação prévia sobre mercadorias expedidas pelo Japão com destino a Portugal, identificando com antecedência os carregamentos a controlar. Informa o Gabinete de Planeamento e Políticas (GPP) e a DirecçãoGeral de Veterinária (DGV) da data prevista de chegada das mercadorias. Direcção-Geral de Veterinária (DGV) Controla todos os produtos de origem animal ou destinados a alimentação animal com destino a Portugal. O Japão exporta para a União Europeia, pesca, moluscos, bivalves vivos, tripas e petfood. O controlo é efectuado nos postos de inspecção fronteiriços em articulação com a DGAIC e com o apoio de análise laboratorial do Instituto Tecnológico e Nuclear (ITN) e os resultados transmitidos à Comissão Nacional para Emergências Radiológicas (CNER). Gabinete de Planeamento e Politicas (GPP) Articula-se com as Direcções-Regionais de Agricultura e Pescas (DRAP) para o controlo dos produtos não alimentares vindos do Japão com destino a Portugal, nos mesmos moldes do controlo efectuado pela DGV. Os géneros alimentícios japoneses com maior expressão no País são as massas alimentícias, molhos ou preparações para molhos, produtos vegetais e águas. Instituto Tecnológico e Nuclear (ITN) Realiza análises laboratoriais de mercadorias a pedido da DGV, do GPP (ou DRAP) ou da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE).
House Maki, uma das especialidades do Umai.
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animal, respectivamente, já que não entraram remessas depois de 11 de Março. Quanto a acções futuras e ao prazo das mesmas, tudo se encontra em aberto, dependendo de reavaliações do nível de risco envolvido. O sistema de vigilância vai manter-se em função do acompanhamento de todo o processo que ainda se está a desenvolver no Japão, no âmbito Europeu e, localmente, pela Comissão Nacional para as Emergências Radiológicas. Ainda não se sabe avaliar o impacto e evolução do acidente, no entanto estão montados mecanismos rigorosos para uma barreira à eventual entrada de produtos contaminados. Se, para já, a qualidade não é posta em causa, quanto a prazos, stocks e preços posteriores às remessas que já deram entradas, não se consegue garantir. ∞
Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) Actua caso alguma mercadoria contaminada com radioactividade entre no mercado nacional, localizando-a e monitorizando os níveis de radiação (com apoio do ITN). Se se verificar que foram ultrapassados os critérios dos níveis de radiação legislados, a ASAE retira os produtos do mercado. O resultado da análise é transmitido pela Autoridade às entidades do CNER. * Com base em informação da ANPC – Autoridade Nacional de Protecção Civil veiculada à INTER.