SAGA DOS TRÊS POETAS
Saga de Gunnlaug Língua de Cobra: Tradução de Reinaldo Santos Neves, a partir da versão inglesa de Gwyn Jones
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Manuscrito da saga de Gunnlaug Ormstungu
SAGA DOS TRÊS POETAS Saga de Gunnlaug Língua de Cobra:
Tradução de Reinaldo Santos Neves, a partir da versão inglesa de Gwyn Jones
SÉRIE ESTAÇÃO CAPIXABA Volume 8
SAGA DOS TRÊS POETAS Saga de Gunnlaug Língua de Cobra:
Tradução de Reinaldo Santos Neves, a partir da versão inglesa de Gwyn Jones
edição digital
Estação Capixaba | Cândida Editora Vitória | 2017
EDITORES Maria Clara Medeiros Santos Neves Alfredo Andrade PROJETO GRÁFICO E EDITORAÇÃO Maria Clara Medeiros Santos Neves ILUSTRAÇÃO DE CAPA Manuscrito da saga de Gunnlaug Ormstungu CATALOGAÇÃO Elizete Caser Rocha
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) S129
Saga dos três poetas: saga de Gunnlaug Língua de Cobra / [recurso eletrônico]; tradução de Reinaldo Santos Neves a partir da versão inglesa de Gwyn Jones . – Vitória: Estação Capixaba : Cândida, 2017. 1 recurso online : digital, PDF arquivos. ISBN 978-85-64258-14-3 1. Literatura islandesa – obras anteriores a 1800. 2. Sagas. I. Santos Neves, Reinaldo. CDD 839.69 Estação Capixaba
www.estacaocapixaba.com.br
Sonho e poesia: prefácio
W. P.
Ker, conceituado scholar inglês
da velha guarda, tratando do milagre literário que são as sagas islandesas, diz em seu livro The Dark
Ages, publicado em 1904 na série Periods of European Literature: “A Islândia fazia parte da Cristandade [na época de produção das sagas] e partilhava com a França ou com a Alemanha os
mesmos gostos literários. O que não significa,
porém, que as sagas venham a ser menos espantosas, nem a prosa islandesa menos valiosa, por conta dessa cultura latina comum. O milagre torna-se ainda maior quando se vê que a 7
originalidade das narrativas islandesas foi exposta
ao mesmo perigo educativo que frustrou a
evolução da prosa anglo-saxônica e quase
sufocou por inteiro a do alemão arcaico – o perigo de se acomodar à monotonia de uma tradição erudita.”
Sou leitor de sagas islandesas, e acredito
piamente que sua existência seja fruto de um
verdadeiro milagre literário. Comecei a lê-las (em traduções para o inglês – daí por que usarei aqui
os títulos ingleses) há quase cinqüenta anos: desde 1969. As primeiras que li foram The Vinland
Sagas, que tratam das visitas feitas pelos nórdicos
à América do Norte quinhentos anos antes de
Colombo, e a grande obra-prima do ciclo, que é
Njal’s Saga; ambas, como quase todas as que se seguiram, lidas em edições Penguin, e, neste caso, todas elas traduzidas por Herman Pállson, Magnus Magnusson e Paul Edwards, em duo ou em vôo solo.
Não posso falar de sagas sem falar de Jorge
Luis Borges, tão admirador delas que incluiu na 8
série
Biblioteca
Pessoal
uma
das
mais
representativas, Egil’s Saga, de que escreveu o prólogo. Tão admirador delas, e do país onde
floresceram, que escreveu diversos poemas em que trata de assuntos ligados a elas ou à Islândia
(que visitou). Exemplos: “Islândia”; “À Islândia”; “Na Islândia ao alvorecer”; “Snorri Sturluson”;
“Einar Tambarskelver” – este último sobre uma passagem do livro de Sturluson, Heimskringla.
De seu compêndio Literaturas germânicas
medievais (1966), que escreveu em colaboração com María Esther Vázquez, consta um ensaio
sobre a literatura medieval islandesa, incluindo um tópico sobre as sagas. Borges inicia o ensaio
citando Edmund Gosse (autor de Father And Son:
A Study of Two Temperaments, que, a meu ver, anuncia a Carta ao Pai, de Kafka). Eis a citação: Gosse “observou que a invenção da prosa pelos
aristocratas [o termo soa mal, aplicado a rudes agricultores] que colonizaram a Islândia é um dos feitos mais singulares que a história literária registra”. E acrescenta, mais abaixo: “As sagas são 9
biografias de islandeses, às vezes de poetas; neste
caso se intercalam no diálogo versos deles. O estilo é breve, claro, quase oral; ocorre incluírem, como
adorno, aliterações. Abundam as genealogias, os
conflitos, as pelejas. A ordem narrativa é
estritamente
cronológica;
não
há
análise
psicológica; os personagens se revelam nos atos e nas palavras. Esse procedimento dá às sagas um caráter
dramático
e
prefigura
a
técnica
cinematográfica. O autor não comenta o que
refere. Nas sagas, como na realidade, há feitos que a princípio são obscuros e que logo se explicam e
feitos que parecem insignificantes e logo adquirem importância.”
A seguir Borges discorre, à sua maneira
tranqüila e confortável, quase coloquial, sobre
várias das sagas, entre elas Egil’s Saga, Laxdaela
Saga e Njal’s Saga. Cita o que diz W.P. Ker (Epic and Romance) sobre “a grande escola islandesa: escola que desapareceu e não teve sucessores até
que todos os seus métodos foram reinventados, independentemente, por grandes romancistas, 10
após séculos de experimentação e incerteza”. E Borges conclui: “Como todos os homens, os povos têm seu destino. [...] Mais estranho e mais semelhante
aos
sonhos
é
o
destino
dos
escandinavos. Para a história universal, as guerras e os livros escandinavos são como se não tivessem
sido; tudo permanece incomunicado e sem rastro,
como se tivessem acontecido em sonho ou em bolas de cristal dos videntes. No século XII os
islandeses descobrem o romance, a arte de Cervantes e de Flaubert, e essa descoberta
permanece tão secreta e tão estéril para o resto do mundo como sua descoberta da América.”
No que me cabe, como assombrado leitor
desse tipo de literatura medieval, mas sem a
menor qualificação crítica, diria que as sagas de modo geral corresponderiam a uma versão islandesa das grandes crônicas nacionais ou continentais e outros escritos de cunho histórico
produzidos em prosa na Idade Média. Como exemplos (dentre inúmeros), citaria a narrativa de
Galbert de Bruges, que trata de Flandres no século 11
XII, e, em especial, as crônicas de Fernão Lopes e Jean Froissart, ambos do século XIV, que tratam de Portugal e Espanha, o primeiro, e da Europa como
quase um todo, o segundo. Uma grande diferença entre eles e os autores das sagas está em que estes
contam uma história que é sempre biográfica. Nas sagas, diz W.P. Ker, “nada tem muita importância
exceto o indivíduo”, e “não estão presentes aquelas
forças impessoais, as multidões anônimas, que em
outros países marcam a diferença entre história e biografia. Toda a história islandesa se realiza
como biografia ou como drama, sem muita gente, porém, agrupada nos bastidores”. É grande literatura cuja abordagem é cinematográfica
(Borges o disse) e cujo estilo é a forma simples – lacônica e direta – dos contos de fadas.
Minha tradução foi feita, com certa (ou
errada) liberdade, com base na versão inglesa de
Gwyn Jones, Gunnlaug Wormtongue, incluída na
coletânea Eirik the Red and Other Icelandic Sagas,
publicada na série The World’s Classics pela Universidade de Oxford, terceira tiragem, 1969. 12
O título original islandês é Gunnlaugs Saga
Urmstungu, que significa Saga de Gunnlaug Língua de Cobra. A coletânea inclui oito sagas
curtas e uma mais longa. Na sua introdução o tradutor diz, de nossa saga, que se trata de
“esmerada e romântica reelaboração de uma velha história, cujo autor sofreu forte influência dos
padrões de comportamento típicos da nobreza e das cortes do sul da Europa”. Diz também que
“nenhuma saga rivalizou com Gunnlaugs Saga
Urmstungu no número de leitores estrangeiros e no carinho deles; todo mundo ama os grandes
amantes – especialmente os amantes malfadados”. Existe uma tradução brasileira desta saga,
tradução direta do islandês original, de autoria de Théo de Borba Moosburger. Sua tradução,
adaptada para o leitor jovem, tem por título Saga
de Gunnlaug Língua-de-Serpente (Fino Traço
Editora, Belo Horizonte, 2014). (Há também, na
Revista Literária em Tradução (online), uma
tradução mais elaborada para o leitor adulto, também dele). Além disso, Théo Moosburger 13
publicou Três sagas islandesas (Universidade Federal do Paraná, 2007), e sua tese de doutorado
em Estudos da Tradução foi um projeto de
tradução de Njal’s Saga diretamente do islandês. Tudo isso leva a crer que tenha sido ele pioneiro na tradução e divulgação de sagas no Brasil.
A saga de Gunnlaug mereceu reparo de
Borges em seu ensaio. Diz ele: “As sagas de heróis islandeses têm sido classificadas geográfica ou
topograficamente. Considera-se que as ocidentais
superam formalmente as demais.” E acrescenta que é a esse grupo que pertence a saga de
Gunnlaug. Explica então o cognome atribuído ao protagonista: “Gunnlaug recebeu seu apelido por causa das sátiras ferinas que compôs [em verso];
recitou-as na Noruega e na Inglaterra.” Segue-se uma citação da passagem da saga em que
Gunnlaug é recebido em Londres pelo rei Ethelred e lhe oferece um poema. Suspeito que Borges
tenha escolhido essa passagem principalmente
porque aí se alude à “mudança de língua” na Inglaterra,
em
conseqüência 14
da
conquista
normanda em 1066 – fato que deu origem ao inglês moderno – e também porque é uma das situações em que o poeta é recompensado pelo soberano que bajulou. Quanto ao poema em si,
rasteiro como todo poema bajulatório, o sensato Borges preferiu não reproduzir. Realmente, o pior
da poesia islandesa medieval (e, acredito, de toda a poesia mundial em qualquer época) é
justamente o poema de circunstância, em especial o
elogio
pessoalmente
politicamente ideológico.
interesseiro
ou
W.P. Ker não se encantou com a saga de
Gunnlaug. Em Epic and Romance (1896) diz ele:
“O enredo de Laxdaela Saga, [...], que é a história
de Völsunga Saga renascida, tornou-se lugar comum.” E argumenta: “Grettir, Gisli, Kjartan, Gunnlaug, Gunnar de Lithend [heróis de várias
sagas, sendo este último personagem de Njal’s
Saga], correm todos eles, em alguma medida e em
algum ponto ou outro, o perigo de exageração
romântica.” E conclui: “Comparada à história de
Kjartan e Gudrun [Laxdaela Saga], a de Gunnlaug 15
e Helga é superficial e sentimental.” Mas, sendo
assim, será que não “redimiria” a saga a dramática circunstância
em
que
são
“compostos”
e
“declamados” os últimos poemas de Gunnlaug e de
Hrafn? Será que a originalidade desse desfecho, de um tipo, imagino, nunca visto em toda a história
da literatura ocidental, não basta para garantir a
essa saga um lugar à parte na galeria de peças literárias impressionantemente sui-generis?
A história de Gunnlaug contém dois
antiqüíssimos elementos literários. Um deles é o
sonho, mais particularmente o sonho premonitório. Premonitórios (e altissimamente literários)
são os sonhos bíblicos de José do Egito, tanto os que
ele mesmo sonha, como os que outros (o Faraó, por exemplo) sonham e ele decifra. Premonitório é o
sonho de Sibylla, mãe e depois esposa do chamado
Gregório da Pedra, protagonista edipiano do poema homônimo de Hartmann von Aue, fonte
em que Thomas Mann bebeu a inspiração para O
Eleito, seu romance de ambientação medieval (não
consegui esclarecer se o sonho é invenção de 16
Mann ou se está no poema original); e
premonitório é o sonho de Thorstein Egilsson, no qual, antes mesmo do nascimento de sua filha Helga – a pomba do sonho –, se anuncia e, mais
que isso, se institui, irrevogável, a tragédia a que ela vai conduzir seus dois pretendentes.
Aqui, abre-se um parágrafo para três
informações pertinentes. Primeira: Gwyn Jones,
tradutor da saga para o inglês, assinala que o
sonho de Thorstein Egilsson deriva do texto De
excidio Troiae historia, atribuída a um certo Dares
o Frígio.) Segunda: Esse obscuro Thorstein era filho,
vejam
só,
do
grande
poeta
Egil
Skallagrimsson (e até aparece, filial, como personagem em Egil’s Saga), e, por conseqüência,
sua filha Helga, musa desta nossa saga, era neta do mesmo poeta – que pequeno e poético mundo era
o mundo das sagas!). Terceira: G. Turville-Petre, em Origins of Icelandic Literature, Oxford, 1967, considera este Egil “o maior de todos os escaldos”
(termo aplicado aos antigos poetas escandinavos), tendo,
inclusive,
inovado 17
os
padrões
de
composição poética de sua época, criando novas métricas e usando rima no final do verso (“o mais
ilustre dos poetas [islandeses] da época précristã”, diz dele Borges).
O segundo elemento literário não é outro
senão a poesia, mais especificamente a poesia
inserida ao longo da narrativa de obras em prosa como são as sagas. Essa inserção se opera de duas
maneiras diferentes. Numa delas temos versos recitados de improviso por personagens (tanto principais como secundários) da própria saga e
inspirados por alguma situação ou incidente da
história. Na outra, o que temos são versos de poetas
profissionais
palacianos
(raramente
participantes da saga como personagens) que o
autor da saga insere em seu texto, sempre
atribuindo o devido crédito a quem de direito. Esse tipo de citação se restringe principalmente às
sagas que tratem de vidas de reis e condes, e o verso citado serve como referência bibliográfica,
para usar o termo usado hoje, que abona e reforça
a veracidade do que diz a saga. Isso ocorre 18
particularmente em Heimskringla, de Snorri Sturluson, que contém as sagas dos reis nórdicos,
em King Harald’s Saga, e em Orkneyinga Saga, sendo esta a história dos condes das ilhas Órcades. Assim, a presença de poemas salpicados ao
longo da narrativa em prosa – sob a forma de
desafios, lisonjas, auto-elogios, elegias fúnebres e declarações de amor – é uma recorrência natural em quase todas as sagas. As sagas mais curtas têm menos poemas, o que é natural. No entanto,
surpreende que Laxdaela Saga, uma saga longa – e das mais bem urdidas – só tenha cinco ocasiões
de poemas em todo o seu texto. Já Gunnlaug
Wormtongue, uma saga curta, tem vinte e três
citações poéticas (nem todas incorporadas à nossa tradução), o que não admira, sendo poetas os dois
principais personagens. Outra saga, Arrow-Odd, se não curta, mediana, com cerca de 130 páginas,
comporta quarenta e sete citações de poemas,
muitos deles sob a forma de diálogos entre os personagens
(lembrando
os
repentistas
do
Nordeste brasileiro), e alguns mais longos do que 19
o comum dos poemas em geral. Chama a atenção o poema que o protagonista compõe à beira da
morte, tendo sido picado por uma serpente. Esse
poema autobiográfico se estende por setenta e uma estrofes de oito versos.
Faço aqui um desvio para lembrar a
associação que se pode fazer – meramente formal, bem entendido – entre as sagas islandesas e as sátiras greco-romanas conhecidas por sátiras
menipéias. Segundo leio em The Roman Novel, de P.G. Walsh, foi o romano Varrão, filósofo da escola cínica,
quem
“introduziu
a
combinação
‘prosimétrica’ de prosa e verso” no modelo das
sátiras menipéias. O Satyricon de Petrônio,
romance picaresco do século I D. C., é o exponente
do gênero, e lá se confirma a presença assídua, ao
longo da narrativa em prosa, de poemas curtos ou longos. Como nas sagas, esses poemas são atribuídos aos personagens (intelectuais, no caso)
do livro, inclusive o longo poema A Guerra Civil,
atribuído ao poeta e personagem Eumolpo. Não encontrei nada que esclarecesse se todos os 20
poemas do livro foram escritos por Petrônio ou se há citações de outros poetas latinos.
E faço outro desvio para sugerir uma
associação (decerto casual) de conteúdo entre esta
saga e o romance Far From The Madding Crowd, de Thomas Hardy. Também nele temos três pretendentes à mão de Bathsheba Everdene; dois
deles se destroem um ao outro e deixam aberto o
caminho para o modesto, tranqüilo, paciente e comedido Gabriel Oak.
Quanto à política adotada na tradução da
versão inglesa, disse, mais acima, que optei por me permitir certa liberdade na tarefa. O que fiz, para
começar, foi dar ao texto um título todo ele em português, Saga dos dois poetas, agora substituído
por Saga dos três poetas. Depois disso, converti o cisne original do sonho numa ave que em português tivesse uma forma no feminino,
evitando a triste solução que seria cisne-fêmea. E
da mesma forma, e pelo mesmo motivo, converti em falcões as águias originais do sonho, evitando
assim o uso de águia-macho. E simplifiquei 21
também
alguns
nomes
de
personagens,
principalmente femininas. Mas onde mais abusei
mesmo dessa liberdade foi no tratamento “permissivo” dado aos poemas (em alguns deles,
nenhum dos versos traduzidos corresponde ao
verso original) e no acréscimo indébito que é o
relato da morte do conde Hakon. Este relato não está na saga – mas está em nota de rodapé do tradutor, Gwyn Jones, que faz uma síntese do episódio
correspondente
que
se
lê
no
Heimskringla de Snorri Sturluson. Tomando como
atenuante essa nota de pé de página, fui ao livro
de Sturluson (na tradução de Samuel Laing,
Everyman’s Library, Dent & Dutton, 1964) e dali
extraí, também em resumo, o que está em minha
tradução. Ainda quanto aos poemas traduzidos (que, aliás, incluí em minha “obra poética”
completa, Poesia 64-14, 2016, edição digital
publicada na Série Estação Capixaba, volume 2), esclareço que nos três últimos poemas cheguei mesmo a adotar técnica da poesia latina, usada por Ovídio e Marcial, além de outros, em que se 22
repete na metade final de um verso alexandrino a metade inicial do verso anterior.
Foi em 2002 que me arvorei a traduzir esta
saga. Estava então embarcado na escrita de A
longa história. Pretendia incluí-la como uma das
histórias narradas ao longo do romance, intenção que não levei adiante. Assim, posso dizer que
sonho e poesia foram os elementos que me
encantaram em Gunnlaug Wormtongue e que me
levaram à sua tradução e, agora, à sua publicação
online. É uma história que começa com um sonho e termina com dois – e que começa com um poeta,
prossegue com dois e termina com três, pois três são os sinais do sonho premonitório de Thorstein
Egilsson – autor primordial, portanto, de toda a tragédia.
RSN Praia da Costa Vila Velha ES 23 de maio de 2017
23
A saga dos trĂŞs poetas
Capítulo 1
Era uma vez os personagens desta história. Não faz muito tempo que viveram: há algumas décadas todos eles ainda respiravam à vontade sob o céu: ainda estavam sujeitos às emoções, aos
desejos, às angústias que são o fardo maior do ser
humano neste mundo. Hoje nada deles resta a não ser pó e, aqui e ali, alguns descendentes
carregando o mesmo fardo ingrato até que Santa Morte, em sua infinita bondade, os alivie dele.
Toda história tem seu próprio lugar, às
vezes um só apenas, às vezes dois ou mais. São
muitos os lugares desta história, que começa num
lugar chamado Borg, à beira do grande mar a que 27
se deu o nome de Mudo. Ali vivia um homem
chamado Thorstein Egilsson. Seu pai, Egil Skallagrimsson, fora homem perigoso e violento;
mas seu nome é lembrado com respeito pelos
poemas que escreveu, a que às vezes adornava
com rimas em fim de verso. Diferente dele, Thorstein era sensato e gentil — e nunca escreveu um só poema em toda a vida. Se não era homem
tão ilustre como o pai, nem pelo tamanho — Egil fora um homem enorme —, nem pela força, nem
pela habilidade de versejar, era ilustre por ser ele mesmo à sua maneira, e por isso ganhara o respeito dos vizinhos. Além disso, era uma bela
figura de homem, com cabelo de fios prateados e os mais belos olhos azuis da região. Sua mulher chamava-se Jofrid: era refinada e tinha caráter
forte. Os dois puseram no mundo uma ninhada de filhos, mas não é preciso dizer os nomes de todos,
porque apenas um deles vai aparecer nesta história. O mais velho era Skuli, o segundo, Kollsvein, o terceiro, Egil.
28
A história começa assim: certo dia chegou
do mar um navio e deitou âncora próximo à foz
do rio Gufua. O capitão do navio chamava-se Bergfinn. Era um norueguês muito rico de bens e
de espírito; mais alguns anos e poderíamos chamá-lo velho. Thorstein saiu de casa e foi a
cavalo até o navio; comprar e vender eram coisas que sabia fazer muito bem, de modo que os dois
— Bergfinn e ele — fizeram bons negócios juntos e ganharam muito dinheiro.
Veio o inverno e a tripulação do navio se
alojou por aqui e por ali, mas Thorstein hospedou
o capitão em sua própria casa — o capitão pediu — e o tratou muito bem, como era de esperar. Bergfinn era homem de poucas palavras, e poucas
palavras disse durante todo o inverno; mas, além do mar e do comércio, tinha grande interesse em sonhos.
Certo dia Thorstein levou seu hóspede ao
alto de um monte próximo. Tinha um abrigo de
madeira no topo do monte, e precisava repararlhe as paredes, que estavam preses a ruir. Partiram 29
de manhã cedo, acompanhados de dois serviçais. Quando chegaram lá em cima, começaram a
cuidar das paredes do abrigo. O trabalho era duro, e chegou um momento em que Thorstein precisou
descansar. Afastando-se do abrigo, deitou-se à sombra de um plátano e adormeceu. Daí a pouco mergulhou num sono agitado. Bergfinn percebeu
que ele estava sonhando, mas não quis despertá-
lo: deixou-o sonhar o sonho todo até o fim.
Thorstein acordou um tanto aflito. O norueguês
não escondeu a curiosidade: Que sonho tiveste
para te perturbar o sono de tal modo? Thorstein se esquivou a contar o sonho que tivera: — Sonhos
ora são bons, ora são ruins, — disse ele, — mas não significam coisa alguma.
No caminho de volta Bergfinn pediu
novamente a Thorstein que lhe contasse o sonho que tivera. Thorstein entendeu que não podia
recusar a um hóspede coisa tão trivial como o
relato de um sonho. Além disso, já estava curioso em relação ao seu significado.
30
— Vou contar-te o meu sonho, — disse, —
e tu o interpretarás da maneira certa.
O norueguês prometeu que tentaria.
— Eis o meu sonho. Eu estava em pé à frente
de casa e aí vi, pousada sobre a cumeeira, uma
belíssima pomba branca. No sonho essa pomba me pertencia, e eu tinha por ela muita ternura. Aí vi,
no ar, em pleno vôo, um grande falcão vindo direto das montanhas ao norte; veio e pousou
junto à pomba e começou a gorjear suave para ela,
o que a deixava muito feliz. Aí vi que o falcão tinha
olhos negros e garras duras como ferro; pareceume criatura de muito denodo e muita coragem. Logo depois vi outro falcão vir voando, desta vez das bandas do sul. Pousou também ao lado da
pomba e quis fazer-lhe a corte: era igual ao primeiro em força e coragem. Então vi o primeiro
falcão lançar-se furioso contra o outro, e os dois se engalfinharam e travaram uma luta feroz: vi
sangue jorrar dos ferimentos de um e de outro, até
que por fim ambos tombaram lá de cima mortos no chão.
31
Então Thorstein concluiu seu relato: — A
pomba continuou onde estava, triste e pesarosa.
Então vi, no céu, um pássaro que vinha voando das partes do oeste: era um gavião, e pousou ao lado
da pomba e pôs-se a confortá-la, e daí a pouco vi voarem os dois juntos na direção do oeste. Nesse
ponto acordei. Mas não acho que meu sonho
queira dizer nada de importante. Os pássaros devem representar os ventos, que sopram de
diferentes quadrantes do céu e se entrechocam no ar.
— Não é assim que eu interpreto o teu
sonho, — disse o norueguês.
— Então diz-me como o interpretas, —
sugeriu Thorstein. — Quero saber.
— Esses pássaros não representam ventos,
— disse o norueguês, — mas pessoas. Tua mulher,
que está prenhe, dará à luz uma bela menina, por quem hás de sentir muita ternura. Ela será
cortejada por dois homens de grande valor, que virão do norte e do sul, isto é, dos mesmos pontos
de onde vieram os falcões no teu sonho. Ambos se 32
apaixonarão por ela e por ela combaterão até à
morte. Mais tarde um terceiro homem, vindo do
oeste, fará a corte à tua filha, e se casará com ela. Essa é a leitura que faço do teu sonho, e é assim que penso que as coisas acontecerão.
— Tua interpretação é ruim e grosseira, —
replicou Thorstein, — e mostra que não entendes coisa alguma do significado dos sonhos.
— Um dia verás por ti mesmo se li certo ou
se li errado o teu sonho, — disse o norueguês.
Daí Thorstein passou a tratar com certa
frieza o norueguês, que depois foi embora e não voltará à história.
No verão seguinte Thorstein se preparou
para fazer uma viagem, e isto foi o que disse à
mulher antes de partir: — É assim que eu vejo as
coisas. Tu estás prestes a parir uma criança. Se for menino, que seja acolhido e viva; se for menina, que seja exposta ao tempo e morra.
Ao ouvir isso, Jofrid respondeu: — Tuas
palavras são indignas de um homem rico como tu.
33
Não te faltam recursos para alimentar mais uma criança, seja ela menino ou menina.
— Tu conheces meu temperamento, —
Thorstein avisou. — Não me desobedeças.
Thorstein partiu em viagem, e quando
chegou a hora Jofrid deu à luz uma menina de
espantosa beleza. As aias quiseram pôr-lhe a menina no regaço, mas Jofrid disse que não era
necessário, e mandou chamar um dos pastores de
Thorstein. O pastor veio, e ela ordenou: — Sela o meu cavalo e leva esta menina até Hjardarholt. Lá, procura Gerda, filha de Egil, e pede-lhe, por
mim, para cuidar da menina e criá-la de tal modo que meu marido, o irmão dela, nunca venha a saber de coisa alguma. Pois sinto um
amor tão grande ao olhar para esta criança que não aceito que seja exposta no alto de um penhasco para morrer.
E Jofrid deu ao pastor três marcos de
prata e disse: — Pede também a Gerda, em
meu nome, que te ponha num barco e te dê
tudo que precises para viajar para bem longe desta ilha.
34
O pastor fez o que lhe foi ordenado: partiu
para oeste e, chegando a Hjardarholt, entregou a menina nas mãos de Gerda. Ela, por sua vez,
confiou a menina a alguns meeiros de seu marido que viviam em Leysingjastadir. Quanto ao pastor,
Jofrid mandou-o a Skeljavik, onde um navio estava de partida para ultramar. O pastor embarcou no navio e não voltará à história.
Quando Thorstein chegou de viagem, Jofrid
disse que a menina fora exposta assim como ele
ordenara, mas disse também que o pastor incumbido da tarefa fugira com o cavalo dela. Thorstein disse que ela agira bem, e contratou um novo pastor para substituir aquele.
Seis anos se passaram sem que o segredo
fosse revelado. Então Thorstein teve ocasião de ir
a Hjardarholt para uma festa em casa do cunhado,
que se chamava Olaf, o Pavão, e era reputado o mais eminente de todos os fazendeiros do oeste.
Thorstein foi muito bem recebido ali, como era de
esperar. Um dia, é o que contam, Gerda estava sentada a uma mesa conversando com Thorstein e 35
à frente deles, num banco, estavam sentadas três meninas.
— Diz-me, irmão, — Gerda disse, — achas
bonitas essas meninas sentadas ali no banco?
— Muito, — respondeu ele, — mas
especialmente a que está sentada no meio das outras. Nela vejo toda a beleza de teu marido de mistura com a tez rosada e as feições da nossa gente.
— É como dizes, irmão, — replicou Gerda;
— é bem verdade que ela tem a tez rosada e as
feições da nossa gente. No entanto, da família de Olaf não tem nada, porque não é filha dele.
— Como pode ser isso, — Thorstein
perguntou, — se ela é tua filha?
— Para dizer a verdade, — replicou ela, —
essa bela menina é filha tua, e não minha.
E contou ao irmão todo o acontecido,
rogando-lhe que perdoasse a ela e a Jofrid por terem-no enganado daquela maneira.
— Não me cabe censurar-vos por isso, —
Thorstein disse. — As coisas acontecem como têm 36
de acontecer, e vós de certo remediastes a minha
falta de juízo. E a menina me agrada tanto que me
considero um homem afortunado por ter filha tão linda. Como é o nome dela?
— Helga, — Gerda disse.
— Helga, a bela! — exclamou Thorstein. —
Quero que a prepares para voltar comigo para casa.
E assim se fez. Thorstein partiu de
Hjardarholt levando ricos presentes, e Helga veio com ele para casa. Ali cresceu em meio ao amor e à ternura do pai e da mãe e de toda a família.
37
Capítulo 2
Nessa mesma ocasião vivia em Gilsbakki,
ao norte de Borg, um homem chamado Illugi
Hallkelsson; era ele o mais importante fazendeiro da região depois de Thorstein. Illugi era homem de
grandes posses e de vontade férrea, e sempre que necessário dava sólido apoio aos amigos. Sua
mulher chamava-se Inga, e eles tinham muitos filhos, dos quais só dois aparecem nesta história:
um deles chamava-se Hermund, o outro, Gunnlaug, e de ambos se esperavam grandes feitos no futuro. De Gunnlaug se diz que amadurecera
cedo e era grande e forte, com cabelo castanho que
lhe caía muito bem e olhos negros, mas o nariz era 39
um tanto quanto malfeito. Tinha rosto bonito, ombros largos e cintura estreita, um homem da
cabeça aos pés: rebelde por natureza, ambicioso desde menino, e irredutível e cruel. Era bom poeta,
embora um tanto insolente nas palavras, e por isso merecera o cognome de Ormstungu, que na linguagem do país quer dizer língua de cobra.
Hermund era o mais benquisto dos dois, e dava mostras de que se tornaria um dia um grande homem.
Quando fez doze anos Gunnlaug entendeu
que estava na hora de viajar e ver o mundo lá fora
e as pessoas que moravam no mundo lá fora; assim pediu ao pai que lhe desse os meios de fazer a
viagem. O bom Illugi não quis concordar, e disse ao filho que, com seu temperamento, seria muito mal recebido no estrangeiro; pois se ele mesmo,
Illugi, mal conseguia, a poder de pancada, moldálo a seu jeito em sua própria casa!
Pouco tempo depois aconteceu que Illugi
saiu de casa de manhã cedo e percebeu que um de seus depósitos fora invadido e que meia dúzia de 40
sacos de provisões, e alforjes também, tinham sido
carregados para o lado de fora. Ei-lo ali, intrigado
com aquilo, quando lá vem um homem puxando quatro cavalos pelas rédeas, e quem havia de ser senão seu filho Gunnlaug?
— Fui eu, — Gunnlaug disse, — que tirei
todos esses sacos do depósito.
Mas por que fizera isso, perguntou Illugi.
São provisões para minha viagem, replicou Gunnlaug.
— Não passarás por cima das minhas
decisões, — disse Illugi, — nem sairás em viagem
até que eu veja que estás de fato preparado para isso.
E carregou todos os sacos de volta para
dentro do depósito.
Diante disso, Gunnlaug fugiu de casa e
cavalgou o dia todo, e quando foi noite chegou a Borg. Aí relatou a rixa entre ele e o pai, e Thorstein
convidou-o a ficar em sua casa o tempo que quisesse. Gunnlaug passou um ano inteiro em
Borg, estudando com Thorstein as leis do país, e 41
toda a gente tinha o rapaz em alta conta. Ele e
Helga costumavam jogar damas juntos, e pouco a pouco passaram a gostar muito ele dela, ela dele.
Eram da mesma idade. Helga era tão formosa que
os mais aptos a julgar diziam que era a mulher mais formosa que jamais se vira na ilha de Tule.
Seu cabelo era fino como folha de ouro, e tão comprido que ela podia cobrir-se toda com ele. Helga era considerada o melhor partido em toda a região onde morava e mais além ainda.
Um dia, quando todos estavam sentados no
salão, Gunnlaug disse a Thorstein: — Só falta ensinares-me um ponto da lei: como ser aceito por noivo de uma mulher.
— Isso é muito simples, — disse Thorstein;
e ensinou-lhe como era.
— É bom verificar se aprendi direito, —
disse Gunnlaug. — Dá-me a tua mão e faremos de
conta que me aceitas como noivo de tua filha Helga.
— Não vejo necessidade disso, — objetou
Thorstein.
42
Mas Gunnlaug agarrou-lhe a mão e disse:
— Não me negues o que te peço!
— Está bem, — disse Thorstein, — mas que
todos saibam que o que for dito aqui valerá tanto como não dito, e que não haverá nenhum sentido oculto em nossas palavras.
Então Gunnlaug escolheu suas testemunhas
e proclamou seu noivado com Helga. Depois
perguntou a Thorstein se tudo fora feito de acordo com a lei, e Thorstein disse que fora feito de
maneira aceitável. Todos os que estavam ali se divertiram muito com aquela encenação.
43
Capítulo 3
Ao sul de Borg, em Mosfell, vivia um homem muito rico chamado Onund; era casado, sua mulher chamava-se Geirny, e seus filhos, Hrafn, Thorarin, e Eindridi. Em todos o pai punha
muitas esperanças, mas Hrafn se destacava entre os irmãos em todas as coisas. Era grande e forte,
muito bonito, e bom poeta, e desde que se vira homem feito passara a viajar de terra em terra, e era muito estimado onde quer que fosse.
Também no sul, em Hjalli, viviam Thorodd,
o Sábio, e seu filho Skapti, que era juiz nessa época.
Skapti era primo dos filhos de Onund, e havia
45
entre eles, além dos laços de parentesco, uma amizade muito estreita.
Mais longe, em Raudamel, vivia Thorfinn
Thorisson, que tinha sete filhos, e em todos eles, do primeiro ao sétimo, se viam sinais de que se tornariam homens eminentes no distrito.
Seis anos se escoaram hora a hora, dia a dia.
Parte desse tempo Gunnlaug passou em Borg com Thorstein, parte em Gilsbakki com Illugi, seu pai.
Tinha dezoito anos e agora se dava muito melhor com o pai do que antes.
Illugi adotara e criara em casa um parente
próximo chamado Thorkel. Alguém morreu em As, bem ao norte, e deixou um legado a Thorkel, e Thorkel pediu a Gunnlaug que fosse com ele até
lá. Gunnlaug foi; cavalgaram de Gilsbakki até As e
receberam o dinheiro; e os que tinham a guarda do dinheiro só o entregaram a Thorkel porque
Gunnlaug estava ali com ele para qualquer eventualidade. A meio caminho de volta para
Gilsbakki pernoitaram em casa de um rico fazendeiro. De manhã cedo um pastor tomou 46
emprestado o cavalo de Gunnlaug e devolveu-o ensopado de suor e de espuma. Gunnlaug bateu
no pastor até que o pôs sem sentidos. O fazendeiro não quis deixar por menos, e exigiu indenização.
Gunnlaug ofereceu um marco de prata, mas o fazendeiro achou pouco. Então Gunnlaug recitou estes versos:
Um marco por meio homem É oferta generosa; A moeda aqui está:
Engole-a enquanto é tempo. Se a cospes na minha cara Depois te arrependerás.
Aí o fazendeiro aceitou os termos de
Gunnlaug; feitas as pazes, Gunnlaug e Thorkel voltaram para casa.
Algum tempo depois, Gunnlaug tornou a
pedir ao pai que equipasse um navio para ele fazer uma viagem.
47
— Desta vez terás o que pedes, — Illugi
concordou. — Agora tens muito mais juízo do que costumavas ter.
Sem mais delonga Illugi desceu até à costa e
comprou para o filho meia sociedade num navio que estava ancorado próximo à foz do rio Gufua.
Gunnlaug não poupou agradecimentos ao pai.
Thorkel resolveu viajar junto com Gunnlaug, e as bagagens de um e de outro foram transportadas até
o
navio.
Enquanto
se
concluíam
os
preparativos para a viagem, Gunnlaug preferia
passar o tempo conversando com Helga em vez de na labuta com os mercadores.
Um dia Thorstein perguntou a Gunnlaug se
queria ir com ele ver os cavalos que tinha no vale
do rio Langa, e Gunnlaug disse que sim. Partiram
os dois juntos e chegaram a um dos estábulos de Thorstein: ali havia três éguas e um cavalo, todos eles baios. O garanhão era magnífico, mas ainda
indômito. Thorstein ofereceu-o a Gunnlaug de presente, mas Gunnlaug disse que não precisava
de cavalos, pois estava prestes a viajar para fora do 48
país. Então foram a outro estábulo, onde havia,
junto com quatro éguas, um garanhão cinzento
que era o melhor cavalo de toda a região.
Thorstein ofereceu-o também a Gunnlaug de presente.
— Não quero este como não quis o outro, —
Gunnlaug replicou. — Por que não me ofereces aquilo que estou disposto a aceitar?
— E o que seria? — Thorstein perguntou. — Tua filha Helga.
— Isso não é coisa para se decidir às pressas,
— replicou Thorstein, e mudou de assunto.
Quando voltavam para Borg, margeando o
rio, Gunnlaug insistiu: — Preciso saber que resposta pretendes dar ao meu pedido.
— Não pretendo dar ouvidos aos teus
caprichos, — retrucou Thorstein.
— Isto é uma decisão, não um capricho! —
exclamou Gunnlaug.
— Por que nunca resolves de uma vez o que
queres? — disse Thorstein. — Acaso não fizeste preparativos para uma longa viagem? No entanto, 49
agora falas como se precisasses de uma mulher mais que tudo! Um homem inconstante como tu
não serve como marido para Helga. E não quero mais falar desse assunto.
— Que melhor marido para tua filha
esperas encontrar, — perguntou Gunnlaug, — do que o filho de Illugi? Onde acharás homem melhor do que ele neste distrito?
— Não vou perder tempo comparando este
com aquele, — Thorstein repreendeu-o, — mas, se fosses o homem que teu pai é, não seria eu quem te rejeitaria.
— Mas a quem, mais que a mim, —
perguntou Gunnlaug, — escolherias dar tua filha em casamento?
— Não faltam bons homens por aqui, —
afirmou Thorstein. — Thorfinn Thorisson de Raudamel tem sete filhos, e todos eles admiráveis.
— Nem Onund nem Thorfinn chegam aos
pés de meu pai; ora, até mesmo tu ficas abaixo
dele. Lembras-te de como ele enfrentou Thorgrim
50
Kjallaksson e os filhos e os venceu sozinho? O que tens para contrapor a isso?
— Eu expulsei Steinar Sjoni para fora desta
ilha, — replicou Thorstein, — e ninguém achou que isso fosse uma proeza banal.
— Agradece a teu pai, que te ajudou, —
Gunnlaug disse. — De qualquer modo, poucos
homens podem desdenhar-me como pretendente à filha.
— Guarda tua insolência para a gente das
montanhas, — avisou Thorstein. — Nos pântanos
aqui embaixo não te servirá de nada.
Chegaram a casa à noite, e no dia seguinte
Gunnlaug cavalgou até Gilsbakki e rogou a seu pai
que descesse com ele até Borg para pedir Helga em casamento.
— Como és volúvel, — disse Illugi. — Ora
tudo que queres é viajar, ora não falas em outra
coisa senão em arranjar uma noiva. Bem posso entender que Thorstein não tenha gostado disso nem um pouco.
51
— Minha intenção de viajar continua firme,
— disse Gunnlaug, — mas agora nada me importa
mais do que teu apoio neste assunto.
Illugi reuniu doze homens e desceu até
Borg, e Thorstein lhe deu muito boa acolhida. De
manhã cedo Illugi disse a Thorstein: — Quero
falar contigo.
— Vamos até o alto da pedra, de frente para
o mar, — disse Thorstein, e foi o que fizeram, e Gunnlaug foi junto com eles.
— Meu filho Gunnlaug, — começou Illugi,
— disse que pediu tua filha Helga em casamento. Quero saber o que se fará a respeito. Conheces a
família dele, e as posses que temos. De minha parte não pouparei esforços para que cheguemos a um acordo.
— Só há uma coisa em Gunnlaug de que
não gosto, — replicou Thorstein. — Ele parece que nunca sabe ao certo o que quer. Se ele fosse como tu, eu não hesitaria em dar-lhe a minha filha.
— Nossos laços de amizade serão rompidos,
— advertiu Illugi, — se negares que um filho meu 52
esteja à altura de receber uma filha tua em casamento.
— Bem, — concordou Thorstein, — diante
do que dizes, e em nome de nossa amizade, Helga
será prometida a Gunnlaug, mas não será ainda sua noiva, e esperará três anos pela sua volta. Cumpre a ele, enquanto estiver no estrangeiro,
espelhar-se no exemplo dos melhores homens que encontrar.
Eu
ficarei
liberado
do
nosso
compromisso se ele não voltar dentro de três anos,
ou se, quando voltar, ainda não me satisfizer quanto ao caráter.
Depois disso, Illugi foi para casa e Gunnlaug
para o navio. Logo que soprou um vento favorável
ele e seus companheiros fizeram-se ao mar e navegaram até o norte da Noruega, depois
desceram a costa até Nidaros, e aí atracaram e descarregaram o navio.
53
Capítulo 4
Nessa época o conde Eirik governava a Noruega; era um príncipe poderoso e tinha fixado residência em Hladir, que era a propriedade da
família. Skuli, um dos filhos de Thorstein, e irmão
de Helga, estava hospedado em Hladir; era vassalo do conde e muito estimado por ele. A história diz
que Gunnlaug e o seu sócio, o capitão do navio, apresentaram-se em Hladir com dez de seus tripulantes. Gunnlaug veio vestido numa túnica
cinzenta e calças compridas brancas; trazia
também um furúnculo na sola do pé, de modo que toda vez que pisava o chão um jato de sangue e pus vazava-lhe por baixo do pé. 55
Nesse
estado
Gunnlaug
e
seus
companheiros chegaram à presença do conde e
cumprimentaram-no cordialmente. O conde
reconheceu o capitão e pediu-lhe notícias de Tule, e o capitão contou-lhe como andavam as coisas
por lá. Aí o conde perguntou a Gunnlaug, E tu,
quem és, e Gunnlaug disse-lhe seu nome e a que família pertencia.
— Skuli, — perguntou o conde, — que
espécie de homem é esse lá na ilha de Tule?
— Dá-lhe boa acolhida, senhor, — disse
Skuli. — É filho de Illugi Hallkelsson, um dos melhores homens de Tule. Além disso, é também meu irmão adotivo.
— O que tens no pé, homem de Tule? —
perguntou o conde a Gunnlaug.
— Um furúnculo, senhor, — respondeu
Gunnlaug.
— No entanto não te vi mancar, — disse o
conde.
56
— Não há por que mancar, — disse
Gunnlaug, — se uma perna tem o mesmo comprimento da outra.
Nisso, um dos vassalos do conde interveio:
— Como é petulante esse ilhéu! Devíamos pô-lo à prova um pouco.
Gunnlaug olhou-o bem nos olhos e atirou-
lhe estes versos:
Eis aqui um cortesão
Tão sinistro, tão maligno, Que antes quero enfrentar Tempestade no oceano
Do que dar a ele as costas: Não tenho olhos na nuca.
O homem estendeu logo a mão para o
machado; o conde ordenou: — Pára. Um homem maduro não dá importância a essas coisas.
Aí voltou-se para Gunnlaug e perguntou:
— Quantos anos tens, ilhéu?
— Dezoito, — respondeu Gunnlaug.
57
— Tenho o pressentimento, — anunciou o
conde, — de que não verás outros dezoito.
Gunnlaug retrucou imediatamente: — Por
que não usas a língua menos contra mim e mais em prol de ti mesmo? — Foi o que ele disse, mas em voz tão baixa que sua resposta não foi entendida.
— Que disseste, ilhéu? — perguntou o
conde.
— O que achei que devia, — replicou
Gunnlaug. — Por que não lanças, em vez de maus agouros para os outros, bons agouros para ti mesmo? Isso te serviria muito, segundo creio. — Para quê? — perguntou o conde.
— Para que não tenhas o mesmo fim que
Hakon teu pai, — disse Gunnlaug.
Ora, anos antes, quando o jovem conde Olaf
Tryggvasson chegou à Noruega com sua frota, Erlend, um dos filhos do conde Hakon, foi
interceptá-lo com três navios. Enquanto isso o conde, perseguido por seus próprios vassalos, rebelados contra ele, fugiu para o interior do país 58
na companhia de um servo fiel chamado Kark.
Queria chegar a Rimol, onde morava Thora, uma
de suas amantes, e esconder-se lá. Na primeira noite o conde e o servo dormiram numa caverna
no meio da floresta, e o servo teve um sonho, e acordou, e contou o sonho ao conde: que um
homem trigueiro e sinistro chegava à boca da caverna e anunciava: Ulle está morto. O conde
entendeu que seu filho Erlend devia ter morrido, e morrera mesmo, porque o conde Olaf o derrotara
em batalha naval. Kark tornou a dormir e tornou
a sonhar; e, quando acordou, contou ao conde que sonhara que o mesmo homem do sonho anterior vinha pedir-lhe que dissesse ao conde que todas as passagens para o mar estavam fechadas. Daí o conde concluiu que seu fim devia estar próximo.
Quando chegaram à casa de Thora, ela disse que
não podia escondê-lo dentro de casa, pois ali o haviam de procurar em todos os cantos.
— Só há um lugar em que ninguém
esperaria achar um homem como tu, e esse lugar é o chiqueiro, — disse ela.
59
Assim, Kark conduziu os porcos para fora
do chiqueiro, cavou um grande buraco no chão e
carregou a terra para longe. Depois os dois
homens entraram no buraco, e Thora cobriu-o com um estrado de madeira, espalhou terra e
esterco por cima e trouxe os porcos de volta ao chiqueiro. Mais tarde Olaf chegou a Rimol e
proclamou que cobriria de ouro e honra a quem
lhe trouxesse a cabeça de seu inimigo. Do esconderijo o conde e o servo ouviram aquelas palavras. Eles tinham lume lá dentro, e Hakon
disse: — Por que o teu rosto, que estava tão pálido, agora está escuro como terra? Será porque pretendes trair-me?
E Kark respondeu: — De modo algum.
E o conde disse: — Nascemos na mesma
noite, e por isso, quando um de nós morrer, o outro morrerá logo depois.
O conde Olaf logo foi embora. Com a
chegada da noite Hakon manteve os olhos bem
abertos, mas Kark dormiu; mas seu sono foi muito
60
agitado. O conde acordou-o e perguntou: — O que sonhaste?
O servo respondeu: — Sonhei que estava em
Lade e que Olaf me punha um colar de ouro em torno do pescoço.
E disse o conde: — Olaf te porá ao pescoço
um colar vermelho, isso sim, se o encontrares. Pensa bem nisso. De mim só receberás o bem, que é o que tens recebido até hoje. Portanto não me faças nenhuma traição.
Depois disso ambos ficaram despertos,
vigiando-se um ao outro; mas ao amanhecer o
conde adormeceu e logo começou a ter sonhos horríveis, e encolheu os calcanhares e esticou a
nuca, como se quisesse erguer-se, e soltou um grito medonho. Kark ficou apavorado, e puxou um punhal que trazia à cinta e cravou o punhal
na garganta do conde e rasgou-a de fora a fora. Assim morreu o conde Hakon.
Então Kark, o servo, cortou a cabeça do
conde e fugiu. Algumas horas depois chegou a Lade, onde entregou a Olaf a cabeça do conde e 61
contou-lhe tudo que se passara entre Hakon e ele. Olaf disse: — A qualquer homem eu teria coberto
de ouro, menos a ti. Não posso contrariar uma profecia. E mandou que o degolassem. As duas cabeças, a do conde e a do servo, foram atadas
pelos cabelos a uma forca. Os soldados se divertiram muito atirando-lhes pedras e injúrias.
Isso foi o que aconteceu a Hakon, pai do
conde Eirik, e o conde não gostou nem um pouco
de ouvir Gunnlaug lembrá-lo de que o pai
morrera num chiqueiro. Então seu rosto tornouse rubro cor de sangue e ele ordenou que
deitassem mão àquele atrevido. Mas Skuli
adiantou-se e disse-lhe: — Rogo-te que atendas o meu pedido, senhor: perdoa ao rapaz, e deixa-o ir embora.
— Perdôo, — disse o conde, — se ele
desaparecer daqui imediatamente e nunca mais puser o pé no meu reino outra vez!
Skuli acompanhou Gunnlaug até o cais.
Estava ali um navio pronto para partir para a Inglaterra, e Skuli conseguiu lugares a bordo para 62
Gunnlaug e Thorkel. Seu próprio navio Gunnlaug
deixou aos cuidados do sócio, com tudo que não pôde carregar. O navio zarpou em direção aos
mares britânicos e no mesmo outono chegou ao
porto de Londres e abicou em terra.
Naquele tempo os anglos e os saxões tinham
muitos reinos nessa grande ilha, cada um com seu próprio rei. O rei Ethelred, filho do rei Edgar,
governava o reino da Inglaterra, e era um bom monarca para seu povo. Naquele ano decidira passar o inverno em Londres. Na época falava-se
a mesma língua tanto na Inglaterra como na
Noruega e Dinamarca, mas mais tarde deu-se uma mudança de língua na Inglaterra, depois que os normandos conquistaram o país, e daí em diante o francês tornou-se a língua da Inglaterra, porque era o francês a língua dos normandos.
Gunnlaug não perdeu tempo em ir à
presença do rei e saudou-o com muita cortesia. O rei perguntou-lhe de que país ele era, e Gunnlaug
respondeu como convinha, e acrescentou: — A razão por que te pedi uma audiência, senhor, é 63
porque fiz um poema sobre ti e gostaria que o ouvisses.
— Assim seja, — disse o rei.
Então Gunnlaug recitou o poema de modo
grandiloqüente, e esta quadra faz parte do refrão: Todos os filhos de Deus têm respeito Pelo grande monarca desta ilha; Poderoso é nos campos de Marte, Generoso em doar anéis de ouro.
O rei agradeceu-lhe, e como recompensa
por sua arte poética deu-lhe um manto de tecido escarlate forrado com peles finas, que tinha uma
tarja bordada da gola até a bainha. Gunnlaug passou o inverno como hóspede do rei e era tido por todos em alta conta.
Um dia, de manhã cedo, Gunnlaug topou
com três homens numa rua estreita da cidade. O maior deles chamava-se Thororm; era grande e forte, um sujeito desagradável.
— Homem das terras do norte, — disse ele,
— empresta-me algum dinheiro. 64
— Não faz sentido, — replicou Gunnlaug,
— emprestar dinheiro a estranhos.
— Eu te pagarei no dia em que o pedires, —
prometeu Thororm.
— Então correrei o risco, — disse
Gunnlaug, e emprestou-lhe dinheiro.
Algum tempo depois Gunnlaug esteve com
o rei e contou-lhe sobre o empréstimo.
— Não devias ter feito isso, — replicou o rei.
— Esse homem é notório ladrão e pirata. Eu te
reembolsarei o dinheiro que perdeste, mas não te metas de novo com Thororm.
— Mas que bando de velhacos seremos nós,
teus vassalos, — disse Gunnlaug, — que tripudia
a cavalo sobre gente inocente, mas aceita que
homens dessa laia nos roube a torto e a direito? Não, isso não há de ficar assim!
Não demorou muito e Gunnlaug encon-
trou-se de novo com Thororm e pediu-lhe que pagasse a dívida, mas o pirata recusou-se a pagar. Então Gunnlaug disse estes versos:
65
Mestre da espada que arrota, Perdeste o tino, coitado: Já não sabes distinguir Um lobo de uma ovelha. Aprende, velho ladrão,
Meu nome é Língua de Cobra. Com a palavra e com a espada Eu pico: ambas mortais.
E depois disse: — Agora te imponho a lei. Se
não pagares o que me deves, terás de encontrarse comigo numa ilha dentro de três dias.
Naquele tempo, encontrar-se com alguém
numa ilha era o mesmo que combater em duelo.
Assim, ao ouvir isso, o pirata deu uma gargalhada:
— Já tosquiei muitos homens em minha vida, mas nenhum deles jamais me convidou para se
encontrar comigo numa ilha até hoje. Muito bem, estarei pronto!
Com isso se separaram, e Gunnlaug foi ao
rei e contou o que acontecera.
— Agora as coisas estão malparadas, —
replicou o rei. — Os olhos desse homem têm o 66
poder de cegar e embotar a lâmina de qualquer
espada. Portanto, segue meu conselho: eis aqui
esta espada: dou-a a ti, é tua, e com ela deves lutar, mas não deixes teu inimigo ver esta espada, mas outra.
Gunnlaug agradeceu calorosamente. Assim
que os dois adversários puseram pé na ilha,
Thororm pediu a Gunnlaug para ver a espada que ele pretendia usar. Gunnlaug mostrou-lhe outra espada e escondeu sob o manto a espada que o rei
lhe dera. Thororm estudou a espada e disse: — Dessa espada não tenho medo.
Quando o combate começou, Thororm
ergueu a espada e desferiu sobre Gunnlaug um
golpe tão forte que lhe fendeu o escudo ao meio.
No momento seguinte Gunnlaug deu-lhe um golpe com a espada do rei. O pirata nem se preocupou em proteger-se, imaginando que fosse
a mesma arma que vira antes, e assim o golpe de
Gunnlaug abriu-lhe um buraco no peito e Thororm caiu morto ao chão.
67
Com esse feito Gunnlaug ganhou a gratidão
do rei e grande renome na Inglaterra e em outros países. Mas na primavera, quando os navios
começaram a navegar de uma terra para outra,
Gunnlaug pediu licença ao rei para viajar um pouco. O rei perguntou-lhe com que propósito. Gunnlaug explicou que para visitar outros reinos e terras, conforme a promessa que fizera em casa antes de partir.
— Assim seja, poeta, — disse o rei, e deu-
lhe de presente um bracelete de ouro que pesava seis onças. — Mas dá-me tua palavra de que
voltarás no próximo outono, pois não quero perder um homem com as tuas qualidades e a tua coragem.
Assim Gunnlaug partiu da Inglaterra com
alguns mercadores e navegou para Dublim. A
Irlanda era então governada pelo rei Barba de Seda, que estava há pouco tempo no poder.
Gunnlaug chegou à presença do rei e saudou-o com cortesia, e o rei ficou contente como ficam contentes os reis com mostras de respeito. 68
— Fiz um poema sobre ti, — disse
Gunnlaug, — e gostaria que o escutasses.
— Ninguém fez um poema para mim até
hoje, — replicou o rei. — É claro que o escutarei.
Gunnlaug então recitou uma longa balada
em homenagem ao rei, e esta quadra faz parte do refrão:
Diante do inimigo, cerra o rei as mãos Bem firmes sobre o cabo do machado. Diante do amigo, bem abertas abre as mãos E faz jorrar dali anéis de ouro.
E este dístico também: Que o rei declare, com pureza d’alma, se Até hoje ouviu melhor poema que o meu.
O rei agradeceu a Gunnlaug pelo poema e, chamando seu tesoureiro, perguntou: —
Como devo recompensar o autor deste poema?
— Como gostarias de recompensá-lo,
senhor?
69
— Seria adequado recompensá-lo, —
perguntou o rei, — com um par de navios mercantes?
— Seria excessivo, senhor, — respondeu o
tesoureiro. — Outros reis recompensam os poetas
com boas espadas ou braceletes de ouro.
Então o rei deu a Gunnlaug sua própria
vestimenta de tecido escarlate, uma túnica
bordada, um manto forrado de peles perfeitas, e um bracelete de ouro no valor de um marco.
Gunnlaug agradeceu muito e permaneceu algum
tempo em Dublim antes de seguir viagem para as ilhas Órcades.
Reinava nas Órcades o conde Sigurd
Hlodvisson, que tinha muito carinho pelos ilhéus
de Tule. Gunnlaug saudou o conde e disse que
trouxera um poema para lhe oferecer. O conde disse que teria prazer em ouvir o poema, nem que fosse porque o poeta provinha de boa estirpe de Tule. Então Gunnlaug recitou o poema. Era uma
canção curta e bem feita. À guisa de recompensa
o conde lhe deu um machado todo incrustado de 70
prata e convidou-o para permanecer com ele na ilha.
Gunnlaug agradeceu o presente e o convite,
mas disse que precisava prosseguir viagem para a
Suécia. Thorkel estivera a seu lado durante toda a
viagem, e os dois embarcaram num navio
mercante com destino à Noruega, e naquele outono chegaram a Konungahella. Daí um guia os levou até a Gótia, e chegaram a uma cidade chamada Skarar, que era um empório comercial.
Governava o país um outro conde Sigurd, que já andava um tanto idoso. Gunnlaug foi à sua
presença, fez-lhe uma saudação respeitosa, e
anunciou que fizera um poema em sua homenagem. O conde ouviu o poema com atenção; era uma canção curta. Então o conde
agradeceu, deu-lhe uma boa recompensa e convidou-o a passar o inverno ali.
Pelo Natal o conde deu uma grande festa. Na
véspera de Natal mensageiros do conde Eirik
chegaram do norte, vindos da Noruega, trazendo
presentes para o conde Sigurd. O conde acolheu71
os muito bem e os fez sentar à mesma mesa a que
se sentava Gunnlaug. Bebeu-se muito durante a festa. A gente de Gótia afirmava que o maior e o mais famoso conde do mundo era o conde Sigurd, mas os noruegueses diziam que era o conde Eirik.
Discutiram a matéria por muito tempo, até que resolveram
apelar
para
o
julgamento
de
Gunnlaug. Então Gunnlaug recitou este poema: É grisalho este conde, mas bravio: olhou
No olho as altas vagas do alto mar. O corpo Traz de cicatrizes ilustrado; nas folhas
Da espada há poemas escritos com sangue. O outro é o bem-amado da deusa da vitória, E em nome dela vai à cata das cabeças
De seus inimigos. Ama o vermelho: tinge De sangue os verdes campos e o azul das águas.
Ambas as partes se satisfizeram com esse
veredicto, sobretudo os noruegueses. Depois do Natal os mensageiros partiram de volta para casa
com ricos presentes do conde Sigurd para o conde Eirik. Lá chegados, relataram ao conde como 72
Gunnlaug julgara a questĂŁo a seu favor, e Eirik
entendeu que Gunnlaug lhe fizera honra e mostrara amizade. AĂ fez saber que Gunnlaug
poderia ser recebido em seu reino quando quisesse e com o tempo as palavras do conde chegaram aos ouvidos de Gunnlaug.
73
Capítulo 5
O conde Sigurd, a pedido de Gunnlaug,
indicou um guia para levá-lo até Tiunda, na Suécia. Nessa época Olaf era rei da Suécia: um rei forte e esplêndido, ávido de fama. Gunnlaug
chegou a Uppsala quando se reunia o parlamento
do país e, ao se apresentar ao rei para cumprimentá-lo, o rei deu-lhe boas vindas e perguntou-lhe quem era ele. Sou um homem de Tule, ele disse.
Aconteceu que nessa ocasião Hrafn filho de
Onund era hóspede do rei. — Hrafn, disse o rei,
que espécie de homem é esse lá na ilha de Tule? 75
Hrafn
levantou-se
de
seu
banco
e
aproximou-se do rei. Era um homem alto e
vistoso. — Senhor, disse ele, este homem descende de estirpe ilustre e possui excelentes qualidades.
— Deixa-o sentar-se então ao teu lado, —
disse o rei.
— Trouxe um poema para oferecer-te, —
disse Gunnlaug ao rei, — e gostaria que pedisses
silêncio e o escutasses agora.
— Vai sentar-te, — disse o rei. — Por ora
não tenho tempo para escutar poemas.
Gunnlaug e Hrafn sentaram-se juntos e
começaram a conversar e a contar um ao outro as suas viagens. Hrafn disse que saíra de Tule e fora
para a Noruega no verão anterior e navegara para a Suécia no começo do inverno. Em pouco tempo tornaram-se amigos.
Um dia, terminado o parlamento, Gunnlaug
e Hrafn mais uma vez se acharam na presença do
rei. Gunnlaug disse: — Agora, senhor, gostaria que escutasses o meu poema.
— Agora pode ser, — disse o rei. 76
— Também eu tenho um poema que quero
recitar, — disse Hrafn.
— Também pode ser, — disse o rei.
— Com tua permissão, senhor, — disse
Gunnlaug, — quero recitar o meu poema primeiro.
— Eu é que devo recitar primeiro, senhor,
— disse Hrafn, — pois cheguei primeiro à tua
corte.
— E qual foi a ocasião, — interpelou
Gunnlaug, — em que meu pai veio atrás do teu?
Isso nunca aconteceu em momento algum, em
nenhum lugar! E é assim que deve ser entre mim e ti.
— Não sejamos grosseiros, — disse Hrafn,
— a ponto de brigar por isso. Deixemos que o rei decida.
— Que Gunnlaug recite o seu poema
primeiro, — decidiu o rei. — Do contrário ele
ficará muito aborrecido.
Então Gunnlaug recitou a longa canção que
compusera sobre o rei Olaf; quando chegou ao 77
fim, o rei perguntou a Hrafn: — Hrafn, qual a tua opinião sobre o poema?
— Bem, senhor, — disse Hrafn, — é um
poema cheio de nobres palavras, mas sem
elegância. Na verdade, é duro e canhestro como o próprio autor.
— Agora, Hrafn, recita o teu poema, —
ordenou o rei.
Hrafn assim fez, e seu poema era bem mais
curto que o de Gunnlaug. Quando terminou, o rei
perguntou a Gunnlaug: — Gunnlaug, qual a tua
opinião sobre o poema?
— Bem, senhor, — disse Gunnlaug, — é um
belo poema, exatamente como o próprio autor, mas não tem muita substância se o examinarmos
de perto. E por que, Hrafn, fizeste um poema tão curto? Não achaste que o rei merecia um poema mais longo?
— Por hoje chega de discutir esse assunto,
— replicou Hrafn. — Algum outro dia pode ser
que voltemos a ele.
E nesse pé os dois se separaram. 78
Pouco tempo depois Hrafn pediu licença ao
rei Olaf para ir embora, e o rei concedeu. Quando estava pronto para partir, Hrafn procurou
Gunnlaug e disse-lhe isto: — Nossa amizade
termina aqui e agora, porque quiseste humilharme diante de nobres homens. Mas dia virá em que hei de fazer-te passar maior vergonha do que me fizeste passar aqui.
— Tuas ameaças não me dizem nada, —
respondeu Gunnlaug, — e nunca se verá meu nome abaixo do teu.
O rei Olaf despediu-se de Hrafn dando-lhe
bons presentes, e ele partiu da Suécia. Na mesma primavera chegou a Nidaros, onde equipou seu
navio, e no verão viajou para Tule. Ancorou o
navio em Leiruvag, logo abaixo da charneca de Mosfell. Foi grande o júbilo dos amigos e parentes
por revê-lo, e ele passou o inverno em casa com o pai.
No verão seguinte Hrafn procurou seu
primo Skapti, o juiz.
79
— Vim pedir teu apoio, — disse — junto a
Thorstein filho de Egil. Quero pedir a filha dele, Helga, em casamento.
— Mas ela já não está prometida a
Gunnlaug Ormstungu? — Skapti perguntou.
— Mas já não se passou o prazo combinado
entre ambos? — disse Hrafn. — De qualquer modo, Gunnlaug anda muito ocupado com sua
própria vaidade para se lembrar de cumprir o prazo.
— Bem, se é isso que queres, — disse Skapti,
— vamos fazê-lo.
Mais tarde reuniram um bom número de
homens e foram até à casa de Thorstein, que os recebeu muito bem.
— Meu primo Hrafn deseja pedir-te tua
filha Helga, — começou Skapti. — Conheces bem sua família, fortuna e formação, e o poder de seus parentes e amigos.
— Ela já está prometida a Gunnlaug, —
Thorstein explicou, — e pretendo ser fiel ao
acordo que fizemos.
80
— Mas já não se passou o terceiro inverno,
conforme combinado? — perguntou Skapti.
— Sim, — disse Thorstein, — mas não o
terceiro verão, e pode ser que ele volte neste verão. — Se ele não voltar até o fim do verão, —
disse Skapti, — que esperanças teremos no assunto?
— Tornemos a nos encontrar no verão, —
respondeu Thorstein, — e então veremos o que convém fazer. É inútil discutir o assunto no ponto em que está.
Assim se despediram e voltaram para casa.
Logo se espalhou a notícia de que Hrafn tinha
pedido Helga em casamento. Gunnlaug não voltou a Tule naquele verão, e no ano seguinte Hrafn e
Skapti tornaram a tocar no assunto com Thorstein, e insistiram que agora ele estava desobrigado do compromisso assumido com Gunnlaug.
— Tenho poucas filhas para casar, — foram
as palavras de Thorstein, — e não quero que os pretendentes comecem a brigar por elas. Acho
81
melhor trocar uma palavra com Illugi Hallkelsson antes de responder à vossa proposta.
Foi o que ele fez e, quando se encontraram,
Thorstein perguntou a Illugi: —Consideras-me desobrigado do compromisso que assumi com Gunnlaug teu filho?
— Certamente, — disse Illugi, — se é isso
que queres. Pouco posso dizer sobre o assunto,
porque simplesmente não sei o que pretende o meu filho.
Thorstein voltou a falar com Skapti, e
fizeram o seguinte acordo: se Gunnlaug não
retornasse até o fim do verão Hrafn se casaria com Helga em Borg no começo do inverno, mas
Thorstein estaria liberado de seu compromisso com Hrafn se Gunnlaug retornasse a tempo e reclamasse a noiva.
A gente de Mosfell aceitou esses termos.
Gunnlaug não dava qualquer sinal de retorno, e
Helga andava muito triste diante da possibilidade de casar com Hrafn.
82
Capítulo 6
O que temos a dizer sobre Gunnlaug é que
ele partiu da Suécia para a Inglaterra no mesmo verão em que Hrafn navegou para Tule. O rei
Ethelred deu-lhe boas vindas, e Gunnlaug passou
o inverno no palácio do rei, que o tempo todo lhe mostrou grande estima.
Knut filho de Svein era então rei da
Dinamarca. Seu pai conquistara um grande reino
na ilha da Bretanha antes de morrer, e Knut ameaçava entrar em guerra contra Ethelred e
conquistar a ilha inteira. A situação era tanto mais grave porque na ilha havia um grande exército 83
dinamarquês sob o comando de um grande general.
Na primavera Gunnlaug pediu permissão
ao rei para partir, mas esta foi a resposta do rei: —
Já que és meu vassalo, não te cabe deixar-me agora, quando inimigos ameaçam invadir meu reino.
—
Acatarei
tua
ordem,
senhor,
—
respondeu Gunnlaug, — mas peço-te que me dês licença para partir no verão, se os dinamarqueses não vierem até lá.
— No verão falaremos a respeito, —
prometeu o rei.
Passou o verão, e depois o inverno, sem que
viessem os dinamarqueses, e no meio do verão seguinte Gunnlaug obteve permissão do rei para
partir. Partiu e navegou da Inglaterra para a Noruega e ali foi ver o conde Eirik, que estava em
casa em Hladir, perto de Nidaros. O conde
recebeu-o muito bem e convidou-o a permanecer com ele algum tempo. Gunnlaug agradeceu o
84
convite, mas confessou que precisava ir para Tule ver a noiva.
— Todos os navios com destino a Tule já se
puseram a caminho, — disse o conde, — exceto o do poeta Hallfred, a quem chamam Turbulento.
Então o conde fez conduzir Gunnlaug até
Hallfred, que o recebeu com alegria; logo soprou
um bom vento terral e eles fizeram-se ao mar. Era final de verão. Todos estavam bem consigo
mesmos. Então Hallfred perguntou a Gunnlaug:
— Já ouviste dizer que Hrafn filho de Onund anda cortejando a bela Helga?
Gunnlaug disse que ouvira dizer, embora
muito vagamente, e Hallfred contou-lhe o que sabia a respeito. Contou também que muitas pessoas
diziam
que
Hrafn
era
tão
bom
pretendente quanto Gunnlaug. Então Gunnlaug recitou estes versos:
Não tenho medo de morrer tão cedo Que no cabelo não me brotem cãs, Mas de viver com esta pecha n’alma: Perdi a noiva para outro homem. 85
Ele, não eu, dorme na cama dela, E acorda-o o sol do seu cabelo.
Então os dois passaram a falar o tempo todo
sobre Helga. Hallfred elogiava com sua voz grossa a beleza dela, e Gunnlaug recitou estes versos: Vestida de branco veio: Na palma de mão mais branca Que floco de branca neve
Deixei meu amor guardado. Venho beijar essa mão, Venho colher essa mão, Em cuja palma um dia
Deixei meu amor guardado.
— Estes versos são muito bem feitos, —
concordou Hallfred, que também sabia versejar.
Ancoraram ao norte em Melrakkasletta e
transportaram a carga para terra. Faltavam duas
semanas para o inverno. Lá em Melrakkasletta vivia um homem chamado Thord, filho de um fazendeiro, que tinha por costume desafiar os 86
mercadores para uma luta corporal, e era muito
difícil vencê-lo. Então combinaram uma parada entre ele e Gunnlaug. Os dois se atracaram um
com o outro e Gunnlaug puxou ambas as pernas de Thord e o deitou ao chão. Mas nisso ele
deslocou o pé de apoio e caiu em terra ao lado de Thord.
— E o pior, — disse Thord, — é que pode
ser que não tenhas melhor sorte no teu próximo encontro.
— A que te referes? — perguntou
Gunnlaug.
— A teu encontro com Hrafn, — respondeu
Thord, — se ele casar com a bela Helga no começo do inverno. Eu estava lá no sul, no verão, e soube do acordo que fizeram, ele e o pai dela.
Gunnlaug não deu resposta. Seu pé foi
enfaixado e posto de novo no lugar; mesmo assim inchou bastante. Ele e Hallfred partiram a cavalo com dez tripulantes e chegaram a Gilsbakki na
mesma noite de sábado em que se festejava em
Borg o casamento de Helga. Illugi ficou feliz de ver 87
o filho e seus camaradas, mas Gunnlaug disse que queria descer até Borg imediatamente. Illugi disse que aquilo era loucura, e todo mundo concordou,
menos Gunnlaug. Mas Gunnlaug não podia nem tocar o pé no chão, e por isso teve de aceitar as coisas e ficar em casa.
88
Capítulo 7
Quanto a Hrafn, é bom que se diga que, durante a festa de casamento, sentado que estava ao lado da noiva, muitas pessoas disseram que a
noiva parecia tudo menos feliz. Pois é verdade o que diz o velho provérbio: as primeiras lições são as que perduram. É o que se dava com Helga ali.
Nessa festa aconteceu que um homem
chamado Sverting Hafr-Bjarnarson pediu a mão de Gerda, filha que um primeiro marido fizera em
Jofrid, a mãe da noiva. Ficou acertado que o casamento se realizaria naquele mesmo inverno, no Natal, num lugar chamado Skaney.
89
Hrafn voltou para Mosfell e trouxe consigo
Helga, sua mulher. Passou-se algum tempo e, uma manhã, antes de se levantarem da cama, Helga já
estava acordada, mas Hrafn estremunhava ainda
num sono intranqüilo. Quando ele acordou Helga perguntou-lhe, Sonhaste com quê?, e Hrafn recitou estes versos:
Eis o que sonhei: afogado em teus braços, Recebi de uma espada um golpe mortal; Meu sangue tingiu de vermelho os lençóis Tão alvos do teu leito, mas, ai de mim,
Nem te dignaste, noiva minha, a pensar O cruel ferimento aberto em meu corpo.
Contemplar-me a agonia à beira da morte Agradava à mulher a quem tanto amo.
— Não hei de chorar por isso! — Helga
gritou. — Tu me enganaste de modo indigno. Certamente Gunnlaug retornou a Tule.
E com isso ela começou a chorar.
Logo depois correu a notícia do retorno de
Gunnlaug. Helga passou a tratar Hrafn com tal 90
aspereza que ele não conseguiu mais retê-la em casa. Lá se foram ambos para Borg, e Hrafn não
teve quase mais nenhuma vida conjugal com sua mulher.
Quando chegou o Natal, Illugi Hallkelsson
começou a preparar-se para ir à festa de
casamento em Skaney. Gunnlaug, porém, deixouse ficar sentado na sala sem fazer qualquer
movimento. Illugi chegou-se a ele e disse: — Filho, por que não te preparas para ir à festa?
— Não estou pensando em ir, — respondeu
Gunnlaug.
— No entanto convém que vás, — disse
Illugi. — Não queiras punir-te assim, filho, a ponto de te angustiares por causa de uma mulher.
Age como se estivesses indiferente: mulher não é coisa que te há de faltar.
Gunnlaug seguiu o conselho do pai. Ao
chegarem à festa, Illugi e seus filhos foram
conduzidos a um dos assentos de honra, e aí viram que em frente a eles, no outro assento de honra,
estavam Thorstein, Hrafn e os irmãos de Sverting, 91
o noivo. As mulheres ficaram no estrado, e Helga
estava sentada ao lado da noiva. De vez em
quando olhava para Gunnlaug, confirmando o velho provérbio que diz: O olho diz bem, quem ama
quem.
Gunnlaug
estava
usando
a
indumentária que ganhara do rei Barba de Seda.
Estava muito bem vestido, e distinguia-se dentre todos os homens ali presentes por uma série de razões: sua força, sua beleza, e sua estatura.
Não houve muita alegria nessas bodas.
Quando a festa terminou, os homens e as
mulheres começaram a se preparar para voltar à casa. Gunnlaug foi falar com Helga, e ficaram
conversando por muito tempo. Então Gunnlaug fez estes versos:
Nunca mais tive descanso Hora alguma, dia algum,
Desde que de mim tiraram A noiva e deram a outro.
92
Aí ele deu a Helga o manto que recebera do
rei Ethelred, que era um esplêndido tesouro. Ela lhe agradeceu muito.
Pouco depois Gunnlaug saiu ao campo. As
éguas e os garanhões, muitos deles extremamente
formosos, estavam à espera, já selados, no
descampado perto da casa. Gunnlaug saltou sobre um dos garanhões e galopou furiosamente campo
abaixo ao encontro de Hrafn, que teve de recuar e ceder passagem.
— Não é preciso recuares, Hrafn, —
Gunnlaug disse, — pois desta vez não te estou ameaçando. Mas bem sabes o que mereces! Hrafn respondeu com estes versos:
Não nos cabe assim brigar Pela tília sob o linho.
Muitos mares já singrei E já vi, em muitas praias, Dezenas de outras mulheres De igual beleza, ou maior.
93
— Talvez haja, — disse Gunnlaug, — e
muitas delas, mas a mim não me apetecem.
Nesse momento Illugi e Thorstein acudiram
para impedir que os dois se lançassem um contra
o outro. Antes de se afastar, Gunnlaug recitou para Thorstein estes versos:
Por mais que o queiras negar, Foi por ouro que vendeste A outro homem a minha
Noiva. Agora tolos dão-lhe Mais valor do que a mim, E durmo só no meu leito.
Que o ouro que hoje comeste Amanhã te rompa o cu.
Então foram-se todos para suas casas e o
inverno passou tranqüilo e sem incidentes. Mas Hrafn, depois que Helga e Gunnlaug se encontraram e conversaram naquele dia, nunca
mais tirou qualquer prazer de sua esposa como esposo dela que era.
94
Um dia, em pleno verão, a casa de Thorstein
em Borg estava cheia de gente, entre hóspedes e
outros visitantes. Onund de Mosfell estava lá, com todos os seus filhos, e Sverting Hafr-Bjarnarson, e Skapti, o juiz. Nisso viram vir um cavaleiro em direção à casa: era Gunnlaug. Quando chegou à
porta da casa, Gunnlaug apeou e perguntou: — Hrafn filho de Onund está aqui? Hrafn disse que estava.
— Bem sabes, — disse Gunnlaug, — que
quando casaste com minha noiva te tornaste meu inimigo.
Por
isso
venho
desafiar-te
para
encontrar-se comigo numa ilha dentro de três dias.
— É uma proposta justa, — admitiu Hrafn,
— e eu não esperava menos de ti. Estarei pronto quando também estiveres.
Os parentes de um e de outro ficaram muito
preocupados com isso, mas naquele tempo a lei permitia que se resolvessem pendências mediante
combate em uma ilha, de modo que, passados três dias, os dois inimigos estavam prontos para a luta. 95
Illugi acompanhou o filho com um grande grupo
de homens, enquanto Hrafn teve o apoio do pai e
de Skapti, o juiz, e de outros parentes. Quem fosse ferido teria de pagar um resgate de três marcos para sair da ilha.
Antes de entrar no bote para ser levado até
à ilha Gunnlaug recitou estes versos: Espera um pouco só, ilha arenosa,
Tem paciência que não me demoro; Espada nua à mão, sigo ao encontro
De quem cometeu falta imperdoável: Arrogar-se noivo de minha noiva. Deus guarde este ferreiro de palavras.
Minha espada há de ceifar, do inimigo, Cachos de cabelo, e ao vento lançá-los, Para depois decepar-lhe a cabeça. Espera um pouco só, ilha arenosa,
Pois te prometo: o sangue do intruso Darei de beber às tuas areias.
Hrafn recitou em resposta:
96
Só Deus sabe qual de nós dois da ilha Há de sair tão vivo como antes.
Mas, se não tens cuidado, minha espada Há de cortar-te uma das pernas, osso E tudo. Ou o contrário. Só Deus sabe, E só Deus sabe se, ante o meu corpo Folheado de glória após a morte, Aquela que fivelas no cabelo
Usa não me será melhor viúva Do que foi esposa. Bem-vinda a morte, Bem-vinda, se me der direito ao vivo Orvalho das lágrimas de quem amo.
Cabia a Hrafn, como desafiado, dar o
primeiro golpe. Foi um golpe tão poderoso que a
espada fendeu a parte superior do escudo de Gunnlaug e a ponta quebrou e foi lançada ao rosto
de Gunnlaug, ferindo-o de leve. Os pais de um e
de outro puseram-se imediatamente entre os dois, junto com alguns dos outros homens.
— Declaro Hrafn vencido, — disse
Gunnlaug, — porque sua espada está partida.
— E eu declaro a ti vencido, — disse Hrafn,
— porque te feri no rosto.
97
Gunnlaug estava fora de si de cólera e
gritou que não houvera luta entre os dois, mas Illugi seu pai disse que por ora era só.
— A próxima vez que Hrafn e eu nos
encontrarmos, — disse Gunnlaug, — eu rogo e peço, pai, que estejas bem longe e não te possas meter entre nós.
Com isso voltaram todos da ilha e foram
para suas casas. Mas pouco tempo depois se fez
uma lei proibindo, daí em diante, que se travassem duelos no país. Isso foi feito a conselho dos homens
mais prudentes de Tule, e assim o duelo entre Hrafn e Gunnlaug foi o último que teve lugar em Tule.
Uma manhã, os irmãos Hermund e
Gunnlaug foram até o rio Oxara para se
banharem, e aí viram muitas mulheres se aproximando da outra margem, e uma delas não era nenhuma outra senão a bela Helga.
— Estás vendo, — disse Hermund, — tua
amada lá do outro lado do rio?
98
— É verdade, eu a vejo, — respondeu
Gunnlaug; e então recitou estes versos: Não para tornar feliz Homem algum nasceu ela, Mas para partir os nossos Corações todos. Maldito O pai que a gerou, e a mãe
Que a deu à luz duas vezes. Tremem do poeta os olhos Negros quando pousam sobre A alvura da pomba; mas
Tremem de amor, não de medo.
Então os dois irmãos atravessaram a
corrente a vau, e Helga e Gunnlaug conversaram
entre si por algum tempo. Quando eles voltaram a cruzar o rio, Helga ainda ficou lá, de pé, contemplando Gunnlaug. Gunnlaug olhou para trás e recitou estes versos:
O olhar da amada ilumina Como flecha de luar.
Suave, toca-me o rosto, 99
Como se a mão me afagasse; Ardente, toca-me os lábios,
Como se tentasse beijar-me. Isso aqui embaixo. No alto, O sol dirige, em seus raios,
Promessas de dor e angústia À princesa e ao poeta.
Gunnlaug estava vivendo com o pai em
Gilsbakki. Uma manhã, quando acordou, todos já se tinham levantado, só ele ainda jazia na cama.
De repente doze homens invadiram a casa, todos
eles armados até os dentes — e quem estava ali
senão Hrafn filho de Onund.
Gunnlaug saltou da cama e empunhou uma
espada.
— Não estás em perigo, — disse Hrafn, — e
a razão da minha vinda logo saberás. Neste verão
me desafiaste para encontrar-me contigo numa ilha, mas disseste que o que houve entre nós não
foi um combate de verdade. Eis a minha proposta:
que ambos saiamos de Tule no próximo verão
100
para combater em algum lugar da Noruega, onde nossos parentes não possam interferir.
— Falaste como o homem valente que és! —
respondeu Gunnlaug. — Aceito a tua proposta com alegria. E agora, Hrafn, se queres a hospitalidade desta casa a terás: é só pedir.
— É muita gentileza, — disse Hrafn, — mas
por ora é melhor que cada qual de nós tome o seu caminho.
Com essas palavras se separaram. Os
parentes de um e de outro ficaram muito contrariados com isso, mas nada podiam fazer a
respeito, porque o rancor entre ambos era muito grande; e, enfim, o que tem de acontecer, haja o que houver, acontecerá.
101
Capítulo 8
De Hrafn se diga que logo preparou seu navio em Leiruvag. De dois dos homens que foram com ele se conhecem os nomes: um se chamava
Grim, outro, Olaf, e eram ambos filhos de uma
irmã de Onund, e intrépidos tanto um como outro. Toda a família sentiu a partida de Hrafn, mas ele
explicou que desafiara Gunnlaug em combate porque sua vida com Helga era estéril de todo
prazer; e um dos dois, declarou ele, havia de tombar diante do outro.
Quando o vento soprou a favor, Hrafn fez-
se ao mar e navegou até Nidaros, onde passou o inverno. Não teve notícia de Gunnlaug nesse 103
inverno, de modo que esperou por ele todo o
verão, e um segundo inverno, num lugar perto de Nidaros, chamado Lifangr. Gunnlaug
Ormstungu
zarpara
de
preparativos,
mas
Melrakkasletta com Hallfred, o poeta turbulento. Demoraram
muito
nos
fizeram-se ao mar no instante em que o vento lhes
foi favorável, e chegaram às ilhas Órcades pouco
antes do inverno. O conde Sigurd ainda governava as ilhas, e Gunnlaug passou o inverno com ele; o conde mostrou-lhe muita consideração. Na
primavera o conde preparou-se para navegar
para o sul, e Gunnlaug acompanhou-o; durante o verão fizeram muita pilhagem nas ilhas Hébridas
e travaram várias batalhas. Gunnlaug mostrou
que era homem valente e audaz, e sempre se distinguia como guerreiro no meio de todos.
No começo do outono o conde voltou para
casa, mas Gunnlaug meteu-se num navio
mercante com destino à Noruega. Ele e o conde despediram-se como grandes amigos. Gunnlaug
viajou para o norte para ver o conde Eirik e 104
chegou a Nidaros no começo do inverno. O conde
fez-lhe muita festa e convidou-o a ficar com ele, e Gunnlaug aceitou o convite. O conde já ouvira
falar de sua desavença com Hrafn, e avisou-o de que estavam proibidos de combater em seus
domínios. Gunnlaug disse que o conde tinha todo o direito de fazer aquilo, e passou o inverno em Nidaros, mas não se mostrou muito amistoso.
Um dia, já na primavera, Gunnlaug
resolveu fazer uma caminhada, e Thorkel foi com
ele. Saíram da cidade e foram caminhando pelos campos até que viram um círculo de homens e,
dentro do círculo, dois rapazes esgrimindo. Um se
dava o nome de Hrafn, o outro, o de Gunnlaug. Os circunstantes diziam que os homens de Tule eram
mestres em dar golpes leves e que seus desafios não passavam de cacarejos lançados ao vento.
Gunnlaug viu o desdém que havia naquelas
palavras, e sentiu cheiro de troça em toda aquela encenação. Afastou-se dali silencioso.
No mesmo dia ele disse ao conde que não
mais toleraria o desprezo e o desdém que as 105
pessoas lhe dirigiam por conta de sua rixa com Hrafn. Daí pediu ao conde que lhe desse um guia
para chegar até Lifangr. O conde deu-lhe permissão para partir e dois guias para o acompanharem no trajeto.
Gunnlaug saiu de Hladir com cinco pessoas
e subiu a montanha e chegou a Lifangr à noite; aí
soube que no mesmo dia pela manhã Hrafn saíra
de lá com três homens. Dali Gunnlaug seguiu para Veradal, e noite após noite, quando chegava a um
lugar, era só para saber que Hrafn passara ali a
noite anterior. Gunnlaug persistiu até que chegou
a uma fazenda de nome Sula que ficava no topo do vale, e soube que Hrafn tinha saído dali
naquela mesma manhã. Gunnlaug não quis
pernoitar em Sula, mas apertou o passo e caminhou a noite toda, e ao amanhecer os dois
adversários avistaram um ao outro. Hrafn acampara num lugar onde havia dois lagos, e o
terreno entre os lagos era todo plano. Um pequeno promontório penetrava num dos lagos, e ali, nesse promontório, Hrafn e seus companheiros tinham 106
armado acampamento. Seus primos Grim e Olaf estavam ali com ele.
— Que bom, — disse Gunnlaug, quando os
dois se puseram face a face. — Enfim nos encontramos um ao outro.
— Não tenho do que reclamar, — disse
Hrafn. — E agora, diz o que preferes: que todos nós combatamos ou só tu e eu.
Gunnlaug disse que isso pouco lhe
importava.
Contudo,
os
primos
de Hrafn
afirmaram que não pretendiam ficar só olhando os dois combaterem; e Thorkel disse a mesma coisa.
— Então vós, — disse Gunnlaug aos dois
guias, — não tomareis parte no combate, mas servireis de testemunhas para contar a história de nossa refrega.
Aí avançaram uns contra os outros e
combateram bravamente, todos eles. Grim e Olaf
juntos atacaram Gunnlaug sozinho, e acabou que ele os matou a ambos sem receber deles nenhum
ferimento. Enquanto isso Hrafn e Thorkel 107
combatiam entre si, e Thorkel tombou diante de Hrafn e perdeu a vida.
Assim, os camaradas de um e de outro
tombaram mortos. Então Hrafn e Gunnlaug
investiram um contra o outro, trocando duros
golpes e assaltos impetuosos, lutando sem pausa
nem remorso. Gunnlaug brandia a espada que lhe dera o rei Ethelred, arma excelente, e por fim conseguiu, com um grande golpe dessa espada,
cortar como uma foice a perna de Hrafn. Nem
assim, porém, Hrafn caiu ao chão, mas recuou até um cepo de árvore e apoiou ali o coto da perna.
— Não estás mais apto a lutar, — disse
Gunnlaug. — Nem eu lutarei com um homem mutilado.
— É verdade, — respondeu Hrafn, — eu
levei a pior até aqui. Mas creio que ainda poderia
fazer alguma coisa se me fosse dado beber um gole d’água.
— Não me faças nenhuma traição, — disse
Gunnlaug, — se eu te trouxer água no elmo.
— Não te farei nada, — prometeu Hrafn. 108
Gunnlaug foi até um córrego, encheu de
água o próprio elmo e o levou até Hrafn. Hrafn
estendeu a mão esquerda para a água, mas com a espada na direita lançou um golpe contra
Gunnlaug, abrindo-lhe uma grande fenda na cabeça.
— Isso foi traição de ti para mim, — disse
Gunnlaug, — e covardia, pois confiei em ti.
— É verdade, — replicou Hrafn, — mas o
que me levou a isso foram os abraços que deste em Helga.
Aí recomeçaram a lutar furiosamente, mas
logo Gunnlaug derrotou Hrafn, e ali mesmo Hrafn perdeu a vida.
Os guias do conde enfaixaram a cabeça de
Gunnlaug. Enquanto isso ele recitou estes versos: As espadas fizeram seu trabalho: Amigos e inimigos jazem mortos À beira do lago de águas azuis.
Em nome dos mortos ainda respiro, Mas por pouco tempo: aos mortos pertenço, Vejo-os todos à espera de mim. 109
Procuro entender por que os homens morrem. Por amor, por ódio, vaidade, orgulho,
Sim, mas, muito mais que isso, por arte: A vida e a morte de um homem são o seu Poema. Convém escandi-lo bem:
Quem viver o lerá, e Deus também.
Depois disso os guias sepultaram os mortos
à beira do lago, e por fim puseram Gunnlaug
sobre o cavalo e trouxeram-no até Lifangr. Ali ele ficou três noites deitado numa cama e recebeu a
extrema unção da parte de um sacerdote. Na
terceira noite morreu e foi sepultado no cemitério
da igreja. Todos consideraram aquelas mortes uma grande perda, tanto a de Gunnlaug como a
de Hrafn, ainda mais por causa das circunstâncias em que as mortes se deram.
110
Capítulo 9
Antes que a notícia desses acontecimentos chegasse a Tule, Onund teve um sonho em sua
casa em Mosfell. Em seu sonho viu Hrafn surgir todo coberto de sangue e recitar alguns versos.
Onund lembrava-se bem dos versos quando acordou, e repetiu-os para outras pessoas:
Sabes tu quem sou? Não sabes? Deste-me a vida E o nome, amor e honra. Sabes tu quem sou?
Não sou mais ninguém. Longe de casa meu corpo Desfaz-se em pó e sombra. Não sou mais ninguém. Não posso jamais tornar à casa. É triste.
Rever-te, pai, ouvir-te, não posso jamais. Adeus dá por mim a tudo que me foi caro: 111
Ao mar, à terra, e à tília, adeus dá por mim. Guarda meu nome. É o que resta de tudo
Que eu fui. Deste-me a vida. Guarda meu nome.
A mesma coisa aconteceu em Gilsbakki na
mesma noite: Illugi sonhou que Gunnlaug surgia
diante dele, todo coberto de sangue, e recitava estes versos:
Eis-me aqui, meu pai, a sós, em terra estrangeira, No alto de alta montanha, eis-me aqui, meu pai. Ao meu encontro peço que venhas. Põe velas
Negras no teu barco e vem, pai, ao meu encontro. Meus olhos mortos daqui de cima hão de vê-las: As negras velas no mar de meus olhos mortos. Ao pé da tumba, não digas palavra. Uma Só lágrima depõe, discreta, ao pé da tumba, Mas me perdoa, no silêncio da montanha,
Ter morrido antes de ti, pai: mas me perdoa.
Com o passar do tempo Thorstein deu sua
filha Helga em casamento a um homem chamado
Hallkel Thorkelsson, que morava no oeste, no vale do rio Hraun. Helga se mudou para lá para morar 112
com ele, mas amou-o pouco, pois nunca pôde tirar Gunnlaug da lembrança, ainda que morto.
Contudo Hallkel era homem refinado, e rico, e bom poeta. Tiveram muitos filhos juntos.
O maior prazer de Helga era estender sobre
a cama o manto que Gunnlaug lhe dera de
presente e contemplá-lo por longo tempo. Dia
veio em que uma grave enfermidade atingiu a sua
casa, e algumas pessoas passaram muito tempo doentes na cama. Por fim também Helga contraiu
a doença, mas não se recolheu à cama. Uma noite de sábado jazia deitada na sala, a cabeça apoiada
sobre o joelho do marido. Mandou trazer o manto que Gunnlaug lhe dera de presente e, quando o
trouxeram, sentou-se e desdobrou o manto, e ficou algum tempo olhando para ele. Depois tombou de novo nos braços do marido e morreu. Então Hallkel recitou estes versos:
Fria em meus braços, fria e branca como a neve, Dorme minha esposa amada fria em meus braços. Acorda, acorda, em vão lhe grito: não dá
Resposta por mais que lhe grite: Acorda, acorda! 113
Tirou Deus de mim o que me dera: esta deusa De dourados cabelos tirou Deus de mim. A clara tília sob o claro linho foi-se Para sempre. Não mais verei a clara tília. A minha vida é branca e fria. Menor
Dor a morte me seria que a minha vida.
Helga foi sepultada na igreja. Hallkel
continuou a viver em sua casa no vale e
considerou a morte da esposa uma grande perda, como era de esperar.
E nisso termina a nossa história.
[07/05/2002] [Esta versão: maio de 2017]
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REINALDO SANTOS NEVES nasceu em Vitória, Espírito Santo, em 3 de dezembro de 1946. Graduou-se em Letras (Português e Inglês) pela Universidade Federal do Espírito Santo (1968). Foi servidor técnico da UFES (1970-2012) e escritor residente da Biblioteca Pública do Espírito Santo (2010-14). Publicou os romances 115
Reino dos medas (1971), A crônica de Malemort (1978), As mãos no fogo: romance graciano (1984, com data de 1983), Sueli: romance
confesso (1989), Kitty aos 22: divertimento (2006), A longa história (2007), A ceia
dominicana: romance neolatino (2008) e A folha de hera: romance bilíngue (três volumes, 2011, 2012 e 2014). Publicou três conjuntos de contos:
Má notícia para o pai da criança (1995), Heródoto, IV, 196 (2013) e Mina Rakastan Sinua (2016), além da novela A confissão (1999) e um conjunto de crônicas sobre jazz, Dois graus a
leste, três graus a oeste (2013). É autor de alguma poesia: Poema graciano (in Revista Letra, 1982) e
Muito soneto por nada (1998). Sua “obra poética” completa, incluindo toda a poesia até então inédita, está disponível, sob o título Poesia: 64-
14, no site Estação Capixaba.
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Duelo entre Hrafn e Gunnlaug.