tambĂŠm e sempre e antes e nunca poemas inĂŠditos seguidos de poemas terceiros seguidos de sĂŠculo
SÉRIE ESTAÇÃO CAPIXABA volume 12 _______________________________
tércio ribeiro de moraes
também e sempre e antes e nunca poemas inéditos seguidos de poemas terceiros seguidos de século
estação capixaba | cândida editora vitória | 2017
© 2017 Todos os direitos reservados à família do autor.
Seleção de textos e organização Reinaldo Santos Neves Editores Maria Clara Medeiros Santos Neves Alfredo Andrade Capa, projeto gráfico e editoração
Maria Clara Medeiros Santos Neves Catalogação Elizete Caser Rocha CBB-6/MG nº86-ES
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) M827t
Moraes, Tércio Ribeiro de Também e sempre e antes e nunca [recurso eletrônico] : poemas inéditos seguidos de poemas terceiros seguidos de século/ Tércio Ribeiro de Moraes.-- Vitória, ES : Estação Capixaba : Cândida, 2017. 1 recurso online (292 p.) : digital, PDF arquivos .-- (Estação Capixaba; v.12).
1. Poesia brasileira. I. Título. II. Série. CDD B869.152 CDU 869.0(81) - 1
www.estacaocapixaba.com.br estacaocapixaba.es@gmail.com
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO PRIMEIRO SEGMENTO: POEMAS INÉDITOS Primeira parte: Poemas datados Melancolia urbana & maresia [Sei agora isto] [Como em tempestade] [Finjo te amar] [É só um sonho] Algumas vezes na ilha de Vitória [Penso: / massagista de do-in] [Esse desejo] [Vou avançando lentamente] [Rio, / Grande Rio] [Tento em palavras] [Ah, não! / logo hoje!?] [Café / café / café] [Oh, oh, não!] [Trave / entrave] Madrugada Passeio noturno pela alameda
[Ô-ô, carência] [Ó patética] [Madrugada / os pássaros] Segunda parte: Poemas sem data [Leve-me daqui] Primavera [Já não me resta mais nada] [Quando lembro de você] Enseada Blues [Barcos vermelhos] [Ar que me toca] [A vida é rápida] [As imagens entravam em meus olhos] Consciência If the six was nine, I still don’t mind [Solidão romântica] [Onde as flores botânicas?] [O silêncio gerou silêncio] [Era cedo manhã] [Há certos momentos] [Meus olhos procuram por você] [Calor / calor] Contato [Noite] [Neste momento sou forte] Despaixão [A chuva caindo] [Como é sua voz?]
Ideias para uma poesia [Ah, onde o ser] [Uma luz pálida brilha] [Onde nada há nada o peixe] Outro bilhete para uma mulher não identificada XPTO London [Engendro-me pedra] [Dizer que também e sempre e antes e nunca] Ode a Ernest Hemingway [Nem tudo são flores] Lamento para um homem gordo [Levava uma flor] [Era um dia chuvoso] Diário de bordo (?) [A sua fisionomia] Não sejamos estúpidos [Sentados num bar] 5-19 23 Psicanálise nº. 3 [O corpo dela é constelado] [Agosto quase setembro] [O que quero / não encontro] Fotografia Noite Motorista Automóvel [Com minha calça jeans] [Vi passarem os vitoriosos] [Kólia Polítika Kaos Konsumo] Você Verde-piscina Perda [Ô / e a visitante]
[Coração de cristal] [Apesar de tudo] [E tu poeta sonolento] [Minha paixão] [Quando desejo e amor] [Eu olhei as castanheiras] [São elas] [Vago ser] [Angústia] Difonia [Sou poeta?] [Encadear] [Realidade esgarçada] [As roupas espalhadas] [Ver-te] [Kilimandjaro] [A máquina decrépita] [Dizer isto?] [No inverno] [Não, não] [Não exagere] [Sem você] [O alimento das coisas] [Naquele dia] [Erro sobre erro] [Setembro] [É além-mar] [Se alguém ela] [– Poema / me busco] [Por que te ver]
Angústia e lamento para um gordo solitário [Ouço sons de datura] [Quem me trará notícias de você] [O cobertor vermelho] [O que sou?] [Sintetizar] [Pobre vida] [Ao longe / na campina] Amargo despertar [Sonâmbulo] [Cada vez mais distante] [Cansativo fluxo] [Não lembres] [Por que não você?] [Perder-te a ti] [Elos quebrados] [Algo em sua letra me agrada] SEGUNDO SEGMENTO: POEMAS TERCEIROS Primeira parte: Alma [Sou outra árvore] [Mastigo a branca flor da noite] [Hoje / nesta madrugada] [Há plantas na janela da cozinha] Love or Confusion Poema doudo Poema doudo II Poema doudo III
[As massas da existência] [Nada / madrugada] [Ando / desando / tresando] Miscturo [Impossibilidade / que crio em mim] Perguntas (Pequeno poema de amor) Segunda parte: O romance de Villemond e Alice O romance de Villemond e Alice Terceira parte: Poemas terceiros I – [Procuro por minhas palavras] II – [Este preâmbulo] III – [Penso neste frio ácido-outono] IV – [Sonâmbulo] V – [Outono] VI – [Sol] VII – [Frio de outono] VIII – [Peixes sobre a mesa] IX – [A mar] X – Tristes trópicos XI – 1972 XII – 4 XIII – [So white a moon] XIV – [Na máquina] XV – [Medo] XVI – Viagem de guaraná em pó (Poema moderno) XVII – Sem ilusões
XVIII – Psi I XIX – Psi II XX – [Pra que tentar medir] XXI – [As palavras são música] XXII – Viagem XXIII – [Os pássaros vão embora] XXIV – Por quem chora a Júlia XXV – Detalhe de “O Jardim das delícias” de Bosch XXVI – [Um fio é verde] XXVII – Fuga XXVIII – [Chove] XXIX – [Quando a vi, em sua ferina-absurda-beleza] XXX – [Dói em mim] XXXI – [Pequenos sapatos pretos] XXXII – Secreto XXXIII – [De repente me perco em você num jardim] XXXIV – [Moinho de vento] XXXV – [Gosto de você assim cansada] XXXVI – [Teu sorriso] XXXVII – [Flores se colhem] XXXVIII – [E agora, amor] XXXIX – [Finjo te amar] XL – [Flor] XLI – Contato XLII – [Cumplicidade?] XLIII – Primavera / verão – versão I XLIV – Primavera / verão – versão II XLV – Delicada espera XLVI – [Há sempre beija-flores] XLVII – [Afinal não houve]
TERCEIRO SEGMENTO: SÉCULO [O céu noite] [Impossível voltar] [A meia-lua] [A lua / ao lado esquerdo do poste] [Amor contínuo] Poema bilíngue 45 [Verão / ainda verão] [No entanto eu aqui] [Quis te despertar] [Dócil fóssil] [E esboço em ensaio] [Dia / sol reinante] [Bebo café] [Não estava nos meus planos] [Na extremidade da palavra] [Invento uma manhã de primavera] [Imagens] Natureza morta
APRESENTAÇÃO
O poeta capixaba Tércio Ribeiro de Moraes nasceu em Vitória em 23 de novembro de 1955 e morreu também em Vitória em 4 de maio de 2008. Iniciou muito cedo sua carreira literária. Aos doze anos escreveu a peça infantil No reino do rei reinante, que seria encenada quatro vezes em diferentes períodos e por diferentes grupos teatrais. 1 Uma segunda peça infantil, O romance de Magma e Mirilim, não chegou a ser encenada. Ainda adolescente investiu na poesia, que se tornaria seu principal veículo de expressão literária. Em artigo publicado em A Gazeta de 5 de maio de 1978 e assinado por Lígia Monteiro, diz ele: “A poesia brota de dentro, e se fossem analisar pareceria uma coisa meio maluca, surrealista.” Seu único livro publicado é Poemas terceiros, de 2001. Na apresentação do livro o escritor Adilson Vilaça define: “Tércio Ribeiro de Moraes é bendito transgressor. Contra a normalidade cabisbaixa da No teatro da Associação Espírito-santense de Imprensa, por um grupo amador de que o autor fez parte (1970); no Teatro Carlos Gomes, com direção de Milson Henriques (1970); na Primeira Igreja Presbiteriana de Vitória, por um grupo amador da própria igreja (1970); pelo Grupo de Teatro Ponto de Partida, em Vitória e várias cidades do interior do estado e fora do estado (1980); e pela Companhia de Artes Cênicas, em Vitória (1997). 1
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sintaxe permitida alevantou a insurgência aflita, pictórica, daliniana. Suas armas assinaladas são ferino habeas-corpus contra a coação imposta pelo conservadorismo, contra o senso comedido dos comuns, contra a inutilidade dos boquiabertos, dos perplexos, dos pasmos. Todo útil é fútil – eis a lição de sua prisão no labirinto.” Os sintomas da esquizofrenia se manifestaram aos dezessete anos. Daí em diante, sua vida se dividiu, nas palavras de Wanda Ribeiro, sua mãe, em períodos bons e períodos muito ruins. Conheci-o em meados da década de 80, na Universidade Federal do Espírito Santo, quando veio trabalhar comigo na Divisão de Editoria da Fundação Ceciliano Abel de Almeida. Alguns anos depois aposentou-se por invalidez. Incapacitado como ser social, o que sobrou de Tércio foi o ser poeta. A poesia se tornará então, para ele, mais que uma razão para viver, um meio de dar sentido e expressão à sua vida e à sua doença. Sua obra poética é, portanto, seu testamento e seu legado. Dito isso, adianto que, nesta apresentação, não pretendo nem me atrevo a analisar criticamente a poesia de Tércio, ciente de que o resultado estaria muito aquém do que sua obra merece. Assim, vou limitar-me a uma apresentação mais do poeta do que de sua poesia, deixando o estudo crítico de sua obra a aventureiros mais capacitados. O grosso da produção poética de Tércio de Moraes data do período entre 1972 e 1999. O que produziu posteriormente foi muito pouco: alguns poemas entre 1999 e 2003 e um último poema, datado de 3 de abril de 2008, um mês antes de sua morte. A seleção feita para esta edição póstuma privilegia todos esses
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períodos e foi distribuída em três partes a que se denominou segmentos. O primeiro segmento, Também e sempre e antes e nunca (verso que dá título geral ao livro), reúne 120 poemas inéditos selecionados dentre os numerosos manuscritos e datiloscritos deixados pelo poeta e preservados pela família. Não foi possível organizar cronologicamente todos esses poemas, uma vez que cerca de uma centena deles não foi datada. Assim, a solução mais prática foi dividir esse primeiro segmento em duas partes, “Poemas datados” e “Poemas sem data”. O segundo segmento abrange a produção impressa do poeta, restrita a seu único livro, Poemas terceiros, sem editora nem data, mas que se sabe publicado em 2001. A divisão original do livro em três partes foi mantida aqui. Uma “Nota do Autor” identifica o período de produção dos poemas de cada uma dessas partes: os de “Alma” foram escritos entre 1996 e 1998; o “Romance de Villemond e Alice”, em 1982; e os da terceira parte, “Poemas terceiros”, entre 1972 e 1991. O terceiro e último segmento consiste nos poemas selecionados pelo poeta para um segundo livro, Século, cujo projeto não foi além de uma cópia digitada e encadernada em espiral. Em nota intitulada “Autor/Obra”, preparada especialmente para o livro e datada de 20 de março de 2004, Tércio revela que esses poemas foram escritos entre 1999 e 2003, acrescentando: “Considero-os mais maduros.” Os poemas foram aqui reproduzidos na íntegra, com mínimas alterações na sequência. A organização do livro exigiu algumas decisões de caráter editorial. Uma delas foi, no caso dos muitos
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poemas sem título, usar como título, entre colchetes, o primeiro verso do poema – ou, às vezes, o primeiro e o segundo. Também entre colchetes estão as poucas e discretas intervenções feitas no texto, que se explicam por si próprias. Além disso, optei, apenas no caso dos poemas manuscritos que compõem o acervo, iniciar cada verso com maiúscula, já que a difícil caligrafia do poeta deixa dúvidas nesse particular. Por fim, ressalve-se que eventuais erros de gramática foram mantidos por conta de sua óbvia intenção poética. Apesar de seu isolamento forçado, vê-se que Tércio, com a publicação de Poemas terceiros (e o projeto de um segundo livro, Século), tentou comunicar-se com o mundo exterior através de sua produção poética. Ele mesmo diz, na contracapa do livro: “Este livro, de tão largo espectro no tempo, é uma tentativa de diálogo alma-alma.” Na nota preparada para o segundo livro Tércio dá conta do que está fazendo: “Continuo escrevendo poesia e contos. Estou escrevendo, também, uma peça para teatro adulto.” E conclui: “Aos 48, solteiro, além de ler e escrever, gosto de caminhar no calçadão da Praia do Canto, olhando o horizonte, olhando o Convento, olhando para a frente.” Consta que em algum momento trabalhou num romance (de que nenhuma cópia em papel ou em arquivo de computador foi encontrada). Para encerrar, cito estes versos de longo poema sem data: “Então novamente o dilema / Abrir ou não a janela / Porque abri-la / É o não mais nem refletir / Essas vãs coisas / É o viver ou não / O desafio do dia / (É ser ou não ser)”. Em 4 de maio de 2008, Tércio abriu a janela.
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P.S. 1 – Este livro online faz parte da Série Estação Capixaba, uma iniciativa editorial do site Estação Capixaba (dezessete anos no ar) e da Editora Cândida. Paralelamente está disponível no site uma página especial para Tércio Ribeiro de Moraes que inclui: (a) o texto de sua peça infantil, No reino do rei reinante; (b) fotografias do poeta; (c) ilustrações de seu próprio punho; (d) textos em que discorre sobre si mesmo e sua literatura (inclusive as notas de autor); (e) e a correspondência, via email, mantida comigo entre 2005 e 2008. Infelizmente a parte que me cabe dessa correspondência se perdeu num desses misteriosos acidentes de percurso da tecnologia da informação, exceto por uma mensagem embutida em mensagem de Tércio. P.S. 2 – A intenção da família do poeta, e nossa, é publicar um livro impresso com um segundo lote de poemas inéditos de Tércio, a ser lançado em 2018, quando se completam dez anos da morte do poeta. Além disso, pretende-se acrescentar à página especial do autor uma seleção de seus textos em prosa. Reinaldo Santos Neves Praia da Costa, Vila Velha Novembro de 2017.
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PRIMEIRO SEGMENTO: Poemas inéditos
Primeira parte: Poemas datados
Melancolia urbana & maresia
Na mão direita um cigarro A mão esquerda vazia Ócios estranhos na mente Solidão tropical Mar, mariscos Ventos ariscos Céu azul, etc O passado, O passado, o passado A bela morena A bela loura O mar, ainda O cinema, o bar A apatia
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A vida urbana O perímetro humano Ah! Que coisa... Os burocratas Os telepatas Os alopatas Os democratas Andar, falar Andar, calar Time is money Tempo é dinheiro E tem também o cinema Os livros, a cultura, Essas coisas... Marx, Freud Hesse, Hemingway Rumpelstiltskin Ah! [outubro 1980]
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[Sei agora isto]
Sei agora isto: Que sou incompleto, Como eles e ela sĂŁo E a ela quero E a eles Para que eu seja Para que sejamos [21/06/1987]
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[Como em tempestade]
Como em tempestade entre violentas vagas Como sol ardente em aridez, em deserto (como em estranha calmaria) No entanto espero (e, no esperar, vivo:) a inexplicรกvel paz [junho 1987]
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[Finjo te amar]
Finjo te amar para fazer este poema. Finjo fazer este poema para te amar E para te amar finjo que existes e assim finjo a dor de tua ausĂŞncia e a ventura de existires [15/08/1988]
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[É só um sonho]
é só um sonho
mas se estivesse eu
e você tão longe na estação ferroviária e estivesse cinza a madrugada e você (em sonhos) num dos trens coloridos tricotasse signos penelópicos ou lesse as obras de Proust dormindo com cachecóis e xales e eles a me esperar na torre do relógio central é só um sonho, meu amor, mas se repentinamente e lentamente o sol nascesse por trás das montanhas que há que hão que houveram, que ousam por trás da estação ferroviária...
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ah, meu amor! e como são verdes as montanhas quando cantam e como são verdes as montanhas quando cantam e eles me esperam na torre do relógio central a me chamarem com gestos braçais e manuais e faciais e se nesse momento me percorresse um raio vegetal e pré-histórico e eu chorando então te dissesse: sim, sim, meu amor, e você então fechasse o Ulisses de Joyce e, acordando, e partindo o trem em direções conhecidas e mais tarde tirasse o cachecol e o xale porque o calor e porque... (te amo) e em outros sonhos houvesse outras madrugadas senis e outros agentes secretos a fumar cigarros discretos em repletos bares e cafés
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agentes concretos de olhos pardos e pardos gestos, à procura do amor e se nesse sonho eu sonhasse: você a colher margaridas silvestres ou outras flores mais rústicas, ainda sem nome e não me sorrisses e me sorrisses da janela do trem e me atirasses beijos e essas flores colhidas [nesse outro sonho e me atirasses palavras inefáveis e eu então te diria: (te amo) [década de 1980]
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Algumas vezes na ilha de Vitória
Pessoa ela elas Sensuais sensoriais Entre o prédio da Psicologia E o de Física Aplicada Meninas tão bonitas Entre o prédio da Psicologia E o de Física Aplicada Aquela menina Loura, Tão suave Meninas tão bonitas Entre o prédio da Psicologia E o de Física Pura e Aplicada Na Universidade Federal À tarde Um vento frio Cabelos louros
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MĂŁos delicadas Unhas cortadas A boca Pele clara [dĂŠcada de 1980]
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[Penso: / massagista de do-in]
penso: massagista de do-in insipiente volver aos 22 como. volver aos 22 é sentir a falta de ela além da dor além do lamento esse espaço vago no meu corpo é meu corpo retilíneo órbitas dos olhos vazias a flutuar nesse outro espaço nesse mesmo espaço [década de 1980]
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[Esse desejo]
Esse desejo De tĂŞ-la TĂŞ-las Toda Todas
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[Vou avançando lentamente]
Vou avançando lentamente Em que direção ainda não sei Só sei que sinto Cheiro de mar E é bom E gosto (E se ela estiver lá, Melhor ainda) [1991]
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[Rio / Grande Rio]
Rio, Grande Rio Sul, Distante Sul Assim penso Em você-você Que me disse não Na mais amarga das noites E agora longe Não sei que estrada trafegas Se há encontro, ainda Ainda encontro Espero Por Que Seu Seu
talvez inutilmente crer humano seja coração olhar [07/07/1992]
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[Tento em palavras]
Tento em palavras Reinventar esta noite Dizer que não há tédio Nem angústia Que não há angústia Nem solidão Dizer que ela está comigo E que talvez me ame E que talvez eu a ame Dizer que estou sorrindo Livre e leve no ar Mas tudo se desfaz no ar Como fumaça Estas palavras somem
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Não têm o poder de refazer A noite E a noite prossegue impune e imune À minha fantasia Quero-te, quero-te A – a angústia D – de não te ter Aqui agora Comigo [25/07/1992]
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[Ah, não! / logo hoje!?]
Ah, não! Logo hoje!? Logo agora!? Que ruim! Eu queria – Ah, não, eu não queria... Mas... Ah, que coisa ruim! Que coisa! Frustração, Frustração. Pérolas não resgatadas. [1992]
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[Café / café / café]
Café Café Café Cigarro Cigarro Cigarro Café Cigarro Café Cigarro Tédio [27/06/1994]
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[Oh, oh, não!]
Oh, oh, não! Oh, oh, oh sim! Oh, oh como quero Alguém E a poesia Era pequena Para abarcar a dor De não poder Fazer um poema. [14-15/07/1994]
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[Trave / entrave]
Trave Entrave Travessa Travessão O abismo É a ponte? [27/07/1994]
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Madrugada
Nada além do ruído Dos caminhões Que passam na avenida. [22/02/1995]
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Passeio noturno pela alameda
As árvores não me diziam nada Além do seu verde iluminado pelos postes Nada além de seu silêncio Mas era belo e simples: As árvores enfileiradas no canteiro central. Madrugada insone E meus cigarros O silêncio quase absoluto O escuro lá fora Na baía um navio apita Grave e longo: Mistério quase total Apenas decifrado Pelos trabalhadores noturnos do cais Depois, Um bebê chora no segundo andar Passa um carro solitário [14/09/1994]
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[Ô-ô, carência]
Ô-o, carência Madrigal Quero todas Quero todos Estou solo Conversar gostaria de Fazer sexo gostaria de Comer e beber Festa, festas Ô-ô, carência Ô-ô, insônia [17/09/1994]
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[Ó patética]
Ó patética, triste e infeliz, trêmula e trepidante Máquina sul-americana Que fazes se asas [sic] a querer os céus, as nuvens Que fazes querendo ouvir-se, tocar-se Se estás cambaleante em becos desabitados Ouves o chamado Felizmente ainda o ouves [02/12/1996]
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[Madrugada / os pássaros]
Madrugada Os pássaros Ainda não chilreiam Não há alegria nem tristeza [27/10/1998]
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Segunda parte: Poemas sem data (dĂŠcadas de 1970, 1980 e 1990)
[Leve-me daqui]
Leve-me daqui Leve-me daqui meu amor Leve-me para onde os ventos uivam Leve-me para [onde] o sol brilha mais que o sol Para onde meu coração bate Leve-me para onde você está Leve-me para as montanhas E o mistério das distantes paisagens Leve-me para o polo norte Para qualquer lugar Mas não me deixe aqui Dentro desse bloco de gelo (Qual a marca da sua geladeira?) Vento que passa Leve-me daqui Vento que vem do ventilador Leve-me para longe daqui Leve-me para onde os leões rugem Perigosamente em meu coração
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Onde os guerreiros combatem ferozes Mordazes Leve-me para qualquer lugar Mas tire-me essa mordaça Leve-me para os prados floridos E para os sorrisos impossíveis E para os rios transbordantes Leve-me para o céu Para além das estrelas mais distantes Onde o universo é pavorosamente grande Lindo lúcido e explode de excitação Leve-me ao espanto e à fascinação Leve-me àquele vale onde conversamos tanto Sobre o eterno momento daquele momento, Daquelas paisagens Meu amor Leve-me ao país de nossos sonhos E aos sonhos de nosso país, se possível Leve-me para qualquer lugar Mas tire-me de dentro desse bloco de gelo
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Primavera
Onde está você, primavera? Te procurei em minha casa Te procurei em todos os quartos Nos armários, nas gavetas Onde está você? Não me deixe assim Sozinho Não me deixe assim Parado Sem sentir o perfume de suas flores Sem ouvir o trinar matinal dos seus pássaros Sem pensar em suas abelhas Sem ter o que fazer
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[Já não me resta mais nada]
Já não me resta mais nada Apenas alguns cigarros Algumas lembranças E umas poucas esperanças A solidão é inevitável Quem eu quero não me quer Quem me quer mandei embora E chove lá fora Chove lá fora Gotas d’água sobre as folhas Gotas d’água batendo na vidraça Gotas d’água saem dos meus olhos Não vejo ninguém Num raio de 30 km Apenas Vênus nasce Constantemente em minha mente
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[Quando lembro de você]
Quando lembro de você, Meu coração bate apressado, De paixão e de pavor Uma sombra de silêncio atravessa meu corpo translúcido Como num lúcido sonho Nada me afeta nessa noite Exceto o apito do guarda noturno O apito do guarda noturno Pássaro urbano O apito do guarda noturno / pássaro urbano / passando de bicicleta / sobre o silêncio da noite / ponto / no ônibus das seis tinha uma menina loira por quem me apaixonei / ponto /agora não tem ônibus / agora só tem os passos do medo sobre o silêncio dos paralelepípedos / paralelos que nunca se encontram / no espaço / muito longe uma estrela / no passado ou no futuro / muito longe / no presente, nada / apenas o apito do guarda noturno
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Enseada blues
Quando olho pra você Olho pra você Mas você está muito longe distante de mim Estendo os meus braços Quero te tocar Preciso te tocar, Você me entende? Mas eu estou muito longe distante de você Quando olho essa enseada azul (Quando olho nos seus olhos) Meu coração-pássaro voa revoa Até os confins de você E me abro totalmente pra você Mas é só quando olho nos seus olhos (Quando olho essa enseada azul) É que me encontro com você Você é azul por dentro Seja lá quem você for.
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[Barcos vermelhos]
Barcos vermelhos Bicicletas prateadas E a rosa roxa Que eu dei pra Marisa ManhĂŁs luminosas Mares azuis PĂĄssaros audaciosos E eu perdido Em pleno verĂŁo Procurando Marisa
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[Ar que me toca]
Ar que me toca: Flor do campo Tão bonita, tão amarela, tão branca Não tenho ninguém A quem te possa oferecer Estou só E a flor no caminho Tão branca tão amarela tão longe de onde passam Os homens que gostam de flores Penso que se eu te comesse Você faria parte de mim Talvez, quem sabe, de minha mente Ou de minha mão Ou de meu peito E nós seguiríamos caminho E as pessoas, quem sabe, te veriam Tão branca tão amarela E eu me ofereceria Às pessoas que passam
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Em vielas escuras E eu trocaria um olhar tão branco tão amarelo Com as pessoas que passam nas grandes avenidas Que talvez, quem sabe, elas parariam para sentir O toque do ar, tão puro tão branco tão amarelo E quando eu acenasse com a mão dizendo adeus Alguma coisa ficaria na lembrança De alguém que parte para longe
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[A vida é rápida]
A vida é rápida Como um relâmpago Venha, então, menina, Vamos nos bronzear Num mar revolto Balouça o barco Fortemente Perigosamente Mas não afunda Porque é de fiber-glass A vida é rápida como um relâmpago De que serve esse sorriso Que tenho nos lábios? Ou esse olhar profundo Com que te procuro dentro de seus olhos?
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Não nos iludamos, gatinha, Procuremos A escada para o céu A vida é rápida Como um relâmpago, Mas mesmo assim Não me recuse esse beijo Mesmo que seja de aflição Te beijo Um beijo de aflição No meio da boca No meio da rua deserta Entre fantasmas de cimento E monstros de ferro
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[As imagens entravam em meus olhos]
As imagens entravam em meus olhos Imagens: Pessoas, o ônibus velho... E a solidão A solidão penetrando através dos meus olhos Wendy... Wendy... Onde está você Wendy? Por favor Wendy... Volte Cães amarelos E pôr-de-sóis E sóis a se porem Um desenho suave Acima das montanhas Como melodia Um desenho que trago em minha camisa Imagens de sonhos Que levo em meus passeios Por entre ruas arborizadas
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À procura de alguém Coisas que só se exprimem Nos olhares trocados Com muito amor Nas palavras cheias de muita vida
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Consciência
A mandala se partiu O círculo se fragmentou Os animaizinhos vermelhos e azuis Se afogam no pântano O homem de cinza Chora Impotente para salvá-los Afinal não houve A corrida dos cavalinhos amarelos Nem a colheita de morangos na Baviera Nem o concerto de rock na praia do Sul/Sol/Sal Nem o grande e verdadeiro amor salino Solidão E a mulher loura permanece sentada em seu vestido branco Tecendo histórias (tristes) (policiais) (de reis loucos) Para o homem de cinza que não veio A mandala se partiu O círculo Se fragmentou Talvez: uma brutal solidão
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A se repetir repetir repetir Tão inútil inútil inútil Enquanto o tempo Inexorável Implacável Irresgatável Escapa pelos Buracos do céu Catarse não poética E eu aqui Nesse mar de naufrágios De mastros contundentes E pranchas e barris Ferido pelos restos De um navio antigo Que Lentamente e com gritos Lancinantes de paquiderme ferido naufraga
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If the six was nine, I still don’t mind (poema psi)
Quando uma é minha esposa A outra é minha amante Irracional Sexy Louca Mas elas invertem os papéis E quando a outra é minha esposa (Sombria, quieta, fluida) A primeira é minha amante Fria Racional Sólida Percorro-as Como quem habita Dois mundos Dois países Dois seres
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E se a amante é frágil E a esposa forte A amante louca A esposa sábia Nisso também invertem os papéis E se eram inimigas Hoje se olham Com curiosidade mútua
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[Solidão romântica]
Solidão
romântica
Penso
agora
Estou
sozinho
Chorando
lágrimas
Congeladas agora Solidão
romântica
Penso
lágrimas
Estou
agora
Chorando
sozinho
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[Onde as flores botânicas?]
Onde as flores botânicas? Onde as folhas agronômicas? Frutos deiscentes, Primavera silenciosa.
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[O silêncio gerou silêncio]
O silêncio gerou silêncio Mas havia coisas piores Horas mortas (A TV ligada A paisagem dos prédios)
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[Era cedo manhĂŁ]
Era cedo manhã E eles se abraçavam dentro do carro Ele jovem Ela jovem Ela bonita Era cedo O ar ainda frio Eles frescos e arrumados Se beijavam dentro do carro
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[Hรก certos momentos]
Hรก certos momentos Hรก certos momentos Estรกticos Fibras de energia vazias Um sol gelado na mente A morte se insinua Em certos recantos da alma
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Viagem
Meus olhos estão repletos de alegrias tenras Meu coração cheio de conhecimento De gaivotas, de sóis, De muitos mares Meus olhos viram a luta do homem novo O admirável homem novo em busca do prazer Por entre frestas de portas entreabertas Na natureza de nuvens ou céus azuis, Meus olhos viram chuvas Meu coração trovões Meus olhos viram barcos Chegando cheios de peixes E partindo iluminados na noite Barcos com tentáculos de galeras Meus dentes brilharam Da alegria de peixes e amigos cordiais
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[Meus olhos procuraram por você]
Meus olhos procuraram por você Entre florestas e montanhas Entre automóveis e prédios Com a calma de quem somente espera Com a paciência de um homem novo Admirável homem novo Em busca do amor Meus olhos viram também Bêbados caindo entre dinheiros reluzentes Câmara lenta da morte E finalmente Meus olhos se fecharam Num lamento sonoro Minha fronte se curvou E a dúvida surgiu num lapso, uma descoordenação Entre o tempo e o espaço
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[Calor / calor]
Calor Calor Suor Cheiro de tijolo Áspero Poeira Cimento Uma batucada Verão Morremos Não há nada mais, Morremos Um cigarro aceso Para disfarçar Para dizer que há vida Um olhar perscrutando o vazio
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Ai, ai, ai Morremos Vazio Tudo Vazio
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Contato
ou: conexão paulista
ou: desconexão paulista ou: a desconhecida ou: a desconexida ou: banana com mostarda ou: o estripador de yorkshire
Para Marieza O teu silêncio É o meu silêncio Esses seus olhos Que olham o finito Através de escuras lentes Seu indicador estendido Mostrando o caminho a um debiloide Sua voz telefônica agora em silêncio Seu silêncio agora O espaço o espaço no espaço A verdade: (o silêncio: Nosso silêncio nossa verdade)
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O seu não-sorriso A sua fisionomia O seu movimento Sua fotografia E o meu desespero O meu desespero Carnavais monótonos se repetem: As pessoas sorriem Os dentes brilham Mas não estão alegres: Batucadas Canaviais muito verdes Não como mares Mas vegetais Multinacionais Industriais Eu gostaria de poder dizer: I love you (Doideira pura)
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[Noite]
Noite Barulhos suaves Refrigeradores de ar Automóveis solitários Descanso E é como se sua mão Em minhas mãos repousasse E a outra mão (Me fazendo cafuné) em meus cabelos O silêncio da noite leva Para longe, bem longe Longe, muito longe E eu descanso Pensando em alguém Sempre flui Sempre, sempre, Nunca para:
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A vida E o escuro da noite E meus olhos pardos Pardos pousando suaves Paisagens Nuvens Nuvens pardas Pores-de-sol (pôr-de-sóis) Uma casa branca O tempo Como se alguém me falasse Que tudo vai ficar bem Que o Brasil vai ser campeão Que eu vou ser famoso Que vou ganhar o prêmio Nobel da felicidade (Só se aproveitam os dois primeiros versos) (O resto é doideira) Que a gasolina vai ficar barata Ah! Sonhador
84
E então o nosso sorriso Com o qual sonho Nossos corações tão suaves Tão macios...
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[Neste momento sou forte]
Neste momento sou forte Dois mundos me pertencem Sou forte como uma tempestade Neste momento sou forte Domei dois bractossauros Devorei cinco flores Amei oito virgens Neste momento sou forte Sou negro, Ăndio, Branco, Meus olhos perfuram metais Sou o herĂłi O super-herĂłi! Neste momento sou forte Porque sou extremamente fraco
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Neste momento sou belo Borboletas amarelas voam no meu vale Neste momento sou forte Porque sou extremamente fraco
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Despaixão ou o que é isso? O que é isso?
Nossos corações Como cachorros cansados Velhos Não bateram tanto Nossos olhos não brilharam de paixão Embora nós dois Eu e ela Gostássemos de Crosby Stills & Nash E andássemos de bicicleta Embora não gostássemos de carnaval De confusão E tantas coisas mais. P.S. Theda Bara: às vezes é tão gostoso quando a gente coloca um “E”, e por uns instantes a poesia deixa de ser poesia e torna-se prosa. Influência talvez de algum poeta moderno, ou então algo bem louco, que está no ar desses tempos modernos.
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[A chuva caindo]
A chuva caindo Jรก pobre Sobre as pedras da rua Uma chuva cansada Uma chuva tola
89
[Como é sua voz?]
Como é sua voz? Que palavras saem de sua boca? O que pensava você Quando te fotografaram? Mina Serão macias tuas mãos? Será que você fala inglês? Garota
90
Ideias para uma poesia
Novamente me lembro de você Sentado num bar vendo, Por trás das casas, Os picos dos morros Os carros passando E eu pensei em tomar mais uma cerveja Enquanto Me lembro de você Como se fôssemos íntimos Velhos amigos | E então | chegam mais pessoas ao bar | E | elas gesticulam | E | estão felizes E você Com suas metamorfoses Contínuas E de novo seu indicador estendido Seus óculos escuros Seus pensamentos &
91
[Ah, onde o ser]
Ah, onde o ser O lar Onde amigo E amiga Ah, lamento Por mim
92
[Uma luz pálida brilha]
Uma luz pálida brilha É ela sentada ao meu lado Vejo sinto cheiro Quase choro porque Só posso ver Sentir sentir sentir Cheirar Essa luz pálida branca E não posso deixar Essa luz me tocar Me envenenar Coração Amor Frustração Oh astral oh astral E a velha canção me consola Dizendo que há males maiores
93
Enquanto sinto a dor Que de alguma maneira, Por um motivo ou por outro Todos têm De punhal, faca ou fuzil, Todos têm ferido O coração. Oh doce vida doce morte Triste vida triste morte Oh
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[Onde nada há nada o peixe]
Onde nada há nada o peixe Na onda onde anda o homem Onde anda o homem nada há Onde nada há nada o peixe e Onde nada o peixe nada o homem No ar voam pássaros azuis Andam homens Nadam peixes E No ar azul voam pássaros O sol é só o que é porque é só O sol é só o que é porque é sol
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Outro bilhete para uma mulher não identificada
Colocarei Guirlandas de madressilvas Nas escadas dos aviões E nos tetos dos táxis Colherei para você assustadas e pequenas [estrelas vespertinas E tenras aprisionadas Em momento de distração Te oferecerei sustos, desatenções, bobeiras. Te darei sílabas de ébano Fonemas de safira Te darei toda a ausência E o pranto dos mendigos de minha cidade
96
Te ofertarei luas crescentes Farei festas julinas Te darei o sol e a preguiça das tardes de verão E as palavras que ondeiam no ar Pois é lá que ondeia tudo Te darei um ar de inocência e ironia Te oferecerei, por fim, Uma xícara De café do Brasil
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XPTO London
Ver com Ser com O mar Espaço contido no Espaço Saudade Engendro-me Escondo-me Esqueço-me em fitas azuis De prótons e nêutrons Desintegro-me Numa noite abafada de verão
98
London Capital sentimental De meus desejos convulsos Oriente do ocidente Do oriente do ocidente do oriente
99
[Engendro-me pedra]
Engendro-me pedra Escondo-me em vegetais Quase verde Pouco verde Todo verde Sobrevoo meu espaรงo Hands in hands
100
[Dizer que também e sempre e antes e nunca]
Dizer que também e sempre e antes e nunca O completo fragmento da parte do todo Da parte do todo Sob estrelas incendiadas de saudade pífia Nos seus pés de amianto e zinco E no plástico de seu nariz E sempre Love you No resgate do tempo que não Que sim que talvez
101
Ode a Ernest Hemingway
Hemingway, Por que foste tão norte-americano, A ponto de se suicidar? Tu nos deixaste mais sós Quando deste um tiro na cabeça Tu nos fazias conhecer um pouco mais O nosso próximo, Hemingway Tu nos divertias, Tu nos davas um pouco de vida, De tua vida E deste um tiro de fuzil na cachola, Tu eras doido, Hemingway Que Martini te fez tão mal assim Para quereres te suicidar?
103
[Nem tudo são flores]
Nem tudo são flores Tenho que convir Que nem tudo que reluz É ouro, prata, diamante Há também outras coisas Que não reluzem
104
Lamento para um homem gordo
Sua anterior beleza Paralisava os olhares Dentro de você Hidrogênio em fissão Explosão atômica Passou o tempo Chamaram-te para dançar Não foi Convidaram-te a prantear Não foste Passou o tempo Esmurrou o ar Correste atrás do vento Chegou tarde Aos encontros amorosos
105
Passou o tempo Seu rosto Teu corpo Falam de cansaço E de uma enorme saudade Do que aconteceu E do que não houve Agora Chora Sabendo que os deuses Não ouvirão seu lamento Agora Caminhando desengonçado Pelos labirintos dos esgotos Da cidade emudecida Agora Guarda as palavras Queira ainda o sol Queira sempre o sol
106
[Levava uma flor]
Levava uma flor Cuja beleza era Não só vida Mas também destruição Enquanto durou foi bom O sonho De não haver limites Mas os há Medo e esperança
107
[Era um dia chuvoso]
Era um dia chuvoso Chuva fina E a montanha dormia Protegida do frio por mil sĂŠculos De sonhos minerais.
108
Diário de bordo (?)
Domingo, Sem gasolina no carro. Na radiola, Prelúdios e fugas de Bach Bode O vento quente balança as acácias e os [flamboyants da rua Inverno tropical Urubus passam ao longe Entre os prédios próximos O mesmo e constante desentendimento permanece O mesmo gosto de plástico na boca.
109
[A sua fisionomia]
A sua fisionomia Ainda assexuada Amenizando o desconforto O calor Desse Ă´nibus cheio
110
Não sejamos estúpidos
O sol brilha O céu azul Meu corpo Minha mente Caminho entre prédios Pardais cantam A solidão persiste Perco minha identidade Falta-me ar No fim do túnel o seu sorriso E eu te peço: Não vá Caminhemos juntos / ainda mais um pouco Até que minhas asas estejam fortes Até que eu possa sobrevoar as montanhas Ultrapassar os céus Até que eu possa
111
Não vá Eu te peço E não te peço pouco Nem te quero infeliz Dê-me sua mão Caminhemos juntos Ainda mais um pouco Serei breve Serei discreto Não vá E eu te darei O melhor O mais puro O mais sólido Meu sorriso mais espontâneo E sem medo Não se preocupe Não serei infeliz com você Só te darei belas joias Tesouros que só eu sei E nem para você eu guardo
112
Veja estas flores Podemos colhê-las São amarelas são brancas O sol brilha Podemos sorrir Olhe Não sejamos estúpidos
113
[Sentados num bar]
Sentados num bar Conversávamos sobre O tempo que flui Como a areia ou a água escorre em nossas mãos. Já não tentamos segurá-lo, prendê-lo Já sabemos que é impossível É como uma folha Que se desprende da árvore. Inevitavelmente tocará o chão Podemos apenas Perplexos ou meditativos Observarmos suas marcas Suas estrias, seus desenhos Em nossa memória E queremos esquecer Queremos dizer, mentindo, Que nada do que lembramos – coisas que nos ferem de prazer – Existiu
114
Afinal só nos angustia Nos faz contorcermo-nos de dor Enquanto olhamos perplexos Para o tempo presente Já sabendo que tudo se repetirá – ele se [tornará passado E só restarão lembranças Pálidas imagens
115
5-19 23
ela a me esperar no ateliê ela a me esperar no ateliê um dia nublado de março marca, trulitrutrlulgrulgrlulug rov rocambaa fav fav fav Meu Amor! prngdfvggd sgrd fvbnnnid hijijijijijijii frajlgnertui
116
Psicanálise nº. 3
O pássaro do rei cego pousou nas mãos do mago e, para seu encanto, cantou. O rei cego recolheu-se aos seus aposentos com bílis na boca, cheio de inútil angústia.
117
[O corpo dela é constelado]
O corpo dela é constelado de pequenas pintas marrons arranjos de estrelas formulados pela mente e expostos ao sol ao ar aos olhos do mundo e o mundo não vê mundo, galáxia de estrelas desordenadas constelações de pessoas caladas
119
[Agosto quase setembro]
agosto quase setembro ainda lembro seu olhar sua cor seu cheiro macio de lady seu jeito de garotinho seu carinho gosto de vocĂŞ
120
[O que quero / não encontro]
o que quero não encontro o que não quero desencontro quero isto quero aquilo isto e aquilo esta e aquela no entanto isto que não quero – mentira impulsiva – não encontro
121
Fotografia
noite
motorista
AVENIDANOITENEONASFAL TOPRÉDIOESTILOMILNOVE CENTOSEQUARENTAOUCINQ lua sobre armazém 2 semáforo em vermelho sobreposto à lua cobre-a semáforo em vermelho ao lado direito da lua prédios asfalto
armazém 2 navios guindastes
122
automóvel
semĂĄforo em verde lua decrescente sobre a cidade lua decrescente sobre a ilha lua decrescente sobre o hemisfĂŠrio sul
123
[Com minha calça jeans]
com minha calça jeans desbotada minha camiseta de malha branca meus pés descalços tomo café fumo cigarro reaver o ver busco flores onde só há flores
124
[Vi passarem os vitoriosos]
vi passarem os vitoriosos em seus grandes caminhĂľes eles tinham vencido os animais prĂŠ-histĂłricos e iam ao encontro de suas mulheres os mais perdedores eram os que nĂŁo tinham lutado esses carregavam grandes cruzes de bronze
125
[Kólia
política
kólia
política
keprat
kaia catamarã
lay
kaos
kaos
consumo
lady lay lou lu lan len lee, o chinês
gagio
gorgoleta
gásimo
gorjeio
[gargagalhada dimbrante sun
consumo]
set
gimbrante
gorgolejo gildralar
gafe/gafieira
garfo
the sun sets in the West
I came back fast um gato no telhado mama cass barbara
Barbara
Babra
cabra
barbara babra cabra calibra cloc
colloquial
fêmea
126
claudicante
Você
não me canso de olhar seus olhos tão seus olhos fico a olhar as flores desse deserto deserto vou embora sem dizer tchau sem ao menos dizer que te amo desesperadamente desamparadamente VOCÊ
127
Verde-piscina
manipular o movimento dos astros melindrar os deuses descobrir entre as nuvens uma profecia esquecida escrever o segredo na areia esquecer o significado pronunciar o delĂrio e provocar a cĂłlera
128
Perda
é como assistir ao pôr do sol sentado na pedra do silêncio “eu sou o rei e ordenei aos rudes vegetais que silenciassem para que assistisse ao pôr do sol.” é como estar sentado na pedra do silêncio e ver uma mulher a caminhar na Patagônia levando nas mãos finas engrenagens douradas pequenos metais curvos e vê-la, loura, caminhando na Patagônia levando nas mãos um astrolábio dourado
129
[Ô / e a visitante]
ô e a visitante que só viu o lado escuro do planeta que não entendeu a mensagem a duplicidade talvez a triplicidade a cumplicidade? amizade e o fálico obus seta em meu coração TNT LSTUVXZ e tu aracnídeo desgovernado que teia teces?
131
que corvos crias? (que odisseias improvisas, poeta cego? ou ĂŠs o outro? que vĂŞs a parte o meio a metade, e tem pedras na boca?)
132
[Coração de cristal]
coração de cristal algumas vezes na cidade de Nova Iorque eu tive um sonho hoje, menino sonhei que estava refletida numa esfera prateada e de cabeça para baixo a ilha de Manhattan (?) (com o Empire State Building e a estátua da liberdade) eu li o jornal hoje, menino e me chamou a atenção o caso dos rapazes do coração congelado
133
[Apesar de tudo]
apesar de tudo as flores sĂŁo bonitas e Ana ainda sorri esperando uma coca-cola ou qualquer coisa assim esperando de mim uma coisa talvez que eu conte uma histĂłria ou entĂŁo quem sabe construirmos juntos uma maquininha de fazer felicidade
134
[E tu poeta sonolento]
E tu poeta sonolento Por que tardas em dizer Em fazer a mรกgica?
135
[Minha paixão]
Minha paixão Se multiplica E se estende no vazio Cruel é a vida Só os belos são amados De paixão intensa Bola de fogo que se queima A si mesma Até que só restem cinzas Do dia a dia (O amor) Só resta tomar Mais uma cerveja (Fumar mais um cigarro também)
136
Minha paixão se multiplica E se estende se possível no infinito Na dimensão espaço/tempo Se possível voltar atrás E beijar todos os amores platônicos E fantasiosos E conquistar todos os primeiros amores Que se escondem nas brumas do erro Ah... se possível dizer “sim Eu te amo” dizer que tolos São os [ilegível] e os que pensam Que pensam e enganam as mais Puras das mulheres
137
[Quando desejo e amor]
Quando desejo e amor São separados Por lâminas de estúpida razão Quando o gesto espontâneo É interrompido Por (estranhos cálculos) Charco Pântano
138
[Eu olhei as castanheiras]
Eu olhei as castanheiras E os prédios (Pensei tanta coisa) Olhei essas paredes manchadas Papéis, livros, calendário O frio e banal punhal Do amor perdido Me transpassa (Tento chorar, Não consigo) (Esboço um grito, Solidão, solidão) Dói.
139
[São elas]
São elas São belas São delas Bailam No gasto Teatro da vida Atraindo Meus olhos Faunos São lindas Tê-las sonho
140
[Vago ser]
Vago ser Cansado De se procurar Ser difuso N達o-ser, Meio-ser Angustiado Por n達o se tocar N達o se namorar E n達o namorar O outro A outra O mundo
141
[AngĂşstia]
AngĂşstia De falta de coisas Pequenas Que parecem grandes Ou coisas grandes Que parecem pequenas E vice-versa: Meu carro na oficina Ela Em outro lugar
143
Difonia
Desfeliz Extremamente desfeliz Sonhos se desfazem Desisto, desmaio Nego-me (A ir A ser) Não sou Caminho Em direção ao sonho De verdes plantas Belas plantas Insisto, digo sim Vou Sou Espero
144
[Sou poeta?]
Sou poeta? De fato faço isso? O belo em palavras A arte da palavra Ideologia Palavra é ideológica Então falo de mim De minha aventura Inseparável da aventura De ser, de ser
145
[Encadear]
Encadear Palavra a palavra Buscando o belo O belo na forma O belo no conteúdo Forma e conteúdo Inseparáveis Montanha, árvore, rio Água cristalina: Natureza As pessoas: A natureza de dentro Referencial
146
[Realidade esgarçada]
Realidade esgarçada Limites transpostos: (Em busca do ser Retorno avante) De ser Experiência – eu Experiência – você Experiência – eu-você – Desencontro marcado: noite do álcool Cerveja, vinho MULHER (teu nome és mulher) Cansaço
147
[As roupas espalhadas]
As roupas Espalhadas Sobre cama Cadeira, cabides A cama desfeita Nos armários Confusão De calças Emboladas com camisas E cuecas Me sento à mesa Registro essas coisas O caos Arrasado Arrasado
149
[Ver-te]
Ver-te Verde Rever-te AngĂşstia Grito interno De somente verde Ver-te Rever-te De somente verde De somente ver-te Rever-te
150
[Kilimandjaro]
Kilimandjaro Eterna neve No alto Ă frica Selvagem Animais em constante luta O homem ferido
151
[A máquina decrépita]
A máquina decrépita Passeia pelos corredores Solta palavras Pelo alto-falante Palavras incompletas Carregadas do fel da vida A máquina decrépita Com seus sensores quebrados Passeia pelos corredores Procura pelos cantos Palavras inteiras Infinitas palavras vivas
152
[Dizer isto?]
Dizer isto? Dizer isto: Fingir TambĂŠm: Cantar Dizer do jardim Dizer do ser Dizer dos seres Humanos A forma de dizer A forma de fingir Ser elegante
153
[No inverno]
No inverno Ouço o “hit” do verão Digo a “A” O que deveria dizer a “B” Digo a “B” O que deveria dizer a “A” (E assim o ciclo se fecha A porta se fecha, Estou só) Estou só Tento gritar Tento amar Dor Dor Sexo Amor Vida
154
[Não, não]
Não, não, Que não termine o sonho, A saga, a epopeia, Não em vão termine A capacidade métrica De perfumes, flores – Flores fêmeas – Não inutilmente Que não termine A capacidade métrica Ou até milimétrica De ver o outro De ver a mim, Sim, não termine Quero ainda Ver a moça
155
De doces lábios. (Se possível é, Quero; Não quero Me auto-flagelar)
156
[Não exagere]
Não exagere. Enxergue, Enxágue, Enxugue, Gire, Exagere. Não queira ter. Queira ser, Tenha querer. Nada. Tudo. Sim, Não. Opte. Coopte Coopere Opere
157
Mexa Opte. Não calcule. Cure, Lute, Impute, Chute, Calcule. Qualquer coisa, Coisa pouca, Muito. Não, Sim. Escolha. Pop Ou Op É Pobre Ou Ótimo
158
[Sem vocĂŞ]
Sem vocĂŞ Nessa noite De dor Catarse infantil Pueril Arlequinal
159
[O alimento das coisas]
O alimento das coisas – Da natureza e das coisas belas O mar Os barcos Plantas Ilhas Movimento puro Oxigênio à tarde Oxigênio parcial Casa Água fria Pão Cadeia & conforto
161
[Naquele dia]
Naquele dia No bar Eu pensei Ao vĂŞ-la: Hoje eu vi a mulher Mais bonita do planeta
162
[Erro sobre erro]
Erro sobre erro Nunca a total paz No caos Espero
163
[Setembro]
Setembro Quase primavera Inverno quente (Sol, pássaros) Que significa Esse tempo? Essa espera De uma primavera? Já tarda E quero (Porém: Que seja total Mesmo que Em parte)
165
Porque jรก tarda Demais Longo inverno Sombrio vale Lanรงar-me Do amor Sexo Vida
166
[É além-mar]
É além-mar O segredo O tesouro É detrás do monte Atravessada a floresta É Aqui
167
[Se alguém ela]
Se alguém ela Tecendo junto Com Alguém eu A mesma história Tecendo Entrelaçando Palavras Olhares Corpos Corpos No entanto Eu só Sem mim Buscando Minhas palavras
168
(Que seja calmo – Como mergulho Em enseada – A busca E o encontro) Palavras Somente minhas Procuro ouro Procuro água Procuro traços duros De encontro a frágeis (Pernas de égua Mãos de deusa Olhos de mulher)
169
[– Poema / me busco]
– poema me busco me pergunto – fragmentos tudo vai mal arrasada cidade sinais quebrados sem direção – poema espero ofegante falido falido torto
170
[Por que te ver]
por que te ver se só me trouxe dor você em sua extrema beleza extrema elegância e simplicidade na rua
171
Angústia e lamento para um gordo solitário
Era uma dor enorme Como uma catarata Era uma dor Os últimos cigarros (Belos cigarros) Haviam ido Embora Para sempre Com suas músicas E restou em mim A dor de não-ela Enorme dor Como uma bomba de [ilegível] Como uma bomba de plutônio E a dor de não-ela Me rasgava Como se rasgam carnes
172
E não havia o que fazer – Angústia e lamento
173
[Ouço sons de datura]
Ouço sons de datura Marcas de vento em areia Vejo Movimento de água Água fria, água dura Água pesada e água leve Não entendo Não entenda Se são sons ou signos Não tente entender o que dizem Os peixes verdes Ou os animaizinhos azuis Que saltam na relva Ou passam por entre fios de seda azul Azul azul Azul Até cansar Azul forte
174
Fraco, intenso, cerĂşleo MarĂtimo Mas entenda Os sons Da Datura Entenda o que dizem Os peixes verdes
175
[Quem me trará notícias de você]
Quem me trará notícias de você Se ainda posso ouvi-las Quem me trará notícias de você Mensageiros sem asas e sem sorrisos Ou os de olhos férteis? Desculpe, Mas ainda penso em você Apesar de tudo que fiz E de tudo que não fiz Quem me trará notícias de você? Senão esses
[poema inacabado?]
176
[O cobertor vermelho]
O cobertor vermelho O lençol azul Dobrados A clara manhã se espalhando no lençol branco Sonhos se fragmentam Se desprendem da cama Como neblina Pairam no quarto E saem pela janela É dia
177
[o que sou?]
O que sou? O que soa Neste espaço, Neste éter, Interior? Nada me responde. Ante o terror Do silêncio Me despedaço Ante os olhos
178
[Sintetizar]
Sintetizar Em palavras O possível ser No turbilhão De potencial E contrapotencial Ser Sem pieguice Dizer:
há o tempo há um lugar
Com palavras que reflitam O que permanece
179
[Pobre vida]
Pobre vida Paupérrima Erros Falhas e erros Dor Doença Ausência Pobre de ti e de tu Paupérrima vida Cansado, Repouso no que resta, Olho para a luz Real (É Cristo quem Nos justifica]
180
[Ao longe / na campina]
Ao longe Na campina Há um trem Que vai e vai Sentado na pedra do rei Observo esse trem Com olhos embaciados De mágoa incerta E lá se vai e vai Toda amizade e todo amor E tudo que é ir e olhar Com mãos hábeis que se tocam Em contínuo prazer de se tocar Fracassei em todas as instâncias Meu nome rola como lixo Nos mais sórdidos botequins
181
Tateio o ar Em busca do pรกssaro real Com algo que ainda quer Escondido na manga Ou no pulmรฃo Desesperadamente quer
182
Amargo despertar
Por um lado
Por outro lado,
Acordo tonto
Espero
Tropeçando em sonhos Escovo os dentes Tomo café, cigarro E perplexo ouço Os mesmos sons
183
[Sonâmbulo]
Sonâmbulo Crepúsculo Tempo Tempo Ósculo Patíbulo Palco [?] Gladíolo Gladiador Fero Fera O que sou-ser O que sou especial Em meu jeito de ser (Doa-me a quem me doer)
184
No entanto dor Profunda dor Lamento oceânico Navego ferido Recifes e arrecifes [ilegĂvel] Navego
185
[Cada vez mais distante]
Cada vez mais distante A estrada do sul As salinas / o amor solar (Vento frio: moinho de vento) Cada vez mais distante O elo Entre eu e mim (Espaรงo onde me toco Com absoluto carinho) Cada vez mais distante A pequena viagem Minha pequena viagem (Lugar de descanso De cansaรงo e descanso) (Novas imagens Refletidas nos olhos Rever Amigos queridos
186
Rever A mim mesmo Elegantemente ser O possĂvel ser Positivamente ser)
187
[Cansativo fluxo]
Cansativo fluxo E refluxo Das massas de existência Desgastante ir E vir Terminar E começar Até o cansaço O silêncio
189
[Não lembres]
Não lembres: Você choraria Não te lembres jamais: Você choraria?
190
[Por que não você?
Por que não você? Tão matinal No sol e lábios. Tocar-te Com minhas palavras Trocarmos Nossos quereres Desejares (Ah, palavra Terrível: amarmo-nos) Você Em sua adolescência Fresca [ilegível] De descobrir a vida Por que não você?
191
[Perder-te a ti]
Perder-te a ti Dor de mil uivos Dor de lobo louco Perder-te a ti, Flor de outono Perder o outono Esses seus olhos secos de vida Perder sempre Coisas do aqui-agora – Dor acumulada Perdê-la. Perda real Ou não Realidade, fantasia No dia-a-dia.
192
Me confundo. O que é? Querer sonhar Querer o possível Simplesmente Somente O possível. O factível. Viver Psico-ser Empatia?
193
[Elos quebrados]
Elos quebrados Eles distantes Peça de metal Vagando no espaço (Contato de amor é ser Porque amar é ser)
194
[Algo em sua letra que me agrada]
Algo em sua letra que me agrada. Cumplicidade? Esse seu olhar esquivo que se encontra Com meu olhar furtivo Oh cumplicidade? Amor Essa coisa que nasce nos jardins internos das [metrĂłpoles Esse seu compenetrado olhar sobre mim me amando Oh delĂrio vago de Vagostesyl Love Love Love
195
SEGUNDO SEGMENTO: Poemas terceiros
Primeira parte: Alma
[Sou outra รกrvore]
Sou outra รกrvore Ou quero ser Tenho outros frutos Ou quero ter Sou outro animal (A correr) Em desertos vermelhos Sou assim, Sou eu, Nรฃo outro Sou assim, Aproximadamente eu Apaixonadamente eu
199
Sou assim (Eu) Limitado a mim Infinito e livre Porque toco o céu (Tão azul céu de primavera)
200
[Mastigo a branca flor da noite]
Mastigo a branca flor da noite com meus dentes com minha boca Sinto um gosto agradรกvel um certo รกcido que pouco dura Logo tudo volta ao anormal
201
[Hoje / nesta madrugada]
Hoje nesta madrugada neste momento que não é quase momento que é apenas o depois do ontem e o antes do amanhã Hoje não há poesia Há meta-poesia As palavras estão ocultas em algum baú do tempo e do espaço Falo então estas palavras, este paradoxo: Não tenho palavras
202
[Há plantas na janela da cozinha]
Há plantas na janela da cozinha gostaria de chamá-las de tílias mas não sei se são tílias! Há plantas na janela da cozinha e o luar de lua cheia projeta suas formas/sombras no mármore do chão E as sombras vão avançando suavemente pelo mármore da cozinha com o movimento da lua cheia É tão suave
203
Love or confusion
Seu olhar violento me chamando ao amor-eros
204
Poema doudo
Oh insônia Oh silêncio periférico de tantas coisas Oh ausência Prelúdio fixo Palavras tortas soltas ao vento vento torto Oh reflexo da noite subestimando paralelos silêncios Oh paralelidade do tempo (Do tempo, do tempo, do tempo) Oh tempo que ecoas entre paredes de azaléias turvas Oh azaléias brancas no Outono participante do congresso interfacial Oh palavras doudas Oh poema doudo! (Contido...)
205
menta na boca menta no rosto escovar os dentes fazer a barba Ah!... Os pequenos prazeres da vida...
206
Poema doudo II
pensei em moscas mortas embalsamadas pensei nos nadas das janelas antigas depois de palavras antigas pensei em percorrer labirintos voláteis psicanalíticos pensei enfim em turvas gaivotas lembrando lembanças que geram lembranças que geram lembranças ad finitum
207
Poema doudo III
Oh tremas inconstantes de violentos exteriores que lutam, lutam, contra as palavras, contra a seiva Oh absurdos trens infantis paralelizados multifacetados multiplicados em facetas finitas Oh multifacetados aviões coloridos têxteis de tantos thânatos eróticos Oh onde ser o ser tanto que flua até o refluxo normal onde estarás ó girafa de relógios derretidos (dalinianos)
208
[As massas de existência]
as massas de existência invadem meu coração minha mente rápidas me enchem me esvaziam vão e vêm efeito do álcool
209
[Nada / madrugada]
nada madrugada apatia madrugada vazia
cĂŁes distantes latem um ou outro automĂłvel solidez do tempo tempo escuro tempo estĂŠril madrugada nada madrugada vazia tĂŠdio
210
[Ando / desando / tresando]
ando desando tresando no curto espaço do meu quarto horas e desoras madrugada estéril noite da noite longa escuridão (longa... longa escuridão) espero, no entanto o amanhecer (e quanto o espero!)
211
e a cada noite repito o rito ritual espero no entanto o amanhecer
212
Miscturo
Monturo tacape tlon tapa me topas tropas me tripas Nlua-noa tati cotia tรกs tati catua ti tacope copas Noa-broa fabinha mintas baruro borora bata batatil baquetaborda abordabaque finistura
213
tĂŠrio mis mi me medrigo
214
[Impossibilidade / que crio em mim]
Impossibilidade que crio em mim Represa de tempo a vagar na noite Qual lua que não tivesse rumo Que crio em mim, quando penso tanto? Não me deixo ser
(Não me deixo pensar
de tanto pensar.
de tanto pensar.)
Impossível ser (No entanto, Sou) Sou eu.
215
Viajo da raiz às folhas qual seiva E me transformo. Energia em matéria, luz em verde. Tonto, tonto, sou. Sou o que quase não sou. Impelido, impedido por álcoois. Nos portais da noite (Lua minguante ou nova, quentíssimo verão) Espero
216
Perguntas (pequeno poema de amor)
Te Ti Tigo Te amo? Me Mim Migo Me amas?
217
Segunda parte: O romance de Villemond e Alice
O romance de Villemond e Alice ou:1982 ou: poema relativo
1 o que dizer de villemond com seu automรณvel verde e seus cabelos castanhos quando passeia veloz pelos bosques andaluzes? o que dizer de Alice com seus vestidos lilases e seus lรกbios sorridentes quando faz compras na praรงa da catedral? diria que ambos tocam trombone na orquestra municipal 2 que dizer de villemond com seus cabelos verdes
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e seus olhos caóticos a medir o espaço do tempo? direi que é triste e procura horas vermelhas no relógio do edifício central que dizer de Alice com seu vestido rubro pronunciando canções enquanto colhe aspidistras? direi que é bela e sufoca risos na feira do mercado ao sol matinal (e, velho como o mundo o poeta e seus alfarrábios não vale sequer um níquel quanto mais prauta muito menos oiro)
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3 villemond com seus sapatos marrons suas nuvens azuis seus líquidos verdes alice com seus microscópios suas bactérias seus plânctons seus laboratórios a olhar a lua de brinquedo crescendo por trás do cais entre neblinas alcalinas villemond com seus insetos javaneses (que cantam raggaes, cantam almas nas tardes de verão à beira do grande e generoso rio) alice com suas bonecas
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de olhar triste e corpo de flores exóticas são belos e nas noites de verão tomam chá do Ceilão 4 villemond com seus tacos de golfe seus campos de morfina suas esferográficas seus pigmentos alice com suas pizzas inclinadas seus castelos de chocolate amargo tão belos! comem flores comem prótons nas noites de terça-feira
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5 villemond joga críquete alice faz tricô 6 villemond com seu alaúde sem cordas seu telefone sem fio suas micro-ondas seus satélites artesanais levados pelo vento solar ao espaço do espaço alice com seus vulcões extintos seus grandes olhos quero dizer: seus óleos de fígado de bacalhau suas anemias suas afasias anemias afasias aneurismas, cólicas, lumbagos, hepatites,
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icterícia mal de Parkinson, oh, o amor, oh, o amor! a paixão 7 às vezes villemond finge propõe enigmas às vezes na cidade de nova iorque alice dança 8 villemond morreu de gripe vírus y-17 no deserto de kalahari alice nas antilhas um tufão a levou
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alice, villemond ele, ela lúcio, lúcia lúdicos, lúcidos estátuas de cera sorridentes felizes num museu da velha inglaterra
Vitória, 05/07/82
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Terceira parte: Poemas terceiros
I procuro por minhas palavras minha maneira de dizer amor, ódio, água, pedra, verão, inverno eu, limitado a mim, mas livre para dizer estas palavras. palavras que firam ou que toquem ou envolvam suavemente. mas palavras minhas. palavras também inteiras. (íntegras, verdadeiras, mas não tanto que me destruam.
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pois o homem tem seu limite, sua capacidade de suportar a verdade.) (onde as deixei? em que recanto obscuro?) II este preâmbulo, estas primeiras palavras. olho para você fingindo não te ver pensando que III penso nesse frio ácido – outono que me levou as vírgulas os pontos
as aspas
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que me desarticulou as frases e as palavras IV sonâmbulo crepúsculo tempo templo ósculo patíbulo palco V outono montanha crisálidas névoas
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VI sol olhos negros solidĂŁo VII frio de outono abro a geladeira (frio, frio, frio!) ĂĄgua e frutas carnes VIII peixes sobre a mesa. Peixes prateados, peixes frios, peixes mortos. A mulher e seus instrumentos:
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facas, colheres, garfos. Pensamentos, vozes ácidas. Inverno, céu azul, azulejos limpos, azulejos brancos. IX a mar, alguns dizem. feminino. talvez por ser grande e inexplicável. o sal na pele, os pés na areia úmida, dura, os navios, a bruma.
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X
Tristes trópicos pronunciando aquela palavra senti toda a milenar tristeza feita de sol de grossas e lisas folhas verdes dos rios pardos da finitude da vida enganada em jogos de guerra, caça, procriação tristeza de rede à sombra etc tristes tristes homens nós que vivemos nus no e abaixo do equador
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XI
1972 sou o verde no vermelho sou a rosa no chapÊu sou o filho das florestas das abelhas sou o mel no espaço sou o tempo nas escolas o recreio sou do brasil despatriado sou o CARETA ALUCINADO no gato eu sou o pulo da chuva eu sou a queda da farinha sou o polvilho sou o ELEMENTO desintegrado se o vento me leva se uma onda me joga sou feliz porque sou o MOVIMENTO e se agora tu me chamas pra comer flores cheirosas
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sou o prato preferido das baratas elegantes se tu me queres sejas também de tuas pernas teu andar de tua boca teu falar pois do fogo sou o calor e da guerra sou a paz eu sou o filho da floresta querido de iaiá e se eu corro mais depressa que o sol já se escondeu tudo passa mais ainda porque eu te espero eu te espero XII 4 quatro olhos me olham quatro olhares absurdos dos quatro cantos do mundo
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XIII so white a moon in the dark sky in the shape of a boat so white a moon sailing in the dark sky sailing in the shades of the Earth too sad a moon sailing in the dark of the sky so white an autumn moon swallowed by the dark autumn night clouds
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XIV Na máquina havia um mistério ou dois Uma ou duas lâmpadas se apagaram e talvez nesse momento alguém chorasse. Talvez os mistérios fossem de metal (certamente seriam). E talvez isso explicasse a ponte inacabada, as luzes brancas, amarelas. Uma ilha esdrúxula perdida num tempo paralelo de vegetais raros num espaço finito pétreo e talvez plúmbeo
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Sem metĂĄfora: Ela me disse no telefonema internacional que todos os dias sĂŁo iguais. XV medo medo medo o medo sempre entre a pessoa e a pessoa o vento o mar (e quando o 6 se torna 9, espero)
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a tatuagem do vento – no rosto a massagem do mar - mensagem de sal – no corpo passam pelo tatear a pessoa XVI
Viagem de guaraná em pó (Poema moderno) não aguentei a solidão liguei o rádio do volkswagen XVII Sem ilusões: a vida, às vezes, é inóspita. Brutalmente inóspita.
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cabelos
XVIII
Psi I menina, tudo vai mal, bem. já não sou, ou sou quando digo: não sou XIX
Psi II falta a mim algo talvez a consciência de que falta a mim algo e a capacidade de ser assim (falto de algo)
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(e assim ser inteiro) XX Pra que tentar medir, pesar, cheirar tanto assim o tempo, se ele flui incógnito por caminhos secretos? se ele é pássaro de vapor azul (*) que não se pode pegar? (*) ou será verde o tempo? XXI as palavras são música na medida em que correm atrás do tempo tentando contê-lo decifrá-lo percorrê-lo do princípio ao fim
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mas o tempo misterioso se desvia quando falo quando escrevo as palavras apenas percorrem inutilmente o labirinto do tempo XXII
Viagem Meus olhos estão repletos de alegrias tenras, meu coração cheio de conhecimento de sóis, de gaivotas, e de muitos mares. Meus olhos viram a luta do homem novo. O admirável homem novo em busca do prazer.
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Por entre frestas de portas entreabertas na natureza de nuvens ou céus azuis, meus olhos viram chuvas, meu coração trovões. Meus olhos viram barcos chegando cheios de peixes e partindo iluminados na noite. Meus dentes brilharam da alegria dos peixes e amigos cordiais. XXIII os pássaros vão embora o céu se encobre de nuvens brancas um boeing 727 sobrevoa a cidade sol posto barcos vermelhos, azuis, verdes sobre o braço de mar e várias cores eram refletidas
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nas águas eu eu sobre a ponte extasiado e por trás de mim automóveis de todas as marcas XXIV
Por quem chora a júlia Se a Júlia chora, ela não o faz por uma causa isolada, nem pessoa. Pois estamos juntos, somos todos um grande continente. Ninguém é uma ilha, e a Júlia chora por ti
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XXV
Detalhe de “O jardim das delícias” de Bosch ?Que as mesmas lesmas fósseis? ?Que os mesmos zoológicos? Não sei, mas os ornitorrincos azuis se desfazem em peixes em algum céu verde cavalgados pelos alfaiates e pelos escrivães XXVI Um fio é verde, o outro é vermelho. Duas coisas. Duas coisas proibidas ao bicho homem: o reino das águas, e o reino dos ares. Eu disse: um fio é verde, o outro é vermelho.
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Dois mistérios: os pássaros, e os peixes. Lá dentro é assim, um fio é verde, o outro é vermelho. É assim que tudo funciona, com esses dois fios. Um fio é verde o outro vermelho. Um filho é mudo o outro é surdo: são assim os filhos do português. Por isso ninguém ouve mais os gritos desesperados da última flor do Lácio. Uma flor é verde, a outra é vermelha. Uma está no vaso, e vai murchar. A outra eu dei pra ela, e ela vai sorrir. Uma lágrima é vermelha, a outra é verde.
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Porque lá dentro tudo é assim, é assim que funciona no corpo a máquina da tristeza. Por que choro, não sei. Talvez saudade de alguém que nunca conheci. Talvez a presença de alguém que conheço por demais. Um peixe é verde, o outro é vermelho. Um come algas, o outro não, come gente. Um pássaro é verde, o outro é vermelho. Um voa pro sertão, o outro pro oeste, para as montanhas. Um olho é verde, o outro é vermelho. Com um vejo coisas que nunca acontecerão. Com outro vejo coisas que nunca aconteceram. Uma luz é verde, a outra é vermelha.
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E piscam, piscam, pois são estrelas e estão no céu. Um homenzinho é verde, o outro é vermelho. Um é marciano, o outro é comunista. Um cavalo é verde, o outro é vermelho. E corre mais aquele que chega primeiro. Um mistério é verde, o outro é vermelho. Assim são os mistérios das cores. XXVII
Fuga integral desintegração desagregação
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degradação degredo, segredo desinformação deformação defloração deserção deserto solidão sólida deserto de gelo destruição de peças de partes e do todo e de todos os tércios os terços destruição de todos os quartos e todos quietos da quietude das praças de soldados de sólidos soldados sólidos, soldados laminados
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inanimados desanimados orniex, 20/14/69 soluço térmico térmites e cupins intermináveis terminais ma rítimos sonho de gelo & sonho degelo peso líquido: 40 g XXVIII Chove. Sei disso porque ouço o ruído das gotas batendo no cimento (Lá fora). Logo a chuva cessa. Não ouço mais o ruído das gotas
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batendo no cimento (Lá fora). XXIX quando a vi, em sua ferina-absurda-beleza, algo em mim gritou, alucinada dor. Gritou assim, em inglês, porque em inglês havia uma aliteração ou algo parecido: why you here and now here and NO?
algo conciso, sintético, talvez não original, mas como uma compacta e potente bomba que implodisse meu coração – pulmão, etc. e nem assim suficiente para exprimir ou aplacar a perplexidade e a dor.
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XXX dói em mim a sua ausência a tua ausência a vossa ausência que sejam os pássaros no céu as palavras com que digo essa coisa que é você não aqui não agora mulher XXXI pequenos sapatos pretos esquecidos para sempre na mesa do bar à beira da praia
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XXXII
Secreto Ah, como te amar naquele momento, se naquele momento te amar era não, não, nada – completo silêncio? E se tudo ou quase tudo em mim dizia sim, sim, você, você, e gritava seu nome? Se meus olhos buscavam os seus com a avidez dos insensatos, dos bêbados? XXXIII de repente me perco em você num jardim inconsequente me perco numa rua sem fim sem princípio sem meio sem mim
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XXXIV Moinho de vento gira na madrugada, enquanto espero a minha amada. Ela mora no castelo do vento Norte, que a despenteia, gira o moinho, e me desnorteia. XXXV Gosto de você assim cansada pálida frágil doce. Porque, então, posso te afagar o cabelo castanho E te dizer uma bobagem qualquer.
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XXXVI teu sorriso me espanta e me seduz teu sorriso me faz sonhar sonhar com teu sorriso XXXVII flores se colhem com dedos sábios flores se colhem com extremo cuidado entre um silêncio e outro elas brotam entre dedos sábios
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depois se guardam em frios, em gelos depois então se ofertam a ti XXXVIII e agora, amor, quando as folhas lívidas de nossos prantos se esvaem em sólidos corpos mimetizados e em moléculas azuis de flúor digamos que e onde E NADA E QUANDO por perplexos que sejamos em nossos tristes e peremptórios circunflexos estejamos sóbrios SOMOS e tu nós vós e nossas vozes carregadas de esses e eles e odes
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e nossos odres de algo ou água ou algas incrustados em nossas memórias fixas de ser e ser sempre ser, cada vez mais como sempre XXXIX Finjo te amar, para fazer este poema. Finjo fazer este poema, para te amar. XL Flor é para você o que for cor. Cálices de silêncio vegetal. Para você: lilases, púrpuras. Cor é para você o que flor for.
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Cálices de verde sustentando a oferta de pétalas. (para você o meu silêncio) Para você, o meu mistério, as minhas palavras. XLI
Contato O teu silêncio é o meu silêncio. Esses seus olhos que olham o finito através de escuras lentes: sua voz telefônica agora em silêncio. Seu silêncio agora. O espaço, o espaço. No espaço,
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a verdade: nosso silêncio. O seu não-sorriso, a sua fisionomia, o seu movimento, sua fotografia. E o meu desespero. O meu desespero: o silêncio: nossa verdade. XLII cumplicidade? esse seu olhar esquivo que se encontra com o meu olhar furtivo: cumplicidade. ou então essa coisa que nasce nos jardins internos
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XLIII
Primavera / verão – versão I é verão? não. é brincadeira do tempo. é saudade, saúde. é seu, é meu sonho. e quero você comigo. é verão? não. é brincadeira, é tropeço. é extravio da memória. é o tempo perdido nos labirintos das estações ferroviárias. verão? não ainda. primeiro ver é primavera e queira um vento perto.
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um aperto, um abraço perdido no espaço de nossas mentes. é primavera e quero um arrepio na dorsal coluna. nos ossos uma dor de entrelaçamento total, de total estrela no céu. XLIV
Primavera / verão – versão II não ainda é verão não é a primeira vez é primavera, e quero dispersar meu pensamento no vento diluir seus cabelos finos e não é a primeira vez
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uma partícula de mim que parte soluço aperto em sonho teu nome é verão não ainda primeiro ver primavera é primavera e queira um vento perto um aperto, um abraço um arrepio na coluna dorsal nos ossos uma dor de um brilho intenso de estrela no céu é verão não é brincadeira do tempo é saudade e sonho e quero você comigo é verão não. é brincadeira, é tropeço
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é extravio da memória é tempo perdido nos labirintos das estações XLV
Delicada espera 1 INSPIRAÇÃO Conversávamos, eu e mim. Falávamos de nós. Tentávamos, eu e mim, resgatar o passado. O pássaro verde por instantes pousou entre nós. 2 TRANSPIRAÇÃO Tentávamos trazer à tona o velho navio
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- submerso navio em mar escuro. Por instantes pousou entre nรณs o pรกssaro verde. Me angustia pensar que nรฃo mais o veja sobrevoando os bosques 3 O POEMA Cuidadosamente armamos, armadilhamos o pรกssaro verde. Por instantes pousou. E nos perguntamos angustiados se sim o prendemos, ou se fugiu.
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E se sim fugiu, se para onde, se para sempre. XLVI Hรก sempre beija-flores nos hibiscos da casa da esquina, desde que seja outono. Desde que seja outono, hรก sempre hibiscos na casa dos beija-flores, a da esquina. Na casa da esquina hรก sempre beija-flores no outono, desde que haja hibiscos. E desde que haja hibiscos, beija-flores,
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esquinas, casas, sou feliz por um momento. XLVII Afinal nĂŁo houve a corrida dos cavalos ingleses, nem a colheita de morangos na Baviera, nem o concerto de Liszt na praia do sul. Nem o grande e verdadeiro amor salino. (e a mulher loura permanece sentada, em seu vestido de renda branca, a tecer a histĂłria dos reis loucos).
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TERCEIRO SEGMENTO: Século
[O céu noite]
o céu noite escuro, denso ternamente se suaviza em pálida luz (anúncio do dia) e que pássaro é este que corrobora esta luz em doces e curtos cânticos e ainda: anuncia alegria e eterna manhã?
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[Impossível voltar]
impossível voltar ao momento da luminosidade àquele momento em que o pequeno poema de neruda era branca nuvem espessa e aguda lâmina (conciso sintético total na manhã total para o dia)
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[A meia-lua]
a meia-lua sobressaindo em nuvens de outono os pássaros voando em formação delta em direção ao norte
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[A lua / ao lado esquerdo do poste]
a lua ao lado esquerdo do poste retilíneo talvez significasse algo mas não digo a lua ao lado direito da castanheira de suave dança de folhas talvez significasse algo obscuro a lua quase desaparecendo por trás de nuvens ralas talvez significasse algo mas não sei
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(a bela moça passa ao largo bela em seu jeans) observo e caminho em minhas solidþes
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[Amor contínuo]
amor contínuo retilíneo e incessante ante curvos turvos olhos olhares nossos ossos em azul de tão remota morte amor contínuo retilíneo e incessante ante rebanho de avestruzes quero dizer: de bandos de pássaros mentais voando para além das margens até que repleto de vazios descanso
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Poema bilíngue
so much sorrow provando penetrante dor pergunto if e paro o resto é mistério and i don’t touch greenleaves i heard um dia várias tardes de calor e laziness (o those days hidden no distante broken passado obscure o those dias em que lorene ou licinha a mulher era tudo and so so much distante) e havia um violinista negro colored person que vivia de sonhos sonhos oitocentistas o how dói the pain the sorrow and eu me curvo ante o mistério
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houve erros brutais houve falhas enormes (talvez tarde para corrigir os erros talvez tarde para reparar as falhas) certas coisas doem (algumas doem muito muito) hoje canto e danรงo
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[Verão / ainda verão]
verão ainda verão está quente incômodo ainda verão? meus olhos teus olhos minha pele tua pele o calor? verão ainda verão? nossos olhares no âmago do ímago a imagem de âmbar de nossos rostos tão tão (verão?)
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verão ainda verão? nossos olhares nativos, notívagos vagueantes em busca um do outro da outra? verão? ainda verão? outono
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[No entanto eu aqui]
no entanto eu aqui sem ela – quem e algo dentro de mim se torce que será? que será que eu queria dizer o que está escondido por trás de minhas palavras (ou melhor: sua continuidade no mundo interior de mim enquanto...)
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[Quis te despertar]
quis te despertar com lírios roçando tuas faces sonando suaves sonidos infantis quis te despertar sem romper teu sonho mais belo sem romper a ternura, o afeto quis te despertar com hálito de hortelã ou menta mas eu estava distante mas eu é que dormia e queria que a brisa da manhã me despertasse e me levasse a bem perto de ti
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[Dócil fóssil]
dócil fóssil relapso rapaz capaz enquanto encanto ou quando me encontro em frágeis ágeis contos oh infantil poema que sem tema fala de si fala de mim
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[E esboço em ensaio]
e esboço em ensaio de muitas outras esperadas palavras um epílogo que não seja fim (que seja vírgula na sequência de tantos dias) e digo: hoje escrevo de cansaço, laços que enleiam tufos verdes de gramíneos pensamentos logo dispersos aos ventos
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[Dia / sol reinante]
dia sol reinante sucessos e insucessos sucessos e insucessos sucedem sucedem-se sem sucedâneo
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[Bebo café]
bebo café forte, fresco na noite de inverno (pausa) bebo mais café forte, quente na noite de inverno
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[Não estava nos meus planos]
não estava nos meus planos te perder (a delícia de teu olhar a promessa de teus beijos) daí ter ficado este vazio essa coisa estranha como uma cinza nuvem de inverno (e não sei se você é substituível)
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[Na extremidade da palavra]
na extremidade da palavra antes que forma e conteĂşdo se dissociem escrevo a e, depois, amor (que pode rimar com o que for, desde que seja palavra e a rima seja de exterior e, tambĂŠm, de interior)
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[Invento uma manhã de primavera]
invento uma manhã de primavera tudo é novidade (mesmo as antiguidades) mesmo os mesmos prédios mesmo os mesmos ruídos mesmo as mesmas nuvens tudo é novidade (porque a manhã de primavera me penetra nos cinco sentidos me inventa e me faz novo mesmo no que sou antigo)
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[Imagens]
flor floresta o que resta * mudo nada mudo mudo sรณ quando tudo * escravo escrevo livro livre * rastro de estrelas poeira brilhante no asfalto noite de outro outono
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* enquanto espero o café * jasmins síntese da noite * alto verão (ventilador ligado) ruídos diversos silencio * as ondas do mar envolviam as rochas quase encobrindo-as em espuma branca o resto era o negro da noite * quartzo no céu noite estrela
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* torvelinho de rios em profusão entrecruzando-se até lançarem-se em profundo mar * nuvens lunares estranha luz lhes atravessa pequena estrela ao lado (bem no alto de minha janela) * vento movendo a rígida palma estranha tristeza * moinhos cessam seu girar na fantasia encontro o real certamente as águas límpidas fluem *
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Natureza morta
no pequeno armário mamões e bananas na geladeira laranjas * sai vapor do café na xícara (madrugada) * na palma de minhas mãos surgem flores flores, sóis, luas cultivo-os * mesmo a brisa do ventilador já desperta em mim o sonhador
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* depois do cansaço em descanso me desfaço * fim de primavera, noite, chove as luzes dos postes e as dos automóveis se refletem no asfalto molhado * nada mais exato que desatar o ato que trava a treva numa espécie de trova ***
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tĂŠrcio ribeiro de moraes