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6 • Brasília, domingo, 6 de março de 2016 • CORREIO BRAZILIENSE
AO MESMO PASSO QUE ABRIU AS POSSIBILIDADES DE EXPRESSÃO, A INTERNET CRIOU ESPAÇOS DE MANIFESTAÇÕES AGRESSIVAS E, POR VEZES, PRECONCEITUOSAS. COMO ENCONTRAR O PONTO DE EQUILÍBRIO DESSA EQUAÇÃO?
ENTRE A LIBERDADE E A INTOLERÂNCIA Breno Fortes/CB/D.A Press
s mesmas tecnologias que permitiram a quebra dos muros entre interlocutores em diferentes níveis hierárquicos facilitaram, por meio da criação de um espaço de interação mais aberto e com maior alcance, a disseminação e a troca de ofensas em rede. Entre 2006 e 2015, a organização não governamental SaferNet Brasil processou mais de 3,7 milhões de denúncias anônimas sobre conteúdos que se enquadram nos mais diversos crimes cibernéticos. Apesar de a pornografia infantil liderar o ranking, várias manifestações de intolerância também entram no balanço (veja quadro). Em sua fala na abertura do seminário Dialogar para Liderar, o ministro da Comunicação Social, Edinho Silva, afirmou, inclusive, que o Brasil está vivendo o pior momento de intolerância da sua história. “A intolerância política esta se reproduzindo para as demais esferas da sociedade: religiosa, de gênero, racial”, avaliou. A situação atual mostra que existem dois extremos. Por um lado, a internet oferece um espaço público de livre expressão que democratiza a opinião, mas, por outro, isso contribui para que haja tensões nos debates. Essa é a análise da psicóloga Juliana Cunha, coordenadora psicossocial do HelpLine Brasil na SaferNet. “Vivemos numa época de radicalismo e de tantas outras manifestações de ódio”, acrescenta. Ela não acredita, no entanto, que a internet seja responsável por esse ambiente de intolerância que se criou. A rede funciona, na avaliação da especialista, como uma grande caixa de ressonância, que dá maior visibilidade às opiniões emitidas. Além disso, o fato de haver um dispositivo eletrônico mediando a interação das pessoas cria certas particularidades. Em alguns casos, é o usuário quem se beneficia do anonimato, mas mesmo os que se identificam tomam uma postura diferente por não estarem diante da censura do olhar do outro. A maneira adequada de agir, segundo a psicóloga, seria ter a noção de que uma opinião só é válida na medida em que respeita o direito e a dignidade dos demais interlocutores. “As pessoas acabam tomando as diferenças de opinião como questões de cunho pessoal. É como se para você divergir da ideia do outro precisasse ofendê-lo.”
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✓ Patricia Blanco faz parte do
Conselho Social de Comunicação do Congresso Nacional. É formada em relações públicas pela Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero, com pós-graduação em Marketing pela ESPM. Desde 1990, atua na área de comunicação e relações governamentais – planejamento estratégico, comunicação integrada, assessoria de imprensa e relações públicas.
✓ A psicóloga e psicanalista
Juliana Cunha é mestre em Cultura e Sociedade pela Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Na SaferNet, é a coordenadora psicossocial do HelpLine Brasil, o primeiro canal on-line de ajuda e orientação psicológica sobre o uso seguro e responsável da internet no Brasil, credenciado pelo Conselho Federal de Psicologia.
Para o ministro Edinho Silva, o Brasil vive o pior momento de intolerância política, que se estende para questões religiosas, raciais e de gênero Glória Flugel/Divulgação - 13/9/13
Patricia Blanco: redes sociais são como qualquer outro espaço público
Sem desculpas A presidente executiva do Instituto Palavra Aberta, Patricia Blanco, acredita que a sociedade passa, atualmente, por um processo de insatisfação geral, que é compreensível, mas que
não justifica a agressividade com que certas discussões são tratadas. “As redes sociais se mostraram um ambiente muito propício para dialogar, mas, nos últimos tempos, o que vimos é que ele foi substituído por um espaço de intolerância, de agressão verbal com
requintes de crueldade, em que você não pode divergir”, afirma. No entanto, Patricia é otimista com relação a perspectivas futuras. Para a executiva, a tendência é que se encontre um equilíbrio após ter-se chegado, como ela define, ao fundo do
poço dessa amargura que se tornaram as redes sociais. “Vinte e sete anos atrás, nós não tínhamos liberdade quase nenhuma para falar, e passamos a uma liberdade total, com todos os instrumentos e ferramentas para dizer o que quisermos”, analisa. Arquivo Pessoal
SENSAÇÃO DE IMPUNIDADE Lei Maria da Penha poderia abarcar a maioria dos casos, que normalmente envolvem mulheres expostas pelos companheiros ou pessoas do convívio familiar. “Acabam se enquadrando mais como crime contra honra, ofensa e difamação. Percebemos que as mulheres ficam numa situação de vulnerabilidade muito grande e sujeitas a novos episódios.” O Marco Civil da Internet, sancionado em abril de 2014, apesar de estar no âmbito civil, garante um direito importante, que é o de a vítima solicitar diretamente ao servidor a retirada de imagens compartilhadas sem consentimento. “Acho que a Justiça e as autoridades encaram esses crimes como de baixo potencial.
Cabe ter uma percepção de que são crimes graves, que merecem ser investigados”, ressalta.
Educação Mais importante do que essa mudança de percepção do poder público, porém, é a conscientização da população. Nesse sentido, Juliana acredita que a Lei Antibullying, aprovada em novembro do ano passado, pode contribuir. “A lei, por si só, não vai responder aos problemas da internet, mas lança umfeixe deluz, queéaconscientização por meio de campanhas nas escolas. A tecnologia é muito veloz, mas não necessariamente as pessoas mudam na mesma velocidade”, finaliza.
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Apesar da onda de intolerância e agressões verbais que se espalha pela internet, a punição a quem comete determinados crimes cibernéticos ainda é tímida. No caso do racismo, por exemplo, Juliana Cunha, da SaferNet, explica que a Justiça tem optado por classificar os delitos como injúria racial, crime com pena mais branda prevista na legislação penal. “As imagens de nudez compartilhadas sem consentimento, como as outras violências de gênero contra mulheres, acabam tendo também um resultado de maior impunidade”, afirma a especialista. Nesse caso, Juliana não acredita que o problema seja a falta de leis. Para ela, a própria
As pessoas acabam tomando as diferenças de opinião como questões de cunho pessoal. É como se para você divergir da ideia do outro precisasse ofendê-lo” Juliana Cunha, coordenadora psicossocial do HelpLine Brasil na SaferNet
“A tendência é que você comece a voltar a ponto de equilíbrio, mas, para isso, é preciso que lideranças promovam essa cultura (do diálogo) e lembrem as pessoas de que as mídias sociais nada mais são do que uma mudança do espaço público.”