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10 • Brasília, domingo, 6 de março de 2016 • CORREIO BRAZILIENSE
ESTAR À FRENTE DE UMA EMPRESA HOJE NÃO SIGNIFICA MAIS APENAS SE PREOCUPAR COM O RETORNO FINANCEIRO. ORGANIZAÇÕES PRECISAM PERCEBER A IMPORTÂNCIA DE GERAR TAMBÉM MELHORIAS SOCIOAMBIENTAIS
LIDERANÇA SUSTENTÁVEL Natura/Divulgação - 20/1/15
ma das chaves para se alcançar a liderança efetiva dentro das empresas hoje é entender que o objetivo do ambiente de negócios não pode ser apenas o retorno financeiro. Cada vez mais é necessário que as organizações desenvolvam o potencial de transformação social. “Uma empresa saudável não transita dentro de uma sociedade doente”, resume o diretorpresidente do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, Jorge Abrahão. E essa visão de transformação social, segundo ele, está relacionada com a ampliação da definição do que é resultado para as organizações, que deve significar a combinação de diversas dimensões, e não apenas a financeira. Inclui também os impactos gerados para a sociedade: ambientais, éticos, sociais. “É essa a visão que se espera de uma liderança atual e contemporânea”, afirma. Nesse contexto, uma liderança sustentável é aquela que, além de respeitar a legislação, preocupa-se em implementar uma série de práticas que tenham como foco gerar impactos positivos interna e externamente. Há, por exemplo, a possibilidade de criar programas de combate à corrupção, por meio de diagnósticos de planejamento, ou a de seguir orientações no sentido de evitar o trabalho escravo. “Ainda na questão social, há um trabalho de inclusão importante. As empresas podem contribuir na redução da desigualdade social, à medida que elas incluem segmentos que são desassistidos”, complementa o especialista. No caso do Brasil, as opções abarcam incluir mais mulheres e negros nas empresas e em cargos de liderança, por exemplo. Os ganhos com a adoção desse tipo de postura nem sempre podem ser mensurados em números, mas vão desde o estímulo à retenção de talentos até a aceitação maior por parte do público alvo do serviço ou produto oferecido. Jorge Abrahão cita o exemplo de empresas que perdem clientes por terem em sua linha de produção trabalhadores que atuam em condições análogas à de escravidão. “Os investidores também estão interessados nisso, pois não querem correr riscos. Eles perdem se investem em empresas que correm tamanho risco”, acrescenta.
Empresa de cosméticos brasileira criou programa que tem como objetivo fortelecer a economia local na Amazônia, comprando insumos de famílias da região
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O mais importante, no entanto, de acordo com Abrahão, é que as empresas tenham a consciência e tragam para dentro da sua estratégia de ação a agenda da responsabilidade. “É tempo de as empresas se reunirem e estimularem um diálogo. Não é mais plausível que elas saiam defendendo somente os próprios interesses.” Pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje) mostrou a preocupação das empresas com a responsabilidade social, por meio de programas de compliance. No total, 92 organizações em todo o território nacional participaram do levantamento, que constatou que 75% delas contam com uma área de compliance estruturada. A maioria (77%) tem ainda um comitê para lidar com esse tipo de questão. Foram investigados também os desafios apontados pelas instituições ouvidas. Os três principais são: gestão de risco de compliance
dos Conselhos do Global Compact da Organização das Nações Unidas (ONU), do Fórum Social Mundial, da Comissão de Transparência e Controle do Senado Federal e do Conselho da Cidade de São Paulo. É também membro de conselhos de organizações como o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da Bolsa de Valores de São Paulo, da Rede Nossa São Paulo, do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente, da Atletas pelo Brasil e do Global Reporting Initiative (GRI).
Clovis Fabiano/Instituto Ethos/Divulgação
É tempo de as empresas se reunirem e estimularem o diálogo. Não é mais plausível que elas saiam defendendo somente os próprios interesses” Jorge Abrahão, diretor-presidente do Instituto Ethos
Há a necessidade de levar a política de compliance a um número maior de empresas e integrar os departamentos de comunicação para que fique claro aos funcionários e fornecedores quais são os parâmetros esperados de atuação e os valores das organizações” Carlos Ramello, gestor de Recursos Humanos e Planejamento da Aberje
Responsabilidade Compliance é um termo que designa estar em conformidade com um conjunto de normas e regras de conduta que uma empresa adota para implementar a transparência na governança e estar alinhada à legislação e às diretrizes da sociedade em que está inserida.
de terceiros, controle do cumprimento das políticas pelos funcionários e execução dos processos de avaliação de riscos (veja quadro). “Há a necessidade de levar a política de compliance a um número maior de empresas e integrar os departamentos de comunicação para que fique claro aos funcionários e fornecedores quais são os parâmetros esperados de atuação e os valores das
organizações”, afirma Carlos Ramello, gestor de Recursos Humanos e Planejamento da Aberje. O diretor de Sustentabilidade da Natura, Marcelo Alonso, acredita que a liderança sustentável envolve ter consciência do que está acontecendo no mundo e compreender a transição da sociedade industrial para a do conhecimento. Ele alerta para o fato de que diversos estudos apontam
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Consciência
✓ Jorge Abrahão é membro
mudanças climáticas importantes em curso no mundo, o que exige não só uma alteração na forma como se consome, mas também no que se produz e no serviço prestado aos clientes. “A primeira grande atitude que qualquer líder precisa ter é a consciência da interdependência: o que fazemos de um lado vai ter impacto do outro”, observa. “Na atividade industrial isso faz sentido também. Como podemos nos organizar para garantir que estejamos com os pés plantados no presente, mas com a cabeça no futuro”, detalha o executivo. Pensando nesse quadro de longo prazo e com foco na preservação do meio ambiente, uma das propostas desenvolvidas pela empresa é um modelo de educação do consumidor, tanto aquele mais velho que não cresceu preocupado com a preservação ambiental, quanto o mais novo, que até tem essa consciência, mas ainda não entrou no mercado como consumidor. Na avaliação de Alonso, o histórico da Natura, de engajamento em questões relacionadas ao meio ambiente, já é um grande passo no sentido de atingir esses públicos. Essa história vem acompanhada ainda do desenvolvimento de formas de controle do trabalho desenvolvido por meio do programa de compliance e com base em metas socioambientais definidas pela empresa que vão até 2050. Elas foram estabelecidas no fim de 2014 e compartilhadas com os stakeholders. “Isso é bacana, pois compromete os executivos da Natura com essas metas e compromissos”, garante. “E o objetivo maior na frente é ter impacto econômico e social positivos.” Um dos exemplos do trabalho socioambiental da empresa de cosméticos brasileira é o Programa Amazônia, que tem como uma das ações centrais a compra de insumos das famílias que moram na região, de maneira a gerar renda e preservar o ecossistema local. Alonso admite que essa não é uma opção fácil para as organizações — pelo contrário, é mais complicado do que terceirizar esse tipo de serviço comprando de grandes fornecedores. No entanto, o retorno social e ambiental é que deve ser o foco. “O propósito maior é ter a Amazônia como recurso para as futuras gerações.”