Zxx12 0603

Page 1

CMYK

12 •

Brasília, domingo, 6 de março de 2016 •

CORREIO BRAZILIENSE

AS NOVAS DEMANDAS SOCIAIS EXIGEM QUE AS LIDERANÇAS PASSEM POR UM PROCESSO DE MUDANÇA. NO ENTANTO, ESPECIALISTAS INDICAM QUE HÁ POUCOS SINAIS DE QUE ISSO POSSA OCORRER NOS PRÓXIMOS ANOS

MOMENTO DE RENOVAÇÃO Fotos: Breno Fortes/CB/D.A.Press

erceber que o país passa por um período importante de quebra de barreiras leva à reflexão sobre a necessidade de mudança também das lideranças que compõem a sociedade brasileira. Se precisaremos sempre de líderes para ajudar a trilhar esses caminhos ou se pessoas com perfil de gestor darão conta da tarefa, é uma questão que ainda precisa ser avaliada. Mas o que será essencial, com certeza, é a habilidade para o diálogo e para se adaptar a novos tempos. Esse foi o tema da última mesa do seminário Dialogar para liderar: Brasil e democracia — novos paradigmas para o diálogo e a liderança. O professor da Universidade de São Paulo (USP) Renato Janine Ribeiro resumiu momentos políticos vividos após a redemocratização por meio de uma comparação com os conceitos expressos por Maquiavel na obra O príncipe (leia Para saber mais). O ponto-chave da palestra de Renato Janine foi um questionamento: “Podemos, na política democrática, contar com líderes o tempo todo, ou temos que nos acostumar com a ideia de que certos exercícios de poder vão ser feitos por pessoas mais ‘normais’?”. Janine se refere ao fato de tanto Fernando Henrique Cardoso quanto Luiz Inácio Lula da Silva terem sido grandes líderes e de que não há, no cenário que se descortina para as eleições de 2018, figuras que possam assumir essa mesma posição. De acordo com Janine, os dois líderes tiveram o papel de convencer as pessoas que estavam impacientes ou insatisfeitas com a não execução do que havia sido prometido durante as campanhas eleitorais. “Essas formas de diálogo foram muito bem-sucedidas nos dois casos. Nós estamos, hoje, numa fase muito diferente. É de todos conhecida a dificuldade de diálogo pela qual o Brasil passa. E há evidentemente um papel da presidência nisso”, avalia. Na opinião do especialista, a dificuldade de comunicação emana do governo. “E essa dificuldade não é simplesmente solucionada por uma questão técnica, chamando comunicadores, chamando especialistas em comunicação”, ressalta. “O problema de quem está presente nesses lugares de comunicação, quer política, quer empresarial, é a dificuldade de perceber que estamos em um mundo que mudou”, complementa.

P

A palestra final do seminário Dialogar para Liderar foi proferida pelo professor da USP Renato Janine RIbeiro

✓O jornalista Francisco Viana

tem mestrado e doutorado em filosofia política pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Trabalhou em diversos veículos de comunicação, entre eles, a revista IstoÉ, em que atuou como editor de reportagens especiais entre 1981 e 1993. Hoje, é consultor de empresas, com ênfase em planejamento estratégico, treinamento, gestão de crises e redação de textos.

Luiz Carlos Azedo, colunista do Correio

Os jornalistas Francisco Viana e Luiz Carlos Azedo também participaram da última mesa do evento

PARA SABER MAIS As lições de Maquiavel para o século 21 O pensador italiano acreditava que, nas relações humanas, sobretudo nas relações de poder, metade do que acontece poderia se atribuir à fortuna, ou seja, ao acaso, às circunstâncias, ao que está fora do controle, conforme explica Renato Janine. A outra metade era fruto da virtù. Esse termo não pode ser traduzido de forma literal, segundo o filósofo, pois não se trata de virtude moral, da bondade, da caridade. Maquiavel referia-se a uma “autoridade política, por vezes imoral, por vezes amoral, que é viril, tem vigor de mudar a situação”. Apesar de ter escrito o livro em que trouxe esses conceitos, O príncipe, no século 14, é possível usá-los até hoje para analisar momentos da política. “[Fernando] Collor é um exemplo de virtù na conquista e de fortuna na derrota”, exemplifica Janine.

✓ Renato Janine Ribeiro atua

na área de filosofia e teoria política. É membro do Conselho Superior de Estudos Avançados da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e do Conselho Consultivo da Aberje. Doutor em filosofia pela USP, recebeu o Prêmio Jabuti de melhor ensaio em 2001. Foi ministro da Educação entre abril e outubro de 2015.

do conferencista e lembrou que o príncipe de Maquiavel não se apresenta de forma imutável. “À medida que o processo muda, o comportamento do príncipe tem que mudar”, alerta. Para ele, um dos principais problemas do momento político pelo qual o país passa é causado pela recusa das lideranças de promover essas alterações necessárias. “Elas estão sendo incapazes de dar respostas”, avalia. A consequência do que ele define como um divórcio entre os políticos e as novas gerações é a multiplicação e a transferência dos problemas para essas gerações. “Estamos condenando uma geração inteira a um período longo de exclusão do

CMYK

Saber lidar A possibilidade de dialogar só será possível, portanto, quando se identificarem as novas demandas sociais e a partir do momento que os líderes saibam como lidar com elas — que podem ser, muitas vezes, irritantes e agressivas. “A liderança tem que ser capaz de entender e ter paciência de ouvir tudo isso”, disse Janine. Capacidade que as lideranças brasileiras não estão demonstrando. “O descompasso entre as pessoas que têm uma posição que deveria ser de liderança e a sociedade está muito grande. Ter poder econômico ou político não significa ter liderança”, avalia o filósofo. No momento, ele acredita que o país está rachado e que há uma opção na discussão política brasileira pelo confrontamento. “Isso não vai dar muito certo”, salienta. Luiz Carlos Azedo, colunista do Correio, usou a mesma analogia

O processo político brasileiro está bloqueado por uma espécie de pacto perverso que existe entre os partidos, que impede a renovação da política”

mercado de trabalho, são 10 milhões de desempregados. Sem falar nos que estão nascendo com microcefalia”, lamenta. “O processo político brasileiro está bloqueado por uma espécie de pacto perverso que existe entre os partidos, que impede a renovação da política.” O jornalista Francisco Viana, da Hermes Comunicação, corroborou as visões de Renato Janine e de Luiz Carlos Azedo. Na avaliação dele, os problemas do país foram sendo evitados ao longo da história, o que levou a um acúmulo de obstáculos abissal. “Se nós tivermos uma inversão de cultura — em vez da cultura do conflito, da destruição do outro, do desprezo

uma cultura da solução e do reconhecimento do outro —, nós mudaremos o país”, afirma. Para ele, o que Brasil precisa hoje é ter interesse em promover as mudanças necessárias. “Precisamos ter empolgação de resolver problemas, sejam eles quais forem, dos menores aos grandes. Quando tivermos toda a sociedade brasileira engajada num projeto dessa ordem, um trabalho de liderança das mais diversas, teremos um país novo”, resume. Esse processo, segundo Viana, passa pela construção de uma cultura de solução e de virtù social, em que a reputação seja construída de maneira consistente e não artificialmente, pelo trabalho de marqueteiros.

Precisamos ter empolgação de resolver problemas, sejam eles quais forem, dos menores aos grandes” Francisco Viana, jornalista

O problema de quem está presente nesses lugares de comunicação, quer política, quer empresarial, é a dificuldade de perceber que estamos em um mundo que mudou” Renato Janine Ribeiro, filósofo


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.