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Editor: José Carlos Vieira josecarlos.df@dabr.com.br
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CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, domingo, 25 de abril de 2010
» MARINA SEVERINO
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Inusitado e provocativo A partir da construção colaborativa, o grupo Teatro da Vertigem marcou a década de 1990 com espetáculos encenados em ambientes inusitados, como a Igreja Santa Ifigênia, o Hospital Humberto Primo e o antigo Presídio do Hipódromo. A série, que une as montagens O paraíso perdido, O livro de Jó e Apocalipse 1.11, ficou conhecida como Trilogia Bíblica.
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e esta fosse a última viagem de vocês, o que gostariam de levar?”, questiona o motorista no pequeno ônibus que sai da Rodoviária do Plano Piloto. A inusitada pergunta parte de uma experiência cênica que fugiu das salas de teatro. O veículo e a própria rodoviária compõem o cenário e integram a dramaturgia de Entrepartidas, novo espetáculo do grupo candango Teatro do Concreto. O formato, que segue uma tendência das grandes metrópoles, começa a aparecer no trabalho de diversos grupos brasilienses que buscam quebrar regras sociais e limites do espaço urbano. Do ambiente agitado, enquanto pessoas chegam e partem dos terminais, o ônibus segue para a praça da 705 Sul, onde atores e comunidade se confundem. Ali, as histórias de Pilar, uma estrangeira que viaja de surpresa para encontrar a mãe, e do moleque de rua Preá, se misturam numa dança de ações marcadas e interrupções. “A comunidade aparece na praça quando chega a hora do espetáculo. Os atores tentam encaixá-los no contexto, bem como as pessoas que passam e provocam, gritam, mexem com o personagem. Acaba se tornando parte do espetáculo”, acredita o diretor Francis Wilker. A ideia de misturar teatro e realidade surgiu em 2007, durante pesquisas do grupo após o bem-sucedido espetáculo Diário do maldito. Entre as influências, a provocação direta de integrantes do Teatro da Vertigem, grupo paulista que consagrou a utilização de espaços não-convencionais no Brasil, e questionamentos a respeito das interações humanas nos grandes centros urbanos. Pílulas do pensamento do sociólogo Zygmunt Bauman permeiam o espetáculo, evidenciando a fluidez dos relacionamentos na sociedade pós-moderna e o afrouxamento e a quebra constantes de laços afetivos. Dessa forma, o tema amor e abandono foi o ponto de partida para pesquisas do grupo, formatadas em uma série de intervenções urbanas batizadas de Ruas abertas. “A gente foi para a rodoviária e para as faixas de pedestre fazer pequenas cenas e interagir com o público. Ficou muito forte a sensação de trânsito, tanto do ritmo das ruas como do estado transitório das pessoas. A sensação de urgência e falta de tempo também influenciou no texto de Entrepartidas”, detalha o diretor.
Hoje, as intervenções servem para os mais variados objetivos, desde o despertar contemplativo em meio à correria da cidade aos alertas sobre degradação do espaço público e meio ambiente. Para o projeto Perpétua Ilusão, que reúne uma dançarina, uma artista plástica e um fotógrafo, o lirismo é a linguagem usada para chamar a atenção sobre a beleza ou a decadência de pontos de Brasília. “Interferimos em um lugar em que pessoas passam com pressa e oferecemos um momento poético. Enquanto isso, as pessoas observam que aquele local cotidiano pode se tornar um lugar de arte”, explica a dançarina Sabrina Cunha. O projeto baseia-se na instalação pensada por Elisandra Cardoso. Sete balões suspensos em prédios e árvores são fechados por velas, evidenciando o conflito entre os materiais, o próprio ar e a efemeridade das ações cotidianas. Enquanto as velas queimam, Sabrina Cunha executa um número de dança e interage com o fotógrafo Ricardo Padue. A ação levanta questionamentos no público, que chega a acreditar que a performance é feita para a filmagem. Alguns, mais ousados, interferem na apresentação.
Interferência Enquanto o Perpétua Ilusão se concentra na itinerância de um mesmo espetáculo, a Andaime Cia. de Teatro utiliza a intervenção para experimentar linguagens. Em homenagem aos 100 anos do Manifesto Futurista, que originou o teatro sintético, eles adaptaram os alicerces do movimento para os dias atuais. “Aparecemos atuando, sem pedir autorização, com um tema pré-estabelecido. A estrutura textual e a dramática inexistem, e dão lugar à improvisação”, exemplifica o diretor Márcio Menezes. As apresentações se baseiam em 12 atos, batizados de Serpentes que fumam (em homenagem ao texto do manifesto). Alguns são discretos, como o início de uma discussão por um cigarro que acaba em briga em frente ao Shopping Pátio Brasil. “Imaginei que fosse uma briga de verdade e queria ver o final, mas eles saíram correndo”, conta Patrícia Franco, 18 anos, que passeava no local e viu a cena. Se a jovem tivesse assistido à intervenção no Complexo Cultural Funarte, talvez desconfiasse da atuação. Em volta de uma piscina móvel, nove atores encarnaram banhistas em 21 de abril. “Os teóricos deduzem que, dependendo da discrição, pode até instituir um novo hábito entre a população ”, conclui Márcio Menezes.
Luis Xavier de França/Esp. CB/D.A Press
Grupos deixam as salas de teatro e partem para a atuação em meio ao público. A iniciativa abre espaço para intervenção social, experimentação e improviso
O teatro do concreto surgiu a partir das pesquisas realizadas com o espetáculo Diário do maldito
Entrepartidas » Espetáculo do Teatro do Concreto, em cartaz até 30 de maio, na Rodoviária do Plano Piloto. Sexta, às 20h; sábado e domingo, às 19h. Ingressos agendados às quartas e às quintas na sede do grupo pelo telefone 3323-4079. Até 16 de maio, entrada gratuita; após, R$ 15 (meia) e R$ 30. Não recomendado para menores de 16 anos.
Paulo de Araújo/CB/D.A Press
Durante o espetáculo, é difícil distinguir a atuação do movimento natural da cidade. No caminho do ônibus, atores com placas interagem com o público na rua — uma plateia que, diferentemente dos que embarcaram na viagem, desconhece a atuação e, muitas vezes, se torna parte dela. “Ficamos, em média, 20 minutos atuando até o ônibus passar. Quem está dentro do veículo pode notar ou não. Mas o espetáculo também acontece para quem não acompanhou os personagens. Torna-se uma situação inusitada, vivida apenas pelo pedestre”, explica o performer Mário Luz.
Serpentes que fumam » Intervenções urbanas da
Perpétua Ilusão » Intervencões urbanas de Elisandra Cardoso, Sabrina Cunha e Ricardo Padue. Atuações previstas no site http://www. perpetuailusao.com.br. Acesso livre e classificação indicativa livre.
www.correiobraziliense.com.br Simulação de uma briga em frente ao Pátio Brasil: intervenção cênica da Andaime Cia. de teatro (acima). Sabrina Cunha, em performance do grupo Perpétua Ilusão: lirismo para chamar a atenção sobre Brasília
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De fato, o teatro de rua mudou. Originado em apresentações da cultura popular em todo o mundo e enriquecido com a itinerância circense, ele se mostrou forte no Brasil na década de 1960, quando manifestações políticas contra o regime militar utilizaram o lirismo para camuflar as mensagens políticas. No período, os espetáculos utilizavam a rua apenas como cenário e palco, para se aproximar do público. Com o grupo mineiro Galpão, as montagens deixaram o tom exclusivamente político, objetivando o entretenimento gratuito.
Ricardo Padue/Divulgação
Lirismo
Andaime Cia. de Teatro. Hoje, às 9h, no Buraco do Tatu. Programação completa no site http://serpentesquefumam. blogspot.com Acesso livre e classificação indicativa livre.
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