NewDeal
Design de Comunicação III
Ana Catarina Rodrigues | Inês Bento Francisco | Matilde Fabiana Pinto | Miguel Santana
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ew Deal é a crónica das várias décadas que se seguiram ao cataclismo da Primeira Guerra Mundial.
Nos loucos anos 20, subiram as bainhas das saias das jovens ocidentais, deliciadas com a nova libertação no trabalho e nos divertimentos. O “sonoro” transformou o cinema e produziu uma constelação de estrelas, da Garbo a Astaire, da Dietrich a Gable, ao mesmo tempo que a telefonia sem fios levava aos lares música, drama e notícias. No mar, em terra e no ar, homens e mulheres ousados rivalizavam entre si para estabelecer novos máximos de velocidade e resistência. Contudo, para muitas pessoas foram também décadas de ansiedade, assombradas pelo desemprego, pela pobreza e pela fome. Nos inícios da década de 20, a Alemanha sofreu a hiperinflação; convulsões sociais e guerra civil na Rússia traduziram-se em fome para milhões de pessoas. Nos finais da década, o Mundo mergulhou na Grande Depressão, que se seguiu ao crash da Wall Street. As condições eram propícias às ditaduras, ao fascismo e, por fim, ao nazismo. Mussolini abriu caminho na Itália; Hitler excedeu-o em muito só com uma barbaridade igual à de Estaline, o ditador da URSS. Estava montado o cenário para segunda metade do século XX.
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Ford, O automóvel ao alcance de todos ■ A nova politica generosa de salários de Ford trouxe aos portões da sua fábrica enormes multidões.Uma das experiências mais ousadas de Ford foi a introdução, em 1914, de um salário diário de 5 dólares para os operários da sua linha de montagem, juntamente com um plano de comparticipação nos lucros. Este gesto radical, que aumentou para mais do dobro a média do salário diário, provocou uma tal concentração de candidatos que foi necessário recorrer à força policial de Detroit para manter a ordem e impedir a violência.
No início do século, quando o automóvel era ainda um brinquedo dos ricos, a bicicleta permitia a muitas pessoas movimentarem-se com relativa liberdade. O Tin Lizzie, produzido em série por Henry Ford, alargaria essa liberdade até horizontes bem mais vastos. O automóvel que construiu e o novo processo que descobriu para o seu fabrico desencadearam transformações revolucionárias no estilo de vida do século XX. Na maneira como trabalhamos e nos deslocamos, no desenvolvimento da tecnologia industrial, nas relações entre trabalhadores e entidades patronais, mesmo na economia internacional, ainda sentimos os efeitos da obra de Henry Ford. O automóvel que deu início a esta revolução tinha um nome bastante modesto: o modelo T. Quando saiu pela primeira vez da fábrica de montagem Ford, em Detroit, em meados de 1908. No entanto, este modelo tornou-se uma sensação da noite para o dia e por um motivo que o tornou único entre os automóveis da época: era o primeiro especialmente construído de forma a poder ser conduzido, reparado e adquirido a preço acessível pelo trabalhador médio. Ford desenvolveu a linha móvel de montagem, conduzindo a América para o que alguns denominaram uma segunda Revolução Industrial. Até ao modelo T, o automóvel era justamente considerado um brinquedo de gente rica. Na realidade, os automóveis apresentavam-se, na sua maioria, não só dispendiosos como raros, já que eram ainda produzidos através dos tradicionais processos artesanais. Isto porque, apesar de alguns aperfeiçoamen-
tos – ferramentas de precisão e normalização de peças – já estarem a ser introduzidos no fabrico de produtos de grande divulgação - como bicicletas, máquinas de escrever e máquinas de costura -, ninguém descobrira ainda uma combinação de técnicas suficientemente sofisticadas que tornassem possível a produção em massa de uma máquina tão complexa como era o automóvel. Henry Ford descobriu-a. Um dia, numa fábrica de embalagem de carne em Chicago, ficara impressionado com a eficiência obtida graças à deslocação das carcaças de um trabalhador para outro, por meio de um carro que deslizava suspenso no tecto. Poupava-se tempo levando o trabalho até ao homem e, porque cada cortador se especializava numa única operação, podia fazer o seu trabalho com maior precisão e mais rapidamente. Através da implementação deste e de outros processos de produção inovadores, um chassis que era construído em doze horas e meia, saía agora da linha de montagem em cerca de uma hora e meia. A produção triplicou entre 1912 e 1915; por volta de 1924, saíam anualmente para as estradas 2 milhões de novos Fords. Para manter o preço baixo, Ford excluiu os requintes oferecidos por outros construtores e produziu automóveis tão normalizados como as agulhas e os alfinetes. A normalização significava que o comprador médio, com alguns conhecimentos de mecânica, podia proceder às reparações mais simples. À medida que as técnicas de produção eram aperfeiçoadas, o custo do automóvel descia. 5
Consequências sociais da linha de montagem Mas o custo deste automóvel universal não podia ser aferido apenas em dólares. A produção em massa (conhecida na Alemanha pela designação de Fordismus) em breve se alastrou a outras indústrias, tornando-se não só um facto corrente como também uma forma de vida. Tornou obsoletos séculos de tradição artesanal, começando os operários a sentirse tão normalizados e intermutáveis como as peças com que trabalhavam. Apesar de Ford ter introduzido o dia a 5 dólares – que quase duplicou o salário do trabalhador médio –, os operários tornavam-se cada vez mais descontentes com as tarefas, fastidiosas e repetitivas, e com o ambiente despersonalizado da fábrica. Em 1932, Aldous Huxley resumiu este sentimento na sua sátira devastadora “O Admirável Mundo Novo”, que profetizava um futuro horrível, dominado pela indústria. Em 1936, Charlie Chaplin produziu o seu filme Tempos Modernos, que se tornou um clássico, mostrando o operário de uma linha de montagem enlouquecido com a rotina e o ritmo implacável do seu trabalho. Muitas outras críticas de seguiram. Entretanto, aquele que fora o progressista Ford tornara-se um prisioneiro das suas próprias ideias. Mostrava-se relutante em alterar uma fórmula de sucesso e assim, em 1927, ao apresentar o aperfeiçoado modelo A, já tinha percebido a posição de comando na construção de automóveis. Resistiu também à sindicalização, o que resultou num aumento do descontentamento por parte dos seus trabalhadores. Mas o sistema que Ford lançou dificilmente poderia ser abolido. Uma 6
constelação de indústrias relacionadas com a do automóvel – entre as quais a do aço, borracha, lubrificantes e construção de estradas – desenvolveu-se para ir ao encontro do apetite insaciável da América pela mobilidade. À medida que estes interesses se expressavam em Washington através de dólares e manobras politicas, o papel desempenhado pela indústria automóvel no planeamento fiscal tornavase cada vez mais importante. Charles Wilson, antigo presidente da General Motors, resumiu com propriedade esta situação: “Durante anos pensei que aquilo que era bom para o país era bom para a General Motors e vice-versa.”
► Uma das principais inovações da Fábrica Ford em Highland Park foi a técnica de montagem pela “descida da carroçaria”; o comportamento destinado aos passageiros, que fora completado noutro local, era descido sobre o chassis à medida que este era deslocado numa passadeira em movimento. Este processo – um dos milhares de aperfeiçoamentos introduzidos na produção em massa – aumentou espectacularmente a produção e tornou-se típico da preocupação primordial de Ford no respeitante a rapidez e eficiência. A produção em massa em breve foi aplicada a uma vasta gama de produtos, tornando-se um símbolo da indústria americana no resto do Mundo.
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► John Maynard Keynes (direita) e Harry Dexter White na Confêrencia de Bretton Woods, celebrado en Julho de 1944.
John Keynes, Uma política económica John Maynard Keynes (1883-1946) foi um economista britânico cujas ideias dominaram a política económica entre as décadas de 1930 e 60. Cedo manifestou as suas poderosas faculdades de escritor, ensaísta, critico de arte e economista. Keynes esteve presente na Conferência da Paz de 1918, em Paris, como representante da Tesouraria Britânica. As soluções apresentadas pelos economistas, segundo Keynes, jamais dariam resposta ao grave problema económico mundial. Assim, fiel aos seus ideias, pediu a sua demissão. Liberto das responsabilidades do seu cargo, que considerava uma “camisa de forças”, escreveu o livro The Economic Consequence of the Peace (1919) onde, com uma visão profética, antecipou o desastre económico do Mundo e a Segunda Guerra Mundial. Pode dizer-se que esta crítica teve enorme influência, não só sobre Lloyd George, chefe do Partido Liberal – ao qual pertencia -, mas sobre muitos economistas internacionais. A importância do seu pensamento e a pertinência do seu livro deu-lhe o estatuto de menino por quem Deus falou, frequentemente honrando pela sua genialidade. Notabilizouse, dia a dia, pelas suas teorias económicas que visavam melhorar o mundo e tornou-se, a breve trecho, num homem indispensável a esses assuntos. O que ele não conseguisse, mais ninguém conseguiria. Mais do que qualquer outro economista, Keynes defendeu a teoria de que o padrão ouro constituía uma garantia de crédito e que a equivalên10
cia das moedas dos vários países seria a melhor maneira de remediar o desemprego, visto que se seguiria uma permuta sem grandes oscilações. Por vezes, os seus pontos de vista foram alvo de críticas acerbas mas, decorrido tempo, todos viriam a dar-lhe razão. Keynes assumiu um papel activo na defesa da intervenção do Estado na economia, de forma a dar um novo impulso ao sistema capitalista de produção. O economista sempre foi contra a atribuição de empregos através dos mercados livres, pois esta medida obrigava à flexibilidade dos salários. Esta característica da economia neoclássica, vigente na altura, não se adequava às necessidades populacionais e estagnavam a economia. Deste modo, Keynes desenvolveu o Tratado sobre a Reforma Económica (1932) e escreveu a Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda (1936), onde defendeu: que os rendimentos eram determinados conjuntamente pela decisão de investir e consumir; que a política de investimento mais vantajosa socialmente nem sempre era a mais lucrativa; a taxa de juros era o que conciliava a moeda disponível com a necessidade de manter a riqueza em forma líquida; toda a produção destinava-se, em última análise, a satisfazer o consumidor; a natureza humana (no trabalho) devia ser administrada
e não modificada; a diminuição da eficiência e liberdade não eram de forma alguma a resposta ao desemprego; e, no contexto do pósguerra, as restrições comerciais não equilibravam a balança, mas sim o contrário. Durante a II Guerra, foi o organizador do empréstimo compulsório, adoptado em 1941. Como enviado do governo Britânico, fez muitas visitas aos EUA e Canadá. Em Junho de 44, chefiou a delegação britânica na Conferência de Bretton Woods, que deu origem ao Banco Mundial e ao Fundo Monetário Internacional. A aplicação da Lei de Empréstimo e Arrendamento foi levada a efeito sob sua vigilância e mediante bases por ele sugeridas. Quando esta lei deixou de vigorar, voltou a Washington para discutir a questão do grande empréstimo americano à Grã-Bretanha. As suas teorias alcançaram tal projecção no Novo Mundo que o Presidente Roosevelt as aproveitou para algumas das suas políticas de acção. Até à década 60 quase todos os governos capitalistas adoptaram as políticas económicas de Keynes. Apenas nos anos 70 o seu sucesso começou a declinar devido à crítica e dúvida na capacidade do Estado conseguir regular o ciclo económico através da política fiscal.
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◄ Mão de obra Infantil – Em 1900, nos Estados Unidos, as crianças continuavam a representar um quarto da mão-deobra activa nas fábricas, como nesta fiação de algodão no Sul, e trabalhavam normalmente 13 horas por dia.
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O Mundo Laboral Fabricar, publicitar e agir Com a paz de volta, as democracias redireccionaram as suas economias para as exigências do mercado. Os Estados Unidos inventaram a máxima: “O cliente tem sempre razão”. Em 1923, os produtores americanos de automóveis passaram a recorrer a um truque publicitário para influenciar decisivamente a produção industrial – a mudança anual dos modelos dos automóveis. Pretendiam pôr fora de moda os veículos existentes, dizendo simplesmente que tinham passado de moda e abrindo assim caminho para as vendas de modelos novos ligeiramente diferentes. Um dos efeitos mais decisivos de tal “obsolescência planeada” consistia em impor aos construtores custos de produção e de publicidade adicionais, o que forçaria as pequenas empresas a saírem do mercado e evitaria que novas empresas nele entrassem. Até a poderosa empresa Ford foi forçada a fechar as portas para reorganizar a sua produção, quando substituiu o Modelo T pelo Modelo A. Ao aumento da sofisticação na produção e publicitação dos produtos correspondeu uma abordagem cada vez mais “científica” da gestão daqueles que os produziam. O “pai” da “gestão moderna” e o primeiro a intitular-se “engenheiro consultor em gestão” foi o tenista e produtor de rosas norte-americano Frederick Winslow Taylor (1856-1915), pioneiro dos estudos de “tempo e movimento”, que pretendiam eliminar o esforço perdido no local de trabalho. O essencial do Taylorismo foi inserido no livro “The Principles of Scientific Management”, publicado em 1911. Tratando os trabalhadores como máquinas 14
vivas, os discípulos de Taylor passaram a interessar-se também pelo ambiente de trabalho. Em 1927, uma equipa de engenheiros iniciou uma experiência na fábrica de Hawthorne da Western Electric Company, em Chicago, que viria a ter consequências insuspeitáveis, mas de grande alcance. De início, a equipa concentrou-se nos efeitos da luz na produtividade e ficou espantada ao descobrir que, fosse qual fosse a alteração do tipo, sistema e intensidade da luz, a produtividade aumentava sempre que se verificava uma alteração. Perplexos, os engenheiros pediram ajuda a Elton Mayo, psicólogo australiano da Havard Business School. Ao fazer alterações ainda mais radicais na temperatura, humidade, métodos de pagamento, pausas e cantinas dos trabalhadores, Mayo depressa chegou à conclusão que aquilo que importava realmente não era o ambiente, mas o facto dos empregados sentirem que alguém se importava com eles. O invulgar grau de atenção dispensada ao seu conforto e preocupações fez aumentar tanto a solidariedade e o moral que sentiram que eram realmente importantes. Foi isto que se reflectira nos cada vez mais altos índices de produtividade. Mayo proclamou uma nova doutrina – uma abordagem das “relações humanas” que, ao concentrar-se na dinâmica dos grupos informais, combinaria eficiência e humanidade. Ao contrário de Taylor, que via essencialmente o trabalhador como um indivíduo isolado, movido apenas pelo dinheiro, Mayo sublinhava que o trabalhador era um
membro de um grupo e era motivado também por preocupações, como o interesse e a dignidade. A preocupação com as “relações humanas” tornou-se uma característica na gestão nas empresas britânicas “progressistas”, como a Marks & Spencer e a Cadbury’s. Nas indústrias onde os trabalhadores ainda eram explorados deixava-se para os jornalistas, sindicatos e filantropos a divulgação dos escândalos. Nos hotéis e restaurantes, o pessoal tinha com frequência turnos de 11 horas repartidas por mais de 15 horas, sete dias por semana. Muitos estados americanos dispensavam especificamente os hotéis do cumprimento das disposições legais, relativamente aos horários de trabalho ou omitiam mesmo qualquer referência aos hotéis na legislação. Uma liga de consumidores efectuou um inquérito entre as empregadas de limpeza de escritórios em Nova Iorque e apurou que só um quarto eram cidadãs norte-americanas e que a maioria não sabia ler nem escrever inglês; era, portanto, mínimo o seu potencial para assumirem a sua própria protecção através de organizações ou do recurso à lei. As longas horas de trabalho duro das crianças nas plantações de algodão do Sul eram, frequentemente, negligenciadas, pois as crianças com idade inferior a dez anos não eram contadas no censo americano e, por isso, não “existiam”. Os ardinas, que trabalhavam em péssimas condições para ajudarem as respectivas famílias, também não contavam quando se calculavam os activos e as responsabilidades nacionais.
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► Família ouve atenta a rádio. Nas mãos todos seguram másaras de gás.
A Crise de 1929 Nenhum país europeu experimentou o vigoroso crescimento crescimento dos EUA, mas mesmo este durou pouco, dado que à queda da bolsa da Wall Street, em Outubros de 1929, seguiu-se uma década de depressão. O início do século XX foi época de grande prosperidade para os Estados Unidos da América. O país concentrava-se em expandir a rede eléctrica e investir na mecanização das indústrias. Surgiam métodos de produção em massa inovadores que prometiam a democratização dos produtos e os enormes lucros proporcionavam o aumento dos salários e do poder de compra do indivíduo médio. A nova população norte-americana enriquecida investia activamente o seu dinheiro na Bolsa de Valores. A indústria automóvel era uma das que mais estimulava o cenário económico americano. Com a produção em larga escala de automóveis de valor acessível, o negócio crescia rapidamente, fazendo aumentar o consumo e desenvolvendo as indústrias do petróleo, aço, borracha, assim como a criação de uma grande rede nacional de estradas. À medida que a população crescia e a mobilidade aumentava, os centros urbanos expandiam-se e motivavam a construção civil, já outra das grandes indústrias norte-americanas. Contudo, o mercado começava a estagnar nos finais dos anos 20. Nesta época, já eram muitas as famílias que possuíam um carro. A superprodução automóvel significou, a certo ponto, o declínio do número de vendas a uma população já satisfeita. Com a indústria automóvel afecta20
da, outras indústrias a ela associadas e dela dependentes, começaram também a dar sinais de ruptura. Várias fábricas tiveram de encerrar e foram forçadas a despedir os seus empregados. Com esta onda de falências e de despedimentos, o número de desempregados disparou. Por outro lado, os investimentos e os novos equipamentos da indústria necessitavam de novos capitais. Recorreu-se ao crédito, ou melhor, ao fundo estatal do próprio país, ou mesmo do estrangeiro, especialmente dos EUA. Estes estavam especialmente interessados na colocação de créditos no que respeitava à Alemanha. Quando a vida económica se fortaleceu, a Alemanha pôde cumprir os compromissos do pagamento de indemnizações às potências vencedoras e estas puderam amortizar as suas dívidas de guerra aos Estados Unidos. Em certa medida, estes alcançaram este objectivo, colocando empréstimos e obrigações, realizando investimentos de capital em empresas alemãs, assim como promovendo a instalação de filiais de empresas americanas (como a Ford). O crédito adquiriu uma força extraordinária, enquanto o mercado era oscilante. Este ciclo financeiro funcionou de 1924 a 1930. Com as crescentes restrições económicas, a expansão creditícia revelou-se fatal. Bastou que um dos grandes bancos implicados na ad-
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judicação de créditos vacilasse para provocar uma desconfiança generalizada e uma corrida aos créditos a curto prazo. Todo o sistema creditício mundial sofreu uma quebra. A crise económica mundial chegara para ficar. Porém, a principal queda da economia norte-americana foi sentida na Bolsa de Valores. No dia 24 de Outubro de 1929, dia que ficou conhecido por Quinta-feira Negra, havia uma diferença abrupta entre o número de ordens de venda de acções e o número de compras. A população assustada tentava recuperar ou minimizar o efeito negativo da desvalorização dos seus investimentos na Bolsa, fazendo com que os dias seguintes fossem ainda mais caóticos para a economia e Bolsa norte-americanas. A 11 de Dezembro de 1930, com a descida vertiginosa do valor das acções, o poderoso banco dos EUA faliu, destruindo as poupanças de meio milhão de depositantes. Em 1931, faliram outros 2300 bancos. Entre 1930 e 1933, uma cerca de 64000 trabalhadores perderam o seu emprego. Em 1933, cerca de 13 milhões de norte-americanos estavam sem trabalho. As consequências da crise foram extraordinárias e incalculáveis: queda dos preços (por vezes para metade), diminuição da produção (assim, por exemplo, a produção mundial de aço baixou de 1204 milhões de toneladas em 1929 para 50,7 milhões de toneladas em 1932); o volume de comércio externo sofreu uma redução da mesma ordem. Os números de desempregados foram particularmente elevados. Em 1931, o número de desempregados nos 28 países mais importantes chegou aos 26,5 milhões, a que se
devem juntar os trabalhadores com salário reduzido. Os salários baixaram, uma vez que a pressão no mercado do trabalho era cada vez maior; na mesma proporção em que aumentava o número de desempregados, diminuía a procura de bens de consumo e diminuía também a de bens de produção. A indústria parava. Era um círculo infernal. As consequências politicas foram catastróficas. O exército de desempregados não podia – como fizeram os seus antepassados, em épocas de necessidade – procurar pão e trabalho noutros países, já que todo o Mundo se encontrava na miséria. Também não podia regressar à agricultura, já que não precisava deles. Assim, as massas empobrecidas passaram a constituir uma força política explosiva. Os ditadores sentiam que chegara a sua hora. Esquerda e direita eram palavras sem sentido: o que importava era conter as massas. Nos países ocidentais, em que a democracia se achava firmemente arreigada, apesar das fortes perturbações, os problemas da crise económica foram enfrentados sem prejuízo para o sistema parlamentar. Como consequência geral da crise, deve pensar-se que o Estado passou a aparecer em primeiro plano como condutor da economia pública, com investimentos públicos e com participações em organizações económicas. Os EUA encontraram formas de grande estilo para a recuperação do trabalho. O presidente Roosevelt proclamou, na sua tomada de posse, em Março de 1933, o programa de reformas sociais e económicas, o New Deal. 23
► Franklin Roosevelt (1882-1945), 32º presidente dos Estados Unidos, eleito pela primeira vez em 1933. Formulou o programa de acção New Deal para combater a depressão mundial; em 1933 reconheceu a URSS. Foi reeleito em 1937, e de novo em 1941, quando providenciou empréstimos de apoio à Grã-Bretanha. Após um encontro com Chiang Kai-chek, no Cairo, em Novembro de 1943, decidiu continuar a guerra até à rendição incondicional do Japão. ■ Lei Seca é uma denominação popular da proibição oficial de fabricação, transporte, importação ou exportação de bebidas alcoólicas. No dia 8 de setembro de 1917, foi apresentado o projeto da 18ª emenda constitucional à Câmara dos Representantes nos EUA: a completa proibição das bebidas alcoólicas. Dois anos depois, entrou em vigor a Lei Seca. ■ Brain Trust é um termo inglês utilizado para denominar o grupo de conselheiros de um determinado candidato político. Por norma, eram especialistas experientes em campos de particular importância. A expressão é empregada, frequentemente, para definir o grupo administrativo que acompanhou F. Roosevelt durante o seu mandato presidencial.
O New Deal de Roosevelt Designação dada pelo presidente dos EUA, Franklin D. Roosevelt, ao conjunto de medidas de cariz intervencionista que visavam melhorar as condições de vida do povo americano, durante a depressão económica do início dos anos 30. Além da construção de obras públicas, o New Deal implicou reformas nos campos da agricultura, finanças, banca e segurança social. Os EUA continuavam a sofrer as consequências da crise económica mundial, que se manifestava no crescente desemprego e numa situação agrícola catastrófica. Esta conjuntura determinou, em 1933, a queda de Hoover e a eleição do democrata Franklin D. Roosevelt. Para enfrentar a crise económica, Roosevelt anunciou a implementação do programa New Deal, proposto anteriormente em campanha eleitoral, e de programas de emergência contra o desemprego. O povo americano proclamou, 24 nada tinha a temer, a não ser o próprio medo.
A recuperação da situação de calamidade financeira e social exigia medidas drásticas. As palavras de ordem foram vigor e estímulo. Já antes da sua tomada de posse, Roosevelt cumprira a promessa eleitoral de iniciar o processo de revogação da Lei Seca. Depois, lançou-se nos primeiros 100 dias com legislação de emergência. Com o sistema bancário da América quase em colapso, a sua primeira iniciativa foi anunciar um feriado bancário obrigatório de 4 dias; durante este tempo, o Governo tomou medidas para repor a estabilidade, em grande parte eliminando os bancos mais fracos e reforçando os mais fortes. No fundo, o novo programa de governo consistia em abandonar o liberalismo económico de Adam Smith e adoptar as teorias do economista John Keynes. O New Deal compreendeu também a formação de diversos organismos, apelidados, ironicamente, de alphabet agencies, devido à profusão de si-
glas com que eram designados: A.A.A. (Agricultural Adjustment Administration), CWA (Civil Works Administration), NLRB (National Labor Board), PWA (Public Works Administration), SSB (Social Security Board), o WPA (Work Progress Administration), entre muitos outros. O Emergency Banking Act foi promulgado através do Congresso num único dia, 9 de Março de 1933. A Securities and Exchange Act de 1934 foi uma medida tomada para evitar qualquer repetição do surto especulativo que provocara o crash de Wall Street, em 1929. Roosevelt apressou-se em retirar o dólar do padrão-ouro e iniciou uma política de desvalorização. Estas medidas visavam encorajar uma certa inflação, que ele e os seus conselheiros (Brain Trust) julgavam poder reduzir o problema da dívida e estimular a economia. Além de repor a estabilidade financeira, os principais objectivos do New Deal foram resolver os problemas de
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▲ A Work projects Administration (WPA), antiga agência governamental norte americana, foi estabelecida em 1935 por ordem de F. Roosevelt. Criada quando o desemprego era geral, a WPA foi desenvolvida para aumentar o poder de compra da população sem trabalho. O programa de edificação da WPA incluía a construção de 116 mil edifícios, 78 mil pontes, 1 047 000km de estrada e o melhoramento de 800 aeroportos. No total, a WPA empregou 8,5 milhões de pessoas, e os gastos federais para o programa chegaram até aos 11 biliões de dólares. A WPA sofreu fortes críticas num relatório de uma assembleia do Senado, em 1939; no mesmo ano, o orçamento para a WPA foi cortado; vários projectos foram abolidos e outros foram rigorosamente controlados. Uma greve de milhares de trabalhadores da WPA para prevenir o corte foi mal sucedida. Em Junho de 1943, o organismo deixou oficialmente de existir. ■ Laissez-faire é parte da expressão em língua francesa, que significa literalmente “deixai fazer”. A expressão refere-se a uma filosofia económica que surgiu no século XVIII, que defendia a existência de mercado livre nas trocas comerciais internacionais, ao contrário do forte protecionismo baseado em elevadas tarifas alfandegárias que se sentia na altura.
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desemprego na indústria, recuperar os baixos preços na agricultura e prestar auxílio aos desempregados. Embora longe de ser socialista, Roosevelt estava disposto a abandonar a crença “quase religiosa” da América no laissez-faire e no individualismo económico. Os conselheiros que acorreram Washington na sua maior parte académicos e não homens de negócios - elaboraram um programa com influências diversas, do planeamento económico estatal às ideias corporativistas do fascismo de Mussolini e à ideia de Keynes, segundo a qual os governos devem “apostar nos gastos públicos para um retorno à prosperidade”. Estas ideias eram anátema para os conservadores e para muitos homens de negócios, para quem Roosevelt se tornou uma figura execrável. Os 100 Dias A nova administração foi revolucionária no espírito e dinâmica da acção. O programa
legislativo dos 100 dias era vasto, e o consequente dispêndio de fundos federais e o grau de envolvimento federal nos negócios não tinham precedentes. A Federal Emergency Relief Administration, criada em Maio de 1933, deu fundos aos governos estaduais e municipais para os ajudar a criar programas de assistência aos desempregados. O Unemployment Relief Act criou o Civilian Conservations Corps, que recrutou milhares de jovens para trabalharem em projectos de reflorestação, conservação do solo e manutenção de estradas, por todo o país. O maior empreendimento público foi a criação, também em Maio, da Tennessee Valley Authority, que pôs sobre controlo público a produção hidroeléctrica e outros recursos de uma vasta região que abrangia terras de sete estados. O projecto implicou a construção de barragens, centrais eléctricas e linhas de transmissão de energia. Fornecia electricidade às fazendas e povoações da região a preços que
serviam de referência aos praticados pelas companhias privadas. Este organismo foi também responsável por importantes medidas de controle das cheias e pela produção de fertilizantes. Como exemplo de propriedade pública em larga escala e de intervenção federal em assuntos estaduais, o projecto foi denunciado pelos críticos da administração como “algo próximo do comunismo”. Em Junho de 1933, foi criada a Home Owners’ Loan Corporation, que dispunha de 2 000 milhões de dólares para voltar a financiar as hipotecas de pessoas que estavam em risco de perder as suas casas, devido a dificuldades económicas. No mesmo mês foi promulgado o National Industrial Recovery Act (NIRA), que criou a National Recovery Administration (NRA). Esta começou a reanimar os negócios e a reduzir o desemprego, exigindo que os patrões redigissem códigos sobre preços, salários e horários de trabalho, que, uma vez 27
aprovados pelo presidente, tornar-se-iam obrigatórios. Os códigos incluíam disposições relativas a questões como a abolição do trabalho infantil. A NRA era dirigida por Hugh Johnson, antigo e austero general, e as empresas que adoptavam tais códigos exibiam o símbolo da instituição, a Águia Azul. Ao mesmo tempo, o NIRA garantia o direitos dos empregados negociarem colectivamente por intermédio dos sindicatos. O NIRA fundou também a Public Works Administration (PWA), que até 1939 gastou cerca de 5 000 milhões de dólares em obras à escala nacional – estradas, escolas, hospitais, pontes e barragens. A Civil Works Administration (CWA), criada em Novembro de 1933, deu emprego a cerca de 4 milhões de homens em projectos como reparação de estradas e recuperação de parques.
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Um New Deal para os agricultores O Agricultural Adjustment Act, de Maio de 1933, começou a repor os preços agrícolas subsidiando os agricultores para que reduzissem a produção. O custo dos subsídios foi pago por um imposto sobre as companhias transformadoras, como as fábricas de farinhas e conservas de carne. O Farm Credit Act, de Junho, concedeu empréstimos a agricultores que estavam
em risco de perder as suas terras, a favor dos bancos e seguradores que lhes tinham dado crédito garantido por hipotecas. Estas iniciativas tornaram-se estritamente necessárias devido à particular situação de crise em que se encontrava a agricultura. Durante a I Guerra Mundial, atravessou uma crescente mecanização, por forma a responder a uma elevada procura do estrangeiro. Contudo, com o fim da guerra, a procura desceu. Os preços caíram e continuaram a cair, a ponto de, em muitos casos, caírem abaixo dos custos de produção. Sem rendimentos, muitos agricultores endividaram-se e perderam as suas fazendas. Estas passaram para as mãos dos bancos, seguradoras, Internal Revenue ou outros credores, que as arrendavam a rendeiros. Parte do sonho sobre o qual a República Americana fora fundada englobava homens trabalhando a sua própria terra, em sólida independência dos grandes latifundiários e da burocracia estatal. Em 1935, 42% das fazendas dos EUA eram exploradas por rendeiros, e menos de dois terços destes tinham ocupado as suas fazendas há mais de um ano. Neste caso, o registo da Agricultural Adjustment Agency foi desigual e, em alguns casos, exacerbou a situação. Quando oferecia dinheiro para reduzir a superfície cultivada, os agri-
cultores com mais terras sentiam-se tentados a receber o cheque e utilizá-lo na compra de tractores, a expulsar os rendeiros e meeiros das terras e a cultivar a terra mecanicamente com a ajuda de jornaleiros. A compra de um único tractor normalmente eliminava dois rendeiros e as suas famílias e a taxa de eliminação podia ser muito mais elevada. Milhares de rendeiros tornaram-se jornaleiros ou foram para as cidades em busca de trabalho. Alguns deles começaram a tentar ganhar dinheiro a trabalhar na apanha da fruta na Califórnia. Nas estradas, estes emigrantes encontravam milhares de outros agricultores que tinham sido afastados por uma catástrofe de tipo diferente. As suas fazendas tinham sido levadas pelo vento. Um Segundo Mandato Nas eleições do Congresso de 1934, os eleitores Norte-Americanos deram à administração de Roosevelt um aval generoso mas a “lua-demel” dos 100 dias terminara. A Civil Works Administration e a sua sucessora, a Works Progress Administration, empregavam no sector publico entre 3 a 4 milhões de trabalhadores. Contudo, estas medidas deviam ser temporárias até à reanimação da economia. Fosse como fosse,
â–˛ Campo no estado do Colorado, em 1933
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► Estado do South Dakota, 1936
evitaram cuidadosamente qualquer tipo de trabalho produtivo que competisse com a indústria privada. No seu conjunto, o panorama do emprego continuava sombrio. A indústria renascia, mas só na medida em que as fábricas voltavam ao trabalho a tempo inteiro com a força laboral existente; mas era ainda difícil arranjar novos empregos. Através de uma maior eficácia e um ritmo de trabalho acelerado, os patrões tinham aprendido a produzir mais bens com menos operários. Muitos patrões usavam o seu direito sobre o NIRA para fixar preços, mas recusavam-se a aumentar os salários para os níveis mínimos acordados ou a reconhecer os sindicatos dos trabalhadores. As relações industriais eram más, por vezes violentas. Uma nova política agrícola que procurava subir os preços criando escassez foi insuficiente e veio demasiado tarde para os agricultores, que já tinham perdido as suas fazendas ou estavam tão empobrecidos que tiveram de comer o grão de semente da colheita seguinte. Em Maio de 1935, o Supremo Tribunal ilegalizou o National Recovery Agency. Os juízes declararam ser inconstitucional que o Governo Federal interferisse naquilo que o Tribunal julgava serem questões internas dos estados, de fixação de salários e horários de trabalho. Roosevelt ficou indignado com a ideia do Governo Federal ter de ficar impotente perante os problemas económicos nacionais, mas, na altura, nada pôde fazer. Em 1936, quando Roosevelt fazia a campanha para o seu segundo mandato, cerca de 10 milhões de americanos continuavam desempregados. Um terço da população estava, segundo 30
Roosevelt, “mal instalada, mal vestida e mal alimentada”. Na sua maior parte, os homens de negócios olhavam para o presidente com grande ódio - destruíra a confiança no negócio, diziam eles, por interferências e legislação excessiva. Achavam que violava a constituição e desafiara os direitos dos negócios privados e dos estados. O défice federal era enorme, em grande parte mal gasto, na opinião dos conservadores, em projectos sem interesse. A Imprensa, quase toda anti New Deal, vaticinou a vitória de Alfred Landon, o candidato republicano. Todavia, Roosevelt teve uma segunda vitória esmagadora em quase todos os estados. Apesar da hostilidade dos jornais e dos problemas persistentes, os americanos tinham admiração e confiança em Roosevelt, o aristocrata eloquente que lhes falava pela rádio nas suas conversas à lareira. O seu New Deal ajudara-os pessoalmente, e ele parecia ser seu aliado contra as forças da cobiça e do egoísmo empresariais, que os tinham deixado sem trabalho e lançado na miséria. A vitória eleitoral de 1936 não trouxe uma solução imediata aos problemas da América; na verdade, os problemas agravaram-se rapidamente. Durante a tomada de posse de Roosevelt, em 1937, houve uma paragem de trabalho na General Motors que ameaçou transformar-se num conflito armado. Esta disputa acabou por ser resolvida pacificamente, mas outras no final dos anos 30 revestiram-se de grande violência, quando os patrões e os sindicatos extremaram as suas posições.
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Uma Nova Recessão Na Primavera de 1937, Roosevelt começou o seu braço-de-ferro com o Supremo Tribunal quando tentou aumentar o número dos seus membros de 9 para 15, nomeando 6 novos juízes da sua confiança. A proposta foi derrotada no Congresso, mas o Supremo Tribunal acabou por adoptar posições mais liberais, tendentes a aumentar o poder federal. Os negócios tinham recuperado, mas a reanimação dera-se principalmente nas grandes empresas; as pequenas companhias estavam ainda a perder dinheiro. Em 1937, um quarto de todos os lucros das empresas norte-americanas eram obtidos por seis companhias: General Motors, American Telephone, Standart Oil, US Steel, Du Pont e General Electric. No Outono, o mercado de valores começou a cair acentuadamente e a economia a resvalar de novo para uma grave recessão. Na primavera de 1938 o comércio e a indústria americanos tinham perdido dois terços do crescimento conseguido desde o início do New Deal. Cerca de 2 milhões de pessoas perderam uma vez mais os empregos, engrossando o contingente daqueles que continuavam desempregados. Desta vez relutante em optar pela via do aumento do défice público, Roosevelt tentou equilibrar o orçamento e pacificar a comunidade empresarial. Contudo, mudou de ideias e, em Abril de 1938, anunciou um aumento de 3 000 milhões de dólares na despesa pública. A economia começou a recuperar, mas foi o início do fabrico de armas, em 1939, que finalmente acabou com a Grande Depressão. Ainda hoje os economistas discutem se não teria acabado sem a guerra. Como afirmou o historiador norte-americano Frederick Allen em 1940: “De todos os remédios económicos aplicados aos Estados Unidos nos anos 30 só dois foram de comprovada eficácia geral e ambos tendem a criar habituação e podem ser fatais se repetidos com demasiada frequência: estes remédios são a desvalorização e a despesa pública.” Certo foi que no final da Depressão o Governo dos Estados Unidos da América cresceram muito mais e os departamentos federais tinham um grau de poder sobre os estados que teria sido impensável na geração anterior. 32
â–˛ Trabalhadores constroem uma auto-estrada em Wilson River. Um dos muitos projectos do New Deal, 1939.
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▼ “Todas as catástrofes da história tiveram lugar nos domínios espiritual e moral antes de assumirem formas de luta pelo poder material.” Reinhold Schneider
▼ Festejo da vitória dos Aliados em 1945
► Nova Orleães, 1955
Um mundo dividido Os anos 70 Em 1970, a nuvem negra que pairava sobre a política mundial era a da destruição mútua. Em ambos os lados da cortina de ferro existia um arsenal nuclear suficiente para destruir várias vezes o mundo - produto da Guerra Fria, da corrida ao armamento dos anos 60 e da profunda desconfiança entre as superpotências. Para a URSS, a paridade com os EUA, a nível de armamento constituía um triunfo. A teoria marxista encarava esta situação como o limiar de um mundo novo, já que a neutralização das armas nucleares levaria ao desabrochar de levantamentos populares e de movimentos de libertação que empregariam armas convencionais. O capitalismo ficaria na defensiva e o comunismo triunfaria. Para os EUA, a corrida ao armamento representava um buraco negro do ponto de vista económico e político que ameaçava a prosperidade do pós-guerra e a estabilidade internacio38 nal - para Nixon, eleito presidente dos Estados
Unidos em 1969, este problema era basilar. A sua posição conciliatória representou um corte radical com o espírito de confrontação da Guerra Fria que dominara os anos 60. Os jornais noticiavam diariamente os horrores da Guerra do Vietname; as ambições irreconciliáveis de árabes e israelitas levavam a população mundial para becos sem saída; a América do Sul estava dividida entre a luta armada revolucionária e a ditadura de extrema-direita; na África do Sul, o regime do apartheid era o rastilho de uma situação explosiva; e o problema da Irlanda do Norte parecia caminhar a passos largos para o abismo. No entanto, as décadas seguintes trouxeram a retirada americana do Vietname; os Acordos de Paz de Camp David; a chegada da democracia à América do Sul; o colapso do comunismo e do bloco soviético; a libertação de Nelson Mandela e o fim do apartheid. O mundo continuava complexo mas, seguramente, menos ameaçador.
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Em prol da paz Em Novembro de 1969, a URSS e os EUA, iniciaram conversações com vista ao controle do armamento e do orçamento militar. Ambos os lados reconheceram que o perigo de aniquilação mútua trazia consigo uma espécie de estabilidade; desencadear a guerra seria suicida para qualquer um dos dois países, pois acarretaria a sua própria destruição. Contudo, esta situação ficaria desequilibrada se um dos Estados conseguisse sobreviver ao primeiro ataque nuclear ou neutralizar um contra-ataque. Com o desenvolvimento dos mísseis antibalísticos (ABM, anti-ballistic missiles), destinados a destruir os mísseis durante a sua aproximação, este cenário tornou-se possível. O objectivo das conversações bilaterais das armas estratégicas (SALT, Strategic Arms Limitation Talks) consistia em discutir estes problemas, assim como limitar o número de mísseis balísticos de longo curso ou intercontinentais. As negociações ficaram concluídas em Maio de 1972, com a assinatura, em Moscovo, do primeiro acordo SALT por Nixon e Brezhnev - os países mantiveram apenas dois locais de lançamento de ABM. Os EUA reforçaram estes acordos com pacotes de assistência humanitária, nomeadamente ven-
da de cereais e intercâmbio de tecnologia, que ajudar a vincular a URSS a este compromisso. Esta política veio trazer uma certa flexibilidade às relações entre as superpotências e criou uma zona tampão para negociações destinadas a consolidar a estabilidade. Para Nixon, tratouse de uma nova leitura realista e construtiva da velha política anticomunista americana. Concretizaram-se ainda outros gestos simbólicos como o de 1972 para a cooperação na exploração espacial. Em 1975, três astronautas americanos e três soviéticos acoplaram a Apollo e a Soyuz e passaram quatro dias a trabalhar em projectos conjuntos - a corrida espacial, um dos símbolos da mentalidade da Guerra Fria, passara à história. A Europa estava também ansiosa por despoletar as suas tensões. Os países da Europa Ocidental que faziam fronteira com a Cortina de Ferro receavam uma guerra nuclear. Sob a designação de Ostpolitik, Willy Brandt, chanceler da Alemanha Ocidental, tentou uma aproximação com a Alemanha Oriental. Esta tentativa traduziu-se apenas em curtos períodos da abertura do Muro de Berlim, para permitir o reencontro das famílias divididas.
Em 1972, foi criada a Conferência para a Segurança e Cooperação na Europa e, em 1975, assinado um acordo em Helsínquia por todos os países da Europa, de ambos os lados da Cortina de Ferro, (à excepção da Albânia, liderada por uma dura linha estalinista), EUA e Canadá. Os Acordos de Helsínquia obrigavam os signatários a respeitar as fronteiras europeias existentes (algumas resultantes da II Guerra Mundial) e reafirmavam o princípio da nãoingerência nos assuntos dos outros países. Desde os anos 60 que a União Soviética advogava esta causa; contudo, os países ocidentais exigiram uma cooperação mais estreita com o bloco soviético nas áreas do comércio, ciência, tecnologia e ambiente, além de um compromisso de respeito pelos direitos e liberdades fundamentais do homem. No entanto, estes acordos não eram vinculativos e tinham pouca força: cada vez que o Ocidente criticava o bloco soviético por violação dos direitos humanos, este protestava veementemente que se tratava de um assunto interno. Contudo, Helsínquia funcionou como uma referência importante. 41
A crise petrolífera
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Entre a II Guerra Mundial e os anos 70, o Ocidente viveu um desenvolvimento sem precedentes até à eclosão de uma extemporânea catástrofe económica. A 17 de Outubro de 1973, em solidariedade com as nações árabes envolvidas na Guerra do Yom Kippur, a OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) aumentou o preço do petróleo não refinado em 70% e impôs um embargo petrolífero aos EUA e alguns aliados. Durante os anos de crescimento, as nações ocidentais industrializadas tornaram-se mais dependentes do petróleo da OPEP, na sua maior parte originário da Arábia Saudita e Estados do Golfo. Quando os EUA e as potências ocidentais mostraram o seu apoio a Israel, este usou o seu poder para fins políticos, aumentando o preço do petróleo e diminuindo a sua produção, criando uma escassez que elevou os preços. A
Arábia Saudita, detentora de 30% das reservas mundiais, teve um papel determinante nesta política, conduzida pelo ministro do petróleo, o xeque Yamani. As nações ocidentais, mergulhadas numa crise, prepararam-se para um racionalismo da gasolina, baixando os limites de velocidade, diminuindo o tempo de trabalho das fábricas e aumentando os preços. Depois da guerra, a OPEP aumentou os preços do petróleo, Em 1972, um barril de crude custava 3 dólares; no final de 1973, 18 dólares. Os países produtores de petróleo acumularam riqueza, diversificaram as suas indústrias, compraram propriedades e investiram em negócios no estrangeiro. Por seu lado, as nações ocidentais desenvolveram os seus recursos petrolíferos, nomeadamente no mar do Norte e Alasca, reduziram o consumo e fomentaram a procura de energias alternativas.
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A crise económica Após a crise da década de 1970, a validação de políticas económicas que garantissem a retomada do processo de acumulação de capital no bloco de países capitalistas exigiu uma concepção de desenvolvimento que disputasse a hegemonia com o Keynesianismo - que prevalecera nos anos anteriores, a “era de ouro” do capitalismo. Esta nova concepção de desenvolvimento, inspirada em ideais liberais, o “novo liberalismo” - ou neoliberalismo - pode ser interpretada como uma das formas de resposta do capitalismo à sua própria crise, nos anos 70. No entanto, esta resposta parece ter sido insuficiente para retomar o ritmo de acumulação de capital nos países centrais. Apesar de uma ligeira recuperação conjuntural, o neoliberalismo não se traduziu numa redução das taxas de desemprego. Ao contrário do que advogavam os defensores das teses neoliberais ao defenderem um Estado mínimo, o que se observava era exactamente o contrário. Nos anos posteriores à II Guerra Mundial, a expansão dos direitos sociais e a tentativa de atenuação dos efeitos das crises cíclicas do capitalismo, foram os principais objectivos das grandes economias mundiais. Evitava-se, assim, sob inspiração de políticas neoliberais, o retorno ao colapso económico que ocorrera em 1929. A manutenção destes objectivos implicava uma pesada intervenção estatal, cujo intuito era manter a economia em “estado de quase boom”. Nos termos de Keynes, “o remédio para o auge da expansão não é a alta, mas a baixa da taxa de juros! Pois esta pode fazer perdurar o chamado auge da expansão. 44
O verdadeiro remédio para o ciclo económico não consiste em evitar o auge das expansões e em manter assim uma semi-depressão permanente, mas em abolir as depressões e manter de modo permanente um quase boom!”. Entre os anos de 1974 e 75, a economia capitalista experimentou a primeira recessão generalizada desde a II Guerra Mundial. Mendonça (1990) identifica a crise capitalista como um fenómeno que nasce e se desenvolve com as próprias relações de produção do sistema. A crise de 1929 foi responsável pela queda da supremacia teórica de inspiração liberal e pela consequente emergência das teses de inspiração keynesiana, assim como a crise de 1974 -75 responde pelo regresso da supremacia teórica neoliberal. As primeiras dificuldades em sustentar os altos níveis de crescimento/ desenvolvimento económico conquistados no pós-guerra surgiram com a incapacidade dos governos das principais economias em sustentar o sistema monetário e financeiro internacional constituído no acordo de Bretton Woods, 1944. O desajuste deste ordenamento teve como principal consequência a supressão da conversibilidade dólar-ouro, em 1971. A partir de então, como forma de se protegerem da maior competitividade propiciada pelos EUA, todos os países desenvolvidos abandonaram o regime cambial estabelecido no acordo de 1944. É neste meio que se desdobram as desvalorizações competitivas e se incrementam as medidas proteccionistas. O que se observou a partir do desarranjo da ordem monetária e financeira internacional
é que “as relações económicas internacionais passaram a desenrolar-se num clima de incerteza e insegurança, de concorrência exacerbada, com as principais divisas a flutuarem nos mercados cambiais. No plano interno de cada país, a política económica começou a revelar crescentes dificuldades em conciliar o controlo da inflação com a manutenção do crescimento económico” (Mendonça, 1990). O aumento do preço do petróleo foi dos acontecimentos mais determinantes para a crise dos anos 70, bem como para a expansão do processo inflacionário. Aquando do primeiro aumento de preços, em finais de 1973, ainda se acreditava que os governos seriam capazes de conter a inflação que o aumento de preços gerara. Esperava-se também que as políticas de manipulação da demanda fossem capazes de sustentar o crescimento/ desenvolvimento económico, ainda que sob taxas mais modestas que as prevalecentes durante os anos anteriores. Isto tanto é verdade que em 1973 as perspectivas de crescimento para o ano de 1974 para a OCDE eram de 3,8%; de 2,3% para os Estados Unidos e de 7,5% para o Japão. O novo aumento do preço do petróleo, deflagrado em Janeiro de 1974, o Primeiro Choque do Petróleo, consolidaria o quadro de crise económica. A crise manifestou-se de forma evidente através da quebra acentuada dos indicadores de produção, sobretudo industrial; retracções nos investimentos; aumento exponencial do desemprego e multiplicação das falências empresariais. O movimento cíclico total foi composto por uma crise entre 1974 e 1975, seguido de
► Estacionamento público em Chicago na década de 70.
■ As conferências de Bretton Woods, ao definirem o Sistema Bretton Woods de gerenciamento económico internacional, estabeleceram, em Julho de 1944, as regras para as relações comerciais e financeiras entre os países mais industrializados do mundo. O sistema Bretton Woods foi o primeiro exemplo, na história mundial, de uma ordem monetária totalmente negociada, tendo como objetivo governar as relações monetárias entre NaçõesEstado independentes. Preparando-se para reconstruir o capitalismo mundial ainda durante o decorrer da Segunda Guerra Mundial, 730 delegados de todas as 44 nações aliadas encontraram-se no Mount Washington Hotel, em Bretton Woods, New Hampshire, para a Conferência monetária e financeira das Nações Unidas. Os delegados deliberaram e finalmente assinaram o Acordo de Bretton Woods (Bretton Woods Agreement) durante as primeiras três semanas de Julho de 1944.
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◄ Guerra do Vietname (1954-1968) Foi o mais longo conflito militar que ocorreu depois da II Guerra Mundial. Estendeu-se essa guerra em dois períodos distintos. No primeiro deles, as forças nacionalistas vietnamitas, sob orientação do Viet-minh (a liga vietnamita), lutaram contra os colonialistas franceses, entre 1946 a 1954. No segundo, uma frente de nacionalistas e comunistas - o Vietcong - enfrentaram as tropas de intervenção norte-americanas, entre 1964 e 1975. Com um pequeno intervalo entre os finais dos anos 50 e início dos 60, a guerra durou quase 20 anos. Na verdade, devido a sua irradiação, seria melhor dizer Guerra da Indochina, do qual o Vietnã é uma das partes. A Indochina, região assim chamada por ser uma zona intermediária entre a Índia e a China, ocupa uma península do sudoeste asiático e está dividida entre o Vietnã (subdividido em Tonquim e Conchinchina), o Laos e o reino do Camboja. Toda essa região caiu sob domínio do colonialismo francês entre 1883-5 e assim ficou até a ocupação japonesa, entre 194145. Com a queda da França em 1940, formou-se o governo colaboracionista de Vichy, aliado dos nazistas. Em vista disso os japoneses permitiram uma certa autonomia administrativa feita por franceses. Mas em 1945, com a derrota do Japão, os franceses tentaram recolonizar toda a Indochina.
uma leve recuperação no período entre 1976 e 1977, e por uma nova crise, iniciada no ano de 1979. As características da crise do final dos anos setenta são bastante semelhantes à anterior: quebra do produto dos principais países capitalistas; os investimentos sofrem novamente grandes retracções; as quebras atingem sobretudo a produção industrial e, por fim, os níveis de inflação e desemprego sobem consideravelmente. Ainda de acordo com a análise de Mendonça (1990), é possível dividir em quatro fases a crise económica de 1970: A primeira fase é constituída pela própria eclosão da crise, fora das previsões dos governos; isto porque sempre se acreditou na possibilidade de superação das adversidades e no retorno do processo de expansão da actividade económica. No entanto, os instrumentos de que os governos dispunham para executar esta tarefa, foram progressivamente perdendo a sua eficácia, tornando-se impotentes perante os acontecimentos. A segunda fase caracteriza-se pelo fato da recuperação económica não se ter desenvolvido como esperado, ou seja, os ritmos de crescimento/desenvolvimento, a inflação e o desemprego não retornaram aos níveis anteriores à crise. Esta recuperação tímida acabaria por desencadear uma nova crise, entre 1980 e 1982. Os governos assistiriam, mais uma vez, impotentes - a terceira fase. Por fim, a quarta fase é constituída pela perda absoluta da eficácia dos instrumentos de política económica, de tal forma que se abre caminho à crise da teoria de cariz keynesiano que a inspirou. Contrariamente às análises keynesianas, para as quais o
aumento exagerado dos preços do petróleo foi determinante para a deflagração da crise de 1974-75, os teóricos liberais consideram que a sua causa primordial foi a excessiva expansão monetária, praticada a partir da década de 1960, principalmente, pelos Estados Unidos. Em linhas gerais, o que os liberais põem em causa é a própria intervenção estatal; em contrapartida, defendem o retorno dos mecanismos de mercado para a regulação da actividade económica. A intervenção do Estado, sob a forma de política económica, é profundamente questionada no pós-guerra: “no plano do poder político assistiu-se à perda progressiva de influência das teses keynesianas, favoráveis à extensão da intervenção do Estado na situação de crise e a uma certa hegemonia das concepções liberais (ou neoclássicas), sobretudo a partir da subida ao poder das forças políticas mais conservadoras em Inglaterra (Thatcher, em 1979) e nos EUA (Reagan, nos anos 80)” (Mendonça, 1990). Assim, a validação de novas políticas económicas que garantissem a retomada do processo de acumulação de capital no bloco de países capitalistas, após a crise de 70, exigia uma concepção de desenvolvimento que contestasse as teorias Keynesianas. A esta nova concepção de desenvolvimento inspirada em teses liberais denominou-se neoliberalismo - ou “novo liberalismo”. Assim, nos anos 70, o neoliberalismo apresenta-se como uma das formas de resposta do capitalismo à sua própria crise. Contudo, a resposta neoliberal revelou-se insuficiente para retomar o ritmo da acumulação de capital nos anos subsequentes. 47
O Neoliberalismo de Reagan Anos 80
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Os Estados Unidos da América sofreram uma recessão económica nos anos 70/80 devido aos grandes investimento vv s do país na causa espacial, na Guerra Fria, contra a União Soviética, e na Guerra do Vietname. Como resposta à crise, Ronald Reagan, no seu mandato presidencial norte-americano de 1981, estabelece novas políticas e estratégias económicas. Sendo o primeiro presidente conservador desde o New Deal, Reagan é considerado um presidente pró-negócios. Combatia o Socialismo e o Comunismo, afirmando que atentava contra a liberdade dos cidadãos, “Os Patriotas Fundadores sabiam que um governo não pode controlar a economia sem controlar a população. E eles sabiam que quando um governo o decide fazer, tem de usar a força e coerção para atingir o seu propósito.” As suas teorias políticas enveredavam por uma ideologia neo-liberal que vai ao encontro das motivações liberais do laissez-faire, anterior ao New Deal. Reagan acreditava que o Estado Federal de-
veria ser desresponsabilizado de uma intervenção económica directa, proporcionando às empresas e corporações liberdade para desenvolverem e expandirem o seu negócio. Tal como Reagan afirma, “O Governo não é a solução do nosso problema, o Governo é o problema.” As suas políticas ficaram conhecidas como Reaganomics e tentavam, prioritariamente, equilibrar o orçamento federal de modo a poder investir em gastos no sistema de defesa militar. Para o fazer, Reagan pretendia diminuir a responsabilidade governamental na resolução de problemas sociais, reduzindo as restrições do mercado e implementando a redução dos impostos para estimular o investimento nos negócios. Por outro lado, encorajava a iniciativa privada de empresas ou de administrações locais. Assim, Reagan aspirava revigorar a população americana, reduzindo a sua dependência do Governo e restaurando o optimismo e a confiança no progresso e expansão norte-americanos.
â–˛ Bruxelas, 1972. David Kennedy, Ronal Reagen, Joseph Luns.
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O séc. XXI e a crise económica mundial A economia mundial, como uma enorme e incontrolável “bola de neve”, dispara cada vez mais rapidamente em direcção daquilo que já podemos definir como a Grande Depressão do século XXI. O capitalismo norte-americano, centro da economia mundial, cruza os dedos e agarra-se aos planos de Obama (como já fez no passado com Roosevelt, na Grande Depressão), esperando que estes impeçam uma derrocada. Até mesmo o próprio Alan Greenspan ,ícone neoliberal e presidente da Reserva Federal (banco central dos USA), durante a última grande onda especulativa norte-americana, pede a nacionalização temporária dos grandes bancos à beira da falência (cujas perdas o FMI calcula em 2,2 bilhões de dólares – outras fontes dizem 3,6 -, enquanto o valor das acções dos bancos foi reduzida a 400 biliões). Neste mesmo período variados Estados dos América, diante insolvência, decretaram estado de emergência fiscal. Assim, acabariam por recorrer aos cortes dos salários, despedimentos e suspensão de obras públicas, o que não acontecia desde a Grande Depressão. O Ministro da Economia do Japão acaba por declarar, diante dos resultados económicos do quarto trimestre de 2008 (queda do PIB da ordem de 3,3% em relação a 2007), que “a economia japonesa foi literalmente varrida”.
As limitações do novo “New Deal” A actual política de Obama (e, por extensão, a dos países ricos da UE, como Alemanha e França) foi comparada com o New Deal de Roos-
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evelt. Efectivamente, o New Deal é a referência histórica destes governos. Como dizia o velho Trotsky, em plena Depressão, “uma forma de perplexidade política”, é possível apenas em países historicamente privilegiados, e em que a burguesia consiga acumular riqueza. De facto, os países pobres e dependentes não podem recorrer a riqueza acumulada, nem endividar as próximas gerações - os governos dos grandes países imperialistas reconhecem que carecem de um verdadeiro plano e mostram-se perplexos em relação ao futuro. O grande argumento é que “é preciso fazer alguma coisa” mesmo não funcionando, pois a única coisa segura é que, caso contrário, o capitalismo será precipitado ao abismo. Roosevelt foi mais poético ao expressar que “só se deve ter medo do medo”. Contudo, não se pode afirmar que o New Deal foi uma política que fracassou. É verdade que conseguiu alguma recuperação económica (que favoreceu, sobretudo, os grandes monopólios) e um alívio parcial à crise. A média da taxa de desemprego de 1930 a 1939 foi de 18,3% e foram milhões os trabalhadores que viveram durante esse tempo à custa da caridade pública e privada. Apenas em 1937 o desemprego baixou para 15%; neste mesmo ano, a economia norte-americana voltou a cair, elevando o desemprego a 19%. De facto, a verdadeira recuperação económica norte-americana só se deu com a entrada do pais na II Guerra Mundial, em 1941, quando
enviou 12 milhões de jovens trabalhadores para combater, colocando todos os recursos do país ao serviço do esforço bélico. Mais tarde, beneficiou da reconstrução de uma Europa submetida à mais completa devastação. A Grande Depressão mostrou a incapacidade de um capitalismo em declínio, para superar por si mesmo as grandes crises de superprodução. Foi necessária uma intervenção maciça do Estado (o “New Deal”) para impedir um completo desastre, sem que conseguisse, no entanto, salvá-lo da crise. A crise actual distingue-se da de 1929 pelo facto de que agora a especulação e o parasitismo financeiro chegaram a um ponto em que até os próprios financistas do início de século teriam considerado anormal. Do mesmo modo, o grau de interconexão da economia mundial, depois das últimas duas décadas de globalização, atingiu extremos a que nunca o capitalismo imperialista aspirara. A crise actual vem também ligada a novos componentes, como a crise energética (a iminência do chamado “pico do petróleo”) e a ameaça ambiental que atemoriza as condições de vida da humanidade. Acrescente-se a tudo isso que a indiscutível superioridade militar norte-americana e a capacidade destrutiva do moderno arsenal nuclear excluem hipóteses ao estilo da II Guer-
■ Obama inovará a internet como Roosevelt fez com a rádio O uso explosivo da internet, adotado com destreza por Barack Obama e sua equipe durante a campanha eleitoral, promete revolucionar a comunicação entre o presidente e os americanos, repetindo o feito de Franklin Delano Roosevelt, que conquistou a América e o mundo com o rádio, afirma o presidente do instituto New Democrat Network, Simon Rosenberg - veterano da campanha de Bill Clinton à Casa Branca, em 1992.
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ra Mundial, a verdadeira garrafa de oxigénio do capitalismo norte-americano nos anos 30. Em 1933, quando o Presidente Franklin Roosevelt tomou posse e lançou o New Deal comentou: «A Nação está a pedir ajuda, e é preciso agir já». Quando hoje se fazem comparações entre o Presidente Obama e Franklin Roosevelt e se fala de um novo New Deal é preciso prudência; as épocas históricas são diferentes, os problemas têm especificidades diferentes e a história nunca se repete da mesma maneira. No entanto, há um traço comum: hoje, tal como em 1933, os Estados Unidos e o mundo inteiro pedem rápida intervenção. O ano de 2008 foi caracterizado por um primeiro semestre em que o alto preço do petróleo e dos bens em geral - incluindo os alimentares - levou alguns economistas a prever todo o tipo de catástrofes por falta de recursos, e terminou com um segundo semestre em que 52 se assistiu a uma intervenção crescente dos
governos na economia e ao regresso das teorias de John Maynard Keynes. Do ponto de vista económico, o primeiro semestre de 2008 foi dominado pela luta contra a inflação alimentada pelos altos preços dos produtos e a segunda metade pela crise financeira e o perigo da queda acentuada da procura mundial, que gerou um período de deflação. É neste contexto que devemos perguntar: porquê o retorno das teorias keynesianas, base do plano do actual presidente dos EUA, e que foram consagradas na cimeira dos G-20, realizada em Washington, em Novembro de 2008. Keynes, apesar de continuar a ser estudado nos meios académicos, foi hostilizado por ideólogos e políticos defensores do fundamentalismo do mercado livre, da desregulação, da privatização e do «Estado mínimo». Por outro lado, a falta de confiança gerada nos mercados financeiros fez com que os bancos não emprestassem dinheiro uns aos outros e às
empresas que os solicitavam. Foi esta situação, aliada ao colapso da procura e à especulação, que abriu caminho à progressiva intervenção dos governos na economia e ao ressurgimento das teorias keynesianas. Keynes defendeu todo um programa para estimular a economia nestas circunstâncias com base no aumento da despesa pública (financiada pela dívida) e na redução dos impostos. É neste quadro que emerge o plano do Presidente Obama e as propostas da cimeira dos G-20, apelando a respostas para a crise económica e financeira, que passam por uma maior intervenção dos governos na economia - mais sector público e mais regulação. A realidade é demasiado complexa para ficarmos prisioneiros de disputas políticas e ideológicas que usam as teorias económicas como campo de batalha. Contudo, há que ter algumas precauções em relação ao entusiasmo excessivo à volta da teoria keynesiana, afinal esta não é universal; tem
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limitações. Apesar de ter estimulado a economia dos EUA e do mundo após a Grande Depressão, revelou-se ineficaz nos anos 70. O plano de Obama contempla dois objectivos claros a curto prazo: reactivar a economia e lutar contra o desemprego. Para tal, aposta na área da energia e das tecnologias limpas para servir de motor à activação da economia do país, conduzindo a um ressurgimento económico. A questão suscitada é a seguinte: será a energia uma boa solução? A reformulação da matriz energética dos EUA poderá resolver múltiplos problemas e constrangimentos, caso o objectivo seja alcançado. Em particular, poderá diminuir a dependência energética de combustíveis fósseis, alterando o actual modelo de desenvolvimento e consumo, tornando-o mais sustentável e competitivo. Neste sentido, podemos dizer que a transformação da matriz energética e o impacto positivo que esta terá no modelo de desenvolvimento económico, poderá ser uma boa resposta à recessão. A saída da crise actual implica a escolha de um novo sector de desenvolvimento que possa servir de motor ao crescimento económico. Olhando para os grandes desafios do século XXI – o terrorismo, a segurança energética e a ameaça
climática – é indubitável concluir que a aposta na economia da energia foi uma boa escolha. Um elemento do plano de Obama é a percepção de que a superação da crise económica e financeira é um problema que os mercados livres e não regulados e o capital privado não irão resolver. Como disse o Franklin Roosevelt há muito tempo atrás, citado por Paul Krugman, economista norte-americano, : «Nós sempre soubemos que o interesse privado irrestrito é má moral; sabemos agora que é também má economia.» Nesta perspectiva, Paul Krugman fez também uma crítica ao economista, Milton Friedman, quando este defendeu o fundamentalismo do mercado: «No início dos anos 60 Friedman fez um completo retorno ao fundamentalismo do mercado livre argumentando que mesmo a Grande Depressão foi causada não pelas falhas do mercado mas sim pelas falhas do Governo. O seu argumento é insustentável e, direi eu, quase no limite da desonestidade intelectual. Mas o facto de um grande economista se sentir compelido a engajar-se numa posição intelectual dúbia é, por si só, uma indicação do poder de atracção do fundamentalismo do mercado livre.» No fundo, o que a crise financeira actual veio
pôr em causa não é a ideia do mercado em si mas o princípio da auto-regulação dos mercados, e isto é um dado importante para formatar as políticas que vão lidar com a crise. Quando em 1985 o preço do petróleo chegou abaixo dos 10 dólares por barril, todas as tecnologias de substituição que tinham sido desenvolvidas, incluindo as energias renováveis e a nuclear, foram postas em causa. O que sobrou foi a energia nuclear nalguns países, em especial em França, onde hoje é responsável pelo fornecimento de 80 por cento da electricidade do país. Tal como afirmara Keynes: «A Economia é um método e não uma doutrina, um aparelho conceptual e uma técnica de pensamento que ajuda a tirar conclusões correctas.» O Presidente Obama é um digno herdeiro das grandes tradições democráticas americanas e é um mobilizador e agregador de vontades, características dos grandes presidentes americanos de Abraham Lincoln a Franklin Roosevelt. Como afirmado pelo The Economist (revista semanal inglesa), os próximos oito anos poderão ser, «uma desilusão, um renascimento triunfal mas nunca algo intermédio». 55