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César de Gregorio, médico dentista espanhol
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César de Gregorio médico dentista espanhol especializado em Endodontia e orador do World Congress of Dental Traumatology
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O médico dentista César de Gregorio, especializado em Endodontia, é um dos oradores do World Congress of Dental Traumatology que vai realizar-se no Centro de Congressos de Lisboa em 2021, após ter sido adiado (estava previsto para junho próximo) devido à pandemia de Covid-19.
O prestigiado clínico espanhol - que divide a sua rotina profissional entre a Universidade Rei Juan Carlos (é sub-diretor e professor do Mestrado de Endodontia Microscópica e Cirurgia Apical) e o seu consultório, em Madrid - intervirá no contexto de um fórum educativo com vários especialistas internacionais, durante o qual se irá debater o estado atual da traumatologia em diferentes centros educativos e propor as alterações necessárias para conseguir salvar o máximo número de dentes afetados por traumatismos. Em entrevista à MAXILLARIS, o profissional (e conferencista) do país vizinho faz o ponto da situação da endodontia sob o ponto de vista científico, terapêutico e tecnológico.
Como antecipa a sua presença no World Congress of Dental Traumatology (WCDT) que vai decorrer em Lisboa?
Os congressos mundiais da International Association for Dental Traumatology (IADT) despertam em mim uma grande motivação sempre. Por uns dias, são o centro mundial da traumatologia dentária, reunindo docentes, clínicos e investigadores de todas as partes do mundo. Ao tratar-se de uma associação global, permite uma interação muito enriquecedora. A IADT tem conseguido superar as metas marcadas em cada WCDT. Há dois anos, em San Diego (EUA), todos os participantes mostravam uma grande satisfação com as conferências e atividades às quais assistiram e não tenho a menor dúvida de que em Lisboa será ainda melhor. Ao estar envolvido em vários comités da IADT, sei em primeira mão o grande esforço que os organizadores estão a realizar. Uma das características dos WCDT é que agrega clínicos de diferentes especialidades, tendo em vista que a traumatologia dentária é claramente multidisciplinar. Deste modo, os participantes verão os distintos enfoques e opções terapêuticas das distintas fases dos tratamentos. Tudo isso, oferecido pelos melhores profi ssionais no seu campo. Recomendo a todos os médicos dentistas, independentemente da experiência que tenham ou do volume de traumatismos que tratem de forma regular; ser-lhes-á de grandíssima ajuda no diagnóstico e nos seus tratamentos.
A sua participação no congresso será no contexto de um simpósio de educação. Pode adiantar-nos algo sobre o tema/experiência que partilhará com os congressistas do WCDT?
O Educators Forum é sem dúvida um dos eventos do WCDT em que a IADT está a empenhar um grande esforço. O objetivo é discutir, entre académicos de diferentes partes do mundo, a situação atual dos programas de Medicina Dentária e pós-graduações no que se refere à traumatologia dentária e tratar de promover um programa educativo que, acima de tudo, responda às necessidades dos nossos pacientes. Estamos a preparar com muita dedicação uma sessão em que possamos conhecer o estado atual da traumatologia em diferentes centros educativos e sobretudo, em propor as alterações necessárias para que esse programa educativo seja útil e efi caz, para que consigamos salvar o máximo número de dentes afetados por traumatismos e tratar de conter ao máximo as consequências que estes possam ter nos nossos pacientes. É um verdadeiro prazer participar neste evento e estar rodeado de muitos dos melhores docentes do mundo nesta área, que sem dúvida será muito proveitosa para médicos dentistas e outros profi ssionais de saúde.
Atualmente, que relevância assume a vertente da traumatologia dentária no contexto global da Medicina Dentária?
A relevância da traumatologia dentária é altíssima. Recordemos que é realmente uma situação de urgência para um paciente, pelo que requer um diagnóstico imediato e em muitas ocasiões também o início de tratamentos na mesma sessão. Os traumatismos dentários afetam muitas vezes de forma moderada ou grave os tecidos dentários e de suporte, além disso na maioria dos casos afetam pacientes jovens em desenvolvimento. Este último ponto é fundamental, já que as consequências que estes traumatismos têm em pacientes em crescimento têm um grande impacto na preservação dos dentes afetados e em como se irão desenvolvendo os processos alveolares. Infelizmente, a formação em traumatología dental, de acordo com os resultados da literatura científi ca, é bastante limitada. Por este motivo, a IADT trabalha muito intensamente para tratar de lançar protocolos estandarizados, facilmente assimiláveis por qualquer profi ssional para prevenir ou minimizar complicações em pacientes que sofreram um traumatismo.
Que pautas ou linhas mestras considera imprescindíveis quando se enfrenta o tratamento de um trauma dentário?
As principais recomendações que eu daría a um médico dentista que se depara com um traumatismo dentário seria, em primeiro lugar, que deve considerar ter formação e estar atualizado. Vejo numerosos casos de traumatologia dentária na minha prática, que lamentavelmente sofreram, para além do traumatismo, a consequência de tratamentos ou protocolos não adequados. A segunda seria considerar a idade do
Cartaz do congresso com a chancela da International Association for Dental Traumatology, que conta com a colaboração da Sociedade Portuguesa de Endodontologia e da Sociedade Europeia de Endodontia. A edição de 2020 foi adiada para o próximo ano.
paciente e o estado de maturidade dos dentes afetados. Os protocolos são em ocasiões muito diferentes atendendo a este fator. De modo que em dentes permanentes imaturos, costumamos considerar tratamentos mais “biológicos”, que induzam ou possibilitem a manutenção da pulpar, em muitas ocasiões. Outro dos pontos relevantes, sem dúvida nenhuma, diz respeito ao diagnóstico. Hoje em dia, o diagnóstico mediante tomografi a computorizada de feixe cónico (CBCT) permite uma melhor compreensão da patologia e está altamente recomendada em determinadas lesões. Outra recomendação refere-se aos tratamentos na sessão de urgência. Muitas vezes é preferível estabilizar e tratar unicamente o mais grave ou urgente para posteriormente avaliar com uma equipa multidisciplinar as distintas possibilidades de tratamento. Por último, na traumatologia dentária é fundamental manter uma monitorização. Não existe caso de trauma que não possa apresentar complicações, tais como reabsorções e estas requerem um diagnóstico precoce.
Acha que os médicos dentistas em geral têm um nível formativo adequado em endodontia ou haverá que investir mais na formação neste domínio da profi ssão?
Quanto à endodontia, depende muito do país ou da região. Considero que nos últimos anos se trabalhou no rumo adequado em muitos países, incorporando uma endodontia mais contemporânea e atualizada não só ao nível pós-graduado como também no pré-graduado. Ainda assim, como endodontista, creio que ainda se pode melhorar em muitos aspetos, mas considero que pelo menos em Espanha e Portugal, onde conheço muitos profi ssionais de distintas áreas, existe uma adequada formação em endodontia. Onde creio que se pode melhorar é, curiosamente, no diagnóstico. Em lugar de centrar-nos tanto em descrever técnicas, devemos partir de uma boa base diagnóstica. Em ocasiões, continuamos a ver que, inclusive em diagnósticos sem uma elevada difi culdade, continua-se a planifi car tratamentos farmacológicos ou terapêuticos inadequados.
César de Gregorio constata que a tecnologia digital está a entrar na endodontia “de forma implacável”.
A Sociedade Europeia de Endodontologia realizou várias comunicações que alertam para o uso descontrolado de antibióticos no tratamento farmacológico de pulpites irreversíveis e outras patologias que não requerem tratamento antibiótico.
Em que momento se encontra a endodontia sob o ponto de vista científi co e terapêutico?
Creio fi rmemente que é uma das áreas da Medicina Dentária em que mais se avançou e continua a avançar. Não restam dúvidas de que é um dos campos em que se realizam mais estudos científi cos e isto está a ajudar-nos a realizar uma endodontia ainda mais previsível. Além disso, estamos a retomar um caminho que infelizmente parece que se tinha perdido nos últimos anos: a manutenção do dente é muito superior, em termos biológicos, funcionais e estéticos, à sua extração e posterior reabilitação com implantes. De modo que se os dentes afetados podem manter-se sob o ponto de vista periodontal e restaurador, este é, sem dúvida alguma, o melhor tratamento possível. As associações de endodontia de todo o mundo tratam de informar sobre estos aspetos aos pacientes, que ocasionalmente não conhecem os numerosos benefícios de manter os
seus próprios dentes. Além disso, os avanços em diagnóstico tridimensional, o uso do microscópio, novos sistemas de instrumentação, irrigação e obturação, fazem com que o arsenal tecnológico de que nos rodeamos para os nossos tratamentos seja realmente importante e que, além do mais, possibilite um tratamento mais cómodo para o profi ssional/paciente, sendo além disso altamente previsível.
Em que áreas da endodontia pensa que se produzirão avanços (a curto/médio prazo) e quais poderão ser mais decisivos?
Os últimos avanços foram marcados pelo diagnóstico tridimensional (CBCT) e provavelmente no campo da instrumentação e da desinfeão. A resolução das imagens que obtemos hoje com os CBCT com Small-FOV (fi eld of view) é muito elevada e, além disso, minimiza a radiação do paciente a níveis realmente baixos. Os sistemas de libertação e ativação da irrigação representaram um avanço importante no controlo microbiológico e a instrumentação é hoje em dia menos complexa graças a novas ligas, movimentos e desenhos dos instrumentos. A curto/médio prazo creio que podem surgir avanços interessantes em desinfeção, sobre os quais vários investigadores parece que estão a conseguir resultados muito prometedores. No campo do diagnóstico da pulpa, creio que continua a haver muito por descobrir e provavelmente as novas técnicas que possam chegar terão grandes aplicações também em traumatologia dentária. Hoje em dia, para o diagnóstico pulpar, baseamo-nos na sintomatologia e resposta do paciente a estímulos no dente afetado, assim como em descobertas radiográfi cas mas não existe uma análise centrada no tecido pulpar. Por último, as aplicações digitais, como a navegação guiada em cirurgias apicais ou o uso de realidade aumentada através do microscópio poderiam contribuir muito para o manejo de complicações, como calcifi cações, ou durante o retratamento de tratamentos com condutas omitidas.
Neste contexto, que papel desempenha a tecnologia digital no desenvolvimento da prática endodôntica?
No seguimento do que comentava no ponto anterior, a tecnologia digital está a entrar na endodontia de forma implacável. Tendo em conta que hoje em dia pode estar mais implementada em outras áreas, como a odontologia restauradora, creio que os endodontistas cada vez empregam mais tecnologia digital no seu dia a dia. Nos últimos anos, tratamentos que já estavam descritos na literatura, como o autotransplante, ganharam uma dimensão considerável devido ao uso desta tecnologia. Hoje em dia, é possível planifi car um autotransplante e guiar praticamente cada fase do tratamento, com o objetivo de diminuir tempos extraorais e danos no ligamento periodontal. Do mesmo modo, a aplicação no manejo de obliterações de condutas é cada vez mais frequente. Julgo que ainda há muito para evoluir nesse aspeto e provavelmente possamos assistir a uma importante revolução a curto ou médio prazo.