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Sérgio Matos, presidente da comissão organizadora

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Sérgio Matos presidente da comissão organizadora do XL congresso anual da Sociedade Portuguesa de Estomatologia e Medicina Dentária (SPEMD)

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Congressos com características muito próprias como o da SPEMD continuarão a ocupar o seu espaço”

O XL congresso anual da Sociedade Portuguesa de Estomatologia e Medicina Dentária (SPEMD), que estava agendado para o próximo mês, em Coimbra, foi uma das grandes cimeiras presenciais do setor que não resistiu aos efeitos da pandemia de COVID-19, tendo sido adiado para 2021. A comissão organizadora, presidida pelo médico dentista Sérgio Matos, programou, entretanto, para a primeira quinzena de outubro, uma série de webinários, que vão funcionar como “rampa de lançamento” do congresso do próximo ano. O também investigador da Universidade de Coimbra antecipa à MAXILLARIS os pormenores desta iniciativa. A propósito dos efeitos da conjuntura pós-coronavírus na Medicina Dentária, vaticina que iremos assistir a um foco maior em temas estruturais da profissão como ergonomia, patologias ocupacionais, organização do espaço clínico e medidas de prevenção e controle da infeção.

Em tempos de pandemia, a SPEMD optou por cancelar o congresso que estava previsto celebrar-se em outubro, como acontece todos os anos. Não estavam reunidas as condições para a realização do encontro em 2020?

No contexto atual, ainda vivemos tempos de incertezas e riscos relevantes. Só se justifica organizar um congresso desta natureza e dimensão se conseguirmos projetar com segurança o cumprimento de condições para a sua realização num hiato temporal relativamente lato. Neste momento, isso não é possível face à imprevisibilidade sanitária, económica e social da evolução da pandemia. Inclusivamente, os planos de contingência e as diretrizes governamentais e das autoridades competentes não são definitivos sobre este tipo de eventos face a um cenário em permanente alteração. Nesse sentido, a SPEMD, como sociedade científica de referência, tem a obrigação de dar o seu contributo através de uma posição clara de responsabilidade social. Tivemos a compreensão e solidariedade nesta decisão de todos os nossos parceiros comerciais que patrocinam o evento e penso que esse sentimento também é extensível à maioria dos colegas e associados.

O período de confinamento, apesar de todo o constrangimento que provocou, também foi pródigo em dar-nos algumas dicas para o futuro

Que alternativa encontrou a comissão organizadora para compensar o “vazio”, no plano formativo, que resulta da não realização do congresso?

Pretendemos, durante a primeira quinzena de outubro, fazer um evento que funcione como o lançamento do congresso do próximo ano através da organização de uma série de webinários e de comunicações científicas. A ideia é promover um envolvimento precoce dos colegas. Iremos desenvolver temas de caráter profissional relacionado com a nossa atividade nos consultórios no contexto atual, mas também temas de relevância clínica na área da estética, periodontologia e reabilitação.

Tudo indica que os webinários, e a formação online em geral, vão assumir um especial protagonismo no periodo pós-COVID-19. Partilha deste ponto de vista?

Sim, claramente. O periodo de confinamento, apesar de todo o constrangimento que provocou, também foi pródigo em dar-nos algumas dicas para o futuro. Essa foi por certo uma delas. Contudo, não partilho da opinião de alguns que se apressaram a vaticinar o fim dos congressos nos moldes tradicionais, mas será por certo um instrumento muito útil e incontornável na formação ao longo da vida. Não considero que seja um substituto da formação presencial, mas um complemento importante. Apesar de tudo, os congressos, como os conhecemos até agora, também possibilitam uma forma de aprendizagem única fora das salas de conferência, através

da troca de ideias, confrontação de experiências, discussão de controvérsias entre colegas e profissionais da área, sem mediadores, de uma forma rica e direta, num contexto informal de proximidade. Esta vivência é insubstituível e muitas vezes representa a mais-valia dos eventos científicos presenciais. Julgo que os colegas passarão a ser mais seletivos nas suas escolhas e muitos eventos deixarão de se justificar em moldes estritamente presenciais, mas congressos com características muito próprias como o da SPEMD continuarão a ocupar o seu espaço. O que não invalida que mesmo este possa evoluir para um modelo misto no futuro.

Já foi definida uma data para o congresso de 2021? Seguindo a regra de alternância (geográfica) que caracteriza este evento, Coimbra irá manter-se como cidade anfitriã da próxima edição?

A regra da alternância geográfica não se coloca neste momento excecional, porque o congresso foi adiado por um ano. Assim, transfere-se toda a organização que já estava a ser implementada nos mesmos moldes para o ano seguinte. Como tal, a edição XL do congresso da SPEMD irá realizar-se nos dias 8 e 9 de outubro, em Coimbra, no Convento de São Francisco.

Que temáticas vão merecer particular destaque ao abrigo do programa científico?

Iremos apostar num modelo de fóruns de discussão clínica que promova a partilha de experiências e interação com os colegas. Pretende-se estimular discussões com diferentes abordagens de problemas atuais em áreas como a cirurgia e patologia oral, regeneração óssea ou odontopediatria, para citar apenas algumas das mais relevantes. Daremos ainda particular ênfase à organização de um fórum de casos multidisciplinares com a participação de especialistas de diversas áreas, para que nos possam dar o seu contributo na resolução de casos complexos a longo prazo. É nosso entendimento que a bitola da excelência clínica deve centrar-se na arena científica e não na prática dentária baseada no imediatismo mediático. Além disso, como é apanágio da SPEMD, sendo uma das suas marcas identitárias, organizaremos um fórum de investigação, cujo objetivo incidirá em descodificar o chavão do conceito da investigação translacional e clarificar o grau de extrapolação clínica das várias tipologias de estudos.

Iremos, ainda pela primeira vez, estimular uma forma de programa participativo, em que os colegas poderão escolher temas e oradores que mais gostariam de ver no congresso.

Quais são os nomes que já confirmaram disponibilidade para comparecer em Coimbra, e que deverão despertar especial interesse entre o leque de oradores e convidados da próxima edição?

Devido às alterações inerentes do momento particular que vivemos, ainda temos muitos nomes pendentes que carecem de confirmação, mas que a devido tempo serão divulgados. Estamos convictos de que o programa científico será de grande qualidade apostando não só nalgumas referências internacionais, como tem sido apanágio de edições anteriores, mas também em colegas nacionais de reconhecido valor, que assenta aliás numa longa tradição na SPEMD. Para já podemos destacar o nome de duas referências nas suas áreas de atuação: Paulo Vinicius Soares, da Universidade Federal da Uberlândia (Brasil), sobre lesões cervicais não cariosas e hipersensibilidade, e Asunción Mendonza, da Universidade de Sevilha (Espanha), que abordará o tema das avulsões dentárias.

Que pormenores pode adiantar quanto à vertente mais formativa do congresso?

O congresso da SPEMD sempre teve como ambição máxima conseguir alcançar o pleno, o que advém do seu legado histórico. Temos, simultaneamente, que fazer jus a um caráter generalista de grande divulgador da legis artis, mas ao mesmo tempo desenvolver com profundidade as várias “artes” dentárias. O nosso propósito continua a ser o de conjugar a visão singular do especialista e o pragmatismo abrangente do generalista, para que cada um possa fazer a sua própria síntese no melhor enquadramento da sua atividade. Assim, além da vertente científica muito diversa que iremos implementar, também apostaremos em cursos práticos com vários níveis de diferenciação.

Espera-se um reforço da adesão dos representantes da indústria?

Até agora tivemos uma resposta muito positiva da parte dos nossos parceiros comerciais. Muitas empresas estão a atravessar momentos de reorganização interna e o adiamento do congresso foi não só compreendido por todos, como também serviu para ganhar tempo, fôlego e transmitir alguma tranquilidade. Houve uma manifesta vontade em continuarem a apoiar o evento no próximo ano e, inclusivamente, já angariámos novos apoios durante o periodo de desconfinamento. Pelo que é expectável que a adesão venha a ser reforçada à medida que a confiança vá aumentando com a adaptação aos tempos atuais.

No contexto da exposição comercial, a comissão organizadora pondera adotar eventuais medidas que possam vir a dar uma melhor resposta às aspirações dos expositores?

Tudo faremos para reunir as condições apropriadas para que se mantenha uma interação direta entre os colegas e as casas comerciais num clima de segurança e normalidade. As condições que o Convento de São Francisco proporciona são ótimas e passaremos a ter uma área de exposição completamente coberta, com uma localização central em relação às salas de conferências. Será uma zona âncora de encontro, convívio e passagem obrigatória.

Na sua qualidade de profissional de Medicina Dentária, como encara o presente e o futuro do setor face à inédita crise de saúde pública que o país e o mundo atravessam?

Os tempos que correm são de uma exigência generalizada e nunca tivemos uma perceção social tão viva de que estamos todos ligados e interdependentes. Apesar de ter assistido de uma forma incrédula a momentos dignos de um cortejo da estupidez humana, quero acreditar que por uma questão de sobrevivência o bom senso terá que imperar e que seremos for

De acordo com o presidente da comissão organizadora, o XL congresso da SPEMD irá estimular uma inédita forma de programa participativo, que permite aos participantes poder escolher temas e oradores.

çados pelas circunstâncias a refazer as nossas vidas com uma nova normalidade. Da parte dos doentes, apesar do contexto económico adverso que se avizinha, acredito que passarão a equacionar melhor as suas escolhas e que o setor da saúde será prioritário. Relativamente aos colegas, julgo que haverá uma tendência para gerir a consulta de uma forma mais racional, com uma organização mais equilibrada das agendas e horários. Iremos assistir a um foco maior em temas estruturais da profissão como ergonomia, patologias ocupacionais, organização do espaço clínico e medidas de prevenção e controle da infeção. A ciência, por seu turno, terá que converter esta necessidade num novo impulso de investigação nestas áreas. O presente é pródigo em paradoxos e aparentes contradições. Sentimos que estamos extremamente dependentes da ciência e que será esta a encontrar as respostas para ultrapassarmos este momento difícil, mas simultaneamente a própria ciência também acentua dúvidas e contradições. Há um problema de comunicação para a sociedade em geral, e esta tem dificuldade em compreender a gestão da dúvida e da incerteza típica da abordagem científica. Também aqui a nossa profissão poderá assumir uma responsabilidade social acrescida, com um posicionamento credível, através de um discurso esclarecedor e como exemplo de referência.

É nosso entendimento que a bitola da excelência clínica deve centrar-se na arena científica e não na prática dentária baseada no imediatismo mediático

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