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Ponto de vista de Maria Cristina Figueiredo Pollmann, presidente da Associação Portuguesa dos

ponto de vista

Porquê a ortodontia?

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Maria Cristina Figueiredo Pollmann

Médica dentista. Presidente da Associação Portuguesa dos Especialistas em Ortodontia. Especialista em Ortodontia pela Ordem dos Médicos Dentistas. Professora Associada com Agregação na Faculdade de Medicina Dentária da Universidade do Porto.

A ortodontia é um mundo, no universo da Medicina Dentária, que apesar de ser uma especialidade com conhecimentos, competências e especificidades técnicas muito próprias, é altamente abrangente, desafiante e em constante aperfeiçoamento e inovação. Não é admissível considerar que a prática clínica de ortodontia se restringe aos atos de colar brackets, dobrar arames ou aplicar alinhadores, quem o fizer não tem a mais pálida noção do que é a ortodontia.

Parafraseando o grande ortodontista gaulês Michel Langlade «L’orthodontie?... C’est dans la tête!» (A ortodontia?… Está na cabeça!). Entenda-se: no conhecimento, no saber. Pois é isso mesmo!

A verdadeira avaliação dos nossos pacientes é a executada de uma forma holística, no presente e no futuro, percebendo a função e a disfunção, a harmonia e a desarmonia, antevendo o modo como se vai processar o crescimento, mas também o envelhecimento (sim, porque a população está a envelhecer, e também porque cada vez mais, há procura de tratamento ortodôntico por adultos com mais de 60 anos), entre muitos outros aspetos.

Por sua vez, é preciso integrar com o nosso conhecimento, raciocínio, criatividade, crenças e emoções, toda a informação percecionada sobre o paciente, de forma voluntária e involuntária, através da entrevista, do exame obje

A ortodontia portuguesa em 2020 é de alto nível, equiparada ao que há de melhor no primeiro mundo. Isto não acontece por acaso!

tivo e subjetivo, da sua linguagem e expressão corporal, entre outros pormenores.

Aqui chegados, estaremos aptos a definir os problemas do paciente e a formular o diagnóstico. Depois, planificar o tratamento e selecionar os dispositivos mais adequados e os procedimentos necessários à resolução do caso específico. Não é de mais salientar que o tratamento ortodôntico é um contributo, num conceito de abordagem multi, pluri e interdisciplinar para o tratamento do indivíduo, e que os procedimentos técnicos são apenas e tão só o meio de atingir os objetivos do tratamento.

E onde entra a “revolução digital”, de que todos falam e muitos temem? Esta evolução não aconteceu apenas na última década, como por vezes se quer dar a entender. A “transição para a era digital” começou há já muito tempo com a integração e adoção das tecnologias da computação, da informação e da inteligência artificial (IA) como ferramentas para os mais diversos tipos de atividade. Nas últimas décadas, para além da melhoria de muitos programas e aplicações informáticas, houve a expectável redução de preços a nível do hard e software que melhoraram as condições de acesso a esses instrumentos de apoio, também na área da ortopedia dentofacial e da ortodontia.

O “digital” começou por ser incorporado na gestão de ficheiros clínicos e administrativos, por volta dos anos 90 e rapidamente se alargou à imagem e ao armazenamento de dados. Daí à extensão às ferramentas auxiliares de diagnóstico, foi um instante: as nossas rotinas profissionais transformaram-se e continuam em constante e progressiva modificação e evolução, atualmente a incorporar a imagem 3D; nomeadamente os scanners intraorais. A tecnologia digital e os seus diversos instrumentos auxiliam-nos e muito no diagnóstico mais

preciso e completo, e melhoram a comunicação com os pacientes e com todos os envolvidos no tratamento, através da gravação, visualização de informação, do planeamento e de simulações virtuais, desenho e fabrico de dispositivos médicos assistido por computador…

Relativamente à incorporação da chamada IA em ortodontia e sua utilização pelo cidadão comum para o acesso direto a algum arsenal terapêutico ortodôntico (e até noutras áreas da saúde) considero que vai constituir um sério risco de saúde pública; não creio que seja uma ameaça aos profissionais, como alguns colegas temem. Poderá sê-lo no início porque “a ignorância é atrevida” mas, passada a falácia inicial, vai provavelmente ser uma fonte de problemas para os pacientes e certamente irá criar muita patologia “IA (tro)génica” ou “tecnogénica”.

Sou médica dentista desde 1984, quando a Medicina Dentária em Portugal era um mundo quase exclusivamente masculino. Mercê dessa circunstância fui a primeira mulher a doutorar-se em Medicina Dentária em Portugal e também a primeira mulher especialista em Ortodontia pela OMD. A Medicina Dentária é agora maioritariamente feminina e nestes 36 anos vivi a transformação exponencial da ortodontia em Portugal. A ortodontia portuguesa em 2020 é de alto nível, equiparada ao que há de melhor no primeiro mundo. Isto não acontece por acaso! Foi impulsionada nos anos 90 por um grupo pioneiro de colegas e de docentes universitários, arrojados e com visão de futuro, num empenho fundamental para a criação e posterior crescimento do ensino pós-graduado em ortodontia, ministrado em instituições de ensino superior. Estes cursos, regulados e acreditados pela OMD, no seguimento das normativas europeias, permitem o acesso ao reconhecimento do título de Especialista em Ortodontia no seio da União Europeia. Algumas sociedades científicas desempenharam e continuam a desempenhar um papel complementar de relevo na atualização e na formação.

Na atual plétora de informação disponível, cada vez mais, há que ser criterioso na identificação de sociedades verdadeiramente científicas, onde a primazia está na formação isenta e na divulgação do conhecimento com fundamento na ciência. Multiplica-se a oferta de cursos presenciais ou à distância, privados ou patrocinados pela indústria, que fornecem a opinião/experiência de gurus sobre uma vasta gama de tópicos. São locais onde a pseudo science e até a fake science tendem a prevalecer, cujas mensagens subvencionadas por interesses mercantilistas são ardilosamente ampliadas, por opinion makers e por meio de algoritmos dos meios de comunicação social e, difundidas para o público em geral. O problema é que há quem acredite que uma gota de detergente lava a louça toda...

Vivemos tempos em que a informação e a desinformação estão acessíveis em escassos segundos, mas a verdadeira formação e educação parecem ficar secundarizadas.

Enquanto profissionais de saúde temos um papel a desempenhar também nesse campo e corrigir a informação deturpada que é veiculada para o público; há que não tolerar e muito menos pactuar com a pseudociência.

Um dos objetivos da Associação Portuguesa de Ortodontistas (APESORT/APO) engloba exatamente essa vertente. A associação foi fundada com o propósito de representar os especialistas em Ortodontia em Portugal que nela se encontram inscritos, tendo como principal intuito a defesa da saúde pública, no que concerne ao âmbito de atuação da profissão de ortodontista, bem como fomentar o progresso da ortodontia e defender a dignidade e o prestígio da especialidade.

Uma das preocupações e formas de intervir é exatamente fornecer informação fidedigna ao público em geral. Na nossa página eletrónica www.aparelhos.pt ou www.apo-ortodontia.pt é possível aceder a FAQs sobre tratamento ortodôntico e fazer uma pesquisa sobre os especialistas em Ortodontia inscritos na associação. A pesquisa no motor de busca da APESORT/APO garante que todos os médicos dentistas que lá se encontram listados por região do país, são realmente especialistas em Ortodontia, pois a associação apenas permite a inscrição como membro efetivo àqueles que têm o título de especialistas em Ortodontia pela OMD.

Este tempo da pandemia recolocou-nos a todos perante várias dimensões. É importante que mantenhamos a lucidez já que, também em ortodontia, se aplica: “O essencial é invisível para os olhos” (Antoine de Saint-Exupéry).

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