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Kamila Dorea Barreto: “Ortodontia, visagismo
Ortodontia, visagismo, harmonização e atratividade: a tétrade da nova Medicina Dentária
Kamila Dorea Barreto
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Aluna de Graduação em Medicina Dentária, Universidade Brasil, São Paulo (Brasil).
Thiago Gregnanin Pedron
Médico dentista. Especialista em Ortodontia e Dentística. Clínica particular, São Paulo.
Irineu Pedron
Médico dentista. Especialista em Estética Dentária. Clínica particular, São Paulo.
Caleb Shitsuka
Médico dentista. Especialista, Mestre e Doutor em Odontopediatria pela Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (FOUSP). Professor das disciplinas de Odontopediatria e Cariologia, Universidade Brasil, São Paulo.
Irineu Gregnanin Pedron
Médico dentista. Especialista em Periodontia e Implantodontia. Mestre em Clínica Integrada pela FOUSP. Professor das disciplinas de Periodontia e Clínica Integrada, Universidade Brasil, São Paulo. Professor do Curso de Toxina Botulínica em Odontologia, Instituto Bottoxindent, São Paulo.
Ciência e prática
Resumo
Atualmente, a busca pela ortodontia obedece não apenas à melhoria e incremento funcional (oclusão ideal), mas também é impulsionada pelo crescente interesse na estética facial. A estética, por sua vez, é muito peculiar de cada indivíduo. Utilizando conceitos do visagismo geométrico, no qual particularizamos a beleza dentária de acordo com o biotipo original do paciente, harmonizando as suas características físicas dento-gengivo-faciais, promovemos a atratividade e favorecemos a perceção à estética facial, já durante a fase do tratamento ortodôntico. O propósito deste trabalho é apresentar a comunhão destes conceitos - visagismo, harmonização e atratividade - numa paciente ortodôntica que apresentou sorriso gengival.
Introdução
A estética é conceituada como a ciência que trata da beleza em geral e do sentimento que ele desperta em nós. Esse sentimento pode ser definido pela perceção do olho humano em relação ao objeto. Entende-se por atratividade o ponto que tem a capacidade de atrair, despertando interesse do impacto visual. Referente, especificamente a beleza facial, a atratividade determina-se rapidamente, nos primeiros dois segundos, após visualização da face 1 . Adicionalmente, a estética é influenciada e afetada por fatores culturais, educacionais, sociais e ambientais 1,2 .
Nos dias de hoje, a atratividade facial é considerada um dos fatores fundamentais ao convívio social, bem-estar físico, psíquico, emocional e no sucesso. O desejo em apresentar o sorriso belo, atraente e saudável aumenta a busca do paciente em direção à Medicina Dentária, nas suas diversas especialidades. Considerando o sorriso parte integrante da face, torna-se importante que o médico dentista, particularmente na atuação da especialidade da ortodontia, que trata das disfunções fisiológicas e estéticas de posicionamento dentário, conhecer as preferências, e desejos do paciente. Nesta perspetiva, a estética do sorriso tornou-se o foco principal de pacientes que procuram o tratamento pela ortodontia 2 .
Segundo o conceito grego de beleza, o belo apresenta-se por meio de harmonia e proporção entre partes, além da medida, simetria e virtude. Esses conceitos - que também se referem à proporção áurea - aplicam-se desde a Grécia antiga em diversas ciências e, posteriormente, no Renascimento 1 . Estas definições parecem tão atuais quando aplicadas, por exemplo, na ortodontia, onde a simetria reflete não apenas na estética, como na função.
Dentro do conceito do que é belo e de padrões de beleza, inserimos a harmonização, equilíbrio e customização da imagem pessoal, o visagismo. A palavra visagisme surgiu na França, sendo originada pelo termo visage, que significa rosto. O conceito de visagismo é a arte de criar uma imagem pessoal customizada, que expressa a personalidade e o estilo de vida, com harmonia e estética. Essa arte é constituída de duas fases: na primeira, o profissional, por meio de uma consultoria, ajuda o paciente a decidir o que deseja expressar através de sua imagem; e, na segunda, utiliza sua técnica, sensibilidade e domínio dos elementos que compõem a linguagem visual para transformar a intenção numa imagem com harmonia e estética. Em 2003, o artista plástico Philip Hallawell, nascido em São Paulo (Brasil) e cuja formação incluiu a Inglaterra e os EUA, estabeleceu o que seria a criação ou adequação da imagem pessoal segundo pessoas autênticas. Nesta perspetiva, lançou uma nova possibilidade terapêutica aplicando a intervenção visual totalmente alinhada com as tendências contemporâneas do comportamento humano, que neste século, busca auto-conhecimento e expressão individual. A personalização é a palavra de ordem
num mercado cada vez mais globalizado. O visagismo foi delineado como ferramenta para unir a vontade e necessidade do paciente pelo desenho do sorriso, expressando visualmente por meio de formas e linhas adequadas 1 .
Na sociedade atual, a beleza e a atratividade faciais estão ligadas à perceção social, onde os indivíduos com face mais atraente, são percebidos como tendo habilidades atléticas, sociais e de liderança. Os olhos e a boca são os fatores mais importantes na hierarquia de características para determinar a beleza facial 3 . O sorriso é um dos meios mais eficazes pelos quais as pessoas transmitem as suas emoções, e ocupa o segundo lugar, posicionado atrás apenas para os olhos, como a mais importante característica de atratividade facial. É a expressão facial que denota alegria e simpatia, podendo, portanto, influenciar a maneira como um indivíduo é percebido pela sociedade, tanto profissional, quanto social. Um sorriso equilibrado e atraente é primordial, objetivo da terapia ortodôntica moderna 4 . Beleza e harmonia são as características faciais objetivas quantificáveis que os humanos buscam e anseiam, pois desempenham um papel inerente ao comportamento e à perceção social em todo o mundo. A maior consciencialização da estética facial também levou ao aumento no número de pacientes que procuram o tratamento ortodôntico e ortognático. A estética tornou-se cada vez mais importante na prática da odontologia restauradora moderna e são sinónimos de uma aparência natural e harmoniosa. Um sorriso atraente ou agradável melhora claramente a aceitação de um indivíduo na nossa sociedade, melhorando a impressão inicial nos relacionamentos interpessoais 5 .
O propósito deste trabalho é apresentar a comunhão destes conceitos - visagismo, harmonização e atratividade - numa paciente ortodôntica que apresentou sorriso gengival.
Relato de caso
Paciente feoderma, do género feminino, de 23 anos, compareceu na clínica particular com queixa de sorriso gengival, durante o tratamento ortodôntico (fig. 1).
Ao exame clínico extrabucal, foi analisada discrepância entre o comprimento dos dentes anterossuperiores e sorriso gengival proeminente (figs. 2 e 3). O comprimento do dente 21 foi mensurado com 9 mm (entre a linha cervical e a borda incisal) e o sorriso gengival com 16,1 mm (entre a margem inferior do lábio superior ao sorrir, e a borda incisal do dente 21). Adicionalmente, verificou-se ainda a respiração bucal, pela incompetência labial causada pela ausência de vedamento labial passivo. As figuras 4 e 5 ilustram a incompetência labial numa vista lateral.
Fig. 1. Paciente apresentando o sorriso gengival.
Fig. 2. Mensuração do comprimento do dente 21 (9 mm) caracterizando a discrepância dentária.
Fig. 3. Mensuração da exposição gengival (16,1 mm).
Fig. 4. Sorriso gengival em vista lateral.
No exame clínico intrabucal, utilizou-se o dente 11 como referência por apresentar-se menor em comprimento em relação ao dente 21. Entretanto, todo o sextante anterossuperior apresentou-se desarmónico em relação ao comprimento dos dentes contíguos (fig. 6). A régua de proporcionalidade de Chu também indicou a desproporção entre comprimento e largura do dente 11 (fig. 7). Adicionalmente, a exposição gengival acentuada maior de 3 mm foi determinante para a classificação do sorriso gengival.
Propõs-se a gengivoplastia para a redefinição dos arcos gengivais e torná-los mais harmónicos, reduzindo assim a discrepância dentogengival do sorriso gengival. A paciente concordou e assentiu à execução do tratamento. A priori, antes da gengivoplastia, recomendou-se a orientação de higiene bucal, com o propósito de reduzir a inflamação gengival e evitar a possibilidade de recorrência do crescimento gengival.
Decorridos sete dias da consulta de orientação da higiene bucal, realizou-se a gengivoplastia. Sob anestesia local infiltrativa, determinaram-se os pontos sangrantes com auxílio de sonda milimetrada e a união destes pontos realizou-se com o bisturi elétrico (BE 3000®, KVN, São Paulo, Brasil). Aumentou-se o comprimento dos dentes, caracterizando-se o zénite dentário. Posteriormente, realizou-se o scraping, assemelhando-se a técnica de bisel externo, com o propósito de
Fig. 5. Mensuração da exposição gengival (16,1 mm) em vista lateral.
Fig. 6. Aspeto clínico intrabucal, apresentando desarmonia no comprimento dentário dos elementos anterossuperiores.
Fig. 7. Desproporção entre comprimento e largura do dente 11 verificada pela régua de proporcionalidade de Chu.
incrementar a reparação tecidual (figs. 8 e 9). Não houve necessidade da utilização do cimento cirúrgico, visto que o processo da ferida ocorre por segunda intenção. A paciente foi orientada e administraram-se fármacos analgésicos no pós-operatório.
Após 30 dias, na consulta subsequente, observou-se reparação tecidual satisfatória e não se reportaram alterações ou queixas pela paciente (fig. 10). O emprego da régua de proporcionalidade de Chu demonstrou melhora na harmonia da relação entre comprimento e largura (fig. 11). O comprimento do dente 21 tornou-se mais condizente com o comprimento do dente 11, medindo 9,6 mm (fig. 12), enquanto que o procedimento cirúrgico reduziu a discrepância do sorriso gengival (reduzindo para 15 mm), apresentado na figura 13. Entretanto, ainda persistiu a queixa da paciente.
Na mesma consulta, aplicou-se a toxina botulínica. Previamente à aplicação da toxina botulínica, desinfetou-se a superfície da pele com álcool etílico, evitando-se a infeção local e removendo-se a oleosidade da mesma. Posteriormente, aplicou-se anestésico tópico dermatológico (Emla®, Astra, São Paulo, Brasil) com o propósito de promover conforto durante o procedimento. Diluiu-se a toxina botulínica tipo A (Botox® 200 unidades, Allergan, Westport, Irlanda) em 2 ml de solução salina, de acordo com as normas do fabricante, e injetaram-se duas unidades no sítio preconizado, lateralmente a cada narina. Após a aplicação, orientou-se a paciente no sentido de não baixar a cabeça nas primeiras quatro horas e não realizar atividades físicas por 24 horas após o procedimento.
Após 15 dias, avaliou-se a paciente, apresentando a deiscência uniforme do lábio superior. Ao sorrir, a margem do lábio superior coincidiu com a margem gengival dos incisivos centrais superiores (figs. 14 e 15). As figuras 16 e 17 apresentam a deiscência do lábio superior em vista lateral, com incremento da deficiência respiratória (respi
Fig. 8. Gengivoplastia: pós-cirúrgico imediato do lado esquerdo da maxila.
Fig. 9. Gengivoplastia: pós-cirúrgico imediato final.
ração bucal) pelo vedamento labial passivo. Não se reportaram efeitos colaterais ou queixas. Orientou-se a paciente quanto a recorrência do sorriso gengival após, em média, de quatro a seis meses da aplicação.
Fig. 10. Pós-cirúrgico (30 dias) da gengivoplastia.
Fig. 11. Melhora na harmonia da relação entre comprimento e largura verificada pela régua de proporcionalidade de Chu.
Fig. 12. Aumento do comprimento do dente 21 (9,6 mm).
Fig. 13. Redução da discrepância do sorriso gengival (15 mm).
Discussão
A filosofia do visagismo contempla duas vertentes: a psicológica e a geométrica. Na primeira, prevalece o conceito psicológico, no qual o paciente escolhe o seu físico de acordo com a imagem que quer transmitir. O segundo dita que medidas equilibradas favorecem a harmonização de acordo com seu biotipo 1 . Particularmente, preconizamos a vertente geométrica, na qual particularizamos a beleza de acordo com o biotipo original do paciente, mas ainda camuflando imperfeições, ressaltando qualidades e equilibrando o conjunto, naturalmente, harmonizando a cavidade bucal à face. Essa abordagem favorece a atratividade facial, contudo, respeita a singularidade de cada paciente e não contempla a padronização.
A atratividade e a beleza faciais são determinadas rapidamente nos primeiros segundos ao ver a face 1 . A face com proporções equilibradas é melhor tolerada, mesmo aos pacientes que apresentam sorriso gengival, e podem atenuar a sua perceção negativa da exposição gengival 6 . O conceito de sorriso ideal baseia-se na morfologia e na cor dos dentes e nas relações proporcionais entre os dentes, lábios e gengiva 6 . O sorriso, como parte integrante da face, foi alvo de inúmeras pesquisas 2-8 .
Fig. 14. Deiscência uniforme do lábio superior (10 mm).
Fig. 15. Coincidência da margem inferior do lábio superior com a margem gengival dos incisivos centrais superiores.
Fig. 16. Deiscência do lábio superior em vista lateral.
Fig. 17. Deiscência do lábio superior em vista lateral (10 mm).
Segundo Godinho et al. 8 (2020), ao analisar a atratividade facial sorridente e os componentes faciais (sorriso, nariz, olhos, cabelos, queixo, sobrancelhas e pele), observou-se forte correlação entre a face e o sorriso. Entretanto, para os demais fatores avaliados, não se observaram correlações significativas. Contudo, a perceção masculina difere da feminina, na qual a primeira se atrai ao sorriso (49%) e olhos (22%), enquanto que a segunda se cativa ao sorriso (69%) e pele (13%). Ainda de acordo com os autores, as más oclusões influenciam a perceção da atratividade, inteligência, personalidade e comportamento. Indivíduos com oclusão normal são considerados mais atraentes, inteligentes, agradáveis e extrovertidos. As mordidas cruzadas anteriores direcionam às perceções negativas, e pacientes com vários diastemas são considerados como menos conscientes e agradáveis.
O sorriso gengival 2,4,6,7 e a presença de diastemas 4,7 foram considerados os fatores menos estéticos e atraentes, particularmente pelos avaliadores do género feminino 5,7 . O sorriso médio e o desvio de linha média foram as características menos percetíveis 7 . Entretanto, de acordo com Tosun e Kaya 2 (2020), a cobertura das bordas incisais dos incisivos superiores apresentam influência negativa na atratividade do sorriso e os ortodontistas têm preferência pela mínima exposição aos incisivos inferiores e a quase completa exibição das coroas dos incisivos centrais superiores.
O sorriso gengival é conceituado pela exposição gengival, ao sorrir, de mais de 3 mm de altura 5,9-11 . O sorriso gengival foi por nós manejado pela aplicação da toxina botulínica, coadjuvantemente ao tratamento ortodôntico. A aplicação favoreceu não apenas a estética facial, bem como a respiração bucal de que se queixava a paciente, pela incompetência labial causada pela ausência de vedamento labial passivo. A melhora da auto-estima pode verificar-se através da comparação das figuras iniciais (1 a 5) com as finais (12 a 17). O sorriso gengival vem sendo percebido, por nós, mais frequentemente em pacientes dolicofaciais 10,11 . No que respeita à caracterização do biotipo facial, o padrão mesofacial foi considerado o mais atraente em comparação com os padrões dolicofacial e braquifacial 3 .
Conclusões
O crescente interesse pela estética facial aumentou a busca por tratamento ortodôntico, conduzindo ortodontistas e pacientes a realizarem tratamentos não apenas com a finalidade funcional (oclusão ideal), como também a almejarem a estética facial. Parafraseando o ditado em latim “virtus in medium est” podemos concluir que a atratividade da beleza facial se encontra no equilíbrio: alinhamento dentário adequado, promovido pela terapêutica ortodôntica e redução do sorriso gengival, ocasionado pela aplicação da toxina botulínica. O sorriso gengival é uma das características mais pejorativas na perceção negativa da atratividade facial. No presente relato, houve melhora na atratividade e perceção auto-reportadas e incremento da qualidade de vida e bem-estar da paciente.
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