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Erupção passiva alterada – considerações clínicas

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Vanessa Rocha Rodrigues

Médica Dentista. Pós-graduada em Periodontologia e Implantes pela Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa (FMDUL). Aluna do Doutoramento na FMDUL.

Francisco Brandão de Brito

Médico Dentista. Especialista em Periodontologia pela Ordem dos Médicos Dentistas. Docente da Especialização em Periodontologia e Implantes na FMDUL.

Introdução

A saúde do tecido gengival pode afetar a sua aparência, causando variações na cor, na forma e na arquitetura gengival que influenciam significativamente a aparência estética dentogengival, especialmente em pacientes com uma linha de sorriso elevada (Fradeani, 2006). Para maioria dos pacientes, a exposição gengival em excesso durante o sorriso, frequentemente designada por “sorriso gengival”, pode ser considerada como uma condição inestética. O excesso gengival foi reconhecido pela American Academy of Periodontology como uma deformidade mucogengival em torno dos dentes (Armitage et al., 1999). Diversas condições podem resultar na exposição excessiva da gengiva, incluindo pseudo-bolsas causadas por gengivite, aumento gengival induzido por fármacos e erupção passiva alterada dos dentes. A erupção passiva é um termo definido por Gottlieb e Orban, em 1933, e descrita mais tarde por Coslet, em 1977. Normalmente a erupção dentária compreende duas fases: uma fase de erupção ativa, na qual o dente emerge na cavidade oral, estes movimentam-se em direção ao plano oclusal até entrarem em contacto com os seus antagonistas e uma fase de erupção passiva, que é caracterizada pela migração apical do tecido mole para o nível da junção amelo-cementária (JAC) (Mele et al., 2018). Nos casos em que as margens gengivais não migram para o nível da JAC, a condição é denominada por erupção passiva alterada. Na erupção passiva alterada, a margem gengival falha em recuar até ao nível da JAC ou, pelo menos, até um nível próximo desta. Como os tecidos gengivais estão posicionados coronalmente à JAC, os dentes parecem curtos e quadrados. Esta condição pode envolver vários dentes ou um dente isolado. A incidência de erupção passiva alterada na população geral é de cerca de 12% (Mele et al., 2018).

Classificação

Uma classificação para a erupção passiva alterada foi sugerida por Coslet et al., em 1977. Esta classificação avalia a relação entre a linha mucogengival e a crista óssea alveolar e também a relação entre a crista óssea alveolar e a JAC.

Relação entre a linha mucogengival e a crista óssea alveolar

Tipo 1 - É definida quando a margem gengival é coronal à JAC e existe uma quantidade excessiva de gengiva queratinizada, visivelmente mais larga do que a largura média. Nestes casos, a linha mucogengival é geralmente apical à crista óssea alveolar. Tipo 2 - É definida pela presença de uma quantidade normal de gengiva queratinizada. No entanto, toda a gengiva inserida está localizada na coroa anatómica, com a linha mucogengival localizada ao nível da JAC.

Relação entre a crista óssea alveolar e a JAC

Subgrupo A - A crista óssea alveolar está a uma distância normal (1-2 mm apical) da JAC Subgrupo B - A crista óssea alveolar está ao nível ou coronal da JAC. A erupção passiva alterada do tipo 1 pode ser causada por uma falha da fase de erupção passiva, dando origem a uma sobreposição excessiva da gengiva e da coroa anatómica do dente, mas a distância da crista óssea à JAC é normal. Por outro lado, a erupção passiva alterada do tipo 2 pode ser causada por uma falha da fase de erupção ativa e como resultado, o dente não

S

FIGS. 1 a 6. Casos de erupção passiva alterada.

A B C D

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FIG. 7. A - (tipo 1, subgrupo A); B - (tipo 2, subgrupo A); C - (tipo 1, subgrupo B); D - (tipo 2, subgrupo B); MGJ - linha mucogengival (adaptado de Mele et al., 2018).

emerge o suficiente do osso alveolar, deixando a JAC posicionada nas proximidades da crista óssea alveolar. Esta situação, por sua vez, pode impedir a migração apical da gengiva durante a fase de erupção passiva (Mele et al., 2018). Vários estudos descreveram as possíveis causas da erupção passiva alterada e vários fatores foram propostos, como a interferência oclusal por tecidos moles durante a fase eruptiva, a presença de gengivas espessas e fibróticas que tendem a migrar mais lentamente durante a fase passiva, causas genéticas, a presença de osso espesso que pode impedir a migração apical dos tecidos moles, trauma ortodôntico e condições endócrinas (Mele et al., 2018).

Diagnóstico

A literatura descreve vários procedimentos para diagnosticar a erupção passiva alterada, incluindo observação clínica, avaliação clínica da JAC e crista óssea alveolar, análises radiográficas e análise da imagem obtida pela tomografia computadorizada (Mele et al., 2018).

Avaliação clínica

Uma linha de sorriso “alta”, também conhecida como “sorriso gengival”, é descrita quando existe uma exposição gengival superior a 2 mm. A prevalência de exposição gengival excessiva foi estimada em 10% em indivíduos entre os 20 a 30 anos, e é mais comum em mulheres (14%) do que em homens (7%) (Mele et al., 2018). Existem diferentes fatores etiológicos possíveis para esta apresentação clínica, um dos quais a erupção passiva alterada. No diagnóstico é importante medir as coroas clínicas para avaliar as suas dimensões e determinar se estas são curtas. Os resultados do estudo indicam que a largura e o comprimento médio das coroas clínicas são significativamente maiores em pacientes do sexo masculino em comparação com pacientes do sexo feminino (Sterrett et al., 1999). É igualmente importante detetar a JAC subgengival usando uma sonda periodontal. Se a JAC estiver localizada numa posição normal, ou seja, no sulco gengival, o paciente não terá erupção passiva alterada. Quando a JAC não é detetável no sulco, um diagnóstico de erupção passiva alterada pode ser efetuado e a “sondagem óssea” deve ser realizada, a gengiva é anestesiada e a profundidade de sondagem periodontal é registada. É comum a JAC estar localizada aproximadamente na base do sulco e essas medidas podem ser usadas para determinar a relação entre a JAC e a crista óssea alveolar, como uma ajuda ao planeamento cirúrgico (Mele et al., 2018). A “sondagem óssea”, sob anestesia, é a técnica tradicional usada para distinguir entre subtipos de erupção passiva alterada A e B. Se for possível identificar a JAC, através da sondagem óssea, um diagnóstico de erupção passiva alterada, subtipo A, pode ser feito. Se a crista óssea alveolar for identificada pela sonda e sem detetar a JAC, pode ser feito um diagnóstico de erupção passiva alterada do subtipo B (Mele et al., 2018). Alguns autores, afirmam, no entanto, que a identificação da posição da JAC através da sondagem não é fácil, devido à gengiva vestibular estar quase sempre bem aderida à superfície do dente, através de um epitélio juncional longo e é frequente que a crista óssea vestibular seja coincidente ou coronal à JAC, impedindo a sua identificação, mesmo na presença de pseudobolsas. A “sondagem óssea” só é eficaz em casos raros, pois na grande maioria é difícil distinguir a JAC da crista óssea. Para além disso, mesmo quando se consegue ter sensibilidade táctil para identificar a JAC e crista óssea, pode ser muito difícil determinar se a distância entre elas é fisiológica (1 a 2 mm) ou não (Mele et al., 2018).

Avaliação radiográfica

Uma contribuição útil no diagnóstico da erupção passiva alterada é obtida através da radiografia dentária. É possível determinar as dimensões dos componentes da unidade dentogengival utilizando-se guta-percha radiopaca inserida na base do sulco, estabilizada por compósito sobre a superfície vestibular do dente, ou através da utilização de uma sonda periodontal. Desta forma, é possível correlacionar o diagnóstico clínico e radiográfico (Alpiste-Illeuca, 2004).

Género

TABELA 1. Largura e comprimento médio do incisivo central, lateral e canino (Sterrett et al, 1999).

Incisivo central Incisivo lateral Canino

Largura Comprimento Largura Comprimento Largura Comprimento

Masculino 8,59 mm 10,519 mm 6,59 mm 8,70 mm 7,64 mm 10,6 mm

Feminino 8,06 mm 9,39 mm 6,13 mm 7,79 mm 7,15 mm 8,89 mm

S

FIGS. 8 e 9. Presença de gengivas espessas e fibróticas.

S

FIGS. 10 a 13. Fotos em sorriso intermédio e máximo, existe uma exposição superior a 2 mm de gengiva durante o sorriso.

S

FIGS. 14 a 16. Avaliação da largura e comprimento das coroas.

Quando existe uma diferença significativa superior ou igual a 3 mm entre o comprimento da coroa clínica e o comprimento da coroa radiográfica o diagnóstico de erupção passiva alterada é então confirmado (Zucchelli, 2013). Outro meio de diagnóstico para identificar a JAC é através da tomografia computorizada (TAC). Segundo a literatura, esta técnica é capaz de medir com precisão a posição da JAC em relação a margem gengival e a crista óssea alveolar.

Tratamento

Os tratamentos da erupção passiva alterada descritos na literatura são principalmente cirúrgicos. A largura da gengiva queratinizada, a posição das margens gengivais, a localização da crista óssea alveolar, a localização da linha mucogengival e a probabilidade de terapia restauradora concomitante são todos fatores que determinam a abordagem de tratamento para o alongamento coronário (Mele et al., 2018). Garber e Salama (1996) sugeriram que existem apenas duas opções de tratamento para os casos de erupção passiva alterada: primeiro, uma gengivectomia em casos de erupção passiva alterada tipo 1A e, segundo, um retalho de espessura total reposicionado apicalmente, com ou sem cirurgia ressectiva óssea, nos outros tipos de erupção passiva alterada. Na erupção passiva alterada tipo 1 - subgrupo A, está indicada a realização de uma gengivectomia. Quando é determinado que o nível ósseo está a uma distância adequada, de modo que existe mais de 1 mm desde a crista óssea vestibular até a JAC, e uma altura adequada de gengiva inserida permanecerá após a cirurgia, está indicada uma gengivectomia simples. A incisão inicial deve ser precisa, simétrica e refletir a arquitetura gengival normal, de modo que o zénite gengival fique ligeiramente distal à linha média do dente. Para ajudar nessa precisão, a incisão inicial é levemente marcada na gengiva ao nível da JAC. Na erupção passiva alterada tipo 2, subgrupo A está indicado um retalho reposicionado apicalmente. Neste tipo a largura da faixa de gengiva queratinizada é relativamente normal e, portanto, uma gengivectomia pode reduzir/eliminar muita quanA literatura descreve vários procedimentos para diagnosticar a erupção passiva alterada, incluindo observação clínica, avaliação clínica da JAC e crista óssea alveolar, análises radiográficas e análise da imagem obtida pela tomografia computadorizada (Mele et al., 2018)

tidade de gengiva queratinizada, deixando o paciente com uma mucosa alveolar não ideal na margem da coroa. O tratamento ideal de pacientes com tipo 2A envolve o reposicionamento apical da faixa de gengiva queratinizada próximo à JAC. Nos tipos 1 e 2, subgrupo b da erupção passiva alterada, está indicado um retalho reposicionado apicalmente combinado com osteotomia. A incisão inicial pode ser realizada conforme descrito para o procedimento de gengivectomia, com ou sem férula cirúrgica, ou pode ser feita como uma incisão sulcular. Um retalho de espessura total é refletido para além da junção mucogengival, e as posições da JAC e crista óssea verificam-se visualmente. A osteoplastia efetua-se para reduzir a espessura óssea, enquanto a osteotomia efetua-se para estabelecer a distância correta entre a JAC e a crista óssea. A osteoplastia realiza-se com um instrumento rotativo de alta velocidade, como uma broca redonda de diamante ou de carboneto. Segundo Zucchelli (2013), a maior parte da osteoplastia efetua-se nas áreas interradiculares, onde são criadas superfícies côncavas para posterior reposicionamento das papilas cirúrgicas adelgaçadas a fim de minimizar o recuo dos tecidos moles. Há divergência entre os autores quanto à quantidade de osteotomia necessária para estabelecer a distância correta entre a JAC e a crista óssea vestibular. Alguns autores sugerem 1 mm (Cairo et al., 2013), enquanto outros sugerem 2 mm (Camargo et al., 2007, Chu et al., 2004), 2–2,5 mm (Dolt et al., 1997) ou 3,0 mm (Batista et al., 2012). Em resumo, o tratamento dos diferentes tipos de erupção passiva alterada:

TABELA 2. Guia de tratamento para os diferentes tipos de erupção passiva alterada (Mele et al., 2018).

Erupção Passiva Alterada Tratamento

Tipo 1A

Gengivectomia/Gengivoplastia

Tipo 2A

Retalho de reposicionamento apical

Tipo 1 e 2B

Retalho de reposicionamento apical com osteotomia

S

FIGS. 17 a 20. Avaliação da JAC através da TAC. O compósito junto a margem gengival (MG), vai identificar a relação da MG com a JAC e a crista óssea alveolar (CAO). (Erupção passiva alterada tipo 1B).

S

FIGS. 21 e 22. Gengivectomia.

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FIGS. 23 a 27. Erupção passiva alterada tipo 1b – gengivectomia combinada com osteotomia, para criar 1 a 2 mm da JAC à crista óssea alveolar.

S

FIGS. 28 a 30. Erupção passiva alterada tipo 2b – retalho de reposicionamento apical combinado com osteotomia para criar 1 a 2 mm da JAC à crista óssea alveolar.

R

FIGS. 31 a 34.

Antes e depois da cirurgia de alongamento coronário.

S

FIGS. 35 a 38. Antes e depois da cirurgia de alongamento coronário.

Conclusão

O sorriso gengival apresenta uma etiologia multifatorial, podendo a causa ser de origem óssea, muscular ou dento-gengival. O diagnóstico adequado e multidisciplinar é muito importante para determinar a opção terapêutica ideal para cada paciente.

Bibliografia

1. Zucchelli G. Altered passive eruption In: Mucogingival esthetic surgery, vol. 29. Berlin: Quintessence Publishing and Co. Inc., 2013: 749-793. 2. Alpiste-Illueca F. Dimension of the dentogingival unit in maxillary anterior teeth: a new exploration technique (Parallel Profile Radiograph). Int J Periodontics Restorative Dent 2004: 24: 387-396. 3. Rossi R, Benedetti R, Santos-Morales RI. Treatment of altered passive eruption: periodontal plastic surgery of the dentogingival junction. Eur J Esthet Dent 2008: 3: 212-223. 4. Rossi R, Brunelli G, Piras V, Pilloni A. Altered passive eruption and familial trait: a preliminary investigation. Int J Dent 2014: 2014: 874092. 5. Coslet JG, Vanarsdall R, Weisgold A. Diagnosis and classification of delayed passive eruption of the dentogingival junction in the adult. Alpha Omegan 1977; 70: 24-28. 6. Mele et al. Esthetic treatment of altered passive eruption. Periodontology 2000, Vol. 0, 2018, 1-19. 7. Batista EL Jr, Moreira CC, Batista FC, de Oliveira RR, Pereire KKY. Altered passive eruption diagnosis and treatment: a cone beam computed tomography-based reappraisal of the condition.

J Clin Periodontol 2012: 39: 1089-1096. 8. Camargo PM, Melnick PR, Camargo LM. Clinical crown lengthening in the esthetic zone. J Calif Dent Assoc 2007: 35: 487498. 9. Dolt AH, Robbins W. Altered passive eruption: an etiology of short clinical crowns. Quintessence Int 1997: 28: 363-371. 10. Sterrett et al. Width/length ratios of normal clinical crowns of the maxillary anterior dentition in man. J. Clin Periodontol. 1999

Mar; 26(3):153.

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