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Relatos
by GRUPO ASÍS
Raquel Santos
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Médica dentista, natural de Viseu. Licenciada pela Universidade Católica Portuguesa. Voluntária da Mundo A Sorrir.
Raquel Santos, de 27 anos, formou-se em Medicina Dentária pela Universidade Católica Portu-
guesa. Foi no período em que era finalista do curso que a jovem natural de Viseu juntou-se à Mundo A Sorrir e entrou, de forma particularmente ativa, no universo do voluntariado. Em 2017, surgiu a primeira oportunidade de rumar a Cabo Verde e, desde então, já regressou àquele país africano de língua oficial portuguesa no contexto de outras duas missões, especialmente centradas no apoio a crianças com carências socioeconómicas. É com projetos deste género que “aprendemos a valorizar o que temos e a admirar quem nada tem”, constata a médica dentista, que partilha com os leitores da MAXILLARIS as emotivas recordações que guarda das ilhas que percorreu e sobretudo da vincada hospitalidade das gentes caboverdianas.
Sou médica dentista formada pela Universidade Católica Portuguesa, em Viseu, de onde sou natural. Durante as férias escolares, sempre procurei fazer algo em prol da comunidade, não apenas para ocupar o tempo, mas para me sentir útil e necessária em algo verdadeiramente importante. Foi no último ano de universidade que descobri a Mundo A Sorrir, uma organização não governamental que me permitiria exercer na minha área profissional, assim como participar em novas experiências e estar mais em contacto com uma realidade diferente que sempre me fascinou. Fazer parte desta grande família e conhecer todos os seus projetos, tanto em Portugal
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Raquel Santos sublinha que o trabalho da Mundo A Sorrir permite “chegar às pessoas, compreender as suas dificuldades e estender-lhes a mão”.
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Uma das melhores lembranças que guarda do trabalho desenvolvido em Cabo Verde é, sem dúvida, o contacto com os alunos das escolas que visitou.
como no estrangeiro, foi para mim uma grande oportunidade. Apesar de o nosso país ter ainda muitas carências ao nível da saúde oral, precisava de conhecer um pouco da realidade nos outros países, em especial nos países em vias de desenvolvimento. Em 2017, surgiu então a oportunidade de rumar a Cabo Verde, mais concretamente à Ilha de São Vicente, com o projeto “Saúde a Sorrir”. Para além das malas e bagagens, da lista de orientações da Mundo A Sorrir e do repelente de mosquitos, levava comigo uma enorme carga de emoções, um misto de ânsia e adrenalina por saber que ia fazer algo de novo, diferente e relevante. Apesar de todas as hesitações (normais de uma principiante), não poderia ter sido melhor recebida por aquela ilha incrível e por aquelas pessoas que nos fazem sentir verdadeiramente em casa. As primeiras duas semanas foram de rastreios médico-dentários com entrega de escovas e pastas de dentes nas várias escolas da ilha, desde a capital, Mindelo, até a algumas das zonas mais isoladas. Sem dúvida que uma das melhores lembranças do nosso trabalho foram as visitas às escolas onde, com algum receio, as crianças nos olhavam quando sabiam que éramos dentistas e não compreendiam bem o que fazíamos ali. É também nesta altura que treinamos um pouco do crioulo que nos ensinaram, o mínimo para nos entenderem e para não recearem a nossa presença. Por fim, de todos os rastreios que foram feitos, identificávamos os realmente urgentes porque, infelizmente, não temos capacidade para atender toda a gente em apenas uma missão, e o público alvo são as crianças com maiores carências socioeconómicas que, de outra forma, não terão oportunidade de visitar um médico dentista. Assim, realizámos os tratamentos dentários com as condições disponíveis, com o material que nos é fornecido, com o que funcionava e deixava de funcionar. Em Cabo Verde, o custo de vida é ainda muito alto quando comparado ao ordenado mínimo dos cidadãos, aliado ao custo mais elevado dos produtos, quase todos eles importados. Assim, fica muito difícil para algumas famílias, muitas delas numerosas, custear todas as despesas que um agregado familiar exige. Atualmente, as escolas garantem que os alunos tenham, pelo menos, uma refeição quente por dia, quando por vezes não o é possível em casa. Infelizmente, a saúde oral passa, muitas vezes, para segundo plano, não havendo um cuidado nem
uma educação para a higiene oral. Muitas foram as crianças que admitiam partilhar a escova de dentes com a mãe ou que nem sequer tinham pasta e escova em casa. É nestas alturas que percebemos que, de alguma forma, já estamos a fazer a diferença.
Não há duas sem três…
Claro está que, depois desta aventura, teria de haver uma segunda vez. Em 2018, era altura de voltar, mas desta vez para conhecer melhor a ilha de Santo Antão, nos mesmos moldes da missão do ano anterior: rastreios e tratamentos. São Vicente e Santo Antão são ilhas vizinhas, com íntimas relações mas com características muito distintas. Santo Antão ganha pelas qualidades paisagísticas, pela natureza no seu estado mais natural. Contudo, é também uma ilha menos desenvolvida, com mais carências, menos acessos e infraestruturas. Algumas escolas situam-se em locais remotos, obrigando as crianças e mesmo os professores a andar quilómetros diariamente para poderem aprender e ensinar um pouco mais todos os dias. É de notar que, apesar de esta ser uma ilha com menor poder económico, o acesso a guloseimas e doces torna-se assim mais escasso, e isso refletiu-se na saúde oral das crianças onde, contrariamente ao que se esperava, a incidência de cárie não foi tão elevada. E, como não há duas sem três, regressei mais recentemente a São Vicente com o projeto “Aprender a Ser Saudável”, em março passado, um pouco antes de vermos as nossas vidas condicionadas pela pandemia do Covid-19. Desta vez, em vez de irem as crianças ao nosso encontro, fomos nós às escolas de mala portátil com o mais indispensável para trabalhar. São projetos deste género e é através do trabalho da Mundo A Sorrir que conseguimos chegar às pessoas, compreender as suas dificuldades e estender-lhes a mão. Aprendemos a valorizar o que temos, e a admirar quem nada tem. Três missões, três experiências diferentes, mas sempre uma grande carga emocional. É impossível não querer repetir, impossível não ficar fascinada, impossível não ser voluntária.
S
A médica dentista viseense, que já realizou três missões de voluntariado no exterior, confessa que “é impossível não querer repetir”.