Guia IMS

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um guia para o Instituto Moreira Salles



um guia para o Instituto Moreira Salles



um guia para o Instituto Moreira Salles



7 Apresentação 21

Acervo de fotografia 141  Fotografia contemporânea 151  Música 205  Literatura 289  Acervos especiais 299  Iconografia 319 Editorial



Um guia para o Instituto Moreira Salles

O Instituto Moreira Salles é uma instituição singular na paisagem cultural brasileira. Tem importantes patrimônios em quatro áreas: Fotografia, em mais larga escala, Música, Literatura e Iconografia. Notabiliza-se também por promover exposições de artes plásticas de artistas brasileiros e estrangeiros. E gosta de Cinema. Toda sua atividade é sustentada por uma dotação constituída pela família Moreira Salles, outra de suas peculiaridades, já que não se vale de incentivos fiscais para a Cultura facultados pela lei brasileira. Presente em três cidades – Poços de Caldas, no sudeste de Minas Gerais, onde nasceu há 20 anos, Rio de Janeiro e São Paulo – o ims, além de catálogos de exposições, livros de fotografia, literatura e música, publica regularmente as revistas Zum, sobre fotografia contemporânea do Brasil e do mundo, de frequência semestral, e serrote, de ensaios e ideias, quadrimestral. Na conservação, organização e difusão de seus acervos, o ims tem imensas tarefas. A Fotografia cuida de 800 mil imagens, dos mais importantes testemunhos do século xix – e aqui despontam as esplêndidas imagens de Marc Ferrez – a relevantes coleções que abarcam quase todo o século xx. Nessas últimas, convém registrar nomes como os de Marcel Gautherot, José Medeiros, Maureen Bisilliat, Thomaz Farkas, Hans Gunter Flieg e Otto Stupakoff, entre outros. E é prioridade do Instituto incorporar a seus acervos imagens do século xxi. Este formidável conjunto – 40 coleções, sendo 19 de obras completas dos fotógrafos – credencia o ims como a mais importante instituição de fotografia do país.


A Música dá conta dos primórdios das gravações de canções brasileiras. A coleção está abarrotada de discos em 78 rpm, um repositório de 80 mil fonogramas, que tem como sustentáculos os inestimáveis acervos de José Ramos Tinhorão e Humberto Franceschi. Mas há também acervos de três seminais compositores que fecundam a fortuna musical brasileira – Chiquinha Gonzaga, Ernesto Nazareth e Pixinguinha. Cartas, papéis, documentos diversos e livros compõem os acervos de Literatura. Arquivos pessoais de Otto Lara Resende, Erico Verissimo, Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade, Rachel de Queiroz, Lygia Fagundes Telles, Paulo Mendes Campos, entre outros, merecem a atenção de pesquisadores e enriquecem com informações valiosas o conhecimento sobre a atividade literária no país. Pré-história da Fotografia, a Iconografia do ims, toda ela expressa em papel (aquarelas, gravuras, desenhos), é precioso registro feito sobretudo por artistas viajantes que vieram para o Brasil a bordo de expedições diplomáticas ou especificamente culturais no século xix. São destaques desta coleção as belas aquarelas do inglês Charles Landseer, que aportou aqui em 1825, e os desenhos do alemão Von Martius (Carl Friedrich Philipp), que desbravou a natureza brasileira entre 1817 e 1820. Todos esses acervos estão descritos com mais detalhes neste livro. O objetivo fundamental do ims é difundi-los da maneira mais ampla. Isso requer um ingente trabalho prévio de higienização e digitalização de imagens e sons, e sua melhor catalogação, para servir a exposições e a publicações e atender pesquisadores e outros consulentes. Mas vai além. O ims tem aperfeiçoado e renovado seu endereço na internet (ims.com.br) para propagar de forma ágil e gratuita seus acervos e sua programação. Uma rádio de internet, a Rádio Batuta (há aplicativo para iPhone) dá vazão ao acervo de música e produz documentários sobre grandes compositores e intérpretes. Há ainda estudos para aplicativos em tablets e para livros eletrônicos. A ideia de Walther Moreira Salles de criar uma instituição cultural sem fins lucrativos germinou e tomou corpo em relativamente pouco tempo. Para fincar alicerces e dar fisionomia

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ao ims, foi indispensável o trabalho de Antônio Fernando De Franceschi, primeiro superintendente, que dirigiu o ims por quase 16 anos. Instalado primeiro em Poços de Caldas, tirando partido de um marcante chalé de traço italiano, desde 1999 o ims ocupa a casa que foi residência da família Moreira Salles na Gávea, Rio de Janeiro. Marco da arquitetura moderna dos anos 1950, a casa, projetada por Olavo Redig de Campos, é cercada por exuberante jardim planejado pelo paisagista Roberto Burle Marx no terreno de 11 mil metros quadrados. Agora o ims projeta-se para o futuro com novos desafios. E o primeiro deles é a construção em São Paulo de um novo museu na avenida Paulista, coração da cidade e hoje importante corredor cultural. Desenhado pelo escritório de arquitetura Andrade Morettin, o novo museu terá amplos espaços expositivos, um cinema/auditório, além de uma biblioteca de referência em Fotografia, salas de aula e espaços para workshops. Além de elevar as ambições do ims no campo das exposições de Fotografia e Artes Plásticas, o museu levará para São Paulo atividades que já marcam a vida do centro cultural do Rio de Janeiro, como mostras de cinema, palestras, cursos e shows musicais. Amealhando, organizando e difundindo conhecimento desde sua fundação, o ims quer também gerar conhecimento a partir de seus acervos. Nesse sentido, tem procurado estabelecer convênios e intercâmbios com universidades, brasileiras e estrangeiras, e com outros museus. Pesquisa é meta a ser seguida daqui para frente. Memória está em quase tudo o que o ims faz. Ser guardião do passado é missão das mais nobres. De um passado que não fique estagnado, mas que seja também fundamental para entender o presente e enfrentar o futuro. Na melhor inspiração de sua história, o ims quer construir legados culturais. É a isso que vem se devotando. Flávio Pinheiro  |  Superintendente Executivo

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Casa Walther Moreira Salles

Projetada em 1948, a casa do embaixador Walther Moreira Salles (hoje sede do Instituto Moreira Salles no Rio de Janeiro) foi inaugurada em 1951. Situada no alto da Gávea, em um terreno com aproximadamente 10 mil metros quadrados, e em meio a uma exuberante mata atlântica (floresta da Tijuca), é um autêntico palacete moderno – também herdeiro das tradicionais “casas de chácara” cariocas, como a residência de Raimundo Ottoni de Castro Maya (1954-1957).1 Isto é, trata-se de uma construção monumental, elegante e austera, projetada para abrigar tanto uma família numerosa quanto uma intensa vida social, marcada por frequentes recepções para convidados ilustres. 2 Um belo registro dessa vida aparece no filme Santiago (2007), de João Moreira Salles, em que, por intermédio da figura idiossincrática do mordomo argentino Santiago Badagiotti, vemos os bastidores dessa história. Filho de diplomata, Olavo Redig de Campos, o autor do projeto, havia feito sua formação universitária na Escola Supe­rior de Arquitetura de Roma, e, naquele momento, já dirigia o Serviço de Conservação do Patrimônio do Itamaraty, responsabilizando-se pelos projetos das embaixadas do Brasil no exterior. Portanto, embora menos conhecido do que outros arquitetos modernos cariocas, como Oscar Niemeyer, Lucio Costa, Affonso Eduardo Reidy, Jorge Machado Moreira, Sérgio Bernardes ou os irmãos Roberto, entre outros, era o profissional ideal para o programa em questão. O projeto paisagístico ficou a cargo de Roberto Burle Marx.


Organizada em torno a um pátio central, a casa apresenta um estudado contraste entre o classicismo italiano de Redig de Campos e o informalismo imprevisto do desenho de Burle Marx. Ou, em outras palavras, entre a civilização e a natu­reza. Envolvido por uma ala íntima, de um lado, e por dependências sociais em outros dois lados e no meio, esse pátio trapezoidal se abre para o jardim com piscina e a vista da montanha, ao fundo,

através de uma passagem livre ao final do volume da sala de jantar a oeste. Essa passagem é delicadamente coberta por uma marquise ondulante – elemento muito característico da arquitetura moderna carioca –, que fecha de modo sensual a composição do pátio, envolvido inteiramente por uma elegante colunata externa. Visando preservar a parte íntima da casa, o arquiteto protegeu a fachada des­sa ala com quebra-sóis verticais móveis, que

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permitem controlar tanto a incidência solar sobre o corredor de acesso aos quartos, quanto a sua visibilidade aos olhos de visitantes e empregados. Já na área social, as paredes envidraçadas ou vazadas por rótulas e venezianas aludem a um sentido de permeabilidade e movimento, muito propício a um lugar de festas. Com pés-direitos generosos, os ambientes sociais se distribuem ao longo de três corpos edificados, sendo as salas de estar e de jantar, braços menores do volume principal, de acesso, que abriga as dependências de serviço, de um lado, e a chapelaria, o hall de entrada, o cofre-forte, a biblioteca, a sala íntima (conhecida como “sala dos azulejos”) e o terraço, de outro. Distinguindo-se do conjunto, a entrada principal da casa apresenta uma feição mais clássica do que moderna, com duas altas colunas revestidas de mármore contra o fundo de uma parede pintada em tom vermelho terroso, inspirado na famosa Vila dos Mistérios, de Pompeia.3 O piso é de mármore italiano Rosso Verona e Botticino, compondo um desenho geométrico losangular em vermelho e branco que acentua as diagonais e dissolve a rigidez solene da arquitetura. O mesmo piso se prolonga nas amplas áreas de circulação social da casa, que envolvem os cômodos como galerias cobertas (loggias), fechadas por portas de correr de vidro. Nas salas de estar e de jantar, o piso de mosaico é substituído por tábuas de madeira corrida, material também presente nos móveis da biblio-

teca, decorada em estilo inglês. Na sala íntima, as paredes e o piso são revestidos por ladrilhos hidráulicos e azulejos portugueses azuis e brancos, criando um efeito decorativo sinestésico que contrasta com a brancura dominante da casa. Decididamente, o uso variado de materiais nobres reforça as surpresas no percurso de visitação à casa, criando um efeito próximo daquilo que Le Corbusier definiu como promenade architecturale. A água é também um elemento importante na criação da ambiência da casa, aparecendo na fonte do pátio, na piscina do jardim e no espelho d’água situado entre a sala de jantar e a ala de serviço, arrematado por um mural sinuoso de azulejos representando lavadeiras, feito por Burle Marx.

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Se o mestre Lucio Costa, no projeto para os edifícios do Parque Guinle (1943-1952), também no Rio de Janeiro, já havia demonstrado a possibilidade de uma perfeita adequação entre um léxico moderno – corpos lineares, pilotis, superfícies envidraçadas, brise-soleil – e referências históricas e vernaculares – treliças e cobogós –, Olavo Redig de Campos prolonga aqui os seus ensinamentos, adaptando-os, no entanto, a um vocabulário mais luxuoso. Vem daí o gigantismo dos módulos de elementos vazados que utiliza (blocos de concreto pintados de branco), que se distanciam da função original de sombreamento e discrição, e assumem uma feição eminen­temente decorativa, associada à monumentalidade. Se o projeto moderno em arquitetura buscou, em linhas gerais, a produção de standards, rumo a uma tipologia pro­ gressivamente anônima e coletiva – daí a sua abstração geométrica –, a casa do embaixador Walther Moreira Salles na Gávea, ao contrário, utiliza-se dessa linguagem em prol de uma formali­ zação singular e, mais do que isso, ex-

tremamente pessoal. O sinal mais evidente disso são as maçanetas das portas, moldadas todas segundo a pegada única do seu proprietário. Mas, em que pese a espe­c ificidade particularista do programa e das soluções encontradas nesse caso, é preciso lembrar que o desvio da norma funcionalista foi uma das grandes marcas da arquitetura moderna brasileira, ocasionando tanto as duras críticas de Max Bill ao “irracionalismo” dessa produção, 4 quanto o sincero lamento de Walter Gropius diante de obras como a casa de Oscar Niemeyer em Canoas (1952), que, apesar de muito bela, em sua opinião, infelizmente não poderia ser multiplicada.5 Assim, por diversas razões, a residência Moreira Salles também nasce com status de obra única. Mas o seu porte e aspecto palaciano deram-lhe maleabilidade, permitindo a sua sobrevida, em novos tempos, como instituto cultural. 6 Guilherme Wisnik, arquiteto Texto originalmente publicado no Blog do ims, em 06.05.2011.

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Notas

5. Sobre isso, diz Niemeyer: “O Gropius teve aqui. Um arquiteto medíocre, mas ele era

1. A residência Raimundo Ottoni de Cas-

professor, era inteligente e tal, conversava,

tro Maya, atual Museu Chácara do Céu, é

era instruído, falava bem. Mas ele foi lá ver a

uma antiga chácara que foi redesenhada se-

minha casa das Canoas, e quando saiu disse

gundo uma linguagem modernista em 1954

pra mim: ‘Olha, a sua casa é muito bonita,

por Wladimir Alves de Souza, no bairro de

mas não é multiplicável’. Mas que burrice

Santa Tereza.

fantástica! Era um terreno sinuoso, eu não

2. “Esta casa, sem dúvida a mais luxuosa

podia procurar um terreno igual. Então você

das mostradas neste livro, é um exemplo de

vê como eles pensavam errado, esse pessoal

um programa cada vez mais raro nos dias de

da Bauhaus. O Le Corbusier é que teve a co-

hoje: o palacete, destinado não só a abrigar

ragem de dizer: ‘É mediocridade ativa, não

a família, mas também a grandes e frequen-

sabem nada, só querem criar regras’. Depois

tes recepções.” mindlin, Henrique. Arqui-

todo mundo tem que seguir… Eu sou o único

tetura moderna no Brasil. Rio de Janeiro:

a esculhambar a Bauhaus, ficam com medo de

Aeroplano, 1999, p. 69 (a edição original é

dizer que é uma merda.” niemeyer, Oscar.

de 1956).

In: wisnik, Guilherme (org.). O risco: Lucio

3. Ver frança, Renata Reinhoefer. “Ar-

Costa e a utopia moderna. Rio de Janeiro:

quitetura cifrada: a casa da Gávea de Wal-

Bang Bang Filmes, 2003, p. 120.

ther Moreira Salles”. Disponível em: www.

6. De 1995 a 1999, depois de 15 anos sem uso,

vitruvius.com.br/revistas/read/arquitex-

a casa passou por um rigoroso processo de

tos/09.104/84. Segundo a autora, essa infor-

adaptação para abrigar a sede do ims. Ver:

mação foi confirmada por Antônio Fernando

dutra, Maria Luiza e menezes, Walter

De Franceschi em entrevista telefônica.

Arruda de. “Instituto Moreira Salles – Rio de

4. Ver bill, Max. “O arquiteto, a arquitetura,

Janeiro: projeto e obra de restauro, reforma

a sociedade”. In: xavier, Alberto (org.). De-

e adaptação”. Comunicação apresentada ao

poimento de uma geração. São Paulo: Cosac

Docomomo. Disponível em: www.doco-

Naify, 2003.

momo.org.br.

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Museu do Instituto Moreira Salles, sp

A nova sede do Instituto Moreira Salles em São Paulo será um museu vertical perfeitamente integrado à cidade – na avenida Paulista, entre as ruas Bela Cintra e Consolação. Foi planejado para se tornar um polo de energia cultural para

a região, bem como um novo marco arquitetônico da cidade. Com projeto do escritório de arquitetura Andrade Morettin, vencedor de um concurso aberto em setembro de 2011, o novo museu será um espaço mo-


derno, ideal para exposições, distribuídas em três salas de pé-direito elevado. Além delas, haverá também um cinema e auditório para 150 pessoas, uma biblioteca de fotografia, salas de aula para cursos, livraria, cafeteria e restaurante. O prédio de 44 m (uma altura que corresponde a um edifício de 14 andares) ocupará um terreno de 1.000 m², com uma área expositiva maior do que a atual sede do ims no Rio de Janeiro, onde permanecerá o acervo. O grande desafio do projeto foi ocupar o pequeno terreno de 50 x 20 m, cercado de prédios, e transformá-lo num ambiente que se comunicasse com o espaço urbano. A solução dos arquitetos Vinicius Andrade e Marcelo Morettin – inspirada na circulação de pedestres que caracteriza edifícios como o Masp (Museu de Arte de São Paulo) e o Conjunto Nacional, na mesma ave­nida – é o andar térreo transferido para 15 m acima do solo, deixando um vão livre para o acesso dos visitantes, diretamente da calçada para as escadas rolantes que levam aos espaços de exposição nos andares superiores. O térreo está planejado para ser um local de encontro. Além do café, da livraria e de um restaurante no nível da avenida, uma praça poderá abrigar concertos para 50 pessoas na hora do almoço. As galerias dos andares superiores serão locais de introspecção, com luz controlada e pé-direito duplo, de 4,5 m de altura. Grandes e altas, elas permi-

tirão exposições mais flexíveis, menos engessadas por paredes e tetos baixos. Um imenso envelope de vidro recobrirá a estrutura mista de aço e concreto. No fundo, será um grande quebra-sol contra o calor. Utilizando tecnologias modernas, 70 % da energia solar será devolvida para o ambiente. Mas a função principal desse envelope é abrigar e dar unidade aos vários volumes internos do museu, ao mesmo tempo aberto à cidade e acolhedor ao visitante.

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Principais exposições do IMS 1996 São Paulo de Lévi-Strauss Paul Harro-Harring – Esboços tropicais do Brasil 1998 São Paulo de Vincenzo Pastore – Fotografias 1999 Hildegard Rosenthal: cenas urbanas – fotografias 2001 O Brasil de Marcel Gautherot 2002 Canudos 2003 Madalena Schwartz: retratos 2004 São Paulo, 450 anos 2005 O Brasil de Marc Ferrez 2007 Horacio Coppola: visões de Buenos Aires 2008 Segall realista 2009 Fotografias de José Medeiros

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O Louvre e seus visitantes – Fotografias de Alécio de Andrade Olhar direto: fotografias de Paul Strand Robert Polidori – Fotografias Maureen Bisilliat – Fotografias 2010 Charles Landseer – Desenhos e aquarelas de Portugal e do Brasil, 1825-1826 As construções de Brasília Flieg fotógrafo – Indústria, design, publicidade e arquitetura na obra de Hans Gunter Flieg Alexsandr Ródtchenko – Revolução na fotografia 2011 Thomaz Farkas: uma antologia pessoal Bob Wilson – Video portraits Saul Steinberg – As aventuras da linha Panoramas – A paisagem brasileira no acervo ims Manuel Álvarez Bravo – Fotopoesia 2012 Raphael e Emygdio: dois modernos no Engenho de Dentro Um olhar sobre O Cruzeiro William Kentridge: fortuna

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Acervo de fotografia Hercule Florence  24 Mestres do séc. xix  26 Marc Ferrez  34 Augusto Malta  42 Vincenzo Pastore  44 Claude Lévi-Strauss  46 Hildegard Rosenthal  48 Alice Brill  52 Marcel Gautherot  54 Thomaz Farkas  62 Hans Gunter Flieg  70 José Medeiros  74 Henri Ballot  80 Luciano Carneiro  84 Peter Scheier  86 Carlos Moskovics  90 Haruo Ohara  94 Chico Albuquerque  100 Madalena Schwartz  104

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Stefania Bril  108 Dulce Soares  110 Lily Sverner  112 Rossini Perez  114 Alécio de Andrade  116 Maureen Bisilliat  118 Otto Stupakoff  124 David Drew Zingg  132 Juca Martins  134 Horácio Coppola  136 Martín Chambi  138



A motivação do Instituto Moreira Salles no que diz respeito à área de fotografia corresponde à observação de sua relevância no cenário cultural brasileiro, nas questões referentes à memória e à história do país, às comunicações e às artes visuais. Associado à percepção simultânea da necessidade de formação de acervos nessa área no Brasil e de preservação de conjuntos mais raros, já fragilizados pelo tempo, o ims passou a atuar sistematicamente, a partir de 1995, na formação e na preservação de seu acervo fotográfico. O conjunto se inicia com o acervo de fotografia do século xix, formado pela coleção Gilberto Ferrez e por duas coleções adquiridas do colecionador Pedro Corrêa do Lago. A coleção do antropólogo Claude Lévi-Strauss, da década de 1930, foi comprada em seguida, e já representa a fotografia do século xx, caracterizada pela câmera de pequeno formato, usada para capturar imagens da cidade de São Paulo de um ponto de vista mais pessoal. Em seguida, o ims incorporou a obra de Marcel Gautherot, um excepcional retrato do Brasil dos anos 1940 até os anos 1980. As coleções fotográficas do Instituto, em geral, representam a obra completa – a trajetória, a carreira e as questões autorais – de seus fotógrafos. Com cerca de 800 mil imagens em seu acervo, o Instituto Moreira Salles possui o mais importante conjunto de fotografias do século xix no Brasil e a melhor compilação relativa à fotografia nacional das sete primeiras décadas do século xx. O acervo está reunido na Reserva Técnica Fotográfica do ims, construída no mesmo terreno do seu centro cultural no Rio de Janeiro. É o maior edifício voltado à preservação, restauração, guarda e divulgação de acervos de fotografia do Brasil. Seus principais temas são as transformações da paisagem urbana brasileira ao longo dos séculos xix e xx; a arquitetura colonial e moderna do Brasil; o retrato na fotografia brasileira do século xix e xx; a cultura e as festas populares nas diversas regiões do país; a urbanização e o desenvolvimento industrial decorrentes dos investimentos em energia elétrica realizados no início do século xx e da industrialização posterior à Segunda Guerra; o mundo do trabalho, urbano e rural; e a paisagem natural do país. Também integram o acervo fotográfico do ims conjuntos relevantes de fotógrafos clássicos latino-americanos do século xx, como o peruano Martín Chambi e o argentino Horacio Coppola. Sergio Burgi  |  Coordenador do acervo de fotografia do Instituto Moreira Salles


mestres do século XIX

A fotografia brasileira do século xix teve uma presença marcante de fotógrafos estrangeiros, que retrataram paisagens, costumes, cenas e tipos humanos do Brasil. Muitos desses profissionais, responsáveis por imagens deslumbrantes e pioneiras, moraram no país ou passaram longas temporadas por aqui. Suas fotografias – notadamente as do Rio de Janeiro – correram o mundo e colaboraram para construir uma representação expressiva do Brasil naquele período.

A fotografia de paisagem no Brasil documenta a evolução do país já a partir da primeira metade do século xix, em especial a evolução urbana das principais cidades brasileiras, entre elas Belém, Reci­fe, Salvador, São Paulo e Rio de Janeiro, então capital do Império. Os trabalhos realizados por esses mestres estrangeiros instalados no país foram muitas vezes comissionados, documentando, por exemplo, a construção de ferrovias, a modernização dos por-

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1 Georges Leuzinger; Arcos, Santa Teresa, Glória e entrada da baía, vistos do morro de Santo Antônio, Rio de Janeiro, c. 1866 2 Albert Frisch; Maloca, Província do Alto Amazonas, c. 1865 (Coleção Gilberto Ferrez)

tos e muitas outras obras, como as de abastecimento de água nas cidades. Sua relevância, além do aspecto documental, é também histórica e estética. Marc Ferrez, por exemplo, conseguia operar numa esfera mais autoral, ainda que comissionado em parte significativa do que produziu, especialmente nas imagens que realizou do entorno da cidade do Rio de Janeiro. Georges Leuzinger (1813-1892), nascido na cidade de Mollis, cantão de Glarus, Suíça, foi mais que um fotógrafo pioneiro responsável por fixar boa parte da iconografia oitocentista do Rio. Como empreendedor, foi também o mais importante nome na história de sua difusão. Leuzinger chegou à capital do Império em 1832, antes de completar 20 anos e sem falar nada além de alemão, para trabalhar na firma de importação e expor­t ação de um tio. Com a falência desta, sete anos mais tarde, deu início – no mesmo momento em que, em Paris, era inven­t ado o daguerreótipo – a um pequeno negócio de edição de litografias que estava destinado a se tornar, 20 anos

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depois, uma potência editorial e, com o nome de Casa Leuzinger, o centro de um circuito de publicações que sintonizaria o Brasil com o melhor da produção fotográfica europeia – fato ainda mais notável se for levado em conta que a Coroa portuguesa havia proibido a existência de tipografias na colônia até 1808. Como fotógrafo, Georges Leuzinger realizou durante a década de 1860 um trabalho sistemático de documentação do Rio de Janeiro, incluindo cenas urbanas, vistas de Niterói, da Serra dos Órgãos e de Teresópolis. Como empresário, mon-

tou com grande tenacidade – inclusive mandando seus filhos se aperfeiçoarem na Europa – um complexo editorial que incluía papelaria, tipografia, estamparia de livros e gravuras, além de oficinas de litografia, encadernação e fotografia. O ims tem a maior coleção de trabalhos de Leuzinger e Albert Frisch, um fotógrafo contratado por ele, composta por mais de 500 exemplares. Detém também, desde 2000, por doação dos descendentes do fotógrafo suíço, o arquivo de 290 documentos, imagens e correspondências de família que seu filho Paul reuniu entre 1850 e 1903. Esse material permite contar a história da Casa Leuzinger – e de seu fundador – com uma precisão e uma abrangência até então inéditas. Um fruto editorial dessas pesquisas é o número sobre Leuzinger da série Cadernos de Fotografia Brasileira, publicado pelo ims em 2006. O francês Theophile Auguste Stahl (1828-1877) fez um trabalho de documentação da paisagem urbana de Pernambuco a partir de 1853. No começo da década de 1860, abriu um estúdio na rua do Ouvi-

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1 Augusto Stahl; Doceira e criança no Recife, pe, c. 1858 (Coleção Gilberto Ferrez) 2 Militão Augusto de Azevedo; Igreja de São Francisco e Faculdade de Direito, São Paulo, c. 1862

dor, no Rio. Em 1868, do­c umentou a construção da segunda estrada de ferro brasileira, a Recife and S. Francisco Railway, bem como a visita do imperador dom Pedro ii a Recife, no ano seguinte. Já o alemão Revert Henrique Klumb (c. 1826-c. 1886) se instalou no Rio em 1852, mudando-se depois para Petró­polis. Em 1855, já realizava diversas vistas estereoscópicas da capital imperial (a

estereosco­pia trabalha com pares de foto­grafias de uma mesma cena, que, vistos simultaneamente num visor binocular, dão a ilusão de tridimensionalidade). Nesse tempo, são introduzidos avanços tecnológicos importantes, como o negativo em vidro e o chamado papel albuminado, que permitia cópias do negativo. A partir daí são produzidos os livros de fotografia, com tiragens do mesmo ne-

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1 Revert Henrique Klumb; Membros do corpo diplomático e seus familiares em frente ao palácio Imperial, Petrópolis, rj, c. 1875 (Coleção Gilberto Ferrez) 2 Victor Frond; A cozinha no campo, 1859 (Coleção Gilberto Ferrez)

gativo em quantidades significativas. As imagens começam então a circular numa escala maior, percorrendo novos circuitos. Klumb publicou, em 1872, um dos primeiros livros de fotografia do Brasil, Doze horas em diligência. Guia do viajante de Petrópolis a Juiz de Fora. Também deu aulas de fotografia para a princesa Isabel e ficou conhecido por retratar plantas e aves, temas não muito comuns no trabalho fotográfico daquele período, além de cenas cotidianas da cidade.

O carioca Militão Augusto de Azevedo (1837-1905), um dos maiores nomes da fotografia brasileira na segunda metade do século xix, deixou um legado único de documentação da cidade de São Paulo entre os anos de 1860 e 1880, quando ainda eram raros os registros urbanos no Brasil. Seu trabalho é comparável ao realizado por Augusto Stahl no Recife e Revert Henry Klumb no Rio de Janeiro. O ims possui o mais extenso e significativo conjunto de fotografias originais de Militão, datadas de 1862. Trata-se do ano em que, recém-chegado à capital paulista como ator da Companhia Dramática Nacional, ele deu início de forma sistemática (como atestam as cerca de 90 fotografias de sua autoria existentes com essa data) ao trabalho seminal que publicaria em 1887 com o nome de Álbum comparativo de vistas da cidade de São Paulo – demonstrando, ao revisitar os mesmos locais mais de 20 anos depois, uma aguda compreensão do valor da fotografia como documento de época. Em excelente estado de conservação, destacam-se nesse conjunto de foto-

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grafias em papel albuminado – não há negativos – diversos registros que formam panoramas, entre eles dois de quase 360 graus: o primeiro retratando o largo do Ouvidor, popularmente conhecido como largo do Capim, em frente à igreja de São Francisco; o segundo, a ponte do Lorena, no vale do Anhangabaú. Albert Frisch (1840-c. 1905), nascido em Augsburgo, na Baviera, foi, até o fim do século xx, um personagem tão misterioso na história da fotografia brasileira que muitos supunham nunca ter existido. Segundo essa hipótese, seria apenas um pseudônimo o “A. Frisch” que assinava a impressionante e pioneira série de 98 fotografias realizadas em 1867

na Amazônia – que incluem aspectos de fauna e flora e, principalmente, os primeiros registros que chegaram até nós de índios brasileiros da região. Por seu valor “etnográfico”, essas imagens foram comercializadas com sucesso pela Casa Leuzinger, em suporte cartão, com fino acabamento. O estudo dos documentos reunidos pela família Leuzinger, doados ao ims em 2000, e a posterior localização de Klaus Frisch, neto do fotógrafo, pelo pesquisador Frank Stephan Kohl, permitiram recons­ tituir a trajetória de Frisch. Estagiário de uma litografia em Paris, Frisch deixou a Europa em 1861 para tentar se estabelecer em Buenos Aires

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Guilherme Gaensly; Rua 15 de Novembro, confluência com o largo da Sé, São Paulo, c. 1925 (Coleção Brascan Cem Anos no Brasil)

como comerciante de imagens religiosas. Fracassado o empreendimento, atuou como professor particular até tornar-se amigo de um fotógrafo alemão e, com ele, aprender o ofício. A data exata de sua chegada ao Brasil é incerta, mas há indícios de que já trabalhava para a Casa Leuzinger antes de 1866. No ano seguinte, foi ele o fotógrafo designado para acompanhar a expedição amazônica liderada pelo engenheiro alemão Franz Keller, que acabava de se tornar genro de Georges Leuzinger. Augusto Riedel (1836-?), de quem também restam poucas informações biográficas, era filho do botânico alemão Ludwig Riedel, que participou da missão científica comandada por Langsdorff. Sabe-se que trabalhou como fotógrafo profissional de 1865 até 1877, pelo menos, mas tudo o que restou de sua produção são as 40 imagens do álbum Viagem de Suas Altezas Reais o Duque de Saxe e seu Augusto Irmão Louis-Philippe ao Interior do Brasil – documentação fotográfica de uma viagem de meses por Minas Gerais, Bahia

e Alagoas. A esse conjunto devem ser acrescentadas as 12 imagens de um álbum pessoal montado pelo explorador inglês Richard F. Burton e sua mulher. Tal legado, embora magro, é suficiente para situar Riedel entre os mais talentosos paisagistas da época. Guilherme Gaensly (1843-1928) nasceu em Wellhausen, na Suíça, e mudou-se com a família para a capital baiana aos cinco anos de idade. Em 1871, já tendo passado por um período de aprendizado no ateliê de Alberto Henschel, o principal retratista da Bahia, abriu seu próprio estúdio fotográfico em Salvador, então a segunda cidade mais populosa do país, onde atuou com sucesso por três décadas – até 1895 – e cultivou, além do retrato, um estilo próprio e rigoroso como fotógrafo de paisagens. Em 1882, o estúdio de Gaensly ga­ nhou como sócio seu cunhado Rodolpho Lindemann. Em 1894, a próspera empresa Gaensly & Lindemann abriu uma filial em São Paulo e seu sócio mais famoso mudou de cidade, já com mais de 50 anos, para começar vida nova.

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Gaensly passou a se dedicar ao registro de paisagens urbanas, produzindo importantes registros da cidade que eram vendidos como fotos em papel albuminado e colotipias impressas na Suíça, comercializadas em álbuns. Sua série sobre a chegada dos imigrantes italianos ao porto de Santos e à cidade de São Paulo é admirável. Em 1899, foi contratado como fotógrafo oficial pela The São Paulo Railway, Light and Power Company, função na qual permaneceria até 1925, três anos antes de sua morte. Pouco se sabe da vida de Francisco Du Bocage, cidadão supostamente francês que migrou para o Brasil e se estabeleceu no início dos anos 1890 como fotógrafo profissional no Recife, à frente do Centro Photographico de Pernam­buco, fundado por ele mesmo.

Retratista e, sobretudo, paisagista, inclusive em formatos panorâmicos, a obra de Du Bocage é suficiente para torná-lo o mais importante fotógrafo a atuar em Pernambuco entre o fim do século xix e o início do xx. Eram tempos de profunda transformação no cenário urbanístico da capital, e Du Bocage documentou com qualidade técnica e senso artístico as extensas obras de modernização da zona portuária do Recife, a cargo da Societé de Construction du Port de Pernambuco. Além da coleção abrigada no ims, em que se destaca a documentação das obras portuárias, há trabalhos de Du Bocage na Biblioteca Nacional, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e na Fundação Joaquim Nabuco, do Recife.

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marc ferrez

(1843-1923)

Principal fotógrafo brasileiro do século xix, dono de uma obra que se equipara à dos maiores nomes da fotografia em todo o mundo, Marc Ferrez é o mais significativo fotógrafo do período no acervo do Instituto Moreira Salles. Preservados por seu neto, o pesquisador Gilberto Ferrez, os negativos de vidro e as tiragens produzidas pelo próprio fotógrafo compõem a maior parte da Coleção Gilberto Ferrez, reunião de 15 mil imagens que não tem rival entre os

acervos privados de fotografia brasileira do século xix, adquirida pelo ims em maio de 1998. Mais conhecido do grande público por suas paisagens – sobretudo as fotografias panorâmicas da cidade do Rio de Janeiro e arredores, feitas com câmeras especiais em negativos de grande formato, técnica praticada por poucos fotó­ grafos do mundo e à qual ele dedicou toda a sua inventividade técnica –, o Ferrez que emerge da coleção é um

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Marc Ferrez; Praia de Botafogo, Rio de Janeiro, c. 1893 (Coleção Gilberto Ferrez)

artista plural e inquieto. Como fotógrafo, foi, ao sabor dos trabalhos que lhe eram encomendados, versátil nos temas. Como pesquisador de técnicas e processos, num momento em que a fotografia passava por acelerada evolução, perseguiu e desenvolveu projetos pioneiros. Ferrez nasceu no Rio de Janeiro em 1843, sexto filho dos franceses Alexandrine e Zépherin, escultor que chegara à cidade em 1817 e se integrara à Missão Artística Francesa, participando da

criação da Academia Imperial de Belas-Artes. Órfão aos sete anos – quando o pai e a mãe, ao lado de escravos e animais de sua propriedade, morreram em circunstâncias mal esclarecidas, possivelmente envenenados por produtos químicos da fábrica de papel que haviam montado anos antes –, o pequeno Marc foi morar em Paris com a família do escultor e gravador de medalhas Joseph Eugène Dubois. Pouco se sabe desses anos de formação, mas é razoável supor que o interesse pela fotografia tenha nascido na capital francesa, pois ao retornar ao Brasil, no início dos anos 1860, Marc Ferrez logo se estabeleceu como fotógrafo. Suas ligações com Paris – em especial, nos primeiros anos de carreira, com a Société Française de Photographie – seriam mantidas por toda a vida, por meio de intensa correspondência e viagens frequentes, alimentando a ânsia de experimentação e aprimoramento tecnológico que acabaria por torná-lo um mestre alinhado com a vanguarda internacional do ofício e, mais tarde, um dos pioneiros na

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1 Marc Ferrez; Entrada da Baía de Guanabara, Niterói, rj, c. 1885 (Coleção Gilberto Ferrez) 2 Marc Ferrez; Escravos em terreiro de uma fazenda de café na região do vale do Paraíba, c. 1882 (Coleção Gilberto Ferrez)

difusão da nova arte do cinema em território nacional. Estabelecido por conta própria desde 1867, quando abriu no centro do Rio a Casa Marc Ferrez & Cia., o jovem Ferrez não demorou a ver a carreira prosperar. Três anos depois, foi contratado como fotógrafo pela marinha imperial e, para dar conta da missão de fotografar um navio do convés de outro, inventou um equipamento especial para contra-

balançar o jogo das ondas, deixando o enquadramento sempre em linha com o horizonte. Em 1873, ano de seu casamento com a francesa Marie Lefebvre, um incêndio destruiu por completo a loja-oficina de Ferrez, inclusive todas as chapas que acumulara no início da carreira. Uma viagem a Paris para comprar novos equipamentos o pôs de volta na atividade profissional e, dois anos depois, ele corria o país de norte a sul como

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fotógrafo da Comissão Geológica e Geográfica do Império, chefiada pelo cientista canadense naturalizado norte-americano Charles Frederick Hartt. Numa dessas expedições, em 1875, fez na Bahia as primeiras fotos dos índios bororo. Um conjunto das fotografias feitas por Ferrez para a Comissão Geológica e Geográfica do Império foi exibido em 1876, na Exposição Universal da Filadélfia, nos Estados Unidos. No entanto, foi com um panorama do Rio, obtido por meio da justaposição de quatro clichês, que ele conquistou naquele evento a primeira medalha de ouro internacional. A glória não o deixou satisfeito: anos mais tarde, já equipado para

superar a fase da justaposição, Ferrez apontou naquele trabalho “o defeito de não apresentar os objetos em seus verdadeiros planos nem guardar a perspectiva em sua precisão matemática, sendo mui sensíveis as aberrações que contém. Tais defeitos não se encontram no aparelho que possuímos.” Referia-se à “câmera panorâmica de varredura”, que comprara em 1878 do engenheiro David Hunter Brandon, seu fabricante em Paris, projetada a partir de uma patente de 1862 dos ingleses John R. Johnson e John A. Harrison. Em 1881, ano em que nasceu seu primeiro filho, Júlio, Ferrez ganhou o grande prêmio da Exposição da Indústria

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1 Marc Ferrez; Canal do Mangue, Rio de Janeiro, c. 1905 (Coleção Gilberto Ferrez) pp. 40-41 Marc Ferrez; Cachoeira de Paulo Afonso, ba, c. 1875 (Convênio Instituto Moreira Salles – Leibniz-Institut für Laenderkunder)

Nacional por seu “aparelho panorâmico para vistas fotográficas, inventado (sic) e construído por M. Brandon e aper­ feiçoado pelo fotógrafo”. Já um mestre na realização dos panoramas, Ferrez anunciou no almanaque Laemmert de 1882 a venda de vistas panorâmicas de um metro e dez centímetros em um único negativo. Os anos 1880 foram de trabalho intenso. Ferrez fotografou tribos indígenas em Goiás e Mato Grosso, série à qual pertence o belíssimo retrato conhecido como Menino índio; viajou por São Paulo e Minas Gerais a serviço da Estrada de Ferro D. Pedro ii; registrou a construção da Estrada de Ferro do Paraná, considerada a mais ousada obra de engenharia do país, num álbum que foi incorporado à coleção da Société de Géographie de Paris; e transformou a documentação fotográfica das obras destinadas a melhorar o abastecimento de água no Rio de Janeiro em oito álbuns, três deles presenteados em 1889 (ano da despedida do Império) a d. Pedro ii, que quatro anos antes o

nomeara cavaleiro da Ordem da Rosa. Em sua produção na última década do século xix, destacam-se a documentação dos estragos provocados em navios e insta­lações da marinha pela Revolta da Armada e uma excelente série de tipos urbanos do Rio de Janeiro, cada um representando um ofício (um exemplo famoso é a imagem dos meninos jornaleiros, de 1899). O século xx encontrou Ferrez consagrado como fotógrafo e empresário, com atividades que iam do comércio de equipamentos fotográficos à edição de livros e postais. Mesmo assim, permanecia disposto a tocar projetos ambiciosos nas duas frentes. O monumental álbum Avenida Central: 8 de março de 1903-15 de novembro de 1906 registrou a remodelação radical da principal artéria carioca de então, promovida pelo prefeito Pereira Passos, com o rigor de contrapor reproduções das plantas às foto­grafias das fachadas de cada edifício ali documentado. Como empresário, Ferrez foi sócio do Cine Pathé, fundado em 1907, a ter-

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ceira sala de cinema da cidade, e ajudou a produzir, entre muitos outros títulos, aquele que entraria na história como a primeira comédia do cinema brasileiro, Nhô Anastácio chegou de viagem. Data dessa época sua curiosa reivindicação, junto às autoridades alfandegárias, de igual tratamento fiscal para as películas de filmes, então pesadamente taxadas, e o material fotográfico convencional, por ser “evidente que as imagens cinematográficas são fotografias habituais”. Ferrez fez-se ainda distribuidor exclusivo no

Brasil dos produtos dos irmãos Lumière, dos quais se tornara amigo, realizando experiências com fotos coloridas em autocromo. Após a morte de sua mulher, em 1914, Marc Ferrez partiu no ano seguinte para uma temporada de cinco anos em Paris, retornando ao Rio, doente, três anos antes de morrer.

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augusto malta (1864-1957)

O alagoano Augusto Cezar de Malta Campos foi o principal fotó­grafo da evolução urbana do Rio nas primeiras décadas do século xx, período de acelerada – e por vezes traumática – modernização. Radicado na cidade desde 1888, ano da Proclamação da República, trabalhou inicialmente como comerciante de tecidos, até dar seus primeiros passos como fotógrafo amador na virada do século. Contratado em 1903 como fotógrafo oficial da Diretoria Geral de Obras

e Viação da Prefeitura do Distrito Federal, cargo criado especialmente para ele, Malta teve como missão inicial registrar imagens de todas as ruas que teriam seu traçado modificado pelo gigantesco projeto urbanístico do prefeito Pereira Passos, no período conhecido como “bota-abaixo”. Pereira Passos, de quem o fotógrafo se tornou amigo, deixou a prefeitura em 1906, mas Malta conservou-se no posto por mais 30 anos, registrando desde gran-

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1 Augusto Malta; Vista tomada do Corcovado, mostrando a entrada da baía da Guanabara, Rio de Janeiro, 06.11.1906 (Coleção Brascan Cem Anos no Brasil) 2 Augusto Malta; Nova iluminação pública na avenida Delfim Moreira, Rio de Janeiro, c. 1906 (Coleção Brascan Cem Anos no Brasil)

des eventos, como a Exposição Nacional de 1908 e a inauguração da estátua do Cristo Redentor (em 1931), até aspectos da vida cotidiana da cidade. A maior parte de sua obra pertence ao acervo do Museu da Imagem e do Som (mis), do Rio de Janeiro. Contratado também, em 1905, pela The Rio de Janeiro Tramway, Light and Power Company Limited – que ficaria popularmente conhecida como Light –, Malta produziu um impressionante conjunto de vistas em negativos de vidro so-

bre as atividades modernizadoras da empresa na cidade – sobretudo no transporte coletivo, com a implantação dos bondes elétricos, e na iluminação pública. A série é de importância fundamental em sua obra. Traba­lho semelhante foi realizado para a mesma empresa, em São Paulo, pelo fotógrafo suíço Guilherme Gaensly, e ambos estão incorporados ao acervo do ims desde janeiro de 2002, como parte da Cole­ção Brascan – Cem Anos no Brasil, composta por 15.780 imagens.

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vincenzo pastore (1865-1918)

As 137 imagens do fotógrafo Vincenzo Pastore que integram o acervo do ims foram realizadas entre 1910 e 1915 por um dos fotógrafos profissionais mais ativos de São Paulo na época. É sem dúvida o principal legado desse italiano que desembarcou na capital paulista em 1894, já como fotógrafo profissional, para abrir seu bem-sucedido estúdio – e mais tarde uma filial dele em Bari, na Itália. O olhar diletante com que circulou pelas ruas de São Paulo no início do

século xx levou-o a desenvolver um valioso painel documental de tipos e costumes das ruas de uma cidade ainda pacata que pouco tempo depois seria desfigurada pelo desenvolvimento econômico, com flagrantes de personagens marginais e trabalhadores de rua como jornaleiros, feirantes e engraxates. O trabalho de Pastore nas ruas e calçadas de São Paulo com uma câmera de pequeno formato confere às imagens uma nova estética, radicalmente distinta das

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1 Vincenzo Pastore; Homens conversando em banco de praça, São Paulo, c. 1910 2 Vincenzo Pastore; Vendedor de vassouras em rua do centro de São Paulo, c. 1910

imagens de cena de rua produzidas ao longo do século xix, sempre produzidas em câmeras de grande formato sobre tripés. As imagens de Pastore, ao contrário, traduzem a nova linguagem do instantâneo produzida pelas emulsões fotográficas de maior sensibilidade à luz, que libertaram as câmeras fotográficas dos tripés e permitiram também a simultânea diminuição no tamanho dos aparelhos fotográficos, possível em função dos papéis fotográficos mais sensíveis que possibilitavam a ampliação dos negativos de menor formato em laboratório por meio do emprego de fontes de luz artificial. Inaugurava-se assim a nova linguagem da fotografia do século xx, e Pastore foi um dos seus pioneiros com as imagens que produziu nas ruas de São Paulo. Em ampliações produzidas pela própria mulher do fotógrafo, que o ajudava no estúdio, e acondicionadas por décadas em uma caixa de charutos, sem negativos, o conjunto era um segredo de família que só chegou ao conhecimento do público em 1997, ao ser herdado por seu neto, o pianista Flávio Varani, que o doou ao ims.

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claude lévi-strauss

(1908-2009)

As fotografias de cenas urbanas de São Paulo feitas pelo etnólogo e antropólogo francês Claude Lévi-Strauss, na época professor de sociologia da recém-criada Universidade de São Paulo (usp), foram adquiridas diretamente do autor pelo Instituto Moreira Salles, que as reincorporou ao patrimônio iconográfico da cidade. Trata-se de um lote de 44 negativos originais, produzidos entre 1935 e 1937, que registram uma fase de transição da cidade, na qual ainda era possí-

vel ver animais em meio a automóveis e bondes, mas também novos edifícios, como o Martinelli, sendo construídos em meio a roupas pendu­r adas nos varais. “Uma cidade é como um texto que, para se compreender, é preciso saber ler e analisar”, escreveu. As fotos foram publicadas apenas 60 anos mais tarde, no livro Saudades de São Paulo, da Companhia das Letras. Etnólogo, antropólogo e filósofo, Claude Lévi-Strauss nasceu em 28 de

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1 Claude Lévi-Strauss; Rua da Liberdade, São Paulo, c. 1937 2 Claude Lévi-Strauss; Avenida São João, São Paulo, c. 1937

novembro de 1908, em Bruxelas, Bélgica. É considerado, além de fundador da antropologia estruturalista, um dos grandes intelectuais do século xx. Chegou ao Brasil em 1935, aos 27 anos, inte­ grando a segunda leva de professores estrangeiros convidados a dar aulas na usp. Entre 1935 e 1939, organizou várias missões etnográficas por Mato Grosso e pelo Amazonas. Lecionou na universidade até 1938. O registro das excursões pelas regiões centrais do Brasil se transformaria no clássico Tristes trópicos, de 1955. No livro, Lévi-Strauss revela que a vocação de antropólogo teria nascido justamente durante essas viagens. “Um ano depois da visita aos bororo, todas as condições para fazer de mim um etnógrafo estavam satisfeitas”, escreveu. O antropólogo voltou à França às vésperas da Segunda Guerra Mundial e pouco depois foi para Nova York dar aulas, trabalhando ainda como conselheiro cultural na embaixada francesa nos Estados Unidos. De volta à França, deu aulas no Collège de France de 1959 até sua aposentadoria, em 1982. Continuou,

no entanto, escrevendo ocasionalmente sobre música e poesia, bem como algumas memórias. Foi o primeiro membro da Academia Francesa a chegar aos 100 anos de idade. Lévi-Strauss morreu em Paris, em 30 de outubro de 2009.

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Marcel Gautherot; Pavilhão da Bienal, Ibirapuera, São Paulo, c. 1955

marcel gautherot

(1910-1996)

Adquirida pelo Instituto Moreira Salles em 1999, a obra completa do francês Marcel Gautherot compõe-se de cerca de 25 mil imagens que abrangem um vasto leque temático e situam seu autor entre os nomes fundamentais da fotografia brasileira no século xx. Nascido em Paris em 1910 e radicado no Rio de Janeiro desde fins de 1940, Gautherot dedicou seu olhar – no qual a sobriedade documental, marca de sua geração, fundia-se ao apurado senso estético de quem se formara como arquiteto de interiores na École Nationale Supérieure des Arts Décoratifs – a motivos tão variados quanto folclore, arquitetura, natureza e paisagem humana, em diversas regiões do país. Em todos esses campos, manteve um excepcional padrão de qualidade e uma rara consciência de “obra” – que, nos últimos anos de vida, levou-o a

dedicar-se exclusivamente à organização de seu monumental arquivo. A abrangência do trabalho de Gautherot levou Carlos Drummond de Andrade a declará-lo “um dos mais notáveis documentadores da vida nacional”, enquanto o paciente apuro técnico de suas imagens, compostas com um rigor clássico pouco comum na fotografia documental do século xx, valeu-lhe o título de “o mais artista” dos fotógrafos, dado por Lucio Costa. Admirador declarado de Manuel Álvarez Bravo e Henri Cartier-Bresson, Gautherot desenvolveu, porém, um estilo próprio e marcante, que certa vez batizou de “jornalismo científico”. Para ele, “uma pessoa que não entende de arquitetura não é capaz de fazer uma boa foto”. Segundo seu próprio relato, foi a leitura de uma tradução francesa do ro-

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mance Jubiabá, de Jorge Amado, em 1938, que despertou no jovem simpatizante comunista, filho de um operário e de uma costureira, a paixão pelo Brasil. Gautherot desembarcou no país pela primeira vez em 1939, quando viajou pela região Norte e contraiu malária. No entanto, só viria a se fixar no Brasil no ano seguinte, após um breve período de convocação para a guerra na África, escapando – como muitos de seus contemporâneos

formados no entreguerras – do ambiente sombrio da França ocupada pelos nazistas. Desfrutava, então, de um prestígio nascente como fotógrafo, publicando em revistas de renome como Photographie e Cahiers d’Art e tendo realizado uma expedição fotográfica ao México sob os auspícios do Museu do Homem – que, ainda como arquiteto de interiores, ajudara a fundar, em 1936. Este ensaio, do qual o ims tem cerca de 200 negativos,

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1 Marcel Gautherot; Romaria do jubileu do santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, Congonhas do Campo, mg, c. 1950 2 Marcel Gautherot; Guerreiros, Maceió, c. 1943

chamou a atenção de Pablo Picasso, que solicitou cópias do trabalho. Marcel Gautherot logo fixou raízes no Brasil, limitando suas constantes viagens ao âmbito doméstico. Antes mesmo de se casar, aos 50 anos, com uma funcionária da embaixada francesa, Janine Monike Milk, com quem teve um filho, Olivier, já vira sua obra entrelaçar-se com a de diversos nomes de ponta da cultura brasileira do período. Colaborou com Rodrigo Melo Franco de Andrade no Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan), com Edison Carneiro na Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, com Roberto Burle Marx em inúmeros projetos paisagísticos e com Oscar Niemeyer – a convite deste, que o tinha como fotógrafo predileto – na documentação fotográfica da construção de Brasília. Foi ainda repórter freelancer da revista O Cruzeiro e prestou serviços para clientes como o Itamaraty e os Correios. Apesar dessa integração à elite cultural de seu país adotivo e de sua contribuição significativa à construção da

autoimagem nacional em momento histórico tão rico, Gautherot sofreu com a relativa desvalorização da arte fotográfica no cenário cultural brasileiro de seu tempo. Só em 1995 realizou, na Casa França-Brasil, sua primeira exposição individual, acompanhada do livro

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Bahia: rio São Francisco, Recôncavo e Salvador. Ao morrer, de câncer, no Rio de Janeiro, em 1996, não tinha concretizado o sonho de transferir seu arquivo para uma instituição que zelasse por ele. Isso mudou três anos depois, com a incorporação ao acervo do Instituto Moreira Salles das 2.200 pranchas-contato minuciosamente editadas e dos 21 mil negativos em preto e branco que compõem seu legado, além de cerca de três mil diapositivos e negativos coloridos.

Tendem ao inesgotável as possibilidades de recortes reveladores nesse universo. Um dos conjuntos mais grandiosos é o das quatro mil imagens que documentam a construção de Brasília, entre 1955 e 1960, com uma amplitude temática em que cabem desde as linhas futuristas de Niemeyer até a favelizada “cidade” dos candangos. Ao lado de trabalhos sobre o complexo da Pampulha e o prédio do Ministério da Educação e Saúde, as fotografias de Brasília garan-

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Marcel Gautherot; Embarcações no porto próximo ao Mercado Ver-o-Peso, Belém, c. 1954 pp. 60-61 Marcel Gautherot; Palácio do Congresso Nacional, Brasília, c. 1960

tem a Gautherot o título incontestável de principal documentador e divulgador da arquitetura moderna brasileira, com imagens publicadas em revistas do mundo inteiro nos anos 1950-1960. Outros exemplos já desentranhados do oceano de virtualidade de sua obra são os livros publicados pelo ims: O Brasil de Marcel Gautherot, de 2001, painel multifacetado de sua produção; Norte, fruto de suas diversas viagens amazônicas, com prefácio em que Milton Hatoum e Samuel Titan Jr. vislumbram a influência do impressionista Monet na ousadia de transformar igapós em puro grafismo, “jogo quase abstrato de luz e sombra”; e Paisagem moral (com poema de Francisco Alvim), um ensaio sobre os profetas do Aleijadinho, artista por quem o fotógrafo se declarava apaixonado – os dois últimos lançados em 2009. Por último, em 2010, o ims publicou o livro Brasília, com ensaios de Kenneth Frampton, Sergio Burgi e Samuel Titan Jr., e fotos de Gautherot, comemorando o cinquentenário da capital brasileira. Merece menção também o livro O olho fotográfico: Marcel Gau-

therot e seu tempo, de 2007, editado por Heliana Angotti-Salgueiro, com base em ampla pesquisa financiada pela The Getty Foundation e apoiada pelo ims. No campo da cultura popular, o olhar de folclorista de Gautherot esquadrinhou diversas regiões do país com curiosidade única, certo de que flagrava uma manifestação “mais natural” – e fadada à extinção – da alma brasileira. O próprio fotógrafo destacou (em entrevista de 1989 à pesquisadora Lygia Segala) duas séries: a do bumba meu boi maranhense e a do reisado alagoano, esta considerada por ele a “série mais completa, excelente mesmo”. No entanto, riquezas semelhantes podem ser encontradas nas centenas de fotografias que fez no rio São Francisco – que incluem um ensaio sobre a arte das carrancas parcialmente publicado em 1947, com grande repercussão, em O Cruzeiro –, sobre as festas populares de Salvador e entre os jangadeiros do Ceará. A amplitude dos temas e o escopo de sua realização fotográfica fazem de Marcel Gautherot um artista de dimensões épicas.

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thomaz farkas (1924-2011)

Por um acordo de parceria com o próprio fotógrafo, o ims assumiu a guarda e a preservação da obra fotográfica de Thomaz Farkas, composta por mais de 34 mil imagens que cobrem o período entre os anos 1940 e 1990. Figura multifacetada que deixou marcas profundas no cenário cultural brasileiro também como empresário – dono da Fotoptica, negócio herdado do pai – e homem de cinema, o fotógrafo Farkas reuniu uma obra vasta e de fortes marcas autorais

que só tardiamente, nos anos 1990, começou a ser apreciada em seu conjunto. Nascido em Budapeste, Hungria, em 1924, Farkas chegou ao Brasil com seis anos de idade. Seu pai, seguindo um negócio em que a família se especializara em seu país de origem, abriu em São Paulo a primeira loja da Fotoptica, onde o pequeno Thomaz aprendeu a fotografar brincando. Em 1932, com apenas oito anos de idade, Farkas ganhou de seu pai a primeira câmera fotográfica e

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1 Thomaz Farkas; Praia de Copacabana, Rio de Janeiro, 1947 2 Thomaz Farkas; Bailarina do Balé da Juventude da une, Rio de Janeiro, 1947

durante os dez anos seguintes realizou imagens que podem ser compreendidas como experimentos visuais fotográficos intuitivos e exploratórios à maneira de Lartigue – em que família, animais domésticos, o grupo de amigos de bicicleta, fatos relevantes como o Zeppelin sobre a cidade e a construção do estádio do Pacaembu nos arredores de sua residência são todos temas para incursões fotográficas e, em alguns casos, também cinematográficas. A qualidade e o frescor dessas imagens do período de infância e adolescência devem-se, por um lado, ao espírito livre e investigativo que caracterizou Thomaz Farkas desde cedo e, por outro, à imersão precoce no universo da fotografia em função da atividade comercial da família neste ramo. Nos anos 1960, Farkas assumiu a direção da Fotoptica após a morte do pai, ficando à frente dos negócios até 1997. Aos 18 anos, já era sócio do influente Foto Cine Clube Bandeirante, o mais avançado centro de debates sobre fotografia da cidade. Afinados com as vanguardas europeias e norte-americanas, os

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2 Thomaz Farkas; Telhas, São Paulo, c. 1945 2 Thomaz Farkas; Estádio do Pacaembu, São Paulo, 1942

membros do fccb, entre eles Geraldo de Barros, German Lorca e Thomaz Farkas, buscavam uma estética específica para a fotografia, com novos enquadramentos e pontos de vista inusitados. A principal influência de Farkas no período foi o movimento norte-americano da fotografia direta, que teve entre seus principais representantes Paul Strand (1890-1976), Anselm Adams (1902-1984) e Edward Weston (18861964), de quem Farkas se tornou correspondente. Nos anos 1940, foi uma

São Paulo em acelerado processo de modernização seu tema principal, que ele abordava em busca de novos e inusitados enquadramentos, prenunciando, em seu abstracionismo geométrico, a arte construtivista da década seguinte. Ao mesmo tempo, explorava imagens surrealistas. Foi nesse período também que seus interesses se ampliaram e sua fotografia se voltou para uma visão mais humanista, em uma abordagem mais próxima do fotojornalismo e da fotografia documental, visão que passou a interagir com seus interesses estéticos e formais, como, por exemplo, nas séries de imagens sobre o Rio de Janeiro que incorporam o retrato e a vida dos moradores de bairros populares e regiões do centro histórico da então capital federal. São desse período também suas fotografias sobre o balé Yara, sobre usinas hidrelétricas (ainda de forte caráter formal e realizadas durante viagens do curso de engenharia), além da significativa série surrealista produzida em conjunto com colegas da universidade.

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1 Thomaz Farkas; Experiência surrealista com os colegas da Escola Politécnica (Poli), São Paulo, 1947 2 Thomaz Farkas; Presidente Juscelino Kubitschek no dia da inauguração de Brasília, Brasília, 1960 pp. 68-69 Thomaz Farkas; Estádio do Pacaembu, 1942

A linguagem que utilizou nas séries fotográficas sobre a construção de Brasília, alinhada com o foto­jornalismo e a fotografia documental, parece já apontar para os trabalhos que realizaria durante as décadas de 1960 e 1970, em especial a Caravana Farkas de documentários cinematográficos sobre o Brasil e a série em cores sobre a Amazônia e o Nordeste (Notas de viagem), todos trabalhos de forte vertente humanista. Ao se naturalizar brasileiro, em 1949, Farkas já era membro da Comissão de Fotografia do Masp, dando início a uma atuação institucional que aprofundaria em 1963, como sócio-fundador do Museu de Arte Moderna (mam) de São Paulo e, em 1987, como conselheiro da Bienal de São Paulo. Ao mesmo tempo, transformou a Fotoptica em referência para várias gerações de fotógrafos da cidade, lançando a revista Novidades Fotoptica e fundando em 1979, em parceria com Rosely Nakagawa, a Galeria Fotoptica. Nos anos 1960 e 1970, o fotógrafo Farkas foi obscurecido pelo homem de

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cinema, uma paixão de juventude que ele, formando-se em engenharia, não pudera seguir. A chamada Caravana Farkas produziu, nos anos da ditadura militar, uma série de filmes documentários de curta e média metragem, a maioria em 16 mm, que tinham o propósito de apresentar ao Brasil facetas pouco conhecidas do país. Produziu filmes como Subterrâneos de futebol, de Maurice Capovilla, Viramundo, de Geraldo Sarno, e Memória do cangaço, de Paulo Gil Soares. Em muitos deles, atuou também como diretor de fotografia, e terminou por dirigir seus próprios títulos, entre eles Hermeto, campeão, sobre o músico Hermeto Pascoal. A exposição individual Thomaz Farkas, fotógrafo, no mam-sp, realizada em 1997 – sua primeira desde 1949 –, permitiu finalmente uma visão abrangente das muitas linhas de força de sua vasta obra fotográfica. Nela convivem, sem con-

tradição, extremos como os rigorosos e elegantes estudos de movimento e de corpos em contraluz que produziu sobre o tema do balé, nos anos 1950, e a série de imagens coloridas sobre a pobreza brasileira que realizou nos anos 1970 no Amazonas e na Bahia. Nas palavras do crítico de arte Lorenzo Mammì, “entre pesquisa formal e testemunho histórico, a fotografia de Thomaz Farkas encontra um lugar que é só dela”. É, portanto, exatamente na síntese que faz das vertentes formais e humanistas de sua obra fotográfica, mediada por sua personalidade sempre sensível, afetiva e sinceramente preocupada pela condição do outro e também do país que adotou, que reside a contribuição de Thomaz Farkas para a fotografia brasileira moderna e contemporânea. Thomaz Farkas morreu em março de 2011, aos 86 anos.

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1 Hans Gunter Flieg; Cobertura do ginásio do Ibirapuera com placas de alumínio – cba, São Paulo, 1956 2 Hans Gunter Flieg; Indústria Elétrica Brown Boveri S.A., Osasco, sp, 1965

hans gunter flieg

(1923- )

O alemão Hans Gunter Flieg, poeta do aço e do concreto, tinha 16 anos quando o recrudescimento do antissemitismo de Adolf Hitler levou sua família a migrar para São Paulo, bem a tempo de se tornar um dos principais documentadores do explosivo desenvolvimento industrial e urbanístico que transformou a cidade em meados do século xx. A partir de 1945, quando se estabeleceu no mercado como fotógrafo industrial, de publicidade e de arquitetura, e até os anos 1980, lançou um olhar rigoroso – com influências marcadas da Bauhaus e do grupo alemão Nova Objetividade – sobre instalações industriais, edifícios, inte­riores e objetos, tensionando muitas vezes a fronteira entre a objetividade da fotografia documental e o refinamento formal que ambiciona transformar a imagem em abstração. Flieg começou a fotografar ainda na adolescência. Ao se mudar para o Brasil,

tinha acabado de fazer um curso de técnicas de laboratório com Grete Karplus, no Museu Judaico de Berlim, e trazia na bagagem uma câmera Leica e uma Linhof. Logo arranjou emprego na área, inicialmente numa empresa de litografia e em seguida como fotógrafo de uma

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gráfica. Em 1945, ao abrir seu próprio estúdio, deu início a um período de quatro décadas de trabalhos comissionados para grandes empresas. Três anos depois, assinava todas as imagens do primeiro

calendário fotográfico da Pirelli. Em 1951, foi o fotógrafo oficial da primeira Bienal Internacional de Arte, no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Em 1965, obteve a cidadania brasileira.

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Hans Gunter Flieg; Centro de São Paulo, visto do terraço do edifício Altino Arantes (Banespa), 1950

A obra de Flieg, composta por cerca de 35 mil negativos em preto e branco, foi adquirida do próprio fotógrafo pelo ims em julho de 2006. Inclui também, como conjuntos paralelos à sua temática

principal, trabalhos de documentação do patrimônio histórico e da cultura popular, realizados sobretudo para o Unicef, em 1971. Entre as grandes obras que documentou, destacam-se a do Museu de Arte de São Paulo (Masp), a do ginásio do Ibirapuera e a das usinas hidrelétricas de Jupiá e Ilha Solteira. O Museu da Imagem e do Som de São Paulo abrigou uma retrospectiva da obra de Flieg em 1981, em cujo material de apoio destacava-se a seguinte frase do fotógrafo, que assim fazia um balanço de sua carreira: “Talvez todas as minhas fotografias reunidas contem uma história de amor – minha descoberta do Brasil”. Em 2008, o ims participou da organização de sua primeira exposição individual na Europa, Hans Gunter Flieg: Dokumentarfotografie ous Brasilien (1940-1970) – realizada no museu Kunstsammlungen, em sua cidade natal, Chemnitz –, e do livro bilíngue (alemão e inglês) que a acompanhou.

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José Medeiros; Ritual de iniciação das filhas de santo (iaôs), Salvador, 1951

josé medeiros (1921-1990)

A obra completa do piauiense José Medeiros, que registra em cerca de 20 mil negativos um momento fundador do fotojornalismo brasileiro, foi adquirida pelo Instituto Moreira Salles em agosto de 2005. Dos 25 aos 40 anos, Medeiros integrou a equipe da revista O Cruzeiro, então a maior do país, cujo departamento de fotografia, chefiado pelo francês Jean Manzon, revolucionava o tratamento dado à imagem na imprensa nacional. Mais tarde, a partir dos anos 1960, dedicou-se à fotografia de cinema, tornando-se, segundo Glauber Rocha, “o único que sabia fazer uma luz brasileira” – a mesma luz “ambiente, uma coisa mais natural” (palavras de Medeiros) que banha suas cenas de rua e seus retratos de famosos e anônimos, pobres e ricos, moças sorridentes em Copacabana e índios no Xingu, foliões no carnaval e internas num manicômio, entre outros extremos

da vida brasileira que registrou em suas reportagens. Nascido em Teresina, José Araújo de Medeiros interessou-se pelo ofício ainda na infância. Tinha apenas 12 anos quando seu pai, fotógrafo amador, ensinou-lhe as técnicas de revelação em laboratório. Chegando ao Rio de Janeiro em 1939, começou a colaborar com as revistas Tabu e Rio. Em 1946, foi contratado por O Cruzeiro, dando início a um trabalho que o levaria a percorrer todo o país e viajar à Europa, ao Equador, aos Estados Unidos e à África. Ao deixar a revista, em 1962, fundou em sociedade com Flávio Damm e Yedo Mendonça a agência Image. No cinema, ao qual se dedicou a partir de 1965, quando assinou a fotografia de A falecida, de Leon Hirszman, Medeiros desenvolveu uma segunda carreira de sucesso, que inclui títulos como Xica da Silva, de Cacá Diegues, A Rainha Diaba,

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1 José Medeiros; Mercedes Batista e Valter Ribeiro na gafieira Estudantina, Rio de Janeiro, 1956 2 José Medeiros; Índio iaualapiti, Serra do Roncador, mt, 1949 pp. 78-79 José Medeiros; A pedra da Gávea, o morro Dois Irmãos e as praias de Ipanema e Leblon, Rio de Janeiro, 1952

de Antonio Carlos Fontoura, e Memórias do cárcere, de Nelson Pereira dos Santos. Em 1980, chegou a dirigir seu próprio longa-metragem, chamado Parceiros da aventura. Foi também professor por dois anos da Escuela Internacional de Cine y Televisión de Santo Antonio de los Baños,

em Cuba, no final dos anos 1980, pouco antes de morrer em Áquila, na Itália. O Rio de Janeiro dos anos 1940-50, cuja vida glamurosa se desenrolava, sobretudo numa Copacabana cuja avenida Atlântica ainda não fora duplicada, era um dos grandes temas do repórter fotográfico José Medeiros. Com acesso às festas mais elegantes, documentou um estilo de vida – o chamado café society – que a transferência da capital para Brasília não demoraria a extinguir. Documentou também os bastidores da política e da cultura nacional, fotografando artistas, músicos e escritores de sucesso. No entanto, foi em viagens pelo país que produziu alguns de seus ensaios mais marcantes. O mais famoso deles foi realizado em 1951, num terreiro de candomblé em Salvador, e documentava em imagens de forte dramaticidade o ritual de iniciação, com sacrifício de animais, de jovens filhas de santo. Escoltada por texto de Arlindo Silva, a fotorreportagem foi publicada com estardalhaço em O Cruzeiro sob o título “As noivas dos deuses sanguinários”. O sensacionalismo da edição

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não fazia justiça ao trabalho de Medeiros, que seis anos depois relançou o material em versão ampliada no pioneiro livro Candomblé, o primeiro de fotografias sobre essa religião no Brasil – desta vez com o acompanhamento de sóbrias legendas sem crédito, provavelmente escritas por ele mesmo. Candomblé foi relançado em 2011 pelo ims em edição crítica, com o acréscimo de 13 fotografias que não constavam da edição original, escolhidas entre as 236 imagens sobre o tema que constam do acervo do fotógrafo.

Outros conjuntos de destaque deixados por Medeiros incluem diversos ensaios realizados em tribos indígenas do Mato Grosso e do Pará, entre 1949 e 1957, e a cobertura – com especial atenção a cenas de arquibancada – da traumática derrota da seleção brasileira na final da Copa do Mundo de 1950, no Maracanã. Em 1986, a Funarte realizou no Rio de Janeiro a mostra retrospectiva “José Medeiros, 50 anos de Fotografia”, que também transformou em livro.

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henri ballot

(1921-1997)

Cronologicamente, a vida do franco-brasileiro Henri Ballot teve um período relativamente curto dedicado à fotografia, entre os anos de 1949 e 1968, quando ele produziu para a revista O Cruzeiro o conjunto de 13 mil imagens que compõem seu acervo no ims. Nesse período, porém, realizou reportagens marcantes, como os registros dos primeiros contatos dos irmãos Villas-Bôas com tribos indígenas no Xingu, de 1952 a 1957, e estudos sobre os retirantes nordestinos

em São Paulo, as escolas de samba do Rio de Janeiro e a construção da Transamazônica. Também registrou inúmeros eventos sociais e culturais do país, e retratou personalidades brasileiras e internacionais. Seu legado tem grande valor documental. Filho de pai francês, Ballot nasceu na cidade gaúcha de Pelotas, mas cresceu na França, na região de Charente, para onde se mudou aos dois anos de idade. Na Segunda Guerra Mundial, atuou na

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1 Henri Ballot; Orlando Villas-Bôas com índios, Xingu, c. 1953 2 Henri Ballot; Pelé com a taça Jules Rimet, 1958 pp. 82-83 Henri Ballot; Retirantes, São Paulo, 1952

Resistência Francesa e passou quatro meses como prisioneiro do exército alemão na Espanha. Após ser libertado, juntou-se como piloto à Free French Air Force, na Inglaterra. Em 1949, teve a carreira encerrada por um acidente aéreo e decidiu se mudar para São Paulo, dando início à atividade de fotógrafo. Entre 1951 e 1969, produziu, entre outras, as fotorreportagens “O gado humano”, sobre os retirantes nordestinos em São Paulo; “Chikrin, Txukarramãe e Tchicão”, sobre os primeiros contatos com os índios das respectivas tribos; “A produção do café em São Paulo”; “A Copa do Mundo em 1958”; “A guerra no Líbano”; “A construção da Transamazônica”; “Greve geral no país”; “Escolas de samba no Rio de Janeiro” e “Os antropófagos da Amazônia”. Em 1961, Ballot foi enviado a Nova York para documentar os bolsões de pobreza da cidade, em resposta a uma reportagem de capa da revista Life retratando a miséria das favelas do Rio, centrada na figura de um garoto, Flávio da Silva. A matéria era assinada pelo lendário fotógrafo e cineasta Gordon Parks,

e o trabalho de Ballot seguia o mesmo caminho, expondo a pobreza do Harlem hispânico. Na capa de O Cruzeiro, o título era tão sensacionalista quando o da Life: “O repórter Henri Ballot descobre em Nova York um novo recorde americano: miséria”. O fotógrafo permaneceu em São Paulo até 1968. Após deixar O Cruzeiro, trabalhou na montagem de um estaleiro na ilha Grande (rj), e na criação de cabras em Santa Catarina.

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Carlos Moskovics; Casamento, provavelmente no outeiro da Glória, Rio de Janeiro, década de 1940

carlos moskovicS

(1916-1988)

O fotógrafo húngaro Carlos Moskovics, um prolífico profissional, deixou um acervo de mais de 150 mil imagens. Incor­porado em 2004 ao conjunto de coleções fotográficas do ims, trata-se de um registro notável a respeito da vida mundana do Rio de Janeiro entre os anos 1940 e 1970, com destaque para as longas séries de imagens que Moskovics realizou no Cassino da Urca e no hotel Quitandinha, em Petrópolis, como fotógrafo-cronista social das revistas Sombra e Rio Magazine. Nascido em Budapeste, Moskovics veio com a família para o Brasil ainda criança, em 1927. Aos 14 anos, tornou-se assistente de fotógrafo. Entre 1938 e 1941, trabalhou no Foto Studio Rembrandt, de Stefan Gal, e também na revista Sombra, editada por Walter Quadros. Na década seguinte, já se tornara um dos mais ativos documentadores da vida ele-

gante da então capital federal. Em 1942, fundou a Foto Carlos, empresa que era ao mesmo tempo estúdio, laboratório e agência fotográfica. Ficava no andar térreo do edifício Rex, na Cinelândia. No comando do estúdio, Moskovics foi o fotógrafo mais requisitado do meio artístico entre as décadas de 1940, 1950 e 1960. Boa parte das imagens que cir­ cularam na imprensa e estamparam os painéis no saguão dos teatros ou os catálogos das peças ganharam a assinatura do seu estúdio. Retratos de atores reconhecidos como Ziembinski, Fernando Torres, Sérgio Cardoso, Henriette Morineau, Cecil Thiré e Bibi Ferreira foram feitos ali, embora o forte do faturamento do estúdio não viesse necessariamente desses trabalhos. À frente da equipe, Moskovics expandiu suas atividades para cobrir diversos cenários da vida social brasileira nas dé-

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cadas seguintes: de casamentos a peças de teatro, de bailes de debutantes à fundação de Brasília e aos salões do regime militar. Em 1945, casou-se com Freida Galperin, com quem teve quatro filhos: Sergio, David, Luiz e Dora.

No ano seguinte, transferiu o estúdio Foto Carlos para o edifício Civitas, na rua México. Aí se consolidou como especialista na vida artística, fotografando personagens do meio teatral, em paralelo aos desfiles de moda, às

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1 Carlos Moskovics; Coristas no cassino da Urca, Rio de Janeiro, década de 1940 2 Carlos Moskovics; Mulheres, provavelmente candidatas a miss Elegante Bangu, posam no Copacabana Palace, Rio de Janeiro, década de 50

paisagens urbanas do Rio e a diversos acontecimentos sociais. Nessa época, o teatro brasileiro passava por grandes transformações em termos de direção e interpretação. Suas fotos da primeira encenação de Vestido de noiva, de Nelson Rodrigues, sob a direção de Ziembinski, à frente do grupo Os Comediantes, são históricas. Os cenários impactantes haviam sido desenhados por Santa Rosa. Mas as peças infantis que já transitavam por uma nova dramaturgia com qualidade cênica e literária, como O casaco encantado, de Lúcia Benedetti, também receberam uma documentação pioneira de Moskovics. Seu estilo procurava unir as qualidades de diversas outras mani-

festações artísticas, como o desenho, a pintura e a escultura. Em 1968, recebeu um convite da Sociedade Cultural e Artística Brasileira para a dirigir a seção de fotografia da i Bienal de Artes da Guanabara e do Estado do Rio de Janeiro. Também foi chamado pela Unesco para a ii Trienal do Teatro na Arte Fotográfica, realizada em Novi Sad, Iugoslávia. O fotógrafo morreu em 1988, no Rio. O acervo de Carlos Moskovics, vasto e variado, comporta desde registros do cotidiano até imagens de grande valor, como instantâneos fotográficos de uma época e seus costumes.

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haruo ohara

(1909-1999)

Os pais de Haruo Ohara vieram para o Brasil em 1927, trazendo sementes e enxadas na bagagem. Oriunda da província de Kochi, no sul do Japão, a família era composta por dez pessoas. Ao desembarcar, Haruo, que estudava para ser professor, acabara de completar 18 anos. Os Ohara foram mandados para Cotia, no interior de São Paulo, onde plantaram batatas. Depois, foram mais ou menos seis anos trabalhando nas lavouras de café de Santo Anastácio, próximo a Presidente

Prudente. O interesse principal de Haruo nessa época era a filatelia, paixão que o levaria a viajar pelo interior em busca de selos. Em 1933, a família adquiriu terras e se mudou para onde atualmente está a cidade de Londrina, no norte do Paraná, continuando no cultivo do café e produzindo também frutas e flores. Massaharu Ohara, o pai de Haruo, adqui­r ira o lote n. 1, com 20 alqueires, da Companhia de Terras Norte do Paraná. Na região foi formada a colônia Ikku. Em 1934, Haruo se

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1 Haruo Ohara; Nuvem da manhã, Terra Boa, pr, 1952 2 Haruo Ohara; Pausa para o cigarro – Empregados na chácara Arara, Londrina, pr, 1945

casou com Kô Sanada, cuja família emigrara de Fukushima e ocupava o lote n. 26. José Juliani, um funcionário da companhia, fotografou a cerimônia. Graças a ele, Haruo entraria no mundo da fotografia. A primeira foto de Haruo Ohara, Retrato de Kô junto a um pé de laranja, foi feita em 1938 com uma pequena câmera comprada de Juliani, que também deu as primeiras instruções ao iniciante. O casal teve nove filhos. A primogênita, Tomoko, nasceu em 1935. Haruo não parou mais de registrar imagens e fazer composições a partir do cotidiano da família, sempre como fotógrafo amador. Como leitor voraz e autodidata, tornou-se líder e conselheiro da colônia, que atravessaria momentos de grande turbulência com as restrições estabelecidas aos japoneses, alemães e italianos durante a Segunda Guerra. O governo resolveu desapropriar o lote n. 1, e a família se mudou para um sobrado na cidade, onde, num quarto minúsculo, o fotógrafo construiu seu laboratório. No lugar do lote, foi construído o aeroporto de Londrina. Haruo passou a se

dedicar à fotografia, associando-se, em 1951, ao Foto Cine Clube de Londrina e ao Foto Cine Clube Bandeirante, de São Paulo. Passou a percorrer salões de arte fotográfica em todo o Brasil, chegando a enviar trabalhos para o exterior. Ganhou, assim, prêmios e menções hon-

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1 Haruo Ohara; Sem título, Londrina, pr, s/d Londrina , pr 2 Haruo Ohara; Maria, filha de Haruo, e Maria Tomita, sobrinha, sítio Tomita, Londrina, pr, 1955

rosas, como no 1º Salão Nacional de Arte Fotográfica da Biblioteca Municipal de Londrina, no qual recebeu como prêmio uma câmera Voigländer Bessa. Possuía duas dessas câmeras, bem como um par de Rolleiflex. Costumava sair pelos arredores da cidade com outros amantes da fotografia para explorar os ambientes, e assinava publicações técnicas nacionais e internacionais. Sempre fotografou o

entorno, sem pressa, mas com alguma preparação, anotando todo o processo em seus diários. A família providenciava os modelos favoritos, o cotidiano fornecia o cenário ideal e a luz adequada era procurada com obstinação e meticulosidade. Sendo um fotógrafo das horas vagas, Haruo tinha o tempo a seu favor. No final dos anos 1960, a esposa, Kô, foi acometida por uma doença rara,

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1 Haruo Ohara; Kô e os filhos desfrutando uma farta safra de caquis, chácara Arara, Londrina, pr, final da década de 1940 2 Haruo Ohara; Terreiro de café – Sunao, filho de Haruo, chácara Arara, Londrina, pr, c. 1949

diagnosticada como Miastenia gravis, que compromete os músculos, mas preserva os movimentos. Haruo a fotografou, conseguindo tirar dela uma placidez sorridente e inusitada. A arte do fotógrafo amador passou a ser reconhecida nos jornais locais. Com a morte de Kô Ohara, em 1973, Haruo entrou num pesado luto, do qual se recuperou cerca de um ano depois, com um álbum de fotografias dedicado a cada um dos filhos, contando a história da família e as particularidades do presenteado. Fotografando sempre em preto e branco, de acordo com a luz do sol, no final dos anos 1970 passou a usar a cor. Em 1979, a filha Kazuko morreu num acidente de automóvel, e a partir daí Haruo desativou definitivamente o antigo laboratório. Sua fotografia nunca mais seria a mesma. Por ocasião dos 80 anos da imigração japonesa no Brasil, no final dos anos 1980, os trabalhos de Ohara obtiveram grande reconhecimento, assim como os feitos pioneiros do artista. Mas, em 1992, ele parou de escrever os diários nos quais relatava

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todo o processo de um trabalho que se alongava por quase 50 anos. Em 1997, começou a sofrer do Mal de Alzheimer e, no ano seguinte, aconteceu a sua primeira exposição individual, Olhares, na Casa de Cultura de Londrina, sendo exibida depois, com grande repercussão, na 2ª Bienal Internacional de Fotografia de Londrina. Aos 89 anos, 70 deles vividos no Brasil, Haruo Ohara morreu em 25 de agosto de 1999. Em 2003, foi publicado o livro Lavrador de Imagens: uma biografia de Haruo Ohara, escrito por Marcos Losnak e Rogério Ivano. Cinco anos depois, a família doou todo o seu acervo ao Instituto Moreira Salles, onde

é tratado e preservado na Reserva Técnica Fotográfica do Rio de Janeiro. No mesmo ano, o ims iniciou uma mostra itinerante com fotos em preto e branco produzidas por Ohara entre 1940 e 1970. O acervo é composto por cerca de oito mil negativos em preto e branco, dez mil negativos coloridos, dezenas de álbuns e centenas de fotografias de época, além de equipamentos fotográficos, documentos pessoais, objetos, diários e livros. O conjunto permite um estudo aprofundando da obra e do tempo de Haruo Ohara, o imigrante e pequeno agricultor de Londrina que é considerado hoje um dos fotógrafos mais expressivos do Brasil.

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Maureen Bisilliat; Retrato de Manuel Nardi, inspirador do conto “Manuelzão e Miguilim”, de Guimarães Rosa, Andrequicé, mg, 1962-1966

maureen bisilLiat

(1931- )

A inglesa Maureen Bisilliat, nascida em Englefield, Surrey, construiu desde os anos 1950, quando se mudou para o Brasil, um dos mais sólidos trabalhos de investigação fotográfica da alma brasileira, aliando a seu olhar de estrangeira um respeito profundo por seus temas – sobretudo sertanejos e índios – e a busca de apoio conceitual na antropologia e em grandes obras da literatura nacional. Desde dezembro de 1983, sua obra completa está incorporada ao acervo do Instituto Moreira Salles, num total de 16.251 imagens, entre fotografias, negativos em preto e branco e cromos coloridos. Filha de um diplomata argentino e de uma pintora inglesa, Maureen viveu uma infância itinerante entre Inglaterra, Estados Unidos, Dinamarca, Colômbia, Argentina e Suíça. Esse desenraizamento cultural, apontado por ela mesma, começou a terminar quando, em 1953, mu-

dou-se para São Paulo em companhia do fotógrafo espanhol José Antonio Carbonell, seu primeiro marido. Estudante de pintura desde o ano anterior, começou a se interessar por fotografia por influência de Carbonell, realizando seus primeiros experimentos tendo como modelos imigrantes japoneses de uma plantação de algodão no interior de São Paulo. Após algumas temporadas no exterior – em Paris, em 1955, onde estudou pintura com André Lhote; em Nova York, dois anos depois, para frequentar o Arts Students League; e na Venezuela, em 1959, onde trabalhou como telefonista – Maureen retornou ao Brasil e, já separada de Carbonell, começou a se dedicar mais intensamente à fotografia, terminando por abandonar a pintura. Desta, porém, restou seu fascínio expressionista pelo claro-escuro e pelos enquadramentos surpreendentes.

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A globe-trotter estava prestes a finalmente fixar raízes. Data de 1960 seu primeiro contato com Jorge Amado, que lhe inspirou a ideia de realizar um trabalho de “equivalência fotográfica” sobre obras literárias nacionais. Poucos anos depois, ao percorrer o sertão de Minas Gerais em busca de imagens que dialogassem com Grande sertão: veredas, obra-prima de Guimarães Rosa, Maureen já tinha se naturalizado brasileira. De 1964 a 1972, fotojornalista contratada da Editora Abril, realizou para revistas como Realidade e Quatro Rodas ensaios que ficaram célebres, entre eles “A batucada dos bambas”, sobre o samba tradicional carioca, e “Caranguejeiras”, retratando mulheres catadoras de caranguejos na aldeia paraibana de Livramento. Paralelamente, dava pros-

seguimento a suas “equivalências fotográficas” com a literatura, que entre os anos 1960 e 1990 publicaria numa série de livros importantes. Além de Rosa e Amado, travou diálogos com Euclides da Cunha, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Ariano Suassuna, Adélia Prado e Mário de Andrade, este a inspiração para o ensaio que expôs numa sala especial da xviii Bienal de São Paulo, em 1985, baseado no livro O turista aprendiz. Editora incansável de sua própria obra, Maureen lançou ainda dois volumes notáveis sobre o Parque Nacional do Xingu, ambos chamados Xingu, com os subtítulos Detalhes de uma cultura (1978) e Território tribal (1979). Também sobre a região, que visitou diversas vezes, codirigiu com Lúcio Kodato o documentário

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1 Maureen Bisilliat; Vaqueiro descansa após vaquejada, Morada Nova, ce, 1970 2 Maureen Bisilliat; Bumba meu boi na festa de São João, São Luís, 1978 pp. 122-123 Maureen Bisilliat; Homens se aprontando para Kuarup, Xingu, 1973-1977

de longa-metragem Xingu/terra. A paixão pelo vídeo passou a absorvê-la cada vez mais a partir dos anos 1980, mas, nos anos 1990, Maureen ainda publicou livros com ensaios fotográficos de viagens à África, ao Líbano e ao Japão. Em 1988, com Jacques Bisilliat, seu marido, e Antônio Marcos da Silva, foi convidada por Darcy Ribeiro para

montar o acervo de arte popular latino-americana, origem do Pavilhão da Criatividade da Fundação Memorial da América Latina. Foi curadora do espaço de sua criação até 2011. Em 2009, o ims lançou a exposição e o livro Fotografias, uma visão panorâmica de sua carreira, com participação da própria Maureen Bisilliat na curadoria.

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Otto Stupakoff; Mulher-pássaro, Nova York, 1983

ot to stupakoff

(1935-2009)

Pioneiro da fotografia de moda no Brasil e um dos fotógrafos brasileiros de maior projeção internacional, com uma série de 43 fotografias incorporada desde 1969 à coleção permanente do Museu de Arte Moderna de Nova York (moma), o paulistano Otto Stupakoff teve sua obra completa, um conjunto de cerca de 16 mil negativos, adquirida pelo Instituto Moreira Salles em setembro de 2008. Além de ensaios de moda e retratos de celebridades internacionais do mundo das artes e da política, produzidos para revistas como Harper’s Bazaar, Life, Esquire, Glamour, Look e Vogue, Stupakoff, que passou a parte mais produtiva de sua carreira vivendo em Nova York e Paris, deixou conjuntos menos conhecidos de retratos, nus, instantâneos de rua, fotografias de suas incontáveis viagens pelo mundo – inclusive pelo Ártico – e experimentações no limite do abstracionismo.

Na apresentação do livro Sequências, editado pelo ims em 2009, a partir da exposição homônima, o fotó­grafo Bob Wolfenson afirma que “Otto, como poucos, personificou a figura do fotógrafo charmoso, sedutor e aventureiro, prefigurado, mais de uma década antes, por Michelangelo Antonioni em seu seminal filme Blow-up”. De fato, Stupakoff foi personagem destacado de uma época de ouro da fotografia de moda e do retrato, nos anos 1960 e 1970, convivendo lado a lado com nomes estelares como Richard Avedon, Irving Penn – a quem, na juventude, pediu emprego de auxiliar e ouviu que isso seria impossível, porque “já era um fotógrafo” – e Diane Arbus. Nesse mundo glamuroso e competitivo, culti­vou um estilo inconfundível, que ele chamava de “brasileiro” e que sempre deixava em primeiro plano a espontaneidade

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1 Otto Stupakoff; Ansiedade, Nova York, 1990 2 Otto Stupakoff; Hotel St. Regis, Nova York, 1972

e a sensualidade das modelos, em vez da roupa em si. Stupakoff acreditava que “a fotografia de moda é a única que propicia ao fotógrafo a oportunidade de se expressar tanto quanto uma ilustração, um trabalho editorial, uma repor­t agem…”. Começou a fotografar na infância, com uma câmera que ganhou de presente do pai em 1943. Interessado inicialmente em cinema, chegou a dirigir quando adolescente um curta-metragem em 8 mm. Contudo, desanimado com as escassas perspectivas de profissionalização da atividade no Brasil, já havia optado pela fotografia quando, aos 17 anos, ingressou na Art Center School, hoje Art Center College of Design, em Los Angeles, Califórnia, onde estudou de 1953 a 1955. Nesse período, graças a uma característica pessoal à qual ele próprio se referia com bom humor – a de ser um incorrigível “penetra”, abordando pessoas famosas sem cerimônia alguma –, ficou amigo de Carmen Miranda e visitou na pequena cidade californiana de Carmel o fotógrafo Edward Weston,

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nome lendário da fotografia americana, que naquele momento já sofria de mal de Parkinson. Tal traço de sua personalidade foi o mesmo que o levou a – após retornar ao Brasil e projetar pessoalmente seu estúdio em Porto Alegre, onde vivia seu pai – procurar Oscar Niemeyer para lhe mostrar fotos da obra. Esse material foi publicado na prestigiosa revista Módulo, dirigida pelo arquiteto, sob o título “Fotógrafo profissional, arquiteto amador”. Do contato entre os dois surgiu ainda um convite de Niemeyer para que o jovem fotógrafo documentasse suas obras em Minas Gerais e, mais tarde, em Brasília. O primeiro estúdio de Stupakoff deixava claras suas intenções profissionais: era voltado para a fotografia em preto e

branco de grande formato, estilo cultivado pelos grandes nomes da fotografia americana dos anos 1930 e 1940. Radicado no Rio de Janeiro em 1956, Stupakoff fez seus primeiros trabalhos para agências de publicidade e para a gravadora Odeon, que, sob a direção de André Midani, encomendou-lhe capas de discos de músicos como Dorival Caymmi e Luiz Bonfá. De volta a São Paulo no ano seguinte, deu prosseguimento à sua carreira em publicidade, ensaiou os primeiros passos no mundo da fotografia de moda para a revista Claudia, da editora Abril, e manteve um relacionamento intenso com a cena artística local, principalmente com seu amigo Wesley Duke Lee. Seu estúdio-hangar na rua Frei Caneca

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transformou-se em ponto de encontro de artistas e intelectuais, o que combinava com sua crença de que é “de vital importância para um fotógrafo não pensar tanto em fotografia, mas buscar referências na literatura, na pintura, no desenho, na música”. Em 1965, com seu portfólio debaixo do braço, Stupakoff trocou São Paulo por Nova York e conseguiu imediatamente um contrato para trabalhar na Harper’s Bazaar ao lado de, entre outros, Richard Avedon. Data desse período, segundo ele, o desenvolvimento de um estilo pessoal, para o qual dizia ter colaborado intensamente a designer carioca Bea Feitler, então diretora da revista, considerada

por ele “a melhor diretora de arte que já existiu no mundo”. Montou seu estúdio no edifício do Carnegie Hall, no mesmo andar em que outros fotógrafos de renome, como Art Kane – de quem se tornaria grande amigo – haviam se estabelecido. Em 1973, transferiu-se para Paris, onde fotografou para a Vogue francesa, Elle, Marie Claire e Stern, entre outras publicações. De volta ao Brasil, em 1977, decepcionou-se com a relutância de revistas e agências de publicidade em lhe encomendar trabalhos, o que o levou a radicar-se mais uma vez em Nova York a partir de 1981 e só retornar definitivamente a São Paulo em 2005, quando foi homenageado com a mostra Moda sem

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1 Otto Stupakoff; Ao dai (traje típico), Saigon, Vietnã, 1968 2 Otto Stupakoff; Margareta, Rio de Janeiro, 1978 pp. 130-131 Otto Stupakoff; Jardins de Boulogne, s.d.

fronteiras, realizada durante o evento de moda São Paulo Fashion Week. Os retratos deixados por Otto Stupakoff incluem os de personalidades inter­nacionais como Richard Nixon, Yves Saint-Laurent, Coco Chanel, Grace Kelly e sua filha Stéphanie, Jack Nicholson, Robert Redford, Bette Davis, Sharon Tate, Sophia Loren, Truman Capote,

Harold Pinter, Tom Stoppard e Michael Jordan. Entre as celebridades brasileiras, seus retratos mais famosos são os de Pelé, Jorge Amado, Pierre Verger, Tom Jobim, Heitor dos Prazeres, Dorival Caymmi e Xuxa – este, um típico exemplo do estilo Otto, mostrando a então modelo sentada num vaso sanitário do Copacabana Palace.

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Música Chiquinha Gonzaga  154 Ernesto Nazareth  160 Pixinguinha  166 José Ramos Tinhorão  172 Humberto Franceschi  178 Antonio D’Áuria  182 Elizeth Cardoso  184 Baden Powell  190 Walter Silva  196 Maria Luiza Kfouri  198 André Filho  200 Hekel Tavares  202

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Acervos musicais costumam ter basicamente dois tipos de origens: a prática musical propriamente dita, em uma ou mais das múltiplas funções que se sucedem na extensa linha de produção que ela comporta – compositor, arranjador, copista, intérprete, regente, músico acompanhador, produtor etc. – ou as atividades de pesquisa e colecionismo. Inaugurada no início dos anos 2000, a Reserva Técnica Musical do ims tem hoje sob sua guarda 12 acervos que contemplam essas duas vertentes: na primeira, situam-se os dos compositores Chiquinha Gonzaga, Ernesto Nazareth, Hekel Tavares, Pixinguinha (também arranjador e instrumentista) e André Filho (também cantor), os dos violonistas Antonio D’Áuria (também colecionador) e Baden Powell (também compositor), o da cantora Elizeth Cardoso e o do radialista Walter Silva; e na segunda estão as coleções dos pesquisadores José Ramos Tinhorão, Humberto Franceschi e Maria Luiza Kfouri. A característica comum a esses conjuntos – e também o maior desafio em se lidar com eles – é a grande diversidade de suportes. Mas os materiais mais preciosos para nós, músicos, são indiscutivelmente aqueles que possibilitam o registro do fato musical propriamente dito: partituras e gravações. Os conjuntos de partituras mais relevantes que guardamos, por serem compostos majoritariamente por manuscritos autógrafos, estão nos acervos Chiquinha Gonzaga e Pixinguinha. No primeiro, um acervo que a própria maestrina teve o cuidado de reunir por toda a vida e que, com a ajuda de seu companheiro, João Batista Lage, manteve-se bem conservado e organizado; e no segundo, uma riquíssima coleção contendo mais de 300 arranjos escritos para o programa O pessoal da Velha Guarda, comandado por Almirante no final dos anos 1940/início dos 1950 na Rádio Tupi, além de uma rica coleção de choros do passado, que muito provavelmente Pixinguinha herdou de seu pai, o também flautista Alfredo Vianna. Outros acervos apresentam importantes conjuntos: o de José Ramos Tinhorão chega à impressionante marca dos 29.567 títulos de partituras editadas, um tesouro para pesquisadores do repertório brasileiro dos séculos xix e xx, e o de Elizeth Cardoso reúne alguns arranjos escritos especialmente para a cantora por nomes como Léo Peracchi e Lindolfo Gaya. Quanto à música gravada, um dos sonhos da rtm é a criação de um portal multi-institucional dedicado à recuperação da Discografia Brasileira em 78 rpm, daí as coleções desses discos terem importância especial. As principais são as de Humberto Franceschi e José Ramos Tinhorão, com cerca de seis mil exemplares cada uma, mas há menores amostragens também nos acer-

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vos Pixinguinha e Antonio D’Áuria, fora as doações recebidas de diversas cidades do Brasil e das colaborações de pequenos colecionadores que nos cedem seus discos para serem aqui digitalizados. Outros suportes, como as fitas magnéticas de rolo e cassete, contêm material não comercial – como gravações de ensaios, apresentações e programas de rádio – que representam um tesouro à parte. Elas estão presentes principalmente nos acervos Antonio D’Áuria (rodas de choro que aconteciam na casa do violonista), Elizeth Cardoso (ensaios e shows da cantora), Walter Silva (programas de rádio comandados por ele, incluindo alguns ensaios que aconteciam antes de os programas entrarem no ar) e José Ramos Tinhorão (entrevistas do jornalista com grandes nomes da música brasileira, registros de eventos e variadas manifestações musicais). Mas há farto material para além dos suportes puramente musicais – e torna-se impossível não citar mais uma vez o acervo Tinhorão, em que, além de uma biblioteca com mais de seis mil volumes, coleções completas de revistas e diversas obras raras, há cerca de 2.600 fotografias, uma hemeroteca que reúne mais de 15 mil recortes de jornais e revistas, e centenas de documentos importantes, tudo isso focado na grande paixão do pesquisador, a cultura popular urbana. Trata-se de um conjunto de valor inestimável para a pesquisa musical e musicológica, que procuramos disponibilizar cada vez mais, valendo-nos de novos recursos que a evolução tecnológica tem criado. Bia Paes Leme  |  Coordenadora do acervo de música do Instituto Moreira Salles

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chiquinha gonzaga

(1847-1935)

Compositora, maestrina e pianista, Chiquinha Gonzaga é tida até hoje não só como um dos grandes nomes da música brasileira dos séculos xix e xx, mas como uma personagem marcante e atuante que, oriunda de uma sociedade patriarcal, abriu caminhos e rompeu barreiras em diversos segmentos, tornando-se pioneira na defesa dos direitos autorais de músicos e autores teatrais. Francisca Edwiges Neves Gonzaga nasceu em 17 de outubro de 1847, no Rio

de Janeiro. Era a terceira dos nove filhos de José Basileu Neves Gonzaga, militar, e Rosa de Lima Maria, filha alforriada da escrava mestiça Tomásia. A menina Chiquinha, como era comum à época, aprendeu as primeiras letras em casa, estudou piano e apresentou sua primeira composição aos 11 anos de idade. Era a Canção dos pastores, com versos do irmão Juca. Aos 16 anos, em 1863, casou-se com Jacinto Ribeiro do Amaral, proprietário

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1 Capa das primeiras composições de Chiquinha Gonzaga, editadas pelo estabelecimento da viúva Canongia, com litografia em desenho de bico de pena feita por Rafael Bordalo Pinheiro (Acervo Chiquinha Gonzaga/ims) 2 Chiquinha Gonzaga em 1877, aos 29 anos, quando estreou como compositora (Acervo Edinha Diniz)

de terras e de gado na Ilha do Governador. Como dote, ganhou do pai um piano. Ainda com 16 anos, tornou-se mãe: seu filho João Gualberto nasceu em 1864. No ano seguinte, nasceu Maria do Patrocínio. A maternidade não afastou Chiquinha do piano, para desgosto do marido. Jacinto havia se tornado coproprietário do navio São Paulo, que foi fretado pelo governo para transporte na Guerra do Paraguai. Como comandante da Marinha Mercante, começou a viajar constantemente para o Sul, levando a esposa de temperamento rebelde, para afastá-la do piano. Chiquinha viu cenas violentas na guerra e presenciou maus-tratos aos negros alforriados (os “voluntários da pátria”, que, no entanto, eram tratados como se ainda fossem escravos), o que a deixou revoltada. Para acalmar os ânimos, o marido conseguiu um violão a bordo. As brigas do casal, porém, fizeram com que o marido exigisse dela uma decisão: ou ele ou a música. O casamento terminou, a família Neves Gonzaga declarou o nome de Chiquinha impronunciável e fechou-lhe de

vez as portas. Maria continuou sendo criada pelos avós; João Gualberto, pelo pai; e Hilário, o caçula, foi morar com uma tia paterna. Com apenas 23 anos, em 1870, Chiquinha, separada e mãe de três filhos, apaixonou-se pelo jovem engenheiro

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1 Geraldo Magalhães e Nina Teixeira, famosos cancionetistas, que formavam a dupla Os Geraldos e divulgavam a obra de Chiquinha Gonzaga 2 Capa de partitura da canção brasileira Yayá Fazenda, gravada em disco por Risoleta e orquestra (Acervo Chiquinha Gonzaga/ims) 3 Jornal A Rua, de 01.11.1917, com foto da maestrina Chiquinha Gonzaga e o título “O Corta-jaca no Catete”

João Batista de Carvalho, três anos mais velho. Chamado para trabalhar na Estrada de Ferro Mogiana, Carvalhinho foi morar com ela no interior de Minas Gerais, onde viveram em acampamentos e canteiros de obras. Em 1875, após a inau-

guração da estrada, o casal retornou ao Rio. Chiquinha, nessa época, estava grávida da filha Alice, mas ela e João Batista se separaram em 1876, tendo a criança ficado sob a guarda do pai. No ano seguinte, julgada por crime de abandono de lar e adultério, Francisca Gonzaga foi condenada “à separação perpétua de seu marido Jacinto Ribeiro do Amaral”, tornando-se uma mulher divorciada – um século antes de o divórcio passar a ser um direito civil no Brasil. Aos 29 anos, ela se viu obrigada a trabalhar para sobreviver. Foi então que o nome Chiquinha Gonzaga começou a nascer para a música popular. Fez do piano seu sustento, tornando-se professora, pianista de conjuntos musicais e compositora. Em 1877, foi publicada sua polca Atraente, que fez sucesso imediato. Nesse mesmo período, passou a fazer parte do Choro Carioca, grupo liderado por Joaquim Antônio Callado. O comportamento atrevido de Chiquinha – que não apenas colocava títulos de cunho sensual em suas músicas (Atraente, Sedutor), mas circulava pelas

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rodas boêmias, fazendo música em qualquer ambiente, convivendo com chorões e notívagos de toda espécie, vestindo-se na contramão do que ditava a moda – acabou por deixá-la mal-afamada, principalmente entre 1877 e 1885, quando começou a ser mais admirada por causa de seu trabalho como maestrina no teatro de revista. Ela debutou como compositora teatral (a primeira do país) em 17 de janeiro de 1885, com a opereta A corte na roça, de Palhares Ribeiro. O libretista e os atores foram criticados pela imprensa, mas a música foi unanimemente aclamada, inclusive pelo público.

Chiquinha, em pouco tempo, tornou-se a profissional mais requisitada pelo teatro de revista. Aos 37 anos, foi finalmente reconhecida como maestrina. Tornou-se avó aos 42, com o nascimento de Valquíria, filha de João Gualberto (com quem ela mantinha um contato mais estreito). Em 1891, suas filhas se casaram, longe dos seus olhos. No início de 1899, Chiquinha morava no Andaraí, onde ficava a sede do cordão Rosa de Ouro. Numa tarde, durante um ensaio da agremiação, sentou-se ao piano e, sem maiores pretensões, fez nascer aquela que é considerada a primeira canção carnavalesca brasileira: Ó abre alas. Por meio dessa música, ajudou a fixar a marcha-rancho como gênero próprio da folia carioca. Foi também em 1899, aos 51 anos, que conheceu o português João Batista

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Fernandes Lage, de 16 anos, com quem viveria um romance. Em 1902, durante visita ao país natal do rapaz (era a primeira viagem dela para a Europa), Chiquinha começou a apresentá-lo como filho, história que manteve quando retornaram ao Brasil, em meio aos comentários por vezes maldosos que as pessoas faziam ao seu redor. Na noite de 26 de outubro de 1914, o maxixe (a dança excomungada, o ritmo amoral) entrou pela porta da frente no Palácio do Catete, residência do chefe da República, por meio das mãos de outra mulher revolucionária: Nair de Teffé, esposa do presidente Hermes da Fonseca.

Numa recepção nos salões do palácio, à qual compareceram diplomatas e representantes da elite carioca, ela tocou, ao violão (instrumento ainda marginali­ zado na época), o Corta-jaca da maestrina Francisca Gonzaga. Às vésperas de completar 70 anos, em setembro de 1917, Chiquinha tor­ nou-se uma das fundadoras da Socie­ dade Brasileira de Autores Teatrais, ao lado de nomes como Oscar Guana­ barino, Viriato Corrêa, Gastão Tojeiro, Bastos Tigre, Raul Pederneiras e Oduvaldo Vianna. Desde 1913, ela liderava a campanha pela defesa dos direitos autorais.

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1 Manuscrito autógrafo da parte de piano do Tango da guarda noturna, da opereta Forrobodó, também conhecido como Não se impressione ou Forrobodó de maçada (Acervo Chiquinha Gonzaga/ims) 2 Chiquinha Gonzaga no seu aniversário de 85 anos, em outubro de 1932 (Acervo Edinha Diniz)

Chiquinha Gonzaga morreu no dia 28 de fevereiro de 1935, quinta-feira, antevéspera do Carnaval, aos 87 anos. Em 2009, o Instituto Moreira Salles, em parceria com a editora Zahar, publicou a nova edição, revista e atualizada, do livro Chiquinha Gonzaga: uma história de vida, da escritora e pesquisadora Edinha Diniz, lançado originalmente em 1984. No dia 18 de outubro de 2011, o ims promoveu um concerto com obras da maestrina para celebrar o lançamento do Acervo Digital Chiquinha Gonzaga (www.chiquinhagonzaga.com.br), idealizado pelos pianistas Alexandre Dias e Wandrei Braga, que participaram do evento tocando obras da homenageada. A página do acervo na internet contém a obra fundamental da compositora para piano solo e para canto e piano. Em outubro de 2005, por meio de convênio firmado com a Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (sbat), o Instituto Moreira Salles tornou-se responsável pelo acervo de Chiquinha Gonzaga, passando a cuidar de sua preservação, orga­nização

e difusão. Trata-se de um conjunto de documentos de importância histórica e artística sem igual sobre a compositora e maestrina carioca, contendo mais de mil partituras – em sua maioria manuscritas e as demais impressas, muitas delas de outros autores –, fotografias, textos manuscritos, cartas, bilhetes, recortes de jornais e outros documentos.

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ernesto nazareth

(1863-1934)

A coleção de documentos de Ernesto Nazareth foi incorporada pelo ims em 2003. É composta por centenas de documentos, como fotos de família, manuscritos, partituras de autores diversos, métodos de piano, cartas, cartões de visita, cartazes de recitais, recortes de jornais sobre suas apresentações, compêndios de música e textos de, entre outros, Henrique Oswald e Heitor Villa-Lobos. Compositor, professor e pianista, considerado um dos maiores expoentes

da música brasileira, Ernesto Nazareth é autor de uma obra que, situada num lugar de difícil definição entre a música erudita e a popular, tem importância fundamental para a cultura brasileira dos séculos xix e xx. Ernesto Júlio de Nazareth nasceu em 20 de março de 1863, no Rio de Janeiro. Era o segundo dos quatro filhos de Vasco Lourenço da Silva Nazareth, despachante aduaneiro, e Carolina Augusta da Cunha Nazareth, dona de casa e pianista amadora.

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1 Ernesto Nazareth em 1930, aos 67 anos (Acervo Ernesto Nazareth/ims) 2 Interior da Casa Carlos Wehrs, onde Nazareth costumava se apresentar na década de 1920: ao piano, o compositor Freitinhas (José Francisco de Freitas); a seu lado, o proprietário Carlos Wehrs (reprodução de revista da Coleção José Ramos Tinhorão/ims)

Com cerca de três anos, o menino Ernesto começou a demonstrar interesse pelas peças de compositores como Chopin, Beethoven e Arthur Napoleão, que sua mãe executava ao piano, e passou a ter com ela as primeiras noções do instrumento, aprendendo também a solfejar. Aos seis anos, acompanhou o padrinho Júlio Augusto Pereira da Cunha, pianista amador, chamado para ajudar um amigo na afinação dos pianos que seriam usados por Louis Moreau Gottschalk num grandioso concerto para 31 pianos e duas orquestras. Assim conheceu pessoalmente Gottschalk, compositor norte-americano que é apontado por pesquisadores como uma de suas principais influências. Quando tinha dez anos, ao cair de uma árvore, sofreu uma forte concussão na cabeça e teve hemorragia nos ouvidos, principalmente no direito. As sequelas desse acidente perduraram por toda a sua vida, levando-o, na velhice, à quase completa surdez. Aos 14 anos, fez sua primeira composição: a polca-lundu Você bem sabe, dedicada ao pai. Com 16

anos, participou do que seria sua primeira apresentação pública, num recital no salão do Clube Mozart. Aos 20, já era conhecido no Rio de Janeiro como compositor, intérprete e professor de piano. Em 1886, casou-se com Theodora Amália Leal de Meirelles, 11 anos mais velha. Ambos ficariam juntos até a morte dela, em 1929. O casal teve quatro filhos.

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Em 1893, Nazareth publicou o primeiro tango brasileiro: Brejeiro, uma das composições mais executadas de todos os tempos na música brasileira. O primeiro concerto de suas obras aconteceu em 1898, no Salão Nobre da Intendência da Guerra, por iniciativa do Clube São Cristóvão. As gravações em disco no Brasil tiveram início em 1902, com o primeiro registro fonográfico de uma música de Nazareth, feito para a Casa Edison do Rio de Janeiro: Está chumbado, pela Banda do Corpo de Bombeiros, com regência de Anacleto de Medeiros. O tango Brejeiro foi lançado em disco em 1905 pela Odeon, sob o título Sertanejo enamorado, com letra de Catulo da Paixão Cearense e interpretação de Mário Pinheiro. Também em 1905, foram editados os tangos Escovado e Ferramenta, sendo que, na partitura deste último, logo

abaixo do nome do autor, apareceu pela primeira vez o epíteto “Rei do tango”. Em 1910, costumava se apresentar na sala de espera do cinema Odeon. Muita gente comparecia apenas para ouvi-lo tocar. Odeon acabou sendo o nome de um de seus tangos mais famosos. Nazareth completou 50 anos em 1913, quando deixou de tocar no cinema. Onze de suas composições foram editadas neste ano, entre elas Ameno Resedá (polca), Atrevido (tango), Batuque (tango característico), Confidências (valsa), Eponina (valsa), Fon-fon! (tango), Reboliço (tango) e Tenebroso (tango). Sua polca Apanhei-te, cavaquinho!…, editada em 1914, obteve sucesso imediato, e suas peças Brejeiro e Dengoso, publicadas nos Estados Unidos, receberam no país gravações de diversos artistas. Dois anos depois, Apanhei-te, cavaquinho!… foi registrada em disco para a Casa Edison pelo grupo O Passos no Choro e pela Orquestra Odeon. Atendendo a convite de Eduardo Souto, também compositor e pianista, passou a trabalhar, em 1919, como de-

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1 Rótulos de discos 78 rotações com gravações de Apanhei-te cavaquinho! e Escovado, feitas em 1930 pelo próprio compositor ao piano, em disco Odeon 10718 (Coleção José Ramos Tinhorão/ims) 2 Ernesto Nazareth em 1908, aos 45 anos (Acervo Ernesto Nazareth/ims)

monstrador na Casa Carlos Gomes, onde tocava diariamente das 12h às 18h, alcançando grande notoriedade. Heitor Villa-Lobos dedicou a ele, em 1920, seu Choros n. 1, para violão. Por essa época, já existiam cerca de 60 gravações de suas músicas. Dez composições de sua autoria foram editadas pela Casa Bevilacqua & Cia. em 1921. No ano seguinte –, quando se deu a Semana de Arte Moderna – foi publicado o tango O futurista. E, em 1923, com 60 anos, retribuiu a homenagem feita três anos antes por Villa-Lobos, dedicando ao amigo o estudo de concerto Improviso. Visitou São Paulo no início de 1926, apresentando-se no Theatro Municipal (onde Mário de Andrade proferiu uma palestra a seu respeito) e no Conservatório Dramático e Musical. Passou ainda por Campinas, Sorocaba e Tatuí. No Rio de Janeiro, sua obra foi tema de conferência proferida pelo musicólogo Andrade Muricy. Nazareth retornou ao Rio somente em março de 1927, com um piano Sanzin (presente do público paulista, hoje pertencente ao acervo do Museu da

Imagem e do Som do rj) e novas composições: os tangos Cruzeiro, Cubanos e Paraíso e a valsa Faceira. Em 1928 e 1929, suas músicas foram gravadas pelos dois maiores cantores popu­lares da época: A voz do amor (adaptação da polca Cuyubinha, com letra de Marina Stella Quirino

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dos Santos), Favorito e Primorosa, por Francisco Alves, e Êxtase (letra de Frederico Mariath), por Vicente Celestino. No início de 1929, participou de um festival organizado no Instituto Nacional de Música, onde se apresentaram vários artistas amadores e principiantes, entre eles a jovem Carmen Miranda, com apenas 19 anos. Em 5 de maio, faleceu sua esposa Theodora Amália, aos 77 anos, fato que o deixou bastante abalado. Um mês depois, mudou-se para a rua Jardim Sul América (atual Pires de Almeida), no Cosme Velho. Sua última composição, a valsa Resignação, foi terminada em maio de 1930. Em setembro, gravou ao piano quatro de suas músicas para a Odeon: Apanhei-te, cavaquinho!…, Escovado, Nenê e Turuna, sendo que apenas as duas primeiras foram lançadas em disco. Fez, em março de 1931, duas audições na Rá-

dio Sociedade, com enorme sucesso. Em maio, a Rádio Mayrink Veiga produziu um programa especial sobre ele, com uma hora de duração e com participação do próprio homenageado, que executou 13 obras de sua autoria. Em janeiro de 1932, em companhia das filhas, partiu de navio para o Rio Grande do Sul, levando sua última partitura editada: o tango brasileiro Gaúcho, em homenagem ao povo rio-grandense. Fez recitais em Porto Alegre, em Rosário do Sul e em Santana do Livramento (onde fez, no dia 26 de fevereiro, sua derradeira apresentação, debruçado ao piano, pois seu problema auditivo quase não o deixava mais escutar o que tocava). No dia 29, chegaram a Montevidéu, capital do Uruguai. Durante um passeio pela cidade, sofreu uma séria crise nervosa. Teve ligeira melhora ao voltar para o Rio, mas,

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1 Página inicial do site Ernesto Nazareth 150 Anos

em julho, com a surdez em estado avançado, foi diagnosticado como portador de sífilis e internado no Pavilhão Guinle do Hospício Pedro ii, na Praia Vermelha, de onde saiu em janeiro de 1933. Dois meses depois, a dias de completar 70 anos, deu entrada na Colônia Juliano Moreira, em Jacarepaguá. Numa das visitas que Eulina fez ao pai, ouviu dele: “Descobri um caminho para Laranjeiras. Basta que eu siga por ali, que eu chego lá em casa!…”. No ano seguinte, fugiu da colônia. Ernesto Nazareth morreu entre os dias 1 e 4 de fevereiro de 1934. Seu corpo foi encontrado no dia 4, domingo de Carnaval, nas águas de uma represa pertencente à floresta situada nos fundos do manicômio. Em 2007, o Instituto Moreira Salles publicou o livro O enigma do homem célebre: ambição e vocação de Ernesto Nazareth, no qual o historiador Cacá Machado faz um estudo profundo da obra e da vida do compositor e pianista, estabelecendo uma relação com o conto O homem célebre, de Machado de Assis.

Em 20 de março de 2012, exatamente no dia dos 1 49 anos do compositor, o Instituto Moreira Salles deu a partida para as comemorações do seu sesquicentenário de nascimento, com a inauguração, na internet, da página www.ernestonazareth150anos.com.br. O lançamento foi marcado por um recital apresentado no mesmo dia no auditório do ims, do qual fizeram parte os músicos Alexandre Dias (piano), Marcelo Bernardes (flauta), Marcílio Lopes (bandolim), Luciana Rabello (cavaquinho), Maurício Carrilho (violão) e Paulo Aragão (violão).

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Pixinguinha

(1897-1973)

Gênio incontestável da música brasileira, o compositor, instrumentista, arranjador e maestro Alfredo da Rocha Vianna Filho, o Pixinguinha, tem seu arquivo pessoal sob a guarda do Instituto Moreira Salles desde 2000, por acordo direto com sua família. O acervo Pixinguinha é composto por documentos pessoais, medalhas, troféus, álbuns com recortes de jornal, centenas de fotos, roupas, registros de memória oral realizados por seu filho Alfredo da Rocha Vianna Neto

e a flauta utilizada durante muitos anos pelo músico. Embora tudo isso tenha grande valor documental, o núcleo mais importante – e ainda passível de revelar novas facetas do imenso talento de Pixinguinha – é um lote de aproximadamente mil conjuntos de partituras com arranjos feitos por ele. Digitalizadas e catalogadas, essas partituras vêm sendo estudadas por músicos que dominam tanto o choro quanto a linguagem da música formal.

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1 Pixinguinha e Almirante (Coleção José Ramos Tinhorão/ims)

Alfredo da Rocha Vianna Filho nasceu no bairro da Piedade, no Rio de Janeiro, em 23 de abril de 1897, filho de Alfredo da Rocha Vianna e Raimunda Maria da Conceição. Seu pai, funcionário dos correios, era também flautista amador e promovia reuniões musicais em sua casa, às quais compareciam renomados chorões da época. O menino teria recebido da avó africana ou de uma prima chamada Eurídice o apelido Pizindim (cujo significado seria “menino bom”). Há quem acredite que o nome Pixinguinha seja derivado da mistura desse apelido com “Bexiguinha”, pois, quando criança, teve a face marcada pela varíola (chamada popularmente de bexiga). Ainda garoto, foi iniciado no cavaquinho por seus irmãos Léo e Henrique. Em pouco tempo, passou a acompanhar seu pai nos bailes. Por volta de 1908, Pixinguinha compôs sua primeira música, o choro Lata de leite. Seu primeiro professor de música foi César Borges Leitão, colega de trabalho de seu pai, mas seu aperfeiçoamento na flauta deu-se por meio de Irineu Batina, na época diretor

de harmonia do rancho carnavalesco Filhas da Jardineira. Na orquestra do rancho, Pixinguinha conheceu dois amigos que o acompanhariam até o fim da vida: João Machado Guedes, o João da Bahiana, e Ernesto dos Santos, o Donga. Irineu também levou Pixinguinha para tocar flauta em outro conjunto que comandava, o Choro Carioca. Em 1911, o grupo gravou as músicas Nhonhô em sarilho, Nininha, Daineia, São João debaixo d’água, Salve e Isto não é vida. No mesmo ano, Pixinguinha estreou no teatro, no lugar do conceituado flautista Antônio Maria Passos, na peça Morreu o Neves. No ano seguinte, às vésperas de completar 15 anos, Pixinguinha se tornou diretor da orquestra do rancho Paladinos Japoneses, além de tomar parte no Trio Suburbano. Sua primeira composição editada foi o tango Dominante, gravado em 1915 pelo Bloco dos Parafusos. Na mesma época, o Choro Carioca gravou duas composições do músico, Carne assada e Não tem nome, e, em 1917, a Odeon lançou em disco os maxixes

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1 Pixinguinha no bar com amigos, entre eles Alfredinho do Flautim (de boné) e João da Bahiana (à direita), por volta de 1940 (Acervo Pixinguinha/ims) 2 Parte do piano do arranjo para orquestra feito em 1925 por Pixinguinha para o seu choro Lamentos (Acervo Pixinguinha/ims)

Morro do Pinto e Morro da Favela e os clássicos Sofres porque queres e Rosa. Em 1919, passou a se apresentar no Cinema Palais, local frequentado pela classe alta carioca. Pixinguinha era o flautista de um grupo do qual também faziam parte Donga, Otávio Vianna (China), Raul Palmieri, Nelson Alves,

Jacob Palmieri, José Alves de Lima (Zezé) e Luiz de Oliveira (ou Luiz Pinto), os Oito Batutas. Apesar das críticas pelas roupas que usavam, pelas músicas que tocavam e por haver quatro negros entre os integrantes, o público lotava as apresentações dos Batutas, e nomes de prestígio iam assisti-los, como Rui Barbosa e Ernesto Nazareth. Naquele mesmo ano, a Odeon lançou em disco seis músicas com o Grupo do “Pechinguinha”, sendo três de autoria do próprio: Oito Batutas, Os dois que se gostam e Nostalgia ao luar. Ainda em 1919, Pixinguinha compôs uma de suas obras-primas: o choro Um a zero. O sucesso levou os Oito Batutas a uma turnê nacional e internacional entre 1919 e 1922, ano em que o conjunto se apresentou com estrondoso sucesso em Paris e Buenos Aires. Ainda em 1922, os Oito Batutas participaram da primeira transmissão de rádio feita no Brasil. Em 1924, estreou no Teatro São José a peça Não te esqueças de mim, musicada por Pixinguinha. Dois anos mais tarde, passou a integrar a Companhia Negra de

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Revistas, criada pelo cômico De Chocolat e pelo português Jaime Silva. O nome de Pixinguinha aparecia constantemente como intérprete nos rótulos das gravadoras Odeon e, posteriormente, Parlophon: Pixinguinha e Conjunto, Orquestra Típica Pixinguinha, Orquestra Típica Pixinguinha-Donga, Orquestra Típica Oito Batutas etc. Duas das suas composições mais famosas foram lançadas em disco em 1928: Lamentos e Carinhoso. Em 1929, Pixinguinha tornou-se arranjador da gravadora Victor. Seu trabalho foi um divisor de águas na música brasileira. Ele abrasileirou as orquestrações e criou introduções magníficas para músicas suas e de outros compositores. Durante toda a década de 1930, Pixinguinha continuou suas atividades na indústria fonográfica, nas casas noturnas e nas emissoras de rádio (um mercado cada vez mais em expansão). Em 1931, surgiu o Grupo da Guarda Velha, capitaneado por Pixinguinha, Donga e João da Bahiana. Em outubro de 1936, o compositor João de Barro, o Braguinha, pôs letra

em Carinhoso para uma apresentação beneficente. Em 1937, Orlando Silva gravou a música em um disco que trazia no outro lado a valsa Rosa (com versos de Otávio de Souza). Tornaram-se dois clássicos instantâneos da música popular brasileira. Na década de 1940, passou por difi­ culdades financeiras e trocou a flauta pelo saxofone tenor. Ajudado pelo flautista Benedito Lacerda, formou com ele uma parceria que rendeu 34 discos e algumas das melhores gravações de choro de todos os tempos. Em 1945, o radialista Almirante levou Pixinguinha para a Rádio Nacional e, no ano seguinte, os dois foram para a Rádio Tupi. Entre janeiro de 1947 e março de 1952, produziram na emissora um programa que marcou a trajetória de ambos: O Pessoal da Velha Guarda. Almirante era redator e apresentador da atração, que tinha, na parte musical, Pixinguinha, responsável pelos arranjos, todos inéditos, e Benedito Lacerda com seu conjunto, depois substituído pelo regional de Rogério Guimarães.

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1 João da Bahiana, Pixinguinha e Ângela Maria em 1955 (Acervo Pixinguinha/ims) 2 Contrato assinado entre Pixinguinha e a gravadora Victor em 21 de junho de 1929 (Coleção José Ramos Tinhorão/ims)

Foi homenageado com o I Festival da Velha Guarda, em 1954, em São Paulo, irradiado pela Rádio Record no exato dia do seu aniversário, 23 de abril, com apresentação de Almirante e participação de grandes nomes, como Donga, João da Bahiana, Caninha, Patrício Teixeira, Benedito Lacerda, Lúcio Rangel, Sérgio Porto e o jovem Baden Powell. Em 1955, foi lan-

çado, pela Sinter, o histórico disco Velha Guarda, com Pixinguinha, Donga, João da Bahiana, Bide do Estácio, Almirante e J. Cascata, entre outros. O sucesso foi tão grande que, em menos de um ano, foram gravados mais dois lps: Carnaval da Velha Guarda e Festival da Velha Guarda. Em 1961, Vinicius de Moraes colocou versos em Lamentos (que virou Lamento) e em outras músicas de Pixinguinha, como Samba fúnebre e Mundo melhor. Na década de 1960, Pixinguinha recebeu muitas homenagens, como a exposição e o concerto que celebraram seus 70 anos, promovidos pelo Museu da Imagem e do Som no Rio de Janeiro em 1968. O concerto reuniu nomes como Jacob do Bandolim, Radamés Gnattali e o conjunto Época de Ouro. No mesmo ano, gravou o lp Gente da antiga, com Clementina de Jesus e João da Bahiana. Depois de alguns anos com dificuldades financeiras e problemas de saúde, Pixinguinha morreu aos 75 anos, em 17 de fevereiro de 1973, na igreja de Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, durante o batizado do filho de um amigo.

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O Instituto Moreira Salles, em parceria com a Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, lançou, em setembro de 2010, o livro Pixinguinha na pauta, com 36 arranjos escritos por ele para o programa O pessoal da Velha Guarda. Em maio de 2012, o Instituto Moreira Salles, novamente em parceria com a Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, publicou o livro Pixinguinha – Inéditas e redescobertas, com 20 composições (no formato melodia e cifra) recolhidas no acervo do compositor. As obras são fruto do trabalho de pesquisa dos documentos e partituras originais encontradas no acervo de Pixinguinha, que está sob a guarda do ims.

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josé ramos tinhorão (1928- )

Incorporado ao Instituto Moreira Salles em 2001, o acervo acumulado ao longo de décadas pelo pesquisador, jornalista e crítico musical José Ramos Tinhorão vai muito além da discoteca formada pelos aproximadamente 10 mil itens: o que ele chama de “conjunto de informações de caráter urbano, com enfoque histórico-sociológico”, é a soma de uma grande variedade de coleções indispensáveis aos estudiosos da evolução da cultura urbana brasileira em geral, e não apenas

da música popular. Inclui fotos, filmes, scripts de rádio, programas de cinema e teatro, cartazes, jornais, revis­t as, rolos de pianola, folhetos de cordel, press-releases de gravadoras e uma biblioteca especializada em obras sobre música, que abrange também ficção, crônica e memórias, além de 11 coleções de suplementos literários de jornais do Rio de Janeiro e de São Paulo, publicados a partir da década de 1940. Completam o acervo fitas de áudio com depoimentos

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1 José Ramos Tinhorão (ao centro) entrevistando Henricão e Carmen Costa para programa de televisão; foto de Luiz Silva (Coleção José Ramos Tinhorão/ims)

de personalidades, gravações de palestras e programas de televisão de que o próprio Tinhorão participou. No quadro geral, o período histórico coberto vai da segunda metade do século xix ao final do século xx. A discoteca em si é formada por cerca de 6,5 mil discos de 76 rpm e 78 rpm (gravados e lançados no mercado fonográfico entre 1902 e 1964), e pouco mais de 3,5 mil discos de 33 rpm. Cobre todos os ciclos e movimentos da música popular brasileira no século xx, com algumas de suas peças mais valiosas, pela raridade, concentradas no período do nascimento do samba. José Ramos nasceu em Santos (sp), mudando-se para o Rio aos nove anos. Começou a se inte­ressar por música popular quando tinha entre 10 e 12 anos. Aos 20, tornou-se estudante da Faculdade de Direito do Rio de Janeiro. Sua vida como jornalista freelancer teve início em 1951, na Revista da Semana. Assinava J. Ramos e fazia reportagens em parceria com o amigo e fotógrafo Humberto Franceschi. Em 1952, com 24 anos,

ainda estudante de direito e de jornalismo, foi levado por Armando Nogueira – outro colega de faculdade – para o Diário Carioca como copidesque. Foi nesse jornal que José Ramos ganhou o apelido Tinhorão – nome de uma planta ornamental tóxica. Sua primeira matéria assinada, sobre o Natal, foi publicada em 25 de dezembro. Levou um susto quando leu: “Reportagem de J. Ramos Tinhorão para o Diário Carioca”. Procurou Pompeu de Souza, chefe de redação, e fez a queixa: “Pompeu, você assinou com meu apelido de redação? Eu tinha colocado J. Ramos…”. Ao que o outro retrucou, com uma gargalhada: “J. Ramos é nome de ladrão de galinha, tem um monte na lista telefônica. Tinhorão vai ser só você”. O jovem redator ficou no Diário Carioca até o final de 1958, quando se transferiu, a convite de Janio de Freitas, para o Jornal do Brasil, em que passou a escrever no suplemento dominical. No início de 1959, fez, em parceria com Nilson Lage, uma matéria sobre música de Carnaval.

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Nessa época, virou personagem do escritor Nelson Rodrigues, que, entre agosto de 1959 e fevereiro de 1960, publicou, na Última Hora, o folhetim Asfalto selvagem. O Tinhorão imaginado por Nelson era, nas palavras de Ruy Castro – biógrafo do dramaturgo –, “um jovem sátiro a bordo de um calhambeque e mantendo um caderninho onde anotava os nomes de suas conquistas”: moças que ele iludia com a promessa de se tornarem capa da revista O Cruzeiro – e entre elas estava a jovem Silene, filha da protagonista Engraçadinha. O Caderno B (suplemento cultural do jb) surgiu em 1960, criado por Reynaldo Jardim, que teve a ideia de pedir a Tinhorão que escrevesse uma série sobre a história do samba, nos moldes do que

Luiz Orlando Carneiro havia feito com o jazz para o mesmo caderno. O jovem redator argumentou que a série sobre o jazz havia sido possível porque Orlando possuía uma vasta bibliografia sobre o assunto, mas sobre samba não existia praticamente nada. Jardim, então, sugeriu a ele que falasse com Sérgio Cabral, colaborador do Caderno b que conhecia todo o mundo das escolas de samba. Sugeriu ainda que fossem feitas entrevistas com essas pessoas. Nasceu, assim, o Tinhorão pesqui­ sador da música popular. Dessas entrevistas (feitas com Ismael Silva, Alcebíades Barcellos – o Bide do Estácio –, Donga, Pixinguinha, Almirante e muitos outros) surgiu a série Primeiras lições de samba – uma tentativa de história da

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1 Capa feita por Di Cavalcanti para a série de discos de 78 rotações com músicas de Noel Rosa gravadas por Aracy de Almeida em 1950, com orquestração de Radamés Gnattali (Coleção José Ramos Tinhorão/ims) 2 Marília Medalha (à esquerda) e José Ramos Tinhorão (com a mão no queixo) em 1969; foto de Geraldo Guimarães (Coleção José Ramos Tinhorão/ims)

música popular no Rio, publicada na página ocupada por Sérgio Cabral. Em 1962, alguns artigos dessa série foram incluídos no livro Música popular: um tema em debate. Editado pela Saga, tornou-se a obra de Tinhorão mais reeditada até os dias de hoje. No mesmo ano, começou a publicar, também no Jornal do Brasil, suas Novas contribuições à bibliografia da mpb, feitas a partir de material avulso recolhido por ele em diversos periódicos. Durante os anos 1960, escreveu – sempre fundamentado no materialismo histórico, abordagem metodológica proposta por Marx – artigos e colunas para diversos veículos de comunicação, além do próprio jb: Tribuna da Imprensa, Jornal dos Sports, Espírito Santo Agora, Jornal Rural (de Juiz de Fora), Singra, entre outros. Nessa época, a fama de polêmico e maldito já havia começado. Tinhorão, desde o início, foi ferrenho detra­tor da bossa nova, colecionando, por conta disso, vários desafetos. Tendo saído do jb em 1963, passou pelas redações do Correio da Manhã e

da tv Excelsior, da qual foi demitido – sempre fez questão de frisar a data – em 31 de março de 1964, dia do golpe militar. Foi então para a tv Rio e, em 1966, foi contratado como redator do Jornal da Globo. Paralelamente ao jornalismo, começou a fazer pesquisas para outros órgãos, tornando-se colaborador da revista de cultura do Ministério da Educação e da revista Senhor.

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Voltou para São Paulo em 1968, graças a um convite para trabalhar na nascente revista Veja, na qual criou as seções Gente e Datas. Em 1969, lançou o livro O samba agora vai: a farsa da música popular no exterior; em seguida vieram Música popular, teatro e cinema (1972) e Pequena história da

música popular: da modinha à canção de protesto (1974). Convidado pela sucursal paulista do Jornal do Brasil para colaborar novamente com o Caderno B, em 1974, passou a escrever sobre os produtos da indústria cultural da música brasileira, o que o levou a colecionar ainda mais desafetos.

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1 Contrato assinado entre Carmen Miranda e a gravadora rca Victor em 16 de novembro de 1932 (Coleção José Ramos Tinhorão/ims)

Um dos folclores em torno do seu nome surgiu nesse período. Certa vez, escreveu – de maneira um tanto jocosa – sobre um lp que Hermínio Bello de Carvalho gravou como cantor para a Odeon. Hermínio e Tom Jobim (um dos artistas mais duramente atacados por Tinhorão, desde o surgimento da bossa nova) elaboraram uma vingança: ao serem entrevistados, declararam que viam o crítico apenas como uma planta herbácea da família das Aráceas, que costumavam “regar” diariamente com as próprias urinas. Foi colaborador do Pasquim até 1989. Nos anos 1990, largou de vez o jornalismo e passou a se dedicar integralmente à pesquisa histórica e à produção de livros. Fez pós-graduação em história social pela Universidade de São Paulo, em 1999. De sua dissertação nasceu o livro A imprensa carnavalesca no Brasil: um panorama da linguagem cômica, editado em 2000. Passou mais de 40 anos juntando raridades para a sua coleção – que ele chama de “acervo temático”, pois os itens mais variados (discos, livros, foto-

grafias, folhetos, periódicos etc.) se complementam, ajudando a contar a história de fatos e personagens da nossa música popular. Seu pequeno apartamento não conseguia mais abrigar pilhas e pilhas de documentos. Em 2001, vendeu seu acervo ao Instituto Moreira Salles. Na sede da entidade, em São Paulo, a Coleção Tinhorão começou a ser trabalhada: foi feita a digitalização dos cerca de 6,5 mil discos de 76 rpm e 78 rpm e a catalogação dos livros. Em fevereiro de 2010, a coleção foi transferida para o ims do Rio de Janeiro, na Gávea. No dia 13 de abril de 2010, a Reserva Técnica Musical do ims inaugurou uma exposição dos itens raros do acervo, com a curadoria do próprio Tinhorão – que, aos 82 anos, trabalhou com a vita­lidade de sempre. Na mesma ocasião, foram lançados três livros (com a presença dos autores): A música popular que surge na era da revolução e Crítica cheia de graça (ambos de autoria de J. R. Tinhorão) e a biografia Tinhorão, o legendário, escrita pela jornalista Elizabeth Lorenzotti.

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humberto franceschi

(1930- )

Escritor, pesquisador, colecionador e fotógrafo, Humberto Franceschi é considerado uma das maiores autoridades no campo da tecnologia do som. Durante décadas, dividiu-se entre pesquisas sobre a história da indústria fonográfica brasileira – que resultaram em dois livros essenciais – e a busca por discos de 78 rpm. A coleção, iniciada como um passatempo, acabou por se tornar um dos maiores acervos sonoros do país,

com gravações que abrangem toda a primeira metade do século xx. O acervo fonográfico de Humberto Franceschi, com 12 mil itens, foi vendido ao Instituto Moreira Salles pelo próprio colecionador no início dos anos 2000. Somado ao de José Ramos Tinhorão, transforma o ims no depositário de um tesouro de valor quase incalculável para qualquer pessoa ou instituição que deseje pesquisar as décadas de formação

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1 Rótulo de disco raro da Coleção Humberto Franceschi/ims

de nossa música popular. Contém gravações de todos os principais compositores, instrumentistas e cantores da música popular brasileira da primeira metade do século xx, incluindo itens raríssimos: os primeiros discos lançados no país pela Casa Edison, os únicos registros de Ernesto Nazareth (sozinho ao piano e acompanhando o flautista Pedro de Alcântara), alguns dos poucos deixados pelo violonista João Pernambuco e pelo flautista Pattapio Silva e as primeiras gravações de Pixinguinha, entre outras joias que compõem o acervo. Humberto Moraes Franceschi nasceu em 1930, em uma família ligada às tradições musicais brasileiras. Seu tio-avô – que não chegou a conhecer, pois nasceu 11 anos após seu falecimento – foi o escritor e folclorista Mello Moraes Filho, autor de Festas e tradições populares do Brasil e letrista do lundu A mulata, com melodia de Xisto Bahia. Seu avô, Antero Pereira da Silva Moraes – primo e cunhado de Mello Moraes –, era pai dos seresteiros Henrique de Mello Moraes e Clodoaldo Pereira da Silva Moraes,

este último o pai do futuro poeta e diplomata Vinicius de Moraes, primo de Humberto. Na residência do velho Antero – primeiro na Gávea, depois em Botafogo –, no início dos anos 1930, costumava haver, às quintas-feiras e aos domingos, saraus com os violões de Henrique, Clodoaldo, Mozart de Araújo, Newton Teixeira e Cândido das Neves (afi­lhado de casamento de Henrique), onde sobres­ saíam as modinhas e as canções dos tempos do Império. Eram frequentadores assíduos Lúcio Rangel (e seu sobrinho Sergio Porto, o futuro Stanislaw Ponte Preta), Bororó, Dilermando Reis, Orestes Barbosa, Rubem Braga e Paulo Tapajós, entre outros. O jovem Vinicius, beirando os 20 anos, também costumava estar presente a essas reuniões, assim como o menino Humberto. A paixão por discos começou ainda na infância, quando herdou do avô Antero alguns exemplares. Colega de escola de uma das netas de Fred Figner – dono da Casa Edison –, acabou tendo contato direto com as filhas do comerciante, o

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que facilitou seu acesso a documentos e informações que seriam bastante úteis anos mais tarde, quando ele escreveria dois livros fundamentais sobre a história da indústria fonográfica em nossa terra: Registro sonoro por meios mecânicos no Brasil (Studio hmf, 1984) e A Casa Edison e seu tempo (Sarapuí, 2002). Em 1949, cursando a Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, fez amizade com José Ramos (futuramente conhecido apenas por Tinhorão), que também se destacaria como um dos maiores colecionadores e pesquisadores da música popular brasileira. Ambos iriam se reencontrar na década seguinte, trabalhando nas redações da Revista da Semana, do Diário Carioca e do Jornal do Brasil, ele

como fotógrafo e Tinhorão como jornalista e crítico musical. Manteve, na década de 1950, um estúdio fotográfico em parceria com o irmão José Moraes Franceschi. O primeiro trabalho da dupla foi em 1952, a convite do primo Vinicius de Moraes: o levantamento das obras do escultor mineiro Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho. Juntos, participaram dos primeiros números da Revista Módulo, fundada em 1955 por Oscar Niemeyer, e produziram as fotos do livro A Floresta da Tijuca (Bloch, 1967). Sua casa na rua da Passagem, em Botafogo, era, já no início dos anos 1950, ponto de encontro de amantes da música popular, como o colega de faculdade Tinhorão.

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1 Rótulos de discos raros da Coleção Humberto Franceschi/ims

Costumava receber também compositores e intérpretes famosos, como Ismael Silva, Bide (Alcebíades Barcellos), Nelson Cavaquinho, que sempre levava o violão, e o ainda menino (de 14 anos) Baden Powell, já um instrumentista de talento. Com o fim dos sebos que frequentava, tornou-se, assim como o amigo Lúcio Rangel, cliente das barraquinhas da passagem subterrânea da avenida Almirante Barroso (perto do Tabuleiro da Baiana) e, mais tarde, das situadas no cruzamento da rua Buenos Aires com a avenida Passos. O que seria de início apenas um passatempo virou uma fonte indispensável para pesquisadores de nossa música, pois, na década de 1940, todas as matrizes originais dos discos foram

vendidas como sucata (menos uma, da Casa Edison, dada de presente ao próprio Franceschi por uma das filhas de Figner). Tudo o que restou foram os discos, hoje encontrados, basicamente, em coleções particulares como a dele. Sem elas, a memória musical produzida em nosso país nesse período teria desaparecido completamente. Em 2010, o Instituto Moreira Salles publicou Samba de sambar do Estácio – 1928 a 1931, de Humberto M. Franceschi, resultado de 20 anos de pesquisa. A obra vem acompanhada de um dvd multimídia contendo uma centena de gravações originais de músicas de autores ligados ao bairro Estácio de Sá, no Rio de Janeiro, onde o samba começou a tomar forma no início do século xx. Traz ainda depoimentos de remanescentes daquela época e uma rara iconografia, com fotos e um mapa interativo mostrando como era a região em 1935. No lançamento do livro, na sede carioca do ims, em novembro de 2010, o público presenciou um bate-papo descontraído entre Franceschi e José Ramos Tinhorão, autor do prefácio.

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Carlos Drummond de Andrade  208 Jurandir Ferreira  214 Erico Verissimo  216 Mario Quintana  220

Otto Lara Resende  252 Paulo Mendes Campos  258 Lygia Fagundes Telles  262 Francisco Iglésias  266 Lêdo Ivo  268

Literatura Maurício Rosenblatt  224 Rachel de Queiroz  226 Elisa Lispector  232 Olímpio de Souza Andrade  234 Carolina de Jesus  236 Decio de Almeida Prado  238 Dora Ferreira da Silva  242 Clarice Lispector  244 Paulo Autran  250

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Jayme Maurício  270 Maria Julieta Drummond de Andrade  272 Roberto Piva  274 João Alexandre Barbosa  276 João Gilberto Noll  278 Ana Cristina Cesar  280 Roberto Ventura  286



A chegada do acervo do jornalista e escritor Otto Lara Resende à sede do Instituto Moreira Salles em Poços de Caldas, em 1994, representou o embrião do que é hoje o setor de Literatura do ims. Integrado por 25 autores, nem todos são rigorosamente do campo das letras: ao lado de escritores como Erico Verissimo, Rachel de Queiroz e o poeta Mario Quintana, e de conjuntos de naturezas diversas, encontra-se o acervo do ator Paulo Autran, em que se destacam saborosos relatos de sua vida profissional e afetiva, alguns ainda inéditos. Somado ao do crítico teatral Decio de Almeida Prado, esse arquivo oferece toda uma história do teatro brasileiro moderno. Entre os acervos, sobressai o de Clarice Lispector. A escritora tinha por hábito destruir versões de seus livros, mas preservou manuscritos incompletos dos romances A hora da estrela e Um sopro de vida, ambos sob a guarda do ims. Especialmente curioso e rico, o acervo de Erico Verissimo contém originais de romances com desenhos de personagens feitos pelo autor. E não se pode ignorar o valor dos cadernos de Paulo Mendes Campos, nos quais o poeta e escritor anotou resumos de leituras, rascunhou composições e registrou ideias, que recompõem, com o acervo de Otto Lara Resende, o pensamento intelectual e político das décadas de 1950 a 1980. Com relação à biblioteca, distingue-se a de Carlos Drummond de Andrade. Além da forte presença de literatura francesa, reúne obras dos principais nomes do modernismo brasileiro e guarda, nas dedicatórias, testemunho das ligações de toda uma geração revolucionária. De outra natureza, mas não menos importantes, são as bibliotecas dos poetas Ana Cristina Cesar e Roberto Piva, fartas em periódicos de uma imprensa alternativa fortemente ativa na década de 1970. A par do tratamento técnico arquivístico, do compromisso de cuidar dos acervos, divulgá-los e favorecer a pesquisa, o cotidiano em uma biblioteca de cerca de 50 mil itens e em um arquivo de aproximadamente 97 mil documentos pode ser palpitante. Sobretudo quando se localiza o manuscrito de um poema de Manuel Bandeira em versão diferente da publicada em livro, um poema/dedicatória de Guimarães Rosa ou um caderno de memórias do jornalista Olympio de Souza Andrade sobre a revolução constitucionalista de 1932, escrito aos 18 anos de idade. Elvia Bezerra | Coordenadora de literatura


carlos drummond de andrade

(1902-1987)

“Grande poeta universal do Brasil”, na definição do também mineiro Otto Lara Resende, Drummond, que se declarava jornalista acima de tudo, não foi menor na crônica, gênero a que se dedicou ao longo de toda a sua vida de poeta. Carlos Drummond de Andrade nasceu em 31 de outubro de 1902, em Itabira do Mato Dentro (mg), região da maior reserva de minério de ferro do mundo, nono filho do fazendeiro Carlos de Paula

Andrade e de Julieta Augusta Drummond de Andrade. Menino introvertido e míope, fez os primeiros estudos na cidade natal e, em 1920, quando a família se mudou para a capital Belo Horizonte, o jovem de então 18 anos logo procurou o Diário de Minas, para o qual começou a colaborar no ano seguinte. Ali conheceu seus grandes amigos do futuro: os poetas Abgar Renault e Emílio Moura, os escritores Aníbal Machado e João Al-

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1 Carlos Drummond de Andrade, década de 1930 (Acervo Arquivo-Museu de Literatura Brasileira da Fundação Casa de Rui Barbosa) 2 Capa do primeiro número de A Revista, órgão oficial do modernismo mineiro, dirigido por Carlos Drummond de Andrade

phonsus e outros. Ainda que já sentisse o apelo da literatura, matriculou-se na Escola de Farmácia e chegou a colar grau em 1925, ano em que se casou com Dolores Dutra de Morais. Se já dera dois passos importantes nesse ano, empenhou-se em nova empreitada: juntou-se a mais três amigos e fundou A Revista, órgão oficial do modernismo mineiro que, nos seus três números, estampou os grandes nomes do movimento literário de 1922. A todas essas conquistas se somaria talvez a maior alegria da vida de Drummond: o nascimento, em 1928, de sua filha Maria Julieta Drummond de Andrade, a quem ele devotaria não só o amor de pai, mas também a admiração pela inteligência e por seu talento literário, o que fez da relação entre os dois uma troca excepcionalmente preciosa. Muito das conversas de toda uma geração no Café Estrela, de Belo Horizonte, e uma certa flânerie de Drummond pela cidade forjaram o poeta de Alguma poesia, de 1930, seu livro de estreia, quando o modernismo já estava consolidado. Depois veio Brejo das almas, de 1934,

livro em que, como no primeiro, o poeta ainda se revela contido nas emoções. No mesmo ano, Drummond transferiu-se com a família para o Rio de Janeiro, onde assumiu a chefia do gabinete do ministro da Educação e Saúde Pública, seu amigo Gustavo Capanema. Dessa

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forma o poeta começou vida na antiga capital do país, onde ficaria até morrer. Em 1940, com o lançamento da pequena edição de Sentimento do mundo, de apenas 150 exemplares, é que o poeta se mostra inteiro, liberto da censura emocional. Otto Lara Resende, no artigo intitulado “Segunda mão”, diz que “ninguém faz ideia do que significava possuir um exemplar dessas bíblias do lirismo itabirano. […] Ver, assim que ela apareceu, era um privilégio. Um deslumbramento.” Deslumbramento que se repetiria outras vezes, com outros livros, como em 1945, com a publicação de A rosa do

povo. Drummond colaborava no suplemento literário dos jornais cariocas A Manhã, Correio da Manhã e Folha Carioca. Exerceu muitas outras atividades em órgãos federais, como a Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, onde trabalhou com Rodrigo Melo Franco de Andrade. Ali se tornaria chefe da Seção de História, na Divisão de Estudos e Tombamento, para só sair em 1962, aposentado. Coerente nas suas escolhas, podia ficar pouco tempo em um cargo, como aconteceu em 1945, quando, a convite de Luís Carlos Prestes, assumiu a coeditoria do diário comunista Tribuna Popular. Na Comissão de Literatura, do Conselho Nacional de Cultura, a qual foi convidado a integrar pelo então presidente Jânio Quadros, em 1961, não ficou além das primeiras reuniões. Era, no entanto, de duradoura fidelidade quando em sintonia com o trabalho que abraçava. Desse modo, colaborou durante 15 anos, aos domingos, no Correio da Manhã, para só sair em 1969, ano em que passou a escrever no Jornal do Brasil. Só em

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1 Manuscritos dos poemas “Comunhão” e “Halley”, publicados no livro A falta que ama (1968), de Carlos Drummond de Andrade (Acervo Decio de Almeida Prado/ims) 2 Bilhete de Carlos Drummond de Andrade a Otto Lara Resende (Acervo Otto Lara Resende/ims)

1984 abandonaria o jb, ao encerrar sua carreira de cronista. A produção poética de Drummond, reunida na Obra completa, de 1964, correu paralela à de cronista, publicada em livro pela primeira vez em Confissões de Minas, de 1944. Ele escreveu durante 64 anos uma prosa de altíssima qualidade literária que o coloca entre os mestres, não só pela agilidade e leveza próprias ao gênero, como pela impressionante variedade temática de que tratou. Fosse como poeta, cronista, tradutor, autor ou missivista, não deixou de organizar metódica e cuidadosamente sua produção intelectual, assim como não negligenciou cuidados com os documentos de sua vida de autor, pai ou cidadão. Arquivista nato, bibliotecário intuitivo, seu pequeno arquivo de natureza mais pessoal e sua biblioteca de cerca de 4 mil volumes, sob a guarda do Instituto Moreira Salles desde fevereiro de 2011, revelam muito da personalidade e do talento desse artista que estranhamente foi também um burocrata feroz.

Entre as incontáveis honrarias que recebeu em vida, Drummond foi exaltado até mesmo no carnaval carioca, quando em 1987 a Estação Primeira de Mangueira o homenageou com o samba-enredo O reino das palavras e ganhou o campeonato. A alegria do poeta não foi integral, porque naquele momento sua filha, Maria Julieta, já sofria de doença que a levaria à morte no dia 5 de agosto de 1987. Carlos Drummond de Andrade morreu no dia 17 de agosto de 1987, no Rio de Janeiro, 12 dias depois da morte de Maria Julieta. O Acervo Carlos Drummond de Andrade chegou ao Instituto Moreira Salles

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1 Drummond autografa o lp do selo Festa em que lê poemas juntamente com Manuel Bandeira, Livraria São José, Rio de Janeiro, 25.11.1955 (Acervo Arquivo-Museu de Literatura Brasileira da Fundação Casa de Rui Barbosa) 2 Manuscrito do poema “O deus malinformado”, publicado em A falta que ama, 1968 (Acervo Decio de Almeida Prado/ims)

em fevereiro de 2011. É formado de uma biblioteca de cerca de quatro mil livros, catalogados no site do ims; de objetos de museu, entre os quais uma mecha de cabelo de Julieta Drummond, mãe do poeta; de um arquivo composto por 3.550 documentos, como fichas bibliográ­ficas elaboradas por Drummond, mais de 400 cartões-postais de remetentes diversos, cópia do roteiro da peça inacabada e iné-

dita O sineiro, de sua autoria, datiloscritos de obras de terceiros, correspon­dên­ cia de aproximadamente mil remetentes, docu­mentos pessoais como contratos de edição, prestação de contas de editoras, projetos e propostas enviadas ao titular ou a seus herdeiros/representantes, recor­tes de jornais e de revistas, além de algumas fotografias. Em 2010, o Instituto Moreira Salles publicou a edição fac-similar de Alguma poesia, a partir do exemplar que pertenceu ao poeta. Sob o título de Alguma poesia: o livro em seu tempo, o livro contém preciosa fortuna crítica e foi organizado por Eucanaã Ferraz, consultor de Literatura da instituição e responsável ainda pelas organizações de Uma pedra no meio do caminho: biografia de um poema, de 2011, e Versos de circunstância, publicado no mesmo ano. O último é uma reprodução fac-similar de três caderninhos em que Drummond se deu ao trabalho de transcrever as dedicatórias com que homenageou amigos em seus livros, muitas delas incluídas em Viola de bolso, de 1952.

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Em 2011, o ims criou o Dia d, festejado em 31 de outubro, dia do nascimento do poeta, com objetivo de inserir a data no calendário cultural do país. A produção mais importante foi a edição do documentário Consideração do poema, com direção de Eucanaã Ferraz e Flávio Moura, que reúne leituras de poemas de Drummond feitas por poe-

tas, pesquisadores, professores e personalidades do mundo artístico. Em 2012, o Instituto Moreira Salles homenageou Drummond com a edição n. 27 dos Cadernos de Literatura Brasileira dedicada a ele.

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mario quintana

(1906-1994)

Poeta que apostava na sua “imortalidadezinha”, Mario de Miranda Quintana nasceu em Alegrete (rs), em 30 de julho de 1906, o caçula dos três filhos de Celso de Oliveira Quintana e Virgínia de Oliveira Quintana. Adolescente, trocava o estudo de desenho pela leitura de Dostoiévski, o que justifica a reprovação na matéria, em 1921. Álgebra e geografia estavam longe de ser sua predileção, mas as notas altas em francês eram prenúncio do tradutor que ele seria no futuro.

Em 1924, Mario Quintana começou a trabalhar na Livraria do Globo, em Porto Alegre. Inicialmente na função de desempacotador de livros, anos depois ele compôs, com Henrique Bertaso, Erico Verissimo e Mauricio Rosenblatt, o quarteto que transformaria a livraria, até então modesta, na lendária Editora Globo, fundada pela família Bertaso e responsável pela publicação de grandes nomes da literatura universal no Brasil. Não tardou que, de editor, Quintana

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1 Mario Quintana na redação do Correio do Povo, Porto Alegre, 1975, foto de Eneida Serrano (Acervo Mario Quintana/ims). 2 Erico Verissimo e Mario Quintana gravam trechos de suas obras em disco, na Rádio Guaíba, Porto Alegre, 1967, jornal Correio do Povo (Acervo Literário de Erico Verissimo/ims)

passasse a colaborador da Revista do Globo, que circulou de 1929 a 1967 e impulsionou aquela casa editorial. Curiosamente, Quintana, que se celebrizaria como poeta, estreou com o conto “A sétima personagem”, publicado no Diário de Notícias, de Porto Alegre, em 1926. Só no ano seguinte ele teria um poema publicado. Antes do primeiro livro de versos publicado pela Globo, foi com a tradução de Palavras e sangue, de Giovanni Papini, de 1934, que Quintana estreou na editora gaúcha. Deve-se, em parte, ao seu trabalho de tradutor em tempo integral o êxito da casa em introduzir autores estrangeiros no panorama literário brasileiro. Ainda no fecundo ano de 1934, ele iniciou colaboração, que se revelaria longa, no Correio do Povo, de Porto Alegre. Quintana não teve filhos e sempre preferiu os quartos de hotel ao aconchego de uma casa ou apartamento. Doce no trato e no temperamento, não deixava de surpreender: na revolução de 1930, que levou Getúlio Vargas ao poder, apresentou-se como voluntário e marchou para

o Rio de Janeiro, onde ficou seis meses como integrante do Sétimo Batalhão de Caçadores de Porto Alegre. Na verdade, era encarregado do diário da tropa. Em 1940, por insistência de um de seus irmãos e de Erico Verissimo, publicou, pela Globo, seu primeiro livro: a coleção de 35 sonetos intitulada A roda dos cata-ventos, recheada da presença provinciana de Porto Alegre, ainda que com transposições, como em “Quando eu morrer e no frescor da lua/ Da casa nova me quedar a sós,/ Deixai-me em

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paz na minha quieta rua.../ Nada mais quero com nenhum de vós!”. Com os textos curtos e poéticos publicados na coluna “Do Caderno H”, ele iniciou, em 1945, colaboração na revista Província de São Pedro. Muitos textos nesse estilo seriam publicados ao longo de sua fiel colaboração no Correio do Povo, o que não o impediu de lançar o segundo livro de versos, Canções, em 1946, em que, diferentemente do primeiro, se revela moderno, gozando de plena liberdade da forma. A este livro se seguiria Sapato florido, de 1948, com

prosa poética e alguns aforismos: “Amar é mudar a alma de casa”, escreveu o poeta nesse livro que precedeu O aprendiz de feiticeiro, de 1950, e Espelho mágico, do ano seguinte. Estes são apenas alguns títulos de uma extensa obra que, não só por extensão, mas por mérito, levou-o a se candidatar a uma vaga na Academia Brasileira de Letras em 1981. Derrotado pelo professor Eduardo Portella, concorreria ainda duas vezes, sem sucesso. “Ainda vou ter a minha imortalidadezinha”, garantia ele à sobrinha, Helena, a quem confiou os papéis de que hoje se compõe seu arquivo. Quintana colecionou dezenas de cadernos em que fermentavam aforismos, muitos deles posteriormente reunidos em livros. “Quinta-essência de cantares…/ Insólitos, singulares…/ Cantares? Não! Quintanares!”. Assim preferiu se referir Manuel Bandeira aos versos do poeta gaúcho, considerando-os “insólitos, singulares”. Quintana, porém, achava que mais se aproximavam da música angustiada de Mahler. De um modo ou

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1 Manuscrito de “A poesia”, texto em que Mario Quintana explica o título de seu livro de poemas O aprendiz de feiticeiro, de 1950 (Acervo Mario Quintana/ims) 2 Capa da primeira edição de O aprendiz de feiticeiro, 1950 (Acervo Maurício Rosenblatt/ims) 3 Otto Lara Resende e Mario Quintana, década de 1970 (Acervo Otto Lara Resende/ims)

de outro, o autor de Canções pararia de cantar. Antes disso, a prefeitura de Alegrete, sua cidade natal, homenageou-o com uma placa de bronze, para a qual o poeta enviou a seguinte mensagem de inscrição: “Um engano em bronze é um engano eterno”. Certamente não passou de mais de uma de suas divertidas ironias. Mario Quintana morreu em 5 de maio de 1994, em Porto Alegre. O Acervo Mario Quintana chegou ao Instituto Moreira Salles em 2009. É formado de biblioteca de cerca de 1.200 itens, entre livros e periódicos, ainda não catalogada no site do ims; e de arquivo com: pro­dução intelectual contendo 1.100 documentos, entre os quais cadernos que contêm rascunhos de poemas, frases e haicais, correspondência com 2.090 itens, 80 do­c umentos pessoais, 2.700 recortes de jornais e de revistas e 400 fotografias. Em agosto de 2009, o Institu­to Moreira Salles homenageou Mario Quin­ tana com a edição n. 25 dos Cadernos de Literatura Brasileira, a ele dedicado. No dia 18 de setembro de

2012, no evento que se intitulou Releituras de Quintana, realizado em parceria com a editora Alfaguara, os poetas Eucanaã Ferraz e Italo Moriconi falaram sobre o homenageado.

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Maurício Rosenblat t

(1906-1984)

Editor a quem se deve a introdução de grandes nomes da literatura universal no Brasil, Maurício Rosenblatt nasceu em 6 de maio de 1906, em Rosário, na Argentina. Radicado em Porto Alegre (rs) desde 1925, trabalhou na Casa Victor, onde vendia discos, rádios e eletrolas, até começar a atividade editorial, a convite do romancista Erico Verissimo, que o levou para a tradicional Livraria do Globo. De 1942 a 1953, período de expansão e prestígio da Globo, Rosenblatt

foi o diretor da sucursal da editora no Rio de Janeiro, onde viveu com a mulher, Luiza Russowsky Rosenblatt, e as duas filhas. Homem de cultura e de espírito empreendedor, ao lado de Erico Verissimo e Henrique Bertaso contratou colaboradores do quilate de Carlos Drummond de Andrade e Mario Quintana, que, integrando um time de especialistas, foram os responsáveis pela tradução de autores como Marcel Proust, entre tantos outros.

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1 Maurício Rosenblatt, sua filha Ester e sua mulher Luisa (sentada), 1943 (Acervo Literário de Erico Verissimo/ims) 2 Dedicatória de Cecília Meireles a Maurício em edição de Mar absoluto e outros poemas, de 1945 (Acervo Mauricio Rosenblatt/ims)

Verissimo conta em suas memórias: “Henrique, Maurício e eu, em sinistro conluio, decidimos atirar-nos nessa aventura editorial que foi a versão para a língua de Machado e Eça da grande obra de Marcel Proust”. Talentoso e dotado de fino senso de humor, Rosenblatt desenvolveu amizade com seus autores ou colaboradores, o que se reflete nas dedicatórias dos livros de sua biblioteca: “Ao sr. Maurício Rosenblatt, um dos responsáveis pela existência deste livro” lhe escreveu Cecília Meireles no seu Mar absoluto e outros poemas, publicação da Livraria do Globo, em 1945. Incentivador da Feira do Livro, foi o primeiro patrono homenageado no evento. Nem por isso deixou de ser modesto, e, em 1987, já octogenário, agradecia com humildade a Antonio Candido pelo envio de A educação pela noite, livro do professor e crítico paulista com quem, como “velho autodidata”, escreve o próprio Rosenblatt, não deixava de aprender. Maurício Rosenblatt morreu em Porto Alegre, em 26 de julho de 1988.

O Acervo Maurício Rosenblatt chegou ao Instituto Moreira Salles em 2007. É formado de biblioteca de 228 livros, catalogados no site do ims; e de arquivo com 15 apensos.

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1 Manuscritos de Mandacaru, livro de poemas de Rachel de Queiroz publicado em 2010 pelo Instituto Moreira Salles (Acervo Rachel de Queiroz/ims)

rachel de queiroz

(1910-2003)

Escritora de prosa vigorosa e enxuta, ainda muito jovem Rachel de Queiroz foi consagrada como a romancista de O Quinze. Declarando-se jornalista antes de tudo, escreveu peças de teatro e publicou grande número de crônicas nos principais jornais e revistas do Brasil, nos quais integrou o time de mestres no gênero. Rachel Franklin de Queiroz nasceu em Fortaleza (ce), em 17 de novembro de 1910, filha do bacharel em direito Daniel de Queiroz e da professora Clotilde Franklin de Queiroz. Mas foi na Fazenda do Junco, propriedade da família no município de Quixadá, no sertão cearense, que recebeu educação intelectual, dada pela mãe. Desde o primeiro artigo, em forma de carta, que, aos 16 anos, publicou no jornal O Ceará, já revelou a graça, a naturalidade e o tratamento do fait-divers próprios da crônica, gênero

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1 “Carnaval”, crônica de Rachel de Queiroz publicada na coluna “Última página”, da revista O Cruzeiro, em 26.2.1949 (Acervo Rachel de Queiroz/ims) 2 Rachel de Queiroz na década de 1940 (Acervo Rachel de Queiroz/ims)

que não abandonaria durante toda a sua longa vida. De O Ceará, ela partiria para a colaboração em outros periódicos da cidade, naquela década de 1920 em que, em todo o país, ouvia-se o clamor de Mário de Andrade, com sua campanha de “abrasileiramento do Brasil”. Em resposta à convocação do líder modernista, Rachel de Queiroz ligou-se ao grupo irreverente do suplemento literário Maracajá, do jornal O Povo, até que, em agosto de 1930, aos 20 anos incompletos, surpreendeu o Brasil com O Quinze, romance sobre a grande seca de 1915 que lhe garantiu o reconhecimento imediato da crítica e o prestigioso prêmio da Fundação Graça Aranha, em 1931. No livro, hoje um clássico da literatura brasileira, “tudo é vivo, mas nada chama a atenção”, observou o crítico Davi Arrigucci Jr. sobre a prosa sóbria e forte da escritora. Filiada ao Partido Comunista do Brasil, não demorou a se desencantar com a organização, que censurou os originais de seu segundo romance, João Miguel,

em 1932. Sem hesitar, desligou-se do partido e publicou o livro no mesmo ano. A partir daí, integrou o corpo de escritores editados pela famosa José Olympio, casa editorial que publicaria outros romances seus, como Caminho de pedras, em 1937, e As três Marias, em 1939, ano em que se mudou para o Rio de Janeiro.

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Depois de um casamento de sete anos (1931-1939) com o poeta bissexto José Auto da Cruz Oliveira, Rachel de Queiroz conheceu, em 1940, o médico Oyama de Macedo. O encontro resultou em uma união amorosa feliz que durou até a morte dele, em 1982. Durante todo esse período, a escritora sobressaiu não só pelas opiniões que manifestou em suas crônicas, algumas delas polêmicas, como também desempenhou funções importantes em órgãos igualmente importantes, entre os quais o Conselho Federal de Cultura, onde esteve ao lado de Guimarães Rosa.

Sua intensa colaboração como cronista no Correio da Manhã, O Jornal e Diário da Tarde, do Rio de Janeiro, não suplantou a fama que lhe garantiu a “Última página”, na revista O Cruzeiro, crônica semanal na qual escreveu durante 30 anos, de 1945 a 1975. São quase 3 mil textos, muitos reunidas em livros, o que talvez justifique declarações como esta: “Eu não sou uma romancista nata. Os meus romances é que foram maneiras de eu exercitar meu ofício, o jornalismo”. A despeito disso, ela publicaria outros romances, livros infantis e duas peças de teatro: Lampião, em 1953, e A Beata Maria do Egito, em 1957.

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1 Álbum de recortes de jornal com os primeiros artigos de Rachel de Queiroz, elaborado pela mãe da autora, Clotilde Franklin de Queiroz (Acervo Rachel de Queiroz/ims)

Sertaneja que carregava dentro de si a lendária fazenda “Não me deixes”, terra que herdou do pai no mesmo sertão de Quixadá e a que voltava regularmente, fixou residência no Rio de Janeiro em 1945. Ao tomar posse na cadeira de número 5 da Academia Brasileira de Letras, em 1977, tornou-se a primeira mulher a entrar para aquela instituição. Com obra traduzida para várias línguas e, ela mesma, tradutora de clássicos da literatura universal para o português, acumulou prêmios prestigiosos ao longo da bem-sucedida carreira literária que culminou com o lançamento, em 1992, do romance Memorial de Maria Moura, adaptado para minissérie da Rede Globo de Televisão dois anos depois. Rachel de Queiroz faleceu em 4 de novembro de 2003, no Rio de Janeiro. O Acervo Rachel de Queiroz chegou ao Instituto Moreira Salles em 2006. É formado de biblioteca de cerca de 2.700 livros e 200 periódicos, parcialmente catalogada no site do ims; e de arquivo com: produção intelectual contendo 650 documentos, correspondência com

2.500 itens, 130 documentos pessoais, entre os quais o livro de genealogia da família Queiroz, contratos editoriais, agendas com fartas informações sobre o cotidiano da escritora, cerca de quatro mil recortes de jornais e de revistas com crônicas da autora, 250 fotografias, desenhos, três gravuras e 70 documentos audiovisuais. O acervo conta ainda com a máquina de escrever da escritora. Em setembro de 1997, o Instituto Moreira Salles homenageou Rachel de Queiroz com o n. 4 dos Cadernos de Literatura Brasileira. Por ocasião do centenário de nascimento da escritora, em 2010, o ims promoveu uma leitura dramática de A beata Maria do Egito, com direção de Aderbal Freire-Filho, a exposição Rachel de Queiroz centenária, que teve curadoria do consultor de literatura do ims Eucanaã Ferraz, e lançou Mandacaru, projeto de juventude da autora composto de dez poemas manuscritos, até então inéditos em livro.

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1 Clarice Lispector em Paris, 1946, foto de Bluma Wainer (Acervo Paulo Gurgel Valente)

clarice lispector

(1920-1977)

Um dos principais nomes da literatura brasileira e figura literária de estatura internacional, Clarice Lispector esforçou-se para desconstruir o mito em que se cristalizou sua imagem, associada à da mulher triste e solitária. Clarice Lispector, nome que recebeu no Brasil em substituição a Haia Lispector, nasceu em Tchechelnik, na Ucrânia, em 10 de dezembro de 1920, filha caçula de Pinkhouss Lispector e Mánia Lispector. Fugindo da dominação comunista no país durante a guerra civil (1918-1921) após a Revolução Bolchevique de 1917, o casal foi obrigado a fazer escala na aldeia de Tchechelnik para que nascesse aquela que viria a ser um dos ícones da literatura brasileira. Menos de dois anos depois, com as filhas mais velhas, Tania e Elisa, e a caçula, os Lispector partiram rumo ao Brasil, desembarcando em Maceió (al), em 1922.

No Recife (pe), para onde se mudou com a família em 1925, Clarice viveu o que considerava “a verdadeira vida brasi­ leira”, longe da influência estrangeira que chegava ao Rio de Janeiro, cidade que a família escolheu para morar em 1935. “Fiz da língua portuguesa a minha vida interior, o meu pensamento mais íntimo, usei-a para palavras de amor”, escreverá ela na crônica “Esclarecimentos – explicação de uma vez por todas”. Em 1939, Clarice ingressou no curso de direito da então Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro, e, no ano seguinte, começou a carreira de repórter e jornalista em A Noite, do Rio de Janeiro, e também estreou com o conto “O triunfo”, publicado na revista semanal Pan, também do Rio. O ano de 1943 foi particularmente importante: casou-se com o diplomata Maury Gurgel Valente e publicou seu

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1 Clarice Lispector na década de 1950 (Acervo Paulo Gurgel Valente) 2 Manuscrito do romance A hora da estrela, de 1977 (Acervo Clarice Lispector/ims)

primeiro romance, Perto do coração selvagem. A tiragem de mil exemplares se esgotou rapidamente e representou, para Sergio Milliet, “a mais séria tentativa de romance introspectivo”. O crítico Álvaro Lins, por sua vez, considerou Perto do coração selvagem uma “experiência incompleta”. Discordâncias à parte, a obra rendeu à autora o prêmio Graça Aranha em 1944, quando ela se mudou

para Nápoles a fim de acompanhar o marido na carreira diplomática: “Sou inteiramente Clarice Gurgel Valente”, declarava ela nesse primeiro ano dos 16 que passaria viajando pelo mundo. No entanto, foi com o nome de Clarice Lispector que publicou o segundo romance, O lustre, em 1945, e assim assinaria toda a sua obra de extraordinária ficcionista. Apesar do pouco tempo de que dispunha para a literatura, certamente ainda mais reduzido com o nascimento do primeiro filho, Pedro, em Berna, Suíça, em 1948, Clarice publicou, no ano seguinte, seu terceiro romance, A cidade sitiada. Em 1952, de volta ao Rio, lançou Alguns contos e assumiu, sob o pseudônimo de Tereza Quadros, a página feminina intitulada “Entre mulheres”, do jornal Comício. Antes de partir para os Estados Unidos, onde por sete anos ficou ao lado do marido em mais um posto, colou grau na Faculdade de Direito, concluindo assim projeto iniciado em 1939. Jamais exerceria a profissão. Em 1953, nasceu, em Washington, seu segundo filho, Paulo. A carreira li-

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1 Clarice Lispector em 1969, foto de Alair Gomes (Acervo Otto Lara Resende/ims) 2 Capa da primeira edição do romance Perto do coração selvagem, de 1943 (Acervo Elisa Lispector/ims) 3 Dedicatória de Clarice Lispector a sua irmã Tania, em exemplar da primeira edição do romance Perto do coração selvagem, 1943 (Acervo Clarice Lispector/ims)

terária internacional começaria no ano seguinte, quando a Librairie Plon, de Paris, lançou a tradução de seu primeiro romance sob o título de Près du coeur sauvage, com capa do pintor Henri Matisse. Alternando suas máquinas de escrever Underwood e Olympia no colo para não se afastar das crianças, Clarice continuou a produzir e chegou a escrever “umas oito cópias” de A maçã no escuro, romance que seria publicado em 1961. Ao separar-se do marido, em 1959, ela retornou ao Brasil e iniciou colaboração no Correio da Manhã, dessa vez sob o pseudônimo de Helen Palmer, na coluna “Correio Feminino: Feira de Utilidades”. A partir daí, conjugaria jornalismo, que lhe possibilitou fazer entrevistas antológicas, e literatura. Achava que seu melhor romance era A paixão segundo G.H., de 1964. Esse romance, ao lado de Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres, de 1969, Água viva, de 1973, e Um sopro de vida, de 1978, entre outros, além dos livros de contos, inclusive infantis, fazem dela um ícone das letras brasileiras no mundo.

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Para o amigo Erico Verissimo, foi ela, ao lado de Guimarães Rosa, quem, no Brasil, melhor usou a sintaxe psicológica, não a gramatical, “para tentar descrever o indescritível, exprimir o inexprimível”. Clarice Lispector morreu no dia 9 de dezembro de 1977, na véspera de completar 57 anos, no Rio de Janeiro. O acervo da escritora chegou ao ims em 2004. É formado de biblioteca de cerca de mil livros, parcialmente catalogada no site do ims; e de arquivo com produção inte­lectual contendo quatro documentos, entre os quais manuscritos de versões inacabadas dos romances A hora da estrela, de 1977, e Um sopro de vida, de 1978; e um datiloscrito encadernado de A bela e a fera, de 1979; correspondência com sete itens, cd com 116 fotos digitalizadas e 23 documentos audiovisuais, além de dois quadros pintados pela escritora. Em janeiro de 2012, o acervo Clarice Lispector recebeu da família

um caderno de notas em que a autora fez anotações pessoais sobre diferentes momentos de sua vida. Em dezembro de 2004, o Instituto Moreira Salles homenageou Clarice Lispector com os volumes 17 e 18 dos Cadernos de Literatura Brasileira. Em setembro de 2009, o ims realizou a exposição Clarice pintora, em sua sede no Rio de Janeiro, com 16 quadros da escritora pertencentes ao acervo do Arquivo-Museu de Literatura Brasileira da Fundação Casa de Rui Barbosa, e curadoria de Liliana Giusti Serra, então Coordenadora de Bibliotecas do ims. Em março de 2012, o ims promoveu o curso intitulado Clarice Lispector: uma aprendizagem e lançou Clarice Lispector: figuras da escrita, substancioso estudo do professor português Carlos Mendes de Sousa. No final de 2012, o ims lançou os e-books Na cavidade do rochedo: a pós-filosofia de Clarice Lispector e Clarice, ela, de Roberto Corrêa dos Santos.

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Paulo Autran, 1972, foto de Madalena Schwartz (Acervo Paulo Autran/ims)

paulo autran

(1922-2007)

Um dos maiores nomes do teatro brasileiro, Paulo Paquet Autran nasceu em 7 de setembro de 1922, no Rio de Janeiro (rj). Formado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, chegou a advogar por sete anos, até que, ao conhecer a atriz Tonia Carrero, no Rio, mudou de profissão. Foi no Rio que Autran se profissionalizou, ao encenar a peça Um deus dormiu lá em casa, em 1949, de Guilherme Figueiredo. De volta a São Paulo, estreou no lendário Teatro Brasileiro de Comédia (tbc), com Seis personagens à procura de um autor, de Pirandello, em 1959. O ator deixou o tbc em 1955 e se mudou para o Rio, onde formou, ao lado de Tonia Carrero e Adolfo Celi, a Companhia Tonia-Celi-Autran. O grupo estreou em 1956 no Teatro Dulcina, com a peça Otelo, de Shakespeare, na qual Autran fazia o personagem-título.

Ator também de cinema e televisão, Autran figura entre os maiores atores de todos os tempos no país. Morreu em São Paulo, em 12 de outubro de 2007. Seu acervo chegou ao Instituto Moreira Salles em 2007. É formado de biblioteca de cerca de 480 livros e 240 periódicos, parcialmente catalogada no site do ims; e de arquivo com: produção intelectual contendo 60 documentos, entre os quais manuscritos e datiloscritos, correspondência com 390 itens, 50 documentos pessoais, 1.700 recortes de jornais e de revistas, 35 pastas com “clipping de notícias” que vão de 1947 a 1985, 2.500 fotografias e 120 programas de teatro. Os documentos desse arquivo contam uma importante parte da história do teatro brasileiro, sobretudo do teatro amador na década de 1940.

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1 Otto Lara Resende em 1972, foto de Alécio de Andrade (Acervo Otto Lara Resende/ims)

ot to lara resende

(1922-1992)

Homem de notável brilho intelectual, o jornalista e escritor Otto Oliveira de Lara Resende nasceu em 1o de maio de 1922, em São João del-Rey (mg), quarto dos 20 filhos que teve o professor Antônio de Lara Resende com Maria Julieta de Oliveira. Começou a colaborar em O Diário, de Belo Horizonte, de que seu pai era um dos dirigentes. Fisgado pelo jornalismo aos 16 anos, matriculou-se também em Belo Horizonte, na Faculdade de Ciências Sociais e Jurídicas em 1941. Concluído o curso, em 1945, e deixando a direção do suplemento literário da Folha de Minas, que estivera sob seu comando por dois anos, mudou-se para o Rio, onde Paulo Mendes Campos, recém-chegado à então capital do país, o instava a acompanhá-lo. Com ele, Hélio Pellegrino e Fernando Sabino, Otto, que afirmava ter horror ao ressentimento e gostar muito de agradar, era dotado de

dois atributos fundamentais para compor o lendário grupo conhecido como “Os quatro mineiros”, que a certo momento ele mesmo batizou de “os quatro cavaleiros de um íntimo apocalipse”. A atividade jornalística frenética a que logo se dedicou em Diário de Notícias, O Globo, Diário Carioca e Correio da Manhã, do Rio, não o sequestrava do contato quase sempre diário com os amigos, fossem eles os do quarteto mineiro ou os muitos outros a quem se ligaria fraternalmente ao longo da vida. A produção diária para os jornais tampouco o impediu de manter uma correspondência de tal modo febril que guardou centenas de cartas, hoje talvez a parte mais estimulante de seu acervo – sofria de “cocaína postal”, dizia. Não sem razão, portanto, em 1994 a Empresa de Correios e Telégrafos o homenageou com a emissão de um selo em sua homenagem,

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1 Capa da primeira edição do livro de contos O lado humano, de 1952 (Acervo Otto Lara Resende/ims) 2 Datiloscrito do romance O braço direito, de 1964, com emendas manuscritas do autor (Acervo Otto Lara Resende/ims)

a efígie do escritor desenhada pelo artista plástico Fernando Lopes. Entre os diversos assuntos que abordou no jornal carioca Última Hora, em que assumiu o cargo de redator principal em 1951, adotou o pseudônimo J.O. para assinar despretensiosas críticas de cinema. No ano seguinte, publicaria seu primeiro livro, a coletânea de con-

tos O lado humano. Depois de dirigir o tabloide semanal Flan, lançado por Última Hora, Otto assumiu a direção da revista Manchete, cargo que abandonaria em 1956. O escritor amargaria críticas ferozes contra seu segundo livro de contos, Boca do inferno, lançado em janeiro de 1957, em que a infância atormentada pela ideia do pecado e da morte se apresenta muito mais dramática do que pura ou feliz. Em meio à “saraivada de incompreensões, quase insultos” que o livro despertou, o contista seguiu para Bruxelas com a família, em maio de 1957, a convite do Itamaraty para ser adido cultural na Embaixada do Brasil. Na capital belga, declararia ter vivido os três anos mais felizes de sua vida. Nesse período, deu aula de Estudos Brasileiros na Universidade de Utrecht, na Holanda, quando se deleitou com o mundo acadêmico que – dizia – o fascinava. Repetiria a experiência acadêmica na Pontifícia Universidade Católica (puc-rj), em 1971, depois de desempenhar as funções de advogado da Procuradoria do

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Distrito Federal e até mesmo a de diretor do então Banco Mineiro da Produção, entre 1963 e 1964. Ainda que a ficção de Otto Lara Resende posterior a Boca do inferno não mantenha os tons carregados deste seu livro, o autor seria, de um modo geral, considerado um contista sombrio, em contraste com a personalidade solar que exibia quando em grupo e que, creem alguns, teria ofuscado sua obra. O apuro

da linguagem, no entanto, é o mesmo nos contos de O retrato na gaveta, de 1962, As pompas do mundo, de 1973, e O elo partido & outras histórias, de 1992. Escritor obcecado pela expressão perfeita, Otto Lara Resende voltava exaustivamente aos textos para corrigi-los, e foi com superior nível de exigência que se dedicou a seu único romance, O braço direito, de 1968, do qual há cinco versões em seu arquivo. O livro, que dá

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voz a Laurindo Flores, bedel de um orfanato do interior de Minas, foi publicado em Londres como The inspector of orphans, em 1968. A despeito de seu “seu soberano desprezo por gloríolas, mesmo glórias”, Otto Lara Resende recebeu diplomas, medalhas, títulos e prêmios que hoje tornam longuíssima a sua cronologia. Declarava-se “um poço de contradições”, e, se aceitou a imortalidade que a cadeira 39 da Academia Brasileira de Letras lhe garantiu, em 1979, esteve mais próximo do jornalismo ao assumir a direção da Rede Globo de Televisão, em 1974. Naquela emissora, em 1977, fez um programa de entrevistas intitulado Jornal Painel, além de um quadro no Jornal da Globo, no qual entrevistou personalidades literárias. Em 1983, saiu da emissora e se aposentou no cargo de procurador do Estado do Rio de Janeiro. “Familioso, familial”, declarava-se, conviveu amorosamente com a mulher,

Helena Pinheiro de Lara Resende, com quem se casara em 1950, e com os quatro filhos: André, Bruno, Cristiana e Helena. “Como pai, me considero, modéstia à parte, uma mãe exemplar”, gabava-se. Em 1992, integrou o Conselho Consultivo do Instituto Moreira Salles (ims), ao lado de, entre outros, Francisco Iglésias, Antonio Candido, além de membros da família Moreira Salles. A morte, que com a idade ele afirmava ser “palpável”, chegou num momento em que, animado, assinava uma crônica na coluna diária intitulada “Rio de Janeiro”, no jornal Folha de S. Paulo. Parte dessa sua produção foi publicada postumamente em Bom dia para nascer, de 1993, que teve como organizador o jornalista Matinas Suzuki Jr. Otto Lara Resende morreu no dia 28 de dezembro de 1992, no Rio de Janeiro (rj). O acervo do escritor chegou ao Instituto Moreira Salles em 1994. É formado de biblioteca de 6.512 itens, entre livros

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1 Desenho de autoria de Millôr Fernandes (Acervo Otto Lara Resende/ims) 2 Otto Lara Resende em 1972, foto de Alécio de Andrade (Acervo Otto Lara Resende/ims)

e periódicos, catalogada no site do ims; e de arquivo com produção intelectual contendo 1.897 documentos, entre os quais manuscritos e datiloscritos revisados continuamente em diferentes versões, correspondência com 8.547 itens, 19 documentos pessoais, 6.100 recortes de jornais e de revistas, 2.166 fotografias, 54 desenhos de artistas diversos, entre os quais Millôr Fernandes, Ziraldo e Borjalo, e duas monotipias em nanquim de Mira Schendel. Por ocasião dos dez anos de sua morte, em 2002, o Instituto Moreira Salles lançou Três Ottos por Otto Lara Resende, com inéditos pinçados do arquivo do escritor, sob organização da professora Tatiana Longo dos Santos. Em 2011, a editora Companhia das Letras, com apoio de pesquisa do ims, deu início à publicação das cartas do escritor. O primeiro título, O Rio é tão longe, contendo a correspondência de Otto com Fernando Sabino, foi organizado pelo jornalista e escritor Humberto Werneck. Na ocasião, foi lançada a segunda edição de Bom dia para nascer, com o mesmo organizador.

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paulo mendes campos

(1922-1991)

Poeta, tradutor e cronista refinado, Paulo Mendes Campos nasceu em 28 de fevereiro de 1922, em Belo Horizonte (mg), filho do médico e escritor Mário Mendes Campos e de Maria José Lima Campos. Criado com nove irmãos em ambiente familiar de poliglotas e anglófonos, foi a mãe quem lhe despertou o gosto pela poesia. Em 1937, conheceu o adolescente de mesma idade Otto Lara Resende, em

São João del-Rey, que seria seu amigo de toda a vida. No ano seguinte, em Belo Horizonte, onde passou a morar, os dois rapazes juntaram-se a Fernando Sabino e Hélio Pellegrino: formava-se o lendário quarteto que Otto batizaria de “os quatro cavaleiros de um íntimo apocalipse”. O trabalho como guarda sanitário na antiga Diretoria de Saúde Pública de Minas Gerais não impediu que Paulo

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1 Caderno de notas de Paulo Mendes Campos sobre viagem a Leningrado, feita pelo autor em 1956 (Acervo Paulo Mendes Campos/ims) 2 Paulo Mendes Campos no Rio de Janeiro, em 1945, foto de Rubem Braga (Acervo Paulo Mendes Campos/ims)

Mendes Campos iniciasse os cursos de odontologia, veterinária e direito. Sem concluir nenhum deles, frequentou também, durante um ano, o curso de aviador na Escola Preparatória de Cadetes, em Porto Alegre, mas foi só entre os anos de 1939 e 1945, quando exerceu o jornalismo, primeiramente em O Diário, de Belo Horizonte, e depois em outros periódicos da mesma cidade, como redator, que enfrentaria sua vocação “mais séria e mais alta”, igualmente na prosa e na poesia, como observaria Otto Lara Resende. Nesse anos belo-horizontinos, com o grupo de amigos, viveu uma época em que “a insônia era uma atitude literária”, ainda na expressão de Otto. As leituras seguiam noite adentro e abasteceram o talento de Paulo Mendes Campos de uma fibra cuja solidez se disfarçava na sobriedade de seu temperamento discreto. Paulo Mendes Campos começou de fato a carreira de cronista no Diário Carioca e no Correio da Manhã, no Rio de Janeiro, para onde se mudou em 1945 e onde voltaria a conviver com os amigos

mineiros, que também se mudariam para a então capital do Brasil. O ano de 1951 marcou dois acontecimentos importantes em sua vida: o lançamento do livro de poemas A palavra escrita, o primeiro dos 15 que publicou, e o casamento com a inglesa Joan Abercrombie, com quem teria dois filhos, Gabriela e Daniel.

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Em ritmo de trabalho intensíssimo, foi, naquela década de 1950, cronista do Jornal do Brasil e da revista semanal Manchete. Nesta, desde o seu primeiro número. Os parcos cruzeiros ganhos com as muitas colaborações na imprensa não lhe permitiram escapar do serviço público: paralelamente à atividade jornalística e literária, ele foi diretor do Departamento de Obras Raras da Biblioteca Nacional e, depois de exercer outras funções administrativas em instituições diversas, se aposentaria em 1981 como técnico em comunicação social da Empresa Brasileira de Notícias (ebn). Em 1958, com a publicação do segundo livro de poemas, O domingo azul do mar, que reúne também A palavra escrita, veio o reconhecimento como poeta, a que se somaria ainda o do tradutor de Shakespeare e Oscar Wilde, entre muitos outros. Foi ainda roteirista de documentários para a televisão, assinando o texto do teleteatro Poema barroco, sobre a vida do escultor mineiro Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho. Esse texto, especialmente, integrou a

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Paulo Mendes Campos no bar Zeppelin, em 1964, © foto Alécio de Andrade, adagp, Paris. Cortesia Instituto Moreira Salles, Rio de Janeiro.

série Caso Especial da Rede Globo de Televisão e foi exibido em 1977, sob a direção de Fabio Sabag, com Stênio Garcia no papel do escultor. A partir de 1999, a editora Civilização Brasileira passou a reeditar os 15 títulos de Paulo Mendes Campos publicados em vida. A obra em prosa, com novos títulos, ordenados por tema, foi organizada pelo jornalista Flávio Pinheiro, que recolheu para a mesma série textos antes desprezados. Desse modo, o “cronista em tempo integral”, como define o organizador das edições, ressurgiu em suas múltiplas facetas nesse gênero em que foi mestre ao lado de Rubem Braga, Fernando Sabino e Carlos Drummond de Andrade. Os textos memorialísticos reunidos em Cisne de feltro, passando pelo lírico observador das cidades e do povo presente em Brasil brasileiro, revelam o cronista de “lucidez cortante servida por erudição fluida”, nas palavras de Flávio Pinheiro. Paulo Mendes Campos morreu em o 1 de julho de 1991, no Rio de Janeiro. Seu acervo chegou ao Instituto Mo-

reira Salles em 2011. É formado apenas de arquivo com: produção intelectual contendo 53 cadernos com anotações diversas, poemas, registros de reflexões que mostram o espírito organizado do autor, sobretudo no que diz respeito a leituras, manuscritos de sua autoria e de outros poetas, por ele organizados em pastas, correspondência com 180 itens enviados por escritores importantes, recortes de jornais e de revistas com textos publicados em diversos periódicos e 360 fotografias. O Instituto Moreira Salles publicou textos inéditos do autor na revista serrote, editada pela instituição, e na serrote #8,5, edição especial que circulou na ix Festa Literária de Paraty (Flip), em 2011. Outro veículo de divulgação da obra é a Rádio Batuta, também do ims, que o homenageou por ocasião dos 20 anos de sua morte, e em 2012 lhe dedicou um programa de leitura de seus ensaios literários para registrar os 90 anos de seu nascimento. Em 2012, o ims publicou o texto até então inédito Carta a Otto ou um coração em agosto.

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lygia fagundes telles

(1923-­  )

Prosadora celebrada por grandes nomes da crítica literária brasileira, Lygia Fagundes Telles transitou à vontade entre o romance e o conto, mas foi talvez no último que exerceu seu talento com mais perfeita expressão. Lygia de Azevedo Fagundes nasceu em São Paulo (sp), em 19 de abril de 1923. Tão logo foi alfabetizada, começou a escrever, nos cadernos escolares, as histórias que ouvia contar.

Estreou com Porão e sobrado, de 1938, coletânea de 12 contos que ela, no futuro, consideraria “ginasianos”. Na verdade, a escritora prefere datar o início de sua carreira com o primeiro romance, Ciranda de pedra, de 1954, que lhe conferiu a maturidade literária. No entanto, ela mesma reconheceria mais tarde ter abordado, nessa obra, excesso de temas, reflexo ainda de uma certa urgência da juventude. Antes de Ciranda, ela publi-

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1 Lygia Fagundes Telles aos 18 anos, quando ingressou na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, São Paulo, 1941 (Acervo Lygia Fagundes Telles/ims) 2 Capa da primeira edição do romance As meninas, de 1973 (Acervo Mauricio Rosenblatt/ims)

cara Praia viva, de 1944, e O cacto vermelho, de 1949, ambos de contos. Paralelamente à produção de contista, Lygia iniciou, em 1941, o curso na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo, onde conviveu com intelectuais modernistas que ainda circulavam pelos cafés e bares do entorno. Ali conheceu o crítico de cinema e ensaísta Paulo Emílio Salles Gomes, que se tornaria seu segundo marido, depois de desfeito um casamento de dez anos (de 1950 a 1960) com o jurista Goffredo da Silva Telles Jr. Dessa união, teve seu único filho, Goffredo da Silva Telles Neto, autor do documentário Narrarte, de 1990, sobre a vida e a obra da mãe. O sucesso literário no exterior viria com os contos de Antes do baile verde, de 1970, vencedor do Grande Prêmio Internacional Feminino para Estrangeiros, na França. Lygia ganhou ainda vários e importantes prêmios brasileiros com o romance As meninas, de 1973, publicado em Nova York em 1982, com o título de The Girl in the Photograph. Escritora que se orgulha de testemunhar a sua época,

nesse livro ela aponta as encruzilhadas nos caminhos das jovens Lorena, Lia e Ana Clara nas décadas de 1960 e 1970. Adaptado para o cinema por Emiliano Ribeiro, também diretor do filme, que estreou em 1996, esse romance precedeu o já hoje clássico conto “Seminário dos ratos”, do livro homônimo, de 1977.

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Desse livro, faz parte “Pomba enamorada ou uma história de amor”, que o escritor português José Saramago considerava obra-prima. Questões relacionadas ao envelhecimento e à solidão, este último tema caro à ficcionista, estão presentes no romance As horas nuas, de 1989, em que o leitor segue o desnudamento da personagem Rosa Ambrósio, com suas frustrações expostas nas memórias que ela dita num gravador. Estudada pelos melhores críticos da literatura brasileira e traduzida para várias línguas, Lygia Fagundes Telles alterna romance e conto. Do mesmo modo que convive durante meses com as personagens do primeiro, enquanto

as desenvolve lentamente, lida bem com a vida curta das do segundo. O conto, gênero em que atingiu notável refinamento, é, para ela, “uma forma arrebatadora de sedução”; é preciso “seduzir o leitor em tempo mínimo”, afirma. Eleita em 1985 para a Academia Brasileira de Letras, tomou posse em maio de 1987. Foi a terceira mulher a entrar para a instituição, onde ocupa a cadeira 16. Sempre ativa na sua produção de ficcionista, aos 88 anos de idade publicou Passaporte para a China, coletânea de crônicas sobre uma viagem de 20 dias que fez a Pequim e Xangai. O Acervo Lygia Fagundes Telles chegou ao Instituto Moreira Salles em 2004. É formado de biblioteca de cerca de 900 itens, entre livros e periódicos, catalogada no site do ims; e de arquivo com: produção intelectual contendo mil documentos, entre os quais datiloscritos de contos e adaptações (incluindo a do romance D. Casmurro, de Machado de Assis, trabalho de Lygia em parceria com Paulo Emilio Salles Gomes que seria publicado em 1993 com o título de

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1 Carta de Simone de Beauvoir a Lygia Fagundes Telles (Acervo Lygia Fagundes Telles/ims) 2 Lygia Fagundes Telles em 1958 (Acervo Lygia Fagundes Telles/ims)

Capitu, reeditado em 2007), correspondência com 270 itens, 240 documentos pessoais, 5.500 recortes de jornais e de revistas, 208 fotografias, cinco desenhos de autoria de Carlos Drummond de Andrade e 40 documentos audiovisuais. O acervo conta ainda com a máquina de escrever da escritora. Em maio de 1997, Lygia Fagundes Telles participou da série O escritor por ele mesmo, projeto do Instituto Moreira Salles, que compreendia um depoimento ao vivo, nas sedes do ims, e a leitura de textos do autor, feita por ele próprio, gravados em cd anteriormente e distribuídos ao público espectador no dia do depoimento. Para esse projeto, Lygia gravou a leitura de dois contos: “A estrutura da bolha de sabão” e “As formigas”. Em março de 1998, o ims a homenageou com a edição do volume n. 5 dos Cadernos de Literatura Brasileira. A edição contou com a reprodução do primoroso conto “Que se chama solidão”, que, ao lado de outros também inéditos, seriam incluídos posteriormente em Invenções e memória.

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ana cristina cesar (1952-1983)

Poeta de privilegiada consciência crítica, Ana Cristina Cesar, para quem literatura e vida eram indissociáveis, destacou-se na década de 1970 com uma poesia intimista marcada pela coloquialidade e com seu talento para vertentes diversas da atividade intelectual. Ana Cristina Cruz Cesar nasceu no Rio de Janeiro (rj), em 2 de junho de 1952, filha de Waldo Aranha Lenz Cesar e Maria Luiza Cesar. Viveu “em estado de emergência”, nas palavras de Floren-

cia Garramuño, argentina estudiosa de sua obra, e, desse modo, transitou com avidez por áreas distintas, desde a poesia, passando pelo cinema, pela crítica literária e pela tradução. Licenciada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (puc-rio) em 1975, sua dissertação de mestrado na Escola de Comunicação da ufrj resultou na publicação, em 1980, do livro Literatura não é documento, importante levanta­mento de documentários

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1 Ana Cristina Cesar em meados da década de 1970, foto de Cecília Leal (Acervo Ana Cristina Cesar/ims) 2 Capa da primeira edição de Cenas de abril, 1979, livro posteriormente reunido em A teus pés, 1982

sobre escritores e movimentos literários do Brasil. Ainda como aluna da puc-rio, não tardou a ser descoberta pela professora Clara Alvim, com quem estabeleceria relação epistolar importante. Em 1975, Heloisa Buarque de Hollanda, também sua professora, a incluiria na antologia 26 poetas hoje, seleção de talentosos representantes da geração daquela década, intérpretes de uma liberdade estética incomum, que aproximou leitor e poesia por meio de informalidade e aparente improviso. No entanto, a própria Ana Cristina declarou, quando lhe perguntaram se sua poesia era racional: “É muito construída, muito penosa”. De personalidade inquieta, ela estudou na Universidade de Essex, na Inglaterra, onde legitimou seu talento de tradutora ao receber o título de Master of Arts (m.a.) em Theory and Practice of Literary Translation, em 1980. Desse período, resultaria Escritos da Inglaterra (ensaios e textos sobre tradução e literatura), publicado postumamente, em 1988, com organização do amigo e poeta

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1 Manuscrito do poema “Psicografia”, incluído em Inéditos e dispersos, de 1998, publicação do Instituto Moreira Salles (Acervo Ana Cristina Cesar/ims) 2 Ana Cristina Cesar com os pais em Niterói, 1954 (Acervo Ana Cristina Cesar/ims)

Armando Freitas Filho, dos mais devotados estudiosos de sua obra. Entre os trabalhos de Ana Cristina Cesar mais notáveis no gênero, destaca-se The Annotated Bliss (O conto ‘Bliss’ anotado), tradução do famoso texto de Katherine Mansfield, com 80 notas explicativas, que constituiu sua dissertação de mestrado em Essex. A tradutora se encantava com o “caráter monossilábico da língua inglesa”, o que a levou ainda a se dedicar a Emily Dickinson e outros. Não foi menor sua vocação à crítica literária, coletada em Escritos no Rio (artigos, textos acadêmicos e depoimentos), em 1993, também com organização de Armando Freitas Filho. Na tradução de Ana Cristina, a personagem Bertha Young, de Bliss, viveu um momento como se “tivesse de repente engolido o sol de fim de tarde e ele queimasse dentro do seu peito”. Tal qual a tradutora, tamanha a sofreguidão com que Ana Cristina colaborou com artigos na imprensa alternativa da época, fez resenhas e traduções e deu aulas no ensino secundário na década de 1970.

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Em 1982, Ana Cristina Cesar publicou A teus pés, reunião de seus três primeiros livros: Cenas de abril, de 1979, que abre com os versos “é sempre mais difícil/ ancorar um navio no espaço”; Correspondência completa, do mesmo ano, na verdade uma única e longa carta endereçada a “My dear”, publicada em edição diamante, artesanal, no mesmo ano, e Luvas de pelica, de 1980, em formato de diário. As reedições são acrescidas de um quarto conjunto até então inédito, intitulado A teus pés, que dá título ao livro. Ana Cristina Cesar morreu no Rio de Janeiro, em 29 de outubro de 1983. Por vontade expressa da poeta, seu acervo literário ficou inicialmente na casa de Armando Freitas Filho que, com a ajuda de Maria Luiza, mãe de Ana Cristina, e da amiga Grazyna Drabik, organizou, a partir do material, a edição de Inéditos e dispersos (prosa e poesia), de 1985. O Acervo Ana Cristina Cesar chegou ao Instituto Moreira Salles em três etapas que se sucederam entre setembro de

1999 e setembro de 2005. É formado de biblioteca de cerca de 630 itens, entre livros e periódicos, revistas de artes e teses de doutorado, catalogada no site do ims; e de arquivo com: produção intelectual contendo 400 documentos, entre os quais anotações de leitura, crítica literária, poemas e cadernos de notas, correspondência com 80 itens, 590 recortes de jornais e de revistas, desenhos, três documentos audiovisuais e provas de impressão de livros. O acervo conta ainda com a máquina de escrever da poeta. Em 1998, a editora Ática associou-se ao Instituto Moreira Salles para relançar a obra da autora, da qual foram publicados, entre outros, A teus pés e Inéditos e dispersos. Em meio aos 301 manuscritos existentes no arquivo de Ana Cristina Cesar, a professora Viviana Bosi, da Universidade de São Paulo, localizou os conjuntos organizados pela própria poeta sob os títulos de “Prontos mas rejeitados”, “Inacabados”, “Rascunhos/primeiras versões”, “Cópias”, “O livro” e “Antigos

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1 Datiloscrito de Ana Cristina Cesar publicado em Antigos e soltos (Instituto Moreira Salles: 2008) 2 Ana Cristina Cesar em Brasília, 1977 (Acervo Ana Cristina Cesar/ims)

& soltos”. Desse conjunto, resultou a seleção publicada em edição fac-similar pelo Instituto Moreira Salles sob o título de Antigos e soltos, em 2008, com organização e estudo introdutório de Viviana Bosi. Ao assumir a consultoria de Literatura do ims, o poeta e professor Eucanaã Ferraz promoveu, em 2010, o curso “Aos pés de Ana Cristina”, em quatro aulas.

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300


Charles Landseer e Highcliffe Album  302 Martha e Erico Stickel  308 Paul Harro-Harring  314 John Ogilby  316

Iconografia 301


Variado e abrangente, o acervo do Instituto Moreira Salles inclui um importante conjunto de obras sobre papel que compõe uma iconografia brasileira do século xix. São aproximadamente 1.900 imagens, entre desenhos e aquarelas, gravuras avulsas, livros de viajantes, álbuns de souvenir e mapas, que tiveram um papel importante na divulgação da então jovem nação brasileira no cenário mundial. A formação deste acervo começou na década de 1960, quando o embaixador Walther Moreira Salles adquiriu para o Unibanco e, posteriormente, para o ims, registros iconográficos do Brasil do século xvii ao xix. Ao longo dos primeiros anos, a coleção, ainda em formação, foi enriquecida com obras como as aquarelas de Franz Keller, uma pintura de Frans Post, além das 24 aguadas de Harro-Harring e dos mapas de John Ogilby. A esse primeiro conjunto, em que se destacam obras de importância inegável, somaram-se, em 1999, os preciosos desenhos do inglês Charles Landseer. Suas obras, acrescidas de alguns desenhos atribuídos a Debret e aos pintores ingleses William John Burchell e Henry Chamberlain, compõem o Highcliffe Album. Com essa aquisição, o conjunto passou a contar com quase 500 itens. Em 2008, a coleção Martha e Erico Stickel foi adquirida pelo ims. Composta por cerca de 1.500 obras, reúne grande número de artistas viajantes que retrataram o Brasil ao longo do século xix. Dos mais de 200 autores, entre pintores, desenhistas, gravadores e editores, encontram-se nomes caros a estudiosos da iconografia nacional, como Briggs, Cicéri, Martinet, Von Martius, entre outros, e autores pouquíssimo conhecidos, como Marguerite Tollemache e Franz Joseph Frühbeck, que permitem ampliar os estudos sobre o período. A maioria dos artistas que compõe este acervo esteve no Brasil no século xix. A Coleção Stickel demandou a criação de uma equipe para atender às necessidades de conservação e pesquisa que suas obras exigiam. Capitaneados por Carlos Martins, desenvolvemos um sistema de catalogação e uma metodologia de trabalho que permitiram, ao longo de um ano e meio, catalogar toda a coleção. Autorias foram conferidas, datas e procedências descobertas, restauros mais urgentes foram feitos, e as obras foram acondicionadas em excelentes condições de conservação. Devido aos bons resultados obtidos, a diretoria do ims solicitou que o

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mesmo trabalho fosse realizado com as coleções anteriores, de obras similares, dando início a uma nova área de trabalho no ims: a Iconografia Brasileira. Esses conjuntos, adquiridos em diferentes momentos, conforme as oportunidades que se apresentaram, vinham ao encontro da grande coleção de fotografia do século xix, e acabaram por formar um dos maiores e mais valiosos acervos iconográficos sobre o Brasil imperial disponíveis no país. Julia Kovensky | Coordenadora de iconografia brasileira

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charles Landseer

(1799-1879) e

Highcliffe album

Um lance decisivo na casa de leilões Christie’s, em Londres, no dia 29 de abril de 1999, garantiu ao Instituto Moreira Salles a aquisição de uma joia rara da iconografia brasileira do século xix. O lote intitulado Brasil 1825-26. Charles Landseer e a missão britânica e trabalhos de Burchell, Chamberlain, Debret – também conhecido como Highcliffe Album – tornou-se um marco para o acervo do Instituto. O volume mais expressivo de

trabalhos dessa coleção é formado pelos 306 desenhos – a lápis, bico de pena e carvão – e aquarelas originais de autoria do jovem inglês Charles Landseer. Nascido em Londres, numa família de artistas, Charles estava com 25 anos de idade e ainda era desconhecido quando conseguiu, com a ajuda do pai, o gravador John Landseer, o posto de artista oficial da missão que, sob o comando de sir Charles Stuart, viria negociar o reco-

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Corcovado visto da Baía de Botafogo, 1825-1826, Charles Landseer, aquarela e guache sobre papel, 27 x 62,9 cm

nhecimento, por parte da Grã-Bretanha e de Portugal, do recém-independente Império do Brasil. Foi mais de um ano de viagem, entre 1825 e 1826. Aplicado, Landseer colocaria em prática seu talento lapidado na Real Academia de Belas-Artes ainda a bordo do hms Wellesley, a caminho do Rio de Janeiro. Ali, traçou retratos do chefe, sir Charles Stuart, de outros membros da comitiva e de tripulantes, como o

secretário lorde Marcus Hill, o tenente-coronel Freemantle, o major Gurwood, o cirurgião Ridgway e o botânico William John Burchell. Nas escalas em Lisboa (onde passou dois meses e produziu mais de 90 desenhos e aquarelas), na ilha da Madeira e em Tenerife, demonstrou interesse principalmente por conjuntos arquitetônicos, mas também registrou paisagens, o povo local e chegou a fazer quatro esboços do rei d. João vi.

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Foi no Brasil, no entanto, que Landseer concentrou seus esforços. A partir da chegada do Wellesley no Rio de Janeiro, em 17 de julho de 1825, registrada em desenho, o artista produziria mais de 100 desenhos e aquarelas na cidade, onde passou quatro meses. Outros artistas britânicos haviam visitado o Rio antes dele, mas eram amadores. Landseer foi o segundo profissional – depois de Augustus Earle – a documentar a cidade. E o fez com sensibilidade e técnica. Bom observador e narrador, compôs, com imagens, pequenas crônicas dos trópicos, seus modos e costumes. Não lhe passaram despercebidos os monumentos, as praças, os conjuntos arquitetônicos, mas encantou-se mesmo foi com a exuberância da natureza. Estão lá, no Highcliffe Album, em preto

e branco e em cor, o Pão de Açúcar, o Corcovado, a Pedra da Gávea, Copacabana, a lagoa Rodrigo de Freitas, a flora da Mata Atlântica. Landseer também cumpriu com afinco a tarefa protocolar de retratar o imperador dom Pedro e a imperatriz dona Leopoldina, mas, mais do que a pompa dos palácios, o que realmente lhe causou um forte impacto foi o contato com a escravidão. E, ao modo de Jean-Baptiste Debret, dedicou aos escravos uma grande quantidade de seus desenhos e aquarelas. A missão não se limitou a uma visita ao Rio de Janeiro. De novembro de 1825 a abril de 1826, agora a bordo do Diamond, Landseer viajou com Charles Stuart a Pernambuco, Bahia, Santa Catarina (então Desterro), Santos, São Paulo e Espírito Santo, onde retratou indígenas

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1 Serra dos Órgãos vista do Rio Comprido, 1825-1826, Charles Landseer, aquarela sobre papel, 18,3 x 26,8 cm 2 Imperatriz Leopoldina, 1825-1826 Charles Landseer, tinta ferrogálica sobre papel, 18,7 x 22,5 cm

pela primeira vez. O retorno à Inglaterra teria escala nos Açores, além de Lisboa, sendo a chegada a St. Ann’s Head, em Milford Haven, no final de setembro, devidamente registrada pelo artista, como um carimbo de missão cumprida. Apesar de jovem e pouco experiente em trabalho de campo, Charles Landseer produziu, durante a missão Stuart, desenhos e aquarelas de alta qualidade e de grande valor iconográfico. Ele pode ser incluído entre os artistas mais importantes a registrar o Brasil no início do século xix, nas duas décadas que se seguiram à transferência da corte portuguesa para o país. Os trabalhos reunidos no Highcliffe Album podem ser comparados à obra de artistas como Nicolas Antoine Taunay, Thomas Ender, o alemão Johann Moritz Rugendas e outros artistas britânicos menos conhecidos, em especial Augustus Earle e o botânico William John Burchell, companheiro de Landseer na missão Stuart. Embora tenha sido suplantado em fama pelos irmãos, o aclamado pintor Edwin e o gravurista Thomas, Charles

Landseer desfrutou de uma carreira bem-sucedida por mais de 50 anos, aposentando-se como diretor da escola da Academia Real e expondo em instituições britânicas prestigiosas. Ainda hoje, seu trabalho pode ser visto na Academia Real, no museu Victoria & Albert, na National Portrait Gallery, no Museu Britânico e na Tate Britain, em Londres, na Walker Art Gallery, em Liverpool, e em outros museus regionais da Inglaterra.

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Até a sua morte, em 22 de agosto de 1879, aos 79 anos de idade, expôs mais de 120 obras, entre elas os cinco quadros com temas brasileiros e portugueses resultantes da viagem ao Brasil. Essas seriam as únicas pinturas a óleo baseadas nos desenhos feitos durante a missão Stuart, já que, de volta à Inglaterra, o chefe da missão insistiu em manter sob sua guarda os cadernos do jovem artista. Charles Stuart mandou construir um castelo em Highcliffe, na costa sul da Inglaterra, para onde se mudou em 1835, levando consigo os desenhos de

Landseer. Quase um século depois, em 2 4 de dezembro de 192 4, um de seus descendentes permitiu o acesso do historiador brasileiro Alberto do Rêgo Rangel aos documentos de Stuart. Rangel encontrou ali, praticamente intocado, desconhecido pelos herdeiros de Stuart, o caderno Voyage to the Brazils 1825-26 (Viagem aos Brasis 1825-26), encadernado em couro, medindo cerca de 50 x 60 cm, com 125 páginas, contendo por volta de 340 desenhos a lápis, bico de pena e carvão, além de aquarelas. Junto ao caderno, havia, além dos 306 registros de autoria de Landseer, um retrato seu feito por William Burchell, quatro aquarelas do Rio de Janeiro, cinco de Santos e nove de São Paulo, Cubatão e São Bernardo, atribuídas a Burchell, duas paisagens do Rio atribuídas ao artista britânico amador Henry Chamberlain, e 13 aquarelas de escravos no Rio atribuídas a Debret. O caderno, que então passou a ser chamado de Highcliffe Album, foi comprado em setembro de 1926 pelo empresário e colecionador carioca Guilherme

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1 Caçadores de borboletas, 1825-1826 Charles Landseer, grafite e aguada sépia sobre papel, 16 x 11,1 cm 2 São Paulo a partir da estrada para Santos, 1825-1826, William John Burchell, grafite e aquarela sobre papel, 16,8 x 49,7 cm

Guinle, que, em 1960, presenteou com ele seu sobrinho, o banqueiro Cândido Guinle de Paula Machado. Em 1997, a família Paula Machado decidiu vender o Highcliffe Album, exceto dois desenhos: Merchant of St. Paul and Minas resting in rancho (Mercador de São Paulo e Minas descansando em rancho) e Cabeça de negro. Depois de exposto em São Paulo e no Rio de Janeiro, o álbum foi a leilão na Christie’s, em 1999, quando foi adquirido pelo Instituto Moreira Salles. Em janeiro de 2010, o ims expôs, pela primeira vez, em seu centro cultural no Rio de Janeiro, aproximada-

mente metade das aquarelas e desenhos de Landseer feitos em Portugal e no Brasil. Um livro com reproduções de quase todas as imagens do Highcliffe Album acompanhou a mostra, que atraiu aproximadamente 13 mil visitantes. No ano seguinte, a exposição se estendeu aos centros culturais do ims em São Paulo e Poços de Caldas e, em setembro de 2012, a mesma exposição, acrescida de um maior número de representações de Portugal, foi exibida em Cascais, na Fundação D. Luís i, como parte das comemorações do ano do Brasil em Portugal.

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coleção martha e erico stickel

Adquirida pelo ims em 2008 e já totalmente catalogada, a coleção Martha e Erico Stickel reúne cerca de 1.500 obras que retratam o Brasil desde o século xvi (em cartografia) até o século xix (em paisagens e registros do cotidiano feitos por artistas viajantes), agrupadas em fólios, encadernadas em álbuns ou como peças avulsas, compreendendo gravuras, desenhos, aquarelas e manuscritos. Por se tratar de uma coleção particular, a maioria das obras nunca foi exposta –

muitas delas são raras ou inexistentes em coleções análogas. Merecem destaque os trabalhos de Von Martius, Franz Frühbeck, Araújo Porto-Alegre, De Martino e Marguerite Tollemache, entre outros. Artistas profissionais com olhar naturalista ou amadores com registros documentais e afetivos, cada um deles comparece com substancial número de obras. O botânico e antropólogo alemão Carl Friedrich Philipp von Martius (1794-1868), que, ainda nos dias de hoje,

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1 As árvores que nasceram antes de Cristo na floresta às margens do Rio Amazonas, c. 1840, Carl Friedrich Phillip von Martius (atribuído a), litografia em preto e sépia sobre papel, 29,7 x 45,1 cm 2 Batalha de Itororó, 1869, Edoardo de Martino, grafite, nanquim e aguada de nanquim sobre papel, 23,6 x 63,3 cm

é a maior referência de estudo da flora no Brasil, está presente na Coleção Sti­ckel com um conjunto de 78 desenhos em grafite sobre papel, alguns com retoque de nanquim, que serviram de base para litografias. Os três anos em que viveu no Brasil, de 1817 a 1820, pesquisando principalmente na Amazônia, registrando sua flora e as cidades por onde passava, marcaram por muito tempo a produção de Von Martius. A equipe do ims tem a intenção de aprofundar o trabalho de pesquisa nas obras de litografia do artista sobre o Brasil, do período de 1840

a 1906, para estabelecer quais desenhos são de sua autoria e quais teriam sido criados por colaboradores, uma prática corrente na época. Na mesma comitiva que trouxe ao Brasil a grã-duquesa Leopoldina, e em que viajou Von Martius, também veio o pintor amador austríaco Franz Joseph Frühbeck (1795-depois de 1830), que registrou a viagem, a cerimônia de chegada ao Rio de Janeiro, a paisagem exuberante da cidade e o modo de vida de seus habitantes. Trinta desses desenhos e aquarelas, reunidos em um pequeno e precioso

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1 O festivo desembarque da Princesa Leopoldina no dia 6 de novembro de 1817, Franz Joseph Frühbeck, nanquim e aquarela sobre papel 14,3 x 20,8 cm 2 Panorama do Rio de Janeiro (tomado do Morro do Castelo), c. 1830, Felix Émile Taunay, Auguste Nicolas Nepveu (editor), água-forte, água-tinta impressa em bistre e azul celeste, aquarela, guache e pochoir sobre papel, 21,6 x 101,7 cm

volume encadernado, de 11 x 15 cm, são também destaque do acervo. Chamam atenção, especialmente, as imagens de interiores. Outra raridade da coleção Martha e Erico Stickel é o álbum de Manuel de Araújo Porto-Alegre (1806-1879), pelo pouco que se conhece de suas aquarelas do Brasil. Aluno de Jean-Baptiste Debret na Academia Imperial de Belas-Artes do Rio de Janeiro, o pintor, jornalista, escritor, político e diplomata brasileiro – entre muitas das atividades que exer-

ceu – viajou com seu mestre e amigo francês para a Europa, em 1831, onde foi aprimorar os estudos. Um conjunto que reúne aquarelas e aguadas de paisagens e outros motivos, como anjos ou estudos para pinturas históricas, forma o álbum, em tamanho a4, que inclui ainda esboços em grafite, poemas e cartas, entre elas uma escrita pelo pintor parisiense barão Antoine-Jean Gros. Dois outros artistas com uma presença considerável de obras na coleção Stickel são o pintor italiano Edoardo

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de Martino (1838-1912), que viveu sete anos no Brasil, sendo designado por dom Pedro ii pintor oficial na Guerra do Paraguai, e a pintora inglesa Marguerite Tollemache. Ele, com 72 estudos e desenhos de batalhas e embarcações, quase

todos em grafite. São registros bastante raros, como o da Batalha de Itororó, de 1869, em preto e branco. Ela, com 40 desenhos em grafite e nanquim, de tamanhos variados, que ainda estão sendo estudados pelo ims.

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1 Baía do Rio de Janeiro a partir de São Domingos, Rio de Janeiro, 13 de abril de 1855, Marguerite Tollemache, grafite e crayon branco sobre papel 23,1 x 59,7 cm 2 Mata virgem, c. 1831-1837, Manuel de Araújo Porto-Alegre, grafite, aquarela e crayon vermelho sobre papel, 21,1 x 29,9 cm

O advogado de prestígio Erico João Siriuba Stickel (1920-2004), filho de imigrantes alemães, foi, junto com sua mulher, Martha, um dedicado colecionador de arte brasileira. O casal tinha um olhar firmemente voltado para o panorama, exemplo disso são as duas aquarelas do Rio de Janeiro assinadas por Henry Chamberlain, as seis gravuras de Alfred Martinet, as duas gravuras de Frederic Haguedorn que retratam a enseada de Botafogo e a entrada da Baía

de Guanabara com o Pão de Açúcar, e o panorama tomado do Morro do Castelo de Felix Émile-Taunay, imagem exibida em Paris, em 1824, na rotunda do bulevar des Capucines. A presença de tantos panoramas na coleção motivou a realização da exposição Panoramas: a paisagem brasileira no acervo do Ins­ tituto Moreira Salles, no Rio de Janeiro, em 2011, e em São Paulo, em 2012. A partir de um recorte temático, o popular espetáculo dos panoramas, o público

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pôde apreciar quase 300 obras – entre fotografias, aquarelas, desenhos e gra­ vuras – que retratam o Brasil de 1820 a 1920 e que contribuíram para a formação da imagem do país e sua divulgação no exterior. A exposição foi acompanhada de um livro que, além das imagens, reúne textos que problematizam e aprofundam a discussão em torno dos temas abordados. O conjunto apresenta obras já familiares aos estudiosos e ao público em geral de artistas viajantes indispensáveis para o estudo da iconografia brasileira, como Johann Moritz Rugendas, o já citado Chamberlain, Frederico Guilherme Briggs, Eugéne Cicéri, Iluchar

Desmons, Luiz Schlappriz, Jan Frederik Schütz, Karl Wilhelm von Theremin, Carlos Linde e muitos outros. Há ainda uma quantidade considerável de trabalhos de autores não identificados ou mesmo desconhecidos, em fase de pesquisa. É o caso da vista em prospecto da Bahia de Todos os Santos, uma raridade datada de 1810. Como este, há registros de Recife, Salvador, Porto Seguro, Ouro Preto, Goiás, Sorocaba, Florianópolis e um grande grupo de imagens do Rio de Janeiro. São obras importantes para o estudo da iconografia do Brasil do século xix.

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Paul Harro-Harring (1798-1870)

O conjunto é formado por 24 aguadas da série Esboços tropicais do Brasil (Tropical sketches from Brazil), produzidas pelo dinamarquês Paul Harro-Harring (17981870) durante sua primeira visita ao Rio de Janeiro, de 2 de maio a 5 de agosto de 1840. Elas foram adquiridas pelo embaixador Walther Moreira Salles 125 anos depois, em 1965, na França. Além da importância histórica e estética, as obras facilitam e incentivam a pesquisa, abrindo possibilidades de relação entre

os acervos, não só no que diz respeito às imagens, mas também a outros temas, como a escravidão. Pintor, poeta, escritor e político com ideais revolucionários, Harro-Harring estava com 41 anos quando veio ao Brasil como enviado especial do semanário abolicionista inglês The African Colo­ nizer, para observar e relatar a condição dos escravos. O jornal durou apenas um ano e publicou apenas uma aquarela da série, em 16 de janeiro de 1841 – La ne­

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1 Ilhas de Sant’Anna, desembarque de escravos negros, c.1840, Paul Harro-Harring, nanquim, aquarela e guache sobre papel, 22,6 x 34,2 cm

gresse accusée de vol (A negra acusada de roubo). A imagem foi acompanhada de um depoimento, recuperado pelo Instituto Moreira Salles nos arquivos da British Library, em Londres, em 1996. Texto e imagem não deixam dúvidas de que o contato do artista com a escravidão o marcou profundamente. “Voltei para o meu lar europeu e a minha solidão, tão logo os negócios que me levaram ao Rio de Janeiro o permitiram, mas ainda refletindo sobre o ocorrido. (…) Não conseguia retomar meus afazeres normais. Era como se a mão de um pintor se visse impedida de trabalhar, em virtude de suas amargas lembranças. O duro destino do povo negro, eternamente exposto ao extremo insulto e à baixeza dos brancos, me perseguia.” Embora contenham cenas do cotidiano nas ruas, indumentárias e paisagens, a maior parte das imagens registradas por Harro-Harring tem forte tom de denúncia dos maus- tratos dos cativos e da exploração no trabalho. Apesar da indignação, criou um forte vínculo com o Brasil, e retornou em duas outras oca-

siões: em 1842, por 15 meses, quando se encantou pelas rebeliões contra a monarquia; e entre 1854 e 1855, possivelmente como refugiado político, como evidencia a correspondência remetida à família do fotógrafo suíço radicado no Rio de Janeiro George Leuzinger. O jovem formado em pintura na Academia de Belas-Artes de Dresden provou ser multitalentoso, mas, acima de tudo, um libertário que se entregou às artes e à política com paixão, inquietação e romantismo. Aderiu a várias rebeliões da sua época – na Grécia, na Rússia, na Alemanha, na França –, viajou por diferentes continentes, fundou mais de um jornal revolucionário, pintou prolificamente e escreveu muitos livros, entre eles aquele que é considerado seu melhor romance, Dolores – ein Charaktergemaelde aus Sue­ damerika (Dolores – Um perfil típico da América do Sul). Atormentado por problemas mentais e mania de perseguição, Paul Harro-Harring suicidou-se bebendo um chá em que havia triturado cabeças de fósforos, na ilha inglesa de Jersey, no dia 25 de maio de 1870.

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john ogilby (1600-1673)

O escocês John Ogilby foi professor de dança, dono de teatro e tradutor. Conquistou prestígio na área editorial – em 1661 tornou-se impressor do rei – e, a partir de 1669, passou a editar uma série de atlas e estudos geográficos com a intenção de cobrir grande parte do mundo. Traduziu, editou e publicou livros sobre a China, o Japão, a África, a Ásia e a América. Como

muitos outros editores da época, valeu-se de obras de outros autores para realizar as suas. Seu livro America é uma tradução do clássico de Arnoldus Montanus, publicado em 1671 na Holanda, com o acréscimo de mapas das colônias britânicas Maryland, Jamaica e Barbados. No arquivo do ims, há um conjunto de 46 mapas e vistas que fizeram parte

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dessa edição. Neles, as terras americanas foram descritas detalhadamente, assim como a visão, muitas vezes fantasiosa, sobre seus habitantes, seus costumes, sua fauna e sua flora. A seção do livro refe­rente ao Brasil é composta por 16 mapas e 30 vistas de cidades como Olinda e Salvador.

1 Brasilia, c. 1671, John Ogilby, água-forte sobre papel, 40 x 48,8 cm 2 Urbs Salvador, c. 1671, John Ogilby, água-forte sobre papel, 41,3 x 47,9 cm

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Livros e catálogos  320 serrote  326 Internet  330

Editorial 321


Livros e catálogos

Publicar livros tem sido parte do leque de atividades do Instituto Moreira Salles desde sua criação. Na verdade, antes mesmo de sua criação. Em 1983, o primeiro projeto do Instituto Walther Moreira Salles, instituição que antecedeu o ims, tinha caráter editorial: a História geral da arte no Brasil, uma obra de referência incontornável em dois volu­mes, coordenada por Walter Zanini e publicada em parceria com a Fundação Djalma Guimarães. Desde sua funda­ção, em

1992, o ims tem buscado desenvolver projetos de fôlego na área editorial, relacionados majoritariamente àqueles recortes da memória cultural brasileira em que o ims concentra suas atenções – fotografia, música e literatura. No campo literário, merece destaque a longa série dos Cadernos de Literatura Brasileira, com 27 volumes publicados desde 1997. Concebidos e editados por Antonio Fernando De Franceschi, os Cadernos são, de fato,

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obras de referência sobre nomes centrais da literatura brasileira, contendo ensaios e depoimentos escritos especialmente para a publicação, manuscritos e outros materiais inéditos e álbuns fotográficos, cronologias e bibliografias compiladas com minúcia. De início, dedicavam-se apenas a autores vivos, como João Cabral de Mello Neto, Hilda Hilst, Raduan Nassar ou Adélia Prado. A partir de 2002, os Cadernos passaram a contemplar também nomes clássicos das nossas

letras, com destaque para os belos números dedicados a Euclides da Cunha, Clarice Lispector, João Guimarães Rosa, Machado de Assis e Carlos Drummond de Andrade. Ainda no mesmo campo, o ims publi­ ­ca, sem regularidade, livros concebidos a partir dos documentos depositados no acervo literário da própria instituição. Como exemplos dessa linha editorial, basta citar três títulos. Antigos e soltos: poemas e prosas da pasta rosa (2008),

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de Ana Cristina Cesar, é uma edição fac-similar de parte dos manuscritos da poeta carioca, com texto estabelecido e comentado por Viviana Bosi, da Universidade de São Paulo. Mandacaru (2010) é um livro de poemas que Rachel de Queiroz escreveu ainda antes de sua estreia narrativa com O Quinze; Elvia Bezerra, coordenadora de literatura do ims, localizou os originais, estabeleceu o texto e assinou o ensaio introdutório. Finalmente, Eucanaã Ferraz organizou uma bela edição fac-similar do exemplar

de Alguma poesia que pertenceu a Carlos Drummond de Andrade, acompanhada de um exaustivo dossiê da recepção crítica do livro na altura de 1930. No campo musical, o Instituto Moreira Salles vem se dedicando há vários anos à edição dos manuscritos de Pixinguinha, depositados em comodato junto ao ims. Conduzido por Bia Paes Leme, o projeto resultou até agora em dois conjuntos de partituras: Pixin­ guinha na pauta, reunindo 36 arranjos para o programa de rádio O Pessoal da

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Velha Guarda, e Inéditas e redescobertas, conjunto de 20 composições inéditas ou injustamente esquecidas. Publicados em parceria com a Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, os dois primeiros volumes serão sucedidos, ainda em 2013, por outros dois conjuntos de arranjos para banda e para pequena orquestra. Finalmente, vale citar um projeto na fronteira entre o popular e o erudito: O boi no telhado – Darius Milhaud e a música brasileira no modernismo francês, organizado por Manoel Aranha Corrêa do Lago, revisita de modo exaustivo o encontro de música popular e composição de vanguarda que se deu em O boi no telhado, peça orquestral de 1920 que Darius Milhaud criou após uma longa e frutífera temporada carioca. Outra vertente importante é constituída pelos catálogos das exposições organizadas pelo ims, vários dos quais concebidos de saída como obras de referência. É o caso, por exemplo, de O Brasil de Marc Ferrez (2005), O Brasil de

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Marcel Gautherot (2001), As construções de Brasília (2010) ou Panoramas – A pai­ sagem brasileira no acervo ims (2011), para citar quatro mostras concebidas a partir das coleções fotográficas do ims. Mas é o caso também de catálogos de exposições como Saul Steinberg: as aven­ turas da linha (2011), dedicada à obra do genial desenhista romeno, naturalizado norte-americano; William Kentridge: fortuna (2012), fruto de uma grande retrospectiva do artista sul-africano; ou A vida em movimento (2013), monografia dedicada ao fotógrafo francês Jacques Henri Lartigue, publicada em português e francês por meio de uma associação com a editora parisiense Hazan. Como não poderia deixar de ser, parte significativa da produção editorial do ims é fruto do empenho em dar visibilidade a uma coleção de fotografia brasileira em constante expansão. No espírito do “museu imaginário” de que

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falava Malraux, um número crescente de monografias vem tratando de divulgar a obra dos fotógrafos representados no acervo fotográfico da instituição, ora com feição mais retrospectiva, ora em recortes mais ensaísticos. É o caso dos volumes de porte médio sobre aspectos da obra de Marcel Gautherot (Norte e Paisagem moral, ambos de 2009), Hildegard Rosenthal (Metrópole, 2010), Otto Stupakoff (Sequências, 2009), José Medeiros (Cinefotorama, 2009) ou Carlos Moskovics (Cara de artista, 2009). Sempre no âmbito da fotografia, vale destacar alguns projetos monográ­ ficos de maior fôlego: Brasília (2010), obra exaustiva sobre as imagens que Marcel Gautherot capturou durante a construção da nova capital brasileira. Lançado no Brasil no aniversário dos 50 anos da cidade, o livro foi também publicado em inglês com o título de Building Brasilia, aos cuidados da editora lon-

drina Thames & Hudson, com a qual o ims mantém uma parceria duradoura; e As origens do fotojornalismo no Brasil – Um olhar sobre O Cruzeiro, 1940-1960, levantamento cuidadoso das primeiras décadas de fotojornalismo no Brasil, na órbita da revista O Cruzeiro. Finalmente, mencionem-se também projetos de obras de referência – como o Dicionário histórico-fotográfico brasi­ leiro (2002), de Boris Kossoy, ou Conta­ tos, livro sobre a agência Magnum em seus anos mais gloriosos – para que assim se forme uma ideia bastante completa e precisa do espírito que anima as edições do ims. Samuel Titan Jr. | coordenador executivo

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instituto moreira salles

Walther Moreira Salles (1912-2001) Fundador

diretoria executiva

administração Flávio Pinheiro Superintendente Executivo

João Moreira Salles Presidente

Samuel Titan Jr. Jânio Gomes Coordenadores Executivos

Gabriel Jorge Ferreira Vice-Presidente

Odette J.C. Vieira Coordenadora Executiva de Apoio

Mauro Agonilha Raul Manuel Alves Diretores Executivos

Elvia Bezerra Coordenadora | Literatura

conselho de administração João Moreira Salles Presidente Fernando Roberto Moreira Salles Vice-Presidente Gabriel Jorge Ferreira Pedro Moreira Salles Walther Moreira Salles Junior Conselheiros

Luiz Fernando Vianna Coordenador | Internet Bia Paes Leme Coordenadora | Música Sergio Burgi Coordenador | Fotografia Thyago Nogueira Coordenador | Fotografia contemporânea Heloisa Espada Coordenadora | Artes Julia Kovensky Coordenadora | Iconografia Marília Scalzo Comunicação Elizabeth Pessoa Odette J.C. Vieira Vera Regina Magalhães Castellano Coordenadoras | Centros culturais


Capa Fotografia de Robert Polidori

Coordenação editorial Samuel Titan Jr. Editores-assistentes Cadão Volpato e Flávio Cintra do Amaral Textos Flávio Pinheiro, Guilherme Wisnik, Sergio Burgi, Thyago Nogueira, Bia Paes Leme, Elvia Bezerra, Julia Kovensky, Samuel Titan Jr., Paulo Roberto Pires, Luiz Fernando Vianna, Cadão Volpato, Flávio Cintra do Amaral, Helena Londres e Sergio Rodrigues Projeto gráfico Mayumi Okuyama Preparação e revisão Andressa Veronesi e Juliana Miasso Produção gráfica Acássia Correia Assistente editorial Denise Pádua Tratamento de imagens Jorge Bastos

Agradecimentos Armando Freitas Filho, Eneida Serrano, Gonçalo Ivo, Guilherme Wisnik, Lucia Riff, Luis Mauricio Drummond, Noni Ostrower, Patricia Newcomer, Pedro Drummond

Créditos de imagens p. 208 – Fundação Casa de Rui Barbosa/Arquivo-Museu de Literatura Brasileira/Arquivo Carlos Drummond de Andrade p. 221 – Paulo Galante/Correio do Povo pp. 253, 257 e 260 – © Foto Alécio de Andrade, adagp, Paris. Cortesia Instituto Moreira Salles, Rio de Janeiro O Instituto Moreira Salles envidou todos os esforços para identificar detentores de direitos corretamente e agradece toda informação suplementar a respeito

Tiragem: 500 exemplares | Papel: Pólen bold 90 g/m2 | Fonte: dtl Documenta | Impressão: Ipsis Gráfica e Editora




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