Poesia marginal – palavra e livro

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Poesia

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mar nal organização

Eucanaã Ferraz

palavra e livro


Ana Cristina Cesar, serrinha do Alambari, c. 1970 | Acervo ims


poesia marginal



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Poesia

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mar nal organização

Eucanaã Ferraz

palavra e livro


su m รก r i o


7 Apresentação No centro, Eucanaã Ferraz

11 ensaio Quantas margens cabem em um poema? – Poesia marginal ontem, hoje e além, Frederico Coelho

43 portfólio conversas

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Poesia hoje, com Heloisa Buarque de Hollanda, Ana Cristina Cesar, Geraldo Eduardo Carneiro e Eudoro Augusto

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No ims, com Francisco Alvim, Charles, Chacal e Heloisa Buarque de Hollanda

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no tempo

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BREVE BIBLIOGRAFIA


apres


No centro

sentação Duda Machado, Stephen Berg e Zé Simão no Café de Classe, localizado, à época, na rua da Passagem, em Botafogo, Rio de Janeiro, c. 1970.

Numa de suas canções mais conhecidas – “Vapor barato”, parceria com Jards Macalé –, Waly Salomão cravou: “Eu não preciso de muito dinheiro”. A senha para aqueles dias estava dada: valia mais o afeto que a grana. E era urgente que se dissesse isso; que se espalhasse isso; que se fizesse disso um ato. A poesia pegou a trilha da canção e, num tempo dominado pelo horror e pela brutalidade, fez-se “por fora”, “na margem”. Sabia-se na carne – literalmente – o que se sabe: que toda palavra é ação e toda ação é política. Fazendo o ato poético crescer para fora de seus limites convencionais – a margem pode ser, muitas vezes, mais vasta do que se imagina –, os poetas misturaram poesia e futebol, poesia e carnaval, poesia e música, poesia e artes plásticas, poesia e teatro, trazendo ao território da palavra tudo o que expressasse a urgência de contrapor à solidão o companheirismo, à incerteza a esperança, à violência a alegria, ao autoritarismo a liberdade, à morte a vida. Mas a poesia marginal não fugiu dos livros. Antes, fez deles instrumento privi­ legiado. Sem “muito dinheiro”, os autores inventaram meios de editar ao largo das editoras, pouco receptivas a um gênero nada comercial. O objeto falava por si mesmo. Havia algo de guerrilha, de panfleto. Tudo começou com o mimeógrafo, na época o principal equipamento de repro­ dução de textos nas escolas, que logo serviria ao movimento estudantil para espalhar mensagens políticas. Mas que poetas utilizassem estêncil e álcool para fazer livros era algo imprevisto. Desde esse início, portanto, política e pobreza definiram a atitude da poesia no circuito dos chamados bens culturais. Em seguida, passou-se a utilizar o xerox (o nome da marca acabou se convertendo no nome do processo), e não tardaria a chegada do ofsete. Muito embora esta última fosse a técnica empregada pelas grandes editoras, é fundamental observar que os poetas marginais continuaram mantendo algo daquela pobreza a que me referi: uso de grampos em vez de costura; envelopes e sacos em vez de encadernação; papéis de baixo preço e mesmo considerados toscos, como o kraft; impressão em, no máximo, duas cores;


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emprego de instrumentos estranhos ao meio editorial, como o carimbo, comum em escritórios e repartições públicas. Se a produção gráfica pobre obedecia a uma condição inevitável – fazer livros era algo dispendioso –, não há dúvida de que o baixo custo representava também uma escolha: o livro mais barato era mais acessível e, portanto, poderia alcançar mais leitores; opunha-se de cara ao livro caro, ao objeto requintado da alta cultura, às soluções típicas do esnobe mercado editorial. O livro barato era um objeto político: antiburguês. Não é por acaso que “barato” era uma das gírias da época, usada para qualificar algo excelente: uma coisa muito boa era “um barato”, “um barato total”, “o maior barato”, “um grande barato”. Aqueles livros pobres construíram, no entanto, uma estética singular, surpreendentemente inovadora e sofisticada. Como linguagem – basta vê-los hoje –, são, sem dúvida, ricos, porque carreiam diversos significados, espelhando graficamente seus conteúdos: o verso veloz, insolente, próximo da fala cotidiana, com o humour e a ironia vizinhos à confissão áspera ou a certa sensibilidade romanesca. Tradição literária, vanguardas, mundo pop, tudo tinha lugar. Penso rapidamente em alguns exemplos. A fugacidade e a pressa dos versos de Chacal podem ser vistos nas linhas do desenho de Picasso, apropriado com perfei­ ção nas capas da trilogia Nariz aniz, Boca roxa, Olhos vermelhos, em projeto de Luis Eduardo Resende, que vão ao requinte de trazer os poemas impressos de acordo com as cores citadas nos títulos. Ou, também de Chacal, a capa de América, assinada por Rogério Martins, o Dick, em que simplicidade e repetição conseguem um efeito escultural sem qualquer artif ício de luz ou sombra, e a cor chapada parece igualar todos os sujeitos na multidão. Perpétuo socorro, livro de Charles Peixoto, traz outra capa de Dick na qual a fotografia alcança um efeito dramático, ou, pode-se dizer, melodramático, fazendo ver em sua intensidade plástica um retrato emotivo de seu contexto histórico, marcado sobretudo pela ditadura militar. Outro excelente exemplo é Coração de cavalo, também de Charles, em cuja capa, de Ana Luisa Escorel, fundem-se o pop e o kitsch, remetendo ainda às linguagens do cinema e das revistas de entretenimento. Na corda bamba, de Cacaso, teve versões datilografada, em xerox e em ofsete, sempre com a mesma dimensão reduzida e o uso dos desenhos feitos por seu filho, como se o livro confrontasse a brutalidade com a graça e a deli­ cadeza. Nicolas Behr avançou a ponto de atuar, a um só tempo, como editor, impressor, programador visual, ilustrador e poeta. O resultado é um caso à parte no quadro da poesia marginal – para além do fato de ele ser um marginal vivendo tão distante do Rio de Janeiro –, tanto pela inventividade de suas soluções gráficas


quanto pela capacidade de fazer delas uma espécie de paródia à exacerbação plástico-racionalista de Brasília. Os desenhos de Zuca Sardan são um evento extraordinário, pois se realizam como parte integrante dos poemas, o que refaz em moldes as próprias noções de escrita e de ilustração. Registro, por fim, que, sobretudo em função de suas pequenas tiragens, tais livros tornaram-se raridades bibliográficas. Uma mirada sobre o conjunto possibilitará uma melhor compreensão da própria poesia marginal, hoje no centro de nossas atenções.

Eucanaã Ferraz

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ensai

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Quantas margens cabem em um poema? – Poesia marginal ontem, hoje e além Frederico Coelho

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“Já sabemos que a civilização está em boas mãos, que a economia está em boas mãos, que o poder passa de boas em boas mãos. E a poesia, está em boas mãos? Esperamos que não.”

Eudoro Augusto e Bernardo Vilhena, Malasartes, 1975. “A palavra ilegal afinal”

Chacal, Preço da passagem, 1972.

Máquina de futuros Em sua Rua de mão única, Walter Benjamin afirma que todo grande escritor faz suas combinações em um mundo que vem depois dele. O filósofo boêmio das ruas europeias lia Baudelaire e encontrava em seus versos uma Paris convulsa e fora do seu tempo. Para ele, o poeta falava de uma cidade que ainda não existia e só iria se concretizar em 1900.1 Dilatando a potência poética desse fragmento, podemos afirmar que a literatura é uma grande máquina de futuros possíveis. Uma máquina cujas engrenagens, mais velozes que a energia que as alimenta, geram descompassos inevitáveis com seu tempo. São os desencontros entre aqueles que vivem da fabulação e os dias práticos do mundo. Nesse sentido, a poesia marginal brasileira dos anos 1970 é, até hoje, uma máquina de futuros. São muitas as possibilidades de reflexão sobre o funcionamento dessa máquina. Suas engrenagens são diversas e sua mecânica envolve componentes hetero­gêneos 1  benjamin, Walter. Obras escolhidas v. ii – Rua de mão única. 5. ed. São Paulo: Brasiliense, 1995.


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no tempo e no espaço. A poesia marginal, apesar de até hoje ocupar um certo lugar que oscila entre o pitoresco e o subalterno no debate cultural brasileiro, tem se tornado, ao longo dos anos, um tema cada vez mais complexo e multifacetado. A abertura e o estudo sistemático de alguns arquivos literários dos poetas do perío­do (como Ana Cristina Cesar no Instituto Moreira Salles ou Cacaso na Fundação Casa de Rui Barbosa), a reunião de obras completas (como os livros de Cacaso, Chacal e Francisco Alvim pela coleção Ás de Colete), as dissertações e as teses que surgem nas pós-graduações ao redor do país, tudo isso faz com que um tema visto por décadas como “menor” ou “menos importante” do que as poéticas das décadas de 1930 e 1960 ganhe massa crítica. O que antes era um objeto unidimensional hoje se abre em caminhos e bifurcações temá­ticas que não param de crescer. A poesia marginal pode, portanto, ser estudada a partir de abordagens que vão além dos estereótipos de uma poesia da “curtição”, do “desbunde” ou do “mimeógrafo”. Essas expressões classificatórias, muitas surgidas ainda na época em que os poemas eram publicados, tiveram sua validade expirada. Atualmente, o debate crítico ao redor do tema envolve intrincadas trajetórias históricas, ligadas não apenas à literatura, mas principalmente ao campo mais amplo da cultura brasileira. Podemos, por exemplo, abordar o tema a partir do seu debate estritamente literário. Profes­ sores universitários e poetas travaram, em várias frentes, contatos e conflitos ao redor das práticas letradas que circulavam nos anos 1970. Esse debate ligado ao âmbito da crítica literária pode nos levar a outro, cada vez mais importante, cuja investigação se interessa pela relação da poesia marginal com a indústria cultural de seu tempo. Afinal, essa é a poesia que surge de uma geração televisiva, influenciada pela música popular, pelo cinema e pelo teatro dos anos 1960. Uma geração imersa em uma cultura de massas e nas primeiras tecnologias de reprodutibilidade eletrônica que circulavam entre nós. Tudo isso em pleno nacionalismo desenvolvimentista do regime militar. Há também, claro, o tema central da constituição de um sistema independente de produção, edição e distribuição de livros e coleções por parte de uma série de poetas. Sua autossuficiência produtiva abriu um profícuo debate sobre o mercado editorial brasileiro. Por fim, sem esgotar as possibilidades de outras abordagens possíveis, temos os próprios poemas como objeto de apreciação crítica – do uso desabusado do verso livre ao poema-piada, da oralidade evidente até a síntese de certas tradições modernistas, da rejeição aos cânones norma­tivos do verso (poesia concreta, poema-processo, poema-práxis e a tradição da engenharia de João Cabral de Melo Neto) à falta de rigor formal etc. Essa variedade de subtemas dentro de um grande tema – a poesia marginal brasileira dos anos 1970 – ganha mais uma camada de dificuldade quando olhamos para o período e percebemos que a poesia marginal abarca uma série de expe­riências distintas, de dicções pessoais e de trajetórias ora confluentes, ora diver­gentes. O recor­te, tarefa básica de qualquer empreitada crítica sobre um tema amplo como esse, será sempre parcial e incompleto. Certamente, o que será escrito nesta apresentação iluminará algumas faces da nossa máquina de futuros para, inevitavelmente, deixar outras temporariamente na penumbra.

p. 10 Apresentação de Chacal, Nanico (violão) e Cristiano Menezes na Artimanha de lançamento da antologia 26 poetas hoje, no parque Lage, Rio de Janeiro, 1976.


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Charles, Chacal, Ronaldo Santos e Bernardo Vilhena, integrantes da Nuvem Cigana, Rio de Janeiro, 1979.

Retrato sem moldura Em 1998, a crítica e professora Heloisa Buarque de Hollanda escreve um posfácio para a segunda edição de sua já histórica antologia 26 poetas hoje, lançada em 1976 pela editora espanhola Labor.2 Vinte e dois anos depois, sua organizadora nos diz, maquinando futuros, que o conteúdo eclético porém certeiro dos poemas ali reunidos por ela (com o auxílio de Francisco Alvim e Cacaso) “ainda não disse tudo a que veio”. Em meio ao furacão de poemas e poetas que circulavam pelo Brasil do “general de ombros largos que fedia”, sonhado por Cacaso, e dos “píncaros de merda”, vislumbrados por Roberto Schwarz, seu livro conseguiu apresentar para a posteridade aquilo que a história literária brasileira passou a chamar de poesia marginal. Hoje, 37 anos depois, a poesia reunida por Heloisa Buarque cada vez mais cumpre sua missão: legar para as futuras gerações o retrato de um momento impor­tante no debate sobre a poesia brasileira. Um retrato que pode ser desigual, transitório, arriscado, mas que efetivamente delimitou para a crítica e o público – e para os próprios poetas – uma espécie de espaço comum de identificação dessa poesia. Na época de seu lançamento, a recepção foi diversa – e desconfiada. A própria antologista, alguns anos depois, escreveu sobre a publicação oscilando entre achar que seu trabalho foi simultaneamente bom e mau.3 Bom, na medida em que 2  hollanda, Heloisa Buarque de. 26 poetas hoje. 4. ed. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2001.

3  hollanda, Heloisa Buarque de. Impressões de viagem – cpc, vanguarda e desbunde. Rio de Janeiro: Brasiliense, 1980, p. 101.


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divulgou a poesia dispersa do período em uma publicação oficial; e mau, porque justamente sua “oficialidade” retirou da poesia marginal seu tônus, isto é, a força contestatória que emergia da forma e dos conteúdos originais dos livros. Mesmo com essas várias leituras de Heloisa Buarque ao longo dos anos, hoje em dia fica evidente o fato de que a antologia levou o público interessado no tema a ler e a pen­ sar a poesia marginal. No âmbito do debate crítico, essa poesia tinha que ser entendida não mais com as ferramentas da tradição. Ela demandava a elaboração de novas ferramentas explicativas. O humor, a oralidade, a postura antirreflexiva sobre o poema, a espontaneidade dos temas escolhidos, tudo isso fazia parte da formação anárquica e interdisciplinar que os novos poetas propunham. De certa forma, esse momento foi decisivo para que os debates literários passassem a ir além dos importantes estudos acadêmicos que estavam sendo produzidos ao redor da obra de nomes consagrados como Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto ou Mário de Andrade. 26 poetas hoje é um momento definitivo em todo esse processo. Da imprensa à universidade, todos deram sua opinião – nem sempre positiva – sobre a compilação. Como analisar um livro tão variado, apresentando diferenças de ideias e idades entre poetas, feito a partir de um clima de “moda” que pairava sobre a poesia jovem e com fortes tons da contracultura do Rio de Janeiro de então? A falta de unidade formal, estilística ou temática não dava aos críticos os instrumentos básicos para se analisar um suposto movimento que ocorria na poe­sia de então. O ímpeto classificatório da cultura acadêmica encontrava na poesia marginal – ou ao menos nos poetas presentes na antologia – um meio inóspito para suas práticas. Levemos em conta que esse era justamente o período em que a teoria estruturalista, a semiótica e outras perspectivas formalistas circulavam com desenvoltura no nosso debate intelectual. Era também o período em que os primeiros estudos do que viria a ser chamado de pós-estruturalismo francês (representado por Jacques Derrida, principalmente) passavam a ditar um novo norte para alguns pesquisadores. Nesse espaço com alto nível de exigência, a poesia marginal e seus poetas eram (ainda) corpos estranhos, e seus versos eram desprovidos de maior substância literária. Em um debate na revista José, publicado ainda em agosto de 1976, essa recepção crítica desconfiada e ansiosa por definições fica evidente. Heloisa Buarque (organizadora), Ana Cristina Cesar, Geraldo Carneiro e Eudoro Augusto (poetas presentes na antologia) tentavam definir para os críticos Luiz Costa Lima, Sebastião Uchoa Leite (também poeta) e Jorge Wanderley um ponto em comum, uma origem, um “embasamento gerador” que movesse em uma mesma lógica os 26 poetas reunidos na antologia.4 O curioso do debate era o ímpeto classificatório que críticos e poetas 4  vários autores. “Poesia hoje”. José, Rio de Janeiro, n. 2, ago. 1976. Vale aqui registrar que a revista José surgiu em meio a uma profusão de publicações com perfis parecidos. Revistas e jornais dedicados à literatura, como Escrita, Anima, Opinião e Argumento, além de suplementos culturais dos grandes jornais, foram espaços constantes para os debates do período. Para uma lista ampla das publicações desse período, ver cohn, Sérgio. Revistas de invenção – 100 revistas de cultura do modernismo ao século xxi. Rio de Janeiro: Azougue, 2011.


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(em menor grau) impunham a si mesmos ao discutir a antologia. Enquanto Luiz Costa Lima apontava a falta de reflexão crítica como um possível ponto de união (negativo) entre todas aquelas poéticas, Ana Cristina Cesar, discordando abertamente dele, sugeria como possível linha de força coletiva uma postura “anticabralina” que, na sua visão, percorria de alguma forma todos os poemas do livro. A retomada do modernismo de 1922, a recusa dos formalismos das vanguardas concretas da década de 1950 ou até mesmo a atualização do romantismo brasileiro também foram arroladas como possíveis pontos de contato entre o ecletismo do grupo. Novamente, só com o tempo percebemos que as fraquezas de momento da antologia (ecletismo, falta de coesão interna de um grupo histórico, precariedade de alguns poemas, tentativa de captar um momento ainda em movimento) são justamente sua potência posterior. O futuro comprovou a necessidade daquele retrato necessariamente sem moldura que, cada vez mais, quebra o peso de um “silêncio” ou de um “vazio” sobre os agentes da época e suas criações. Se na década de 1960 a música popular, o teatro e o cinema foram os pratos principais da cultura brasileira, na década seguinte foi a vez da poesia assumir o proscênio. Fica evidente, portanto, que as contradições inerentes à empreitada de uma antologia em meio a um quadro de poéticas independentes e dispersas são um dado essencial e dizem muito sobre o período. O livro articulou uma produção poética esparsa, feita fora dos circuitos oficiais, muitas vezes relacionada de forma automática ao tema genérico do marginal. Temos uma espécie de espinha dorsal na lista de nomes, formada por três frentes de ação que galvanizaram o debate sobre a poesia marginal nos anos posteriores. A primeira frente é representada pelo grupo da coleção Frenesi, lançada pela editora Mapa em 1974. Seus cinco livros reuniam três


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poetas que desenvolviam seus trabalhos desde os anos 1960 e dois novíssimos nomes. O grupo era formado por Cacaso, Roberto Schwarz e Francisco Alvim, os mais velhos, e os ainda estudantes de letras da puc-Rio Geraldo Carneiro e José Carlos Pádua. A segunda frente era formada pela dupla que representava o grupo histórico da cultura marginal carioca. Desde 1968, Torquato Neto e Waly Salomão articulavam em suas carreiras poesia, música popular, jornalismo, artes visuais, cine­ma e outras áreas de atuação. Se atuavam em meio ditos “oficiais”, eram os que tinham em sua biografia a maior proximidade com um universo marginal. Já a terceira frente apresentada por Heloisa Buarque trazia o elemento mais volátil do período, isto é, a produção que se convencionou chamar de “geração do mimeógrafo”. Ela foi representada pela inclusão de três poetas ligados à coleção (e ao coletivo) Nuvem Cigana: Chacal, Charles e Bernardo Vilhena. Além dessas frentes claramente delineadas em seus perfis históricos, temos os demais poetas, que giravam em outros eixos de referência, como Zulmira Ribeiro Tavares, Afonso Henriques Neto, Vera Pedrosa, Flávio Aguiar, Eudoro Augusto ou Carlos Saldanha. Portanto, ao mesmo tempo em que criou sobreposições contraditórias de poetas com dicções e interesses distintos, a antologia também mapeou e definiu um campo de pesquisa fundamental para a permanência desse momento. O posfácio da organizadora nos mostra, 32 anos depois, que, se 26 poetas hoje não era uma reunião de poesia marginal, foi


sem dúvida fruto da atmosfera transformadora que os ditos “marginais” estavam provocando na cena cultural brasileira de então. Observando dessa perspectiva, talvez hoje seja possível vislumbrar, entre a variedade de poemas e poetas daquele período, uma certa linha de força, vibrando entre todos os versos e reveses escritos e vividos por uma geração definida por algo a mais do que um recorte cronológico. Num país que atravessava um pe­ríodo marcado pelo excessivo controle político, poetas das mais variadas idades e origens constituíram um espaço de atuação cujo ponto em comum foi a não adequação. Uma não adequação ao seu tempo de mortes e milagres. Uma não adequação ao clima de silêncios e responsabilidades compartilhadas por um suposto decréscimo (o vazio) na qualidade cultural do seu país. Uma não adequação que transtornou biografias, que escancarou a situação precária do poeta e do escritor em geral em sua relação com o mercado editorial de seu tempo. Uma não adequação, enfim, de um poeta que trouxe dilemas para a crítica literária do período, que reivindicou uma revisão de práticas e saberes acadêmicos nas universidades, que embaralhou filiações históricas e promoveu a abertura de caminhos ainda não trilhados. Lançaram os dados de futuros do pretérito que, como nos poemas de Baudelaire, tornaram-se futuros do presente. Se a poesia marginal não nos deu um estilo definido no âmbito do poema, sem dúvida definiu para a posteridade um estilo de poeta.

"Possuído da energia terrível" Nos anos 1970, a alcunha marginal tinha, mesmo que aplicada de forma controversa e contraditória, um solo fértil para que o seu sentido criasse raízes profundas no imaginário do seu tempo e pudesse abarcar uma gama muito variada de poéticas e trajetórias em um mesmo feixe de significação. Afinal, o poeta não foi o único que se viu – ou foi visto – à margem do mercado e da vida. Nem foi o único a receber tal rótulo durante o período. Entre 1968 e 1969, ou seja, paralelamente aos marcos fundadores de uma cena poética vinculada ao tema do mimeógrafo e da transgressão editorial, surgiram para o grande público as expressões “cinema marginal”, “arte marginal” e “imprensa marginal”. O filme A margem, de Ozualdo Candeias, foi exibido em 1967. No ano seguinte, saía O bandido da luz vermelha, de Rogério Sganzerla. A bandeira Seja marginal, seja herói, de Hélio Oiticica, seus textos sobre Cara de Cavalo e o desenvolvimento de uma arte marginal (ou antiarte) são de 1968 e 1969. Já o jornal carioca O Pasquim, um dos fundadores da imprensa marginal no país, teve sua primeira edição lançada em 26 de junho de 1969. Nos quatro primeiros anos da década seguinte, apareciam, por fim, a poesia marginal, a literatura marginal e o músico maldito (um derivativo do marginal no campo da música popular). Na música popular, por exemplo, é notório o vínculo – muitas vezes incômodo – entre os trabalhos de nomes como Carlos Pinto, Sérgio Sampaio, Jards Macalé e Luiz Melodia (todos surgidos em 1971 e 1972) e a ideia de

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margi­nalidade. Tal vínculo gerou, na época, a pecha de “músicos malditos”, rótulo que os acompanhou por um longo tempo em suas carreiras.5 Esse excesso notório de “marginalidade” nas diversas áreas de criação cultural indica que, durante um breve período, essa espécie de “subgênero estético” fazia parte dos principais debates intelectuais da época. Um subgênero que se apropriava da multiplicidade da expressão “marginal” para definir seu lugar no espaço cultural brasileiro. Se todo artista que investia em contradiscursos estéticos e comportamentais durante o período do Brasil Potência era considerado marginal, não seriam os poetas que se livrariam dessa acusação. Hoje, ampliando o nosso olhar em torno do tema, podemos compreender com mais acurácia o que se convencionou chamar de “poesia marginal brasileira”. O poeta marginal não pode mais ser definido apenas pelos livros mimeografados que fez (definição a partir do produto), nem apenas pela estreita relação entre poesia, vida e contracultura (definição a partir das biografias), nem apenas pela informalidade de uma poética oriunda das perplexidades cotidianas do jovem urbano brasileiro durante a ditadura militar (definição a partir do tema). O poeta marginal era, naquele período, uma reunião contraditória de todos esses aspectos. Ele fazia parte de um compromisso estético coletivo cerzido ao acaso. Participou de um pacto silencioso entre anônimos, descentralizado em suas intenções, mas contundente em seus atos. Cada um que esteve presente nos livros e eventos ligados à poesia marginal, mesmo sem contatos ou aproximações pessoais, era comprometido com alguma das dimensões que giravam ao redor da representação do transgressor. E naqueles dias de dunas do barato, novelas nacionais, Transamazônicas e bombas no sertão, não faltavam narrativas sociais para definir o perfil público e privado do transgressor: transgressor do mercado editorial oficial, transgressor da linguagem poética estabelecida, transgressor dos cânones estéticos do período, transgressor do comportamento reservado do poeta, transgressor da lei e da ordem, transgressor da luta política “comprometida” contra a ditadura etc. Cada poeta com sua transgressão – ou com todas. De alguma forma, o marginal tem como antípoda aquilo que é central, ou então, em outro sentido, aquilo que é oficial. Mesmo que não exista uma poesia “oficial” sendo produzida no Brasil do período, ela deveria permanecer “em boas mãos”, como provoca a epígrafe deste texto. Os pactos valorativos que circulavam pelo cam­po literário brasileiro definiam claramente que tipo de poesia era ou não considerada literatura. Nos debates críticos da época, como o já referido publicado na revista José em 1976, João Cabral de Melo Neto, Drummond e o modernismo ainda eram as balizas para se debaterem influências e filiações entre poetas marginais. Poucos críticos criaram, naquele momento, a ponte com outros meios que alimentavam a poética da geração, como a música popular, a publicidade e a televisão. 5  Sobre a cultura marginal e seus desdobramentos nos anos 1970, conferir coelho, Frederico. Eu, brasileiro, confesso minha culpa e meu pecado – Cultura marginal no Brasil 1960-1970. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.


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Bandeira de Hélio Oiticica, 1968. pp. 20-21 Charles e criança a caminho de Mangaratiba, nas Barcas S.A., Rio de Janeiro, c. 1970.

Em seu artigo “Os abutres”, Silviano Santiago foi um dos primeiros a esboçar interesse crítico propositivo sobre a produção do perío­do, indo além da tentativa de desqualificação do poema marginal por contraste com nossa tradição moderna. Escrito em 1972 e publicado pela Revista Vozes em 1973, o texto de Silviano enxergou no que chamou de “estética da curtição” os elementos de uma nova atmosfera artística e cultural que alimentavam a poesia dita marginal.6 Não há na afirmação a respeito da transgressão, portanto, nenhuma inocência romântica ligada ao mito moderno do poeta maldito e malquisto em seu próprio tempo. Tal possibilidade heroica do jovem poeta marginal brasileiro como um gauche malcompreendido e descoberto apenas na posteridade já foi desmontada no seu nascedouro. A transgressão, aqui, é afirmativa. Consiste em fazer sua arte no descompasso da expectativa normativa do seu tempo – seja ela textual, editorial ou comportamental. O que estava em jogo para uma série de aspirantes à poesia era a busca de uma voz própria e de um espaço entre a produção literária brasileira. 6  santiago, Silviano. “Os abutres”. In: Uma literatura nos trópicos. 2. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.


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Seu motor principal era serem lidos imediatamente pela sua geração, sem aspirações de fazer parte de um legado da nossa “alta cultura” livresca. Não aceitar os padrões do mercado, da família, da sociedade e da lei eram atitudes tão fundamentais quanto escrever poesia. Eram, aliás, a mesma coisa. Na recusa em se alinhar passivamente ao cânone literário das vanguardas e das tradições brasileiras pós-1945, na impossibilidade de se adotarem os modelos oficiais de produção editorial e na recusa recíproca do cânone e do mercado em aceitá-la, a poesia baseada na transgressão como ponto comum de partida torna-se necessariamente marginal. Essa é, ao menos, a primeira camada dessa tipologia, a primeira possibilidade de leitura da amarração classificatória que o termo “marginal” proporciona a uma ampla e heterogênea produção dos anos 1970. De certa forma, naquele momento, a sensação de marginalidade era quase inerente ao of ício do poeta que iniciava sua trajetória. Mesmo sem afinidades obrigatórias nos poe­mas, muitos traziam aquilo que Bernardo Vilhena e Eudoro Augusto chamaram em artigo publicado em 1975, na revista Malasartes, de “consciência marginal”.7 Se um poeta como Francisco Alvim e suas elipses silenciosas entre as frestas das falas cotidianas não se encaixam no mesmo espaço biográfico que um poeta de verso livre desabusado e acidamente humorístico como Charles, se Waly Salomão investe, em suas primeiras experiências poéticas, na sobreposição da experimentação delirante da linguagem em diálogo permanente com o rigor das vanguardas construtivas dos anos 1950 (concretos e neoconcretos) e Cacaso estabelece sua travessia da empolgação juvenil com a poesia concreta até o seu descarte litigioso em prol de uma poética concisa, direta e lírica, hoje a carreira dos quatro tem como filtro crítico comum, para o bem e para o mal, o compromisso ao redor da transgressão e da não adequação à poesia e à sociedade do seu período. Apesar de terem a autonomia intelectual de suas obras garantida com o passar dos anos, eles continuam poetas que integram uma espécie de paideuma da poesia marginal em livros, publicações e exposições dedicadas ao tema. De certa forma, atualizando sua presença entre a produção poética contemporânea a eles, suas diferenças potencializaram seu compromisso estético à margem, fazendo com que uma espécie de energia transformadora da poesia (a “energia terrível” reivindicada por Waly na sua técnica de “forçar a barra”) fosse emanada através dos tempos para as futuras gerações.8 A variedade de formas, temas e vidas que giram ao redor da expressão “poesia marginal”, surgida nos anos 1970, tornou-se, portanto, um valioso lastro histórico para poéticas que se aproximam não propriamente por meio de um estilo normativo (como o uso obrigatório do soneto na geração de 1945 ou a camisa de força dos 7  Vale registrar que o texto “Consciência marginal”, escrito por Bernardo Vilhena e Eudoro Augusto, foi a primeira tentativa de esboçar uma breve antologia da poesia marginal do período (ao menos carioca). Era uma introdução aos textos de 20 poetas que, em sua maioria, estariam presentes na antologia 26 poetas hoje, organizada por Heloisa Buarque de Hollanda no ano seguinte.

8  Esse trecho de Waly Salomão é retirado do seu poema “Stultifera Navis”, publicado em Navilouca, revista planejada por Torquato Neto e Waly Salomão em 1972, mas lançada apenas em 1974.


dogmas formalistas propostos pela poesia concreta em sua primeira fase), mas sim pela vontade permanente de transgressão e transformação do estabelecido. O fato é que a chamada “poesia marginal”, se nos detivermos em alguns de seus marcos temporais (como os lançamentos dos mimeografados de Muito prazer, de Chacal, e Travessa Bertalha 11, de Charles, ambos em 1971), já ocorreu há 40 anos. Durante muito tempo, ela foi lida – e pensada – como a ala mais “jovem” de nossa história literária, mesmo com a grande diferença de idade entre alguns poetas do período. Era uma espécie de último estágio antes do “contemporâneo”, ou de uma poética sem escolas que vem dos anos 1980 até hoje. A questão jovem, mesmo que seja precária como categoria de análise, é uma das marcas de certo frescor que ainda acompanha a leitura crítica da produção daquele período. Mas nossa história nos mostra que o fato de ser um jovem poe­ta não era necessariamente garantia de que se era um poeta jovem e que, por isso, deveria se levar em conta outras formas de se ler a poesia. Se pensarmos, por exemplo, que Vinicius de Moraes publicou seu primeiro livro, O caminho para a distância, aos 20 anos (1933), e que sua poesia não era relacionada a uma temática jovem nem reivindicada como tal pelo autor (mal se pensava então no jovem como identidade cultural), percebemos que o “jovem” da poesia marginal tem papel funda­mental na sua apreciação. Hoje, claro, essa temática que foi utilizada para o bem e para o mal ganha a perspectiva crítica proporcionada pela distância no tempo. Se seus poetas não são mais jovens, o frescor “juvenil” da sua escrita ainda é reivindicado em algu­ mas leituras sobre suas obras. São os temas eleitos e suas biografias avessas ao lugar comum do poeta – universidade, editor, emprego público ou diplomata – que marcam as obras do período, apesar de termos entre o grupo marginal poetas que saíram da universidade, além de editores e embaixadores. O tempo, porém, se encarrega de fornecer ao pesquisador uma perspectiva crítica em cuja leitura a poesia dos anos 1970 abandona sua eterna puberdade e ganha o peso da história. A juventude, a transgressão, a marginalidade apresentam outros contornos quando analisamos essa época e essa poesia munidos de uma série de informações produzidas a posteriori. A própria exposição que este catálogo apresenta é uma mostra de certo processo de consagração do tema, de seus nomes e de suas obras. Vistos como precários e fugazes quando foram lançados, seus livros, mimeografados ou de coleções independentes, tornaram-se peças auráticas na trajetória de poéticas hoje maduras. São vistos como relatos valiosíssimos de um tempo em que a poesia era, mesmo marginal, o assunto do dia entre uma certa população do país.

A margem dos poetas Como dito anteriormente, é notório que no Brasil dos anos 1970 a temática do marginal não ficou restrita ao campo da poesia e da literatura. Repensar o estatuto da palavra “marginal” e entender os seus múltiplos significados que circulavam no

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período entre os agentes culturais, em cidades como o Rio de Janeiro, São Paulo ou Salvador, é uma boa forma de ampliarmos as possibilidades de leitura acerca da poesia e do seu estatuto de marginalidade. Afinal, temos uma série de consensos sobre o que não permite que definamos a poesia marginal, já que seu ecletismo de poetas e poéticas torna dif ícil qualquer certeza para além de serem, todos, “margi­ nais”. Sabemos que a idade não é um eixo de explicação satisfatório para se criar uma unidade entre os poetas. Sabemos também que a contracultura, apesar de ressoar nos poemas de alguma forma, não era o estilo de vida hegemônico entre todos. O verso livre ou o poema-piada também não podem ser os índices definidores da marginalidade desses poetas. Se, como afirmamos, a transgressão em seus múltiplos aspectos era uma mola-mestra em comum, era a partir dela que a representação do marginal se encaixava nos mais variados poetas. Essa reflexão crítica sobre o uso do termo “marginal” para se definir um recorte da poesia feita nos anos 1970 já se encontrava em textos seminais sobre o tema, escritos ainda no período por críticos, poetas e críticos-poetas, como Heloisa Buar­ que de Hollanda, Silviano Santiago, Ana Cristina Cesar e Cacaso. Ainda naquele primeiro momento, era evidente nesses autores a oscilação entre o uso passivo do termo “marginal” e o seu questionamento crítico. Já em 1972, por exemplo, Silviano Santiago ouve o canto transgressor de livros como Me segura qu,eu vou dar um troço, de Waly Salomão, e Os morcegos estão comendo os mamões maduros, de

Antologia do poeta brasiliense Nicolas Behr, Haja saco (1979), publicada em edição mimeografada e composta por quatro livros: Elevador de serviço, Saída de emergência, Entre quadras e Parto do dia. (15,5 x 10,5 cm)


Gramiro de Matos, e levanta a relação entre poesia e marginalidade. O crítico indica um “marginalismo criativo” que dificultava a entrada dos novos poetas e escritores na história da literatura brasileira.9 Os artigos e livros dessa primeira geração de críticos da poesia marginal foram as principais contribuições reflexivas de primeira hora sobre o tema. E elas foram feitas exatamente pelos que acompanharam de perto o fenômeno histórico e que, ao mesmo tempo, faziam parte dele (no caso de Heloisa, Ana Cristina e Cacaso). Eles participavam simultaneamente como comentadores críticos e como produtores de textos poéticos, coletâneas e coleções. Até há pouco tempo, esses eram, ao lado dos de pesquisadores da nascente década de 1980, como Carlos Alberto Messeder Pereira, Glauco Mattoso, Armando Freitas Filho, Marcos Augusto Gonçalves e Flora Süssekind, os principais textos do período para se estudar o tema da marginalidade no âmbito da literatura. Suas análises críticas estavam, para o bem e para o mal, impregnadas de pessoalidade e de uma perspectiva aguda dos problemas literários e editoriais do seu tempo. E foi justamente a força desse fazer articulado a um pensar que permitiu à poesia marginal permanecer ressoando entre gerações e mantendo em funcionamento sua máquina de futuros. Se em 1976 Heloisa Buarque teve de argumentar a existência de um liame mínimo para enfeixar em uma mesma lógica histórica dicções e práticas poéticas distintas, hoje não precisamos mais necessariamente reduzir suas potências, qua­li­ dades e limites a um denominador comum. Não é mais necessário entender a poesia marginal como um movimento literário organizado ou como um padrão unívoco de produção. A oferta atual de obras e pesquisas traz os variados contornos desse bloco monolítico durante muito tempo chamado de “poesia marginal”, que pode ser visto sob novas luzes, a partir de outras significações. Desarmada a perspectiva macrocósmica, montamos um grande quebra-cabeça feito de pequenas peças. São relatos, documentos, memórias e outras fontes que iluminam essas pequenas peças e fornecem sentido para uma visão ampla, mesmo que fraturada. Já é possível, por exemplo, estudar as longas trajetórias de alguns poetas até hoje em atividade – no caso de um Chacal ou de um Francisco Alvim – ou analisar aquele momento na encapsulação de um desfecho abrupto e interrompido – no caso de Torquato Neto, Guilherme Mandaro ou Ana Cristina Cesar, três nomes que se suicidam ainda jovens.

Mimeografias A busca de novos caminhos formais, editoriais, visuais, temáticos e profissionais fez com que os poetas da virada dos anos 1960 e 1970 fossem filtrados em uma categoria cuja origem é bem delineada no seu aspecto sociológico: o poeta é marginal porque escapa das limitações comerciais do mercado editorial oficial e publica seus poemas 9  santiago, Silviano. Op. cit., p. 135.

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de forma artesanal ou independente. Ele é, enfim, o representante de uma “geração mimeógrafo”. Relacionar a poesia do período ao termo “geração mimeógrafo”, porém, é uma forma redutora de falar dos poetas marginais, pois limita a expe­riência transgressora e renovadora da poesia do período ao seu suporte material. O fato de alguns poetas utilizarem o mimeógrafo como tecnologia mais à mão para a produção dos livros artesanais demonstra um recurso contingente – e não estratégico, deliberadamente provocador ou vanguardista – para a reali­zação do ato básico de um poema: ser lido. Jovens sem perspectivas de ser publicados por uma editora encontraram no mimeógrafo a saída prática – e não metaf ísica – de sua poesia urgente. Sem pensar a que circuito atingiriam ou que público se interessaria por eles, transformavam sua poesia em mercadoria e iniciaram uma nova forma de lidar com a autonomia criativa do artista diante da indústria cultural do seu tempo. Se a autoedição não era uma novidade plena entre poetas (Francisco Alvim, por exemplo, publicou de forma independente, em 1968, o seu Sol dos cegos), naquele momento de silêncios e restrições da década de 1970, inventar uma nova forma de produção era um sintoma de vitalidade em um mar de conformismos. E não foram poucos os que pensaram e anunciaram isso. Em artigo no jornal Opinião, de 2 de junho de 1976 (“Nove bocas da nova musa”), Ana Cristina Cesar evoca o sistema literário de Antonio Candido e sua relação autor-obra-público para destacar a precariedade da poesia na política editorial do período.10 Já Cacaso, em artigo dedicado à poesia de Chacal e publicado na revista Almanaque em 1978 (“Tudo da minha terra”), enfatiza a “marginalização material” do poeta daquela geração ao assumir riscos de edição e distribuição.11 Para ambos, era cristalino que a definição de uma marginalidade na poesia do seu tempo – e nas suas próprias produções – passava pela questão editorial e pela busca de independência por parte do poeta. Ser lido, ter sua poesia ao alcance do leitor, era tão ou mais fundamental para os poetas do que demarcar algum tipo de posição política ou estética. Afirmar aqui, portanto, a contingência do mimeógrafo é afirmar não sua fraqueza, mas sua força. Tal saída engenhosa teve como um dos principais respon­ sáveis o poeta e professor de história Guilherme Mandaro. Segundo seus amigos Chacal, Ronaldo Santos e Charles (núcleo de poetas que, ao lado de Bernardo Vilhena, integravam em 1976 o coletivo Nuvem Cigana), era Mandaro quem organizava e demandava deles um compromisso crítico e produtivo ao redor da poesia. Era 1971 quando, de forma prática, ele ofereceu a Chacal e Charles a solução para a publicação de seus primeiros livros: um mimeógrafo que existia em um curso de pré-vestibular em Copacabana. Ligado a movimentos políticos estudantis da época, Mandaro sabia que o mimeógrafo era uma forma barata, rápida e eficiente para fabricar e distribuir panfletos e textos. A ocasião proporcionou os meios, mas 10  cesar, Ana Cristina. “Nove bocas da nova musa”. In: Crítica e tradução. Rio de Janeiro: Ática/ ims, 1999. 11  cacaso (Antônio Carlos de Brito). “Tudo da minha terra”. In: Não quero prosa. São Paulo/Rio de Janeiro: Unicamp/ufrj, 1997, p. 23.


Charles Peixoto na estrada, Rio de Janeiro, c. 1970. pp. 28-29 Obra de Ronaldo Bastos e Dionísio Oliveira na página 20 do Almanaque Biotônico Vitalidade (1976), publicado pela coleção Nuvem Cigana.

não os fins. Nos anos seguintes, todos os poetas mimeografados veriam seus poemas sendo editados em livros bem acabados por editoras independentes ou comerciais. Não havia, portanto, uma guerra aberta ou a vontade de ser ideologicamente contra as editoras. A precariedade e o artesanato eram etapas inovadoras na libertação da poesia e do poeta, mas não eram necessariamente um princípio dogmático. Deslocando o rótulo de sua função taxionômica para uma função ilustrativa, a “geração mimeógrafo” não foi um movimento, mas sim uma motivação. Sem planejamento prévio, ela decorreu de uma solução técnica precária, porém eficiente, para se superar a dificuldade de um jovem poeta – ou de qualquer idade, iniciando sua carreira – em publicar seus poe­mas por meio de uma editora. Quando publicou seu livro Muito prazer, Chacal tinha apenas 20 anos e nenhuma história prévia com poesia em sua vida. Charles, apesar do sobrenome Ronald de Carvalho, também não havia publicado nada em seus 23 anos. Para esses poe­ tas, a informalidade e a liberdade de inventar o seu sistema pessoal de distribuição não eram uma meta em si, mas uma necessidade concreta. Um risco a mais em um país de jovens que viviam as experiências locais da contracultura internacional e nunca puderam esperar muito mais do que a margem. E é preciso ressaltar que os livros de mimeógrafo não foram nem os primeiros independentes da geração, nem os que inauguraram uma manufatura quase artesanal na nossa história editorial. A prensa particular de João Cabral de Melo Neto, por exemplo, editou pela sua Livro Inconsútil uma série de livros “caseiros”, para amigos como Vinicius de Moraes, Manuel Bandeira, Ledo Ivo, entre outros. Já no período dos livros-mimeógrafos de Chacal e Charles, Afonso Henriques Neto e Eudoro Augusto lançaram de forma independente o bem-acabado livro O misterioso ladrão de Tenerife, também em 1971. Outro ponto importante para relativizar, por fim, a expressão “geração mi­meó­ grafo” e seu uso em relação aos poetas do período é lembrar que nem todos os poetas ditos marginais produziram seus primeiros livros desse jeito. Já nos referimos ao exemplo de Francisco Alvim lançando seu primeiro livro, em 1968. Outro exemplo é Waly Salomão, que publicou em 1972, pela José Álvaro Editor, o seu Me segura qu,eu vou dar um troço, com uma incrível e trágica tiragem de 10 mil exemplares. Alguns, como Torquato Neto, nem tiveram livros lançados durante sua vida. Assim, quando saímos do âmbito da materialidade do poema como produto editorial, vemos que a ideia de marginalidade é maior do que a transgressão editorial dos livros independentes.

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O poeta que recebia a alcunha de marginal carregava, portanto, uma carga simbólica bem maior do que o uso do mimeógrafo como “prova do crime”. Sua aplicabilidade no Brasil dos anos 1960 e 1970 é difusa e datada no âmbito de uma sociedade cuja violência era o tom de conversas e atitudes cotidianas de todas as classes. O marginal não era apenas o estereótipo do bandido armado que fazia do crime sua ocupação. O marginal, em 1973, era também, por exemplo, o jovem usuário de drogas, cujo cabelo comprido indicava sua sexualidade dúbia e liberta. Características, aliás, presentes na maioria dos jovens poetas, compositores, artistas visuais e agitadores culturais em geral que circulavam em cadernos de cultura e eventos desse período. O marginal era, também, o “subversivo”, pessoa que, militante dos grupos de guerrilha e perseguida pelo regime militar, se evadia do convívio social em prol da luta armada ou da organização política. Uma marginalidade clandestina, mas cuja dinâmica de segredos e códi­gos, encon­tros escondidos e táticas dispersivas contaminava os circuitos culturais em muitas de suas ações e ideias. Marginal era também (como até hoje) o pobre, o negro, o gay, a prostituta, a mulher e a criança que vivem nas ruas e favelas das cidades cuja verticalização arquitetônica transforma paisagens e vidas, desloca memórias e segrega espaços de convívio. Em 1971, não era dif ícil um jovem que convivia com informações da contracultura mundial se identificar com tais signos de transgressão disponíveis no país. A poesia atenta ao seu tempo e espaço também se apropriou de tais signos – assim como as artes visuais, a música, o teatro, o cinema – e assumiu a “margem” como identidade e espaço discursivo legítimos de ação.

Circuitos A poesia marginal, portanto, foi muito além do mimeógrafo de 1971/1972. Ela gerou publicações independentes, coleções marcantes, revistas e jornais esporádicos, porém definitivos na memória cultural brasileira. Poetas elaboraram, no âmbito universitário, discursos críticos sobre o seu of ício e a situação da poesia no seu tempo. Os “marginais” estavam nos corredores da puc do Rio de Janeiro e da ufrj. Estavam na praia de Ipanema, nos casarões de Santa Teresa, nos bares e teatros de Copacabana, nas peladas de futebol do Jardim Botânico, nas quebradas dos morros cariocas, nas dependências livres do Museu de Arte Moderna (mam-rj). Eles escreviam em jornais diversos, desde o Ultima Hora até o Verbo Encantado, gravavam parcerias musicais em discos de multinacionais como a Philips, viajavam para Londres, Paraty e Arembepe, trabalhavam com designers e artistas visuais, criavam articulações poéticas com outras cidades do Brasil, como São Paulo, Salvador ou Brasília. Este é outro ponto fundamental que já podemos indicar em relação à poesia marginal: seu impacto transdisciplinar no meio cultural brasileiro dos anos 1970 e das décadas seguintes. A articulação de coletivos criativos, eventos públicos e


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Chacal em performance na Livraria Muro, Rio de Janeiro, c. 1970.

produtos editoriais independentes ao redor da poesia que se fazia no país naquele momento é um dos grandes legados que ficaram para a posteridade. No caso específico do Rio de Janeiro, o Nuvem Cigana e suas Artimanhas, peças como Hoje é dia de rock, de José Vicente, encenada no Teatro Ipanema, os cursos da esdi, os corredores e as salas de aula do departamento de letras da puc-Rio, a Livraria Muro, em Ipanema, as dependências independentes do parque Lage, os shows do Teatro Tereza Rachel em Copacabana, tudo isso deve ser posto numa mesma perspectiva, já que eram espaços em que a mesma pauta poética circulava. A formação de um circuito ao redor da poesia marginal carioca criou uma cena cultural extremamente rica no que diz respeito aos seus participantes e desdobramentos. A própria história do Nuvem Cigana, único grupo de poetas realmente efetivo como ação cultural coletiva, mostra a transversalidade de saberes que circundava a poesia marginal. Ela incluía o encontro de arquitetos, poetas, fotógrafos, designers e músicos na informalidade dos apartamentos comunitários cariocas. Assim como a cobertura dos Novos Baianos (outra comunidade criativa que habitava o Rio naquele período) na rua Conde de Irajá, em Botafogo, foi o ponto de encontro entre os jovens e velhos baianos na cidade, um prédio localizado na ladeira Santa Leo­ cádia, em Copacabana, reunia amigos para conversas (contra)culturais que resul­ taram no coletivo. Ronaldo Bastos, dono da marca-fantasia Nuvem Cigana, era um dos moradores do prédio, ao lado do fotógrafo Cafi e do poeta Ronaldo Santos. Os demais membros surgiram por meio de amizades, de uma “pelada de futebol” que era jogada no bairro do Horto e do uso gregário de cannabis sativa, fartamente consumida e espécie de “selo de qualidade” que amarrava amizades e incitava futu­ros


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possíveis. O encontro ao redor do Nuvem Cigana, aliás, era permeado pela presença de outro coletivo cultural que cir­culava pela cidade e que, assim como os Novos Baianos, tinha no encontro entre música e poesia sua estratégia de ação. Era o grupo de mineiros que em 1972 gravaria o álbum Clube da esquina. Suas canções estão impregnadas dessa atmosfera lisérgica e comunitária que se formava no Rio de Janeiro daquele período. Não é à toa que os livros e revistas feitos pelo Nuvem Cigana ganharam dimen­sões maiores do que seus suportes impressos. Os lançamentos, em 1976, de Creme de lua (Charles), Vau e talvegue (Ronaldo Santos) e Rapto da vida (Bernardo Vilhena) não causaram grande repercussão na época, mas a crise que o grupo tinha em relação ao formato de venda e promoção dos livros fez com que procuras­sem outras formas de comunicar a poesia. Se os livros não vendiam e circulavam de forma restrita, foi na oralidade do poema e na atmosfera da performance que o Nuvem Cigana marcou a cena cultural da cidade. Suas Artimanhas e o lançamento dos dois Almanaque Biotônico Vitalidade foram eventos multimídia impactantes, realizados pela primeira vez na Livraria Muro e depois no mam-rj. Eles detonaram um poderoso processo de trocas culturais. O exemplo transcultural já vem da primeira fagulha que detonou o processo performático de leitura pública dos poemas. Foi a partir da exibição de slides elaborados por Bernardo Vilhena com fotografias do artista plástico Carlos Vergara, dedicadas ao bloco carnavalesco Cacique de Ramos, que Chacal passou a recitar um poema de

Exemplares da revista-saco Poesia livre, publicada em Minas Gerais pelo poeta e editor Guilherme Mansur. (10,5 x 24 cm)


sua autoria. O cruzamento entre artes visuais, performance e poesia, os cenários feitos pelo grupo de designers e arquitetos, a plateia jovem sendo apresentada a uma nova forma – ou ao menos a uma forma renovada – de se relacionar com a poesia, tudo isso fez com que a cidade chegasse ao que Heloisa Buarque detecta, na introdução de 26 poetas hoje, como um “surto de poesia”. Uma moda que fazia dos versos a arma mais à mão para toda uma geração.

35 Marginália Quando se falava do poeta marginal – e dos demais desdobramentos do termo em outras áreas – nos anos 1970, existia uma espécie de consenso em torno de dois tipos de representação do marginal cultural (que é diferente da representação do marginal “na cultura”): o marginal como aquele que é desviante em relação a tudo o que era oficial (governo, indústria cultural, mercado); ou o marginal como aquele que incor­pora em sua obra precária a derrota e a angústia de um período de descaminhos estéticos que só corroboravam a ideia de um suposto “vazio cultural” existente nos anos ditatoriais do país. O primeiro é visto como um “resistente”, enquanto o segundo é visto como um “alienado”. Na maioria dos trabalhos e artigos dedicados ao tema, a segunda opção era a mais utilizada. Ser marginal no campo cultural brasileiro significava, primordialmente, ser alternativo, ser “desbundado” ou ser maldito. Cada uma dessas categorias, apesar de generalizantes, traz um sentido específico. Alternativo é aquele que se encontra “do lado de fora” de algo, seja a família, o trabalho ou, sobretudo, o mercado cultural. “Desbundado”, por sua vez, deriva da circulação do modelo hippie na (contra)cultura jovem dos grandes centros urbanos do país. O jovem com aspirações libertárias no âmbito do comportamento era diretamente relacionado a um pacote pejorativo que poderia incluir o consumo de drogas, o perfil apolítico e a crença mística orientalista. E maldito, por fim, é aquele intelectual ou artista que, em busca da “grande obra” ou da inovação formal constante, isola-se do seu meio produtivo e dos seus pares, não cedendo nem fazendo concessões ao mercado ou à estética dominante. No caso dos poetas, nosso tema, todos os que partiram para ações classificadas por eles mesmos ou por terceiros como “marginais” tiveram e têm até hoje suas obras e trajetórias ativadas em algum nível por esses rótulos datados. Rótulos que foram incorporados acriticamente pela historiografia em um primeiro momento e, ao longo do tempo, transformaram-se em “categorias de acusação”. Muitas vezes, a poesia dessa geração foi lida de forma acrítica, ou hipercrítica, a partir do esva­ ziamento que tais rótulos provocavam. A desqualificação a priori que “alienados” ou “desbundados” sofriam em certos círculos intelectuais do período era utilizada como álibi para se deixar em segundo plano ou se simplificar toda uma produ­ ção com forte presença no campo cultural do período.



portf贸lio


Capa de Cadeira de bronze (1957), livro em edição mimeografada, assinado por “Capitão Fantasma”, pseudônimo de Carlos Felipe Saldanha, que mais tarde ficaria conhecido por Zuca Sardan. (18 x 13 cm) pp. 46-47 Travessa bertalha 11 (1971), primeiro livro de Carlos Ronald de Carvalho, em edição mimeografada. O poeta, após essa publicação, adotaria definitivamente o nome Charles Peixoto. (32 x 22 cm)


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Capa de Muito prazer, Ricardo (1971), primeiro livro em edição mimeografada de Chacal. Na página seguinte, detalhe do poema “Ponto de bala”. (21,5 x 16 cm)


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Envelope no qual vinham encartados os poemas de Preรงo da passagem (1972), segundo livro de Chacal. (13,5 x 20 cm) Folha de rosto e miolo do livro.


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Capa e contracapa de Me segura qu’eu vou dar um troço (1972), primeiro livro de Waly Sailormoon [Salomão], com projeto gráfico de Óscar Ramos e Luciano Figueiredo. (17 x 11 cm)


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70%

Capa de Os últimos dias de paupéria (1973), reunião de textos de Torquato Neto, organizada por Waly Salomão e com projeto gráfico de Ana Maria Silva de Araújo. (21,5 x 20 cm)


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Três dos cinco títulos publicados em 1974 pela coleção Frenesi: Grupo escolar, de Cacaso [Antônio Carlos de Brito], e Na busca do sete-estrelo, de Geraldo Eduardo Carneiro, ambos com capa de Ana Luisa Escorel; e, na página anterior, Passatempo, de Chico [Francisco] Alvim, com capa de Heloisa Buarque de Hollanda. (21 x 16 cm)

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Acima, Corações veteranos, de Roberto Schwarz, com capa de Ana Luisa Escorel. Na página seguinte, Motor, livro que mescla poemas de João Carlos Pádua e fotos de Bita Carneiro. Ambos foram publicados na coleção Frenesi. (21 x 16 cm/23,5 x 17 cm)


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Poema de Motor sobre fotografia: “Nada/ como um dia após o outro”


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Detalhe da primeira pรกgina de Almanach sportivo.


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Capa de América (1975), livro de Chacal publicado pela coleção Vida de Artista, com projeto gráfico de Rogério Martins [Dick]. (20,5 x 14 cm)


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Capa e detalhes de ilustrações de Quampérios (1977), livro de Chacal publicado pela coleção Nuvem Cigana. Os desenhos são de Dionísio Oliveira. (19 x 13,5 cm)


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Poema e capa do livro Nariz aniz (1979), de Chacal, pela coleção Nuvem Cigana, a partir de desenho de Pablo Picasso e arte de Luís Eduardo Resende. pp. 80-81 Outros dois títulos que compõem a trilogia: Boca roxa e Olhos vermelhos. (16 x 13 cm)


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Capa de Brasileia desvairada (1979), de Nicolas Behr, em edição mimeografada. pp. 125-127 Detalhes do mesmo livro.


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Capa de Bagaço (1979), de Nicolas Behr; e detalhe de ilustração do próprio autor. pp. 130-131 Página interna do livreto com poema e desenho. (15,5 x 11 cm)


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conv


Poesia hoje

versa

Conversa publicada na revista José, n. 2, agosto de 1976

Numa Ipanema de sábado, às três da tarde (uns com mais e outros com menos arrependimento, portanto), reuniram-se, para conversar com José, Heloisa Buarque de Hollanda, Ana Cristina Cesar, Geraldo Eduardo Carneiro e Eudoro Augusto. O motivo foi o aparecimento momentoso, alguns meses atrás, da antologia 26 poetas hoje, organizada por Heloisa e da qual os outros três participam. A publicação, que tem sido objeto de resenhas favoráveis, resenhas neutras e resenhas desfavoráveis, é assunto para muito debate e muita discussão, pelo que o éter anda cheio de argumentos, e poetas e leitores se atropelam com as sílabas dos versos desta talvez nova poesia brasileira. José chamou seu conselho editorial, Luiz Costa Lima, Sebastião Uchoa Leite, Jorge Wanderley e Sérgio Cabral (que não pôde vir), para receber seus convidados. Qual a origem desta poesia, qual o seu embasamento gerador, suas características e relações com outros movimentos contemporâneos e passados, de onde vem e para onde pretenderia ir – são perguntas que todos gostaríamos de ver colocadas, se não esclarecidas. José se serve deste encontro para afirmar que entende assim sua linha editorial: aberta a prosadores e poetas de todas as gerações e tendências, mesmo que para isto sacrifique os seus sábados, bem diante do mar… (J.W.) A conversa foi mais ou menos assim:

Luiz – Heloisa, a partir de sua fala inicial, dessa curta informação que você nos der, a

gente começa a debater alguns aspectos da antologia. Há aqui três pessoas que fizeram parte da antologia e três que não fizeram, todas interessadas na matéria. Assim, para começar, eu perguntaria qual o critério utilizado por você para a seleção dos textos. Heloisa – Bem, minha intenção geral foi de reunir num livro “de editor”, e portanto num livro que se insinuasse num circuito mais amplo, manifestações isoladas ou praticamente isoladas que eu percebia como importantes no campo da cultura e no


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campo da literatura. Me foi feita uma encomenda, pela editora Labor do Brasil – já que eu estava trabalhando com esse material havia dois anos –, de reunir os chama­ dos poetas marginais. As dificuldades começaram aí: entre os “reconhecimentos marginais”, isto é, os mais jovens e mais antiliterários, o fôlego era curto, sobrariam poucos como realmente representativos de um momento. Ao mesmo tempo, os grupos ou as coleções de distribuição independente se formaram sem obedecer propriamente a programas ou plataformas estéticas ou literárias, mas de uma maneira mais circunstancial, como estratégia de mercado. Os grupos Frenesi, Nuvem Cigana e Vida de Artista reuniam poetas e trabalhos muito diferenciados entre si, tanto como proposta quanto como a chamada qualidade literária. Mas vinham juntos e, diferenças respeitadas, empenhavam-se numa mesma luta, a revitalização do fazer poético, a busca de público, a desintelectualização de linguagem e de comportamento, o mercado alternativo. A partir disso, tentei inclusive neutralizar aquele namoro com a qualidade, próprio do antologista. Quis mais traçar a fisionomia desse momento, incluindo propositalmente uma chance de confronto entre os trabalhos selecionados. Coisa que me parecia oportuna para a crítica e para os próprios poetas. Você tem aí uma mostra daqueles que iniciam sua atividade literária nos anos 1960 e daqueles de 1970. Não esquecendo que, nesse meio-tempo, as coisas mudaram muito. Apesar de poder ser visto como uma série de aventuras individuais, atomizadas, o conjunto pinta traços geracionais e comuns, sempre lembrando que as diferenças no caso são úteis. Fora as razões formais que dou no prefácio. Sebastião – É. A gente nota logo que não existe uma proposta estética comum, mas sim uma proposta existencial comum. Eudoro – Exatamente. heloisa – Agora nesses novos vai também uma anarquia, um escárnio, um deboche… Um deboche ao propriamente literário. Luiz – O que é um negócio já razoavelmente antigo. Geraldo – Sempre que a gente tem falado sobre isso, a chamada poesia marginal, as pessoas se preocupam muito em estabelecer as semelhanças, como uma série de procedimentos comuns a outros movimentos que se fizeram ao longo dos séculos. Quando, para observar a sua modernidade, o importante é perceber as suas diferenças e não as suas semelhanças. Ao contrário do que tem sido feito, procurar o que não é poema-piada, por exemplo. Luiz – Considerando que essa rebelião da literatura contra a própria literatura não é nova, qual seria a nota de divergência entre a proposta da antologia e essa tradição de rebelião? Sebastião – Eu estabeleceria uma diferença. Heloisa, na introdução, fala de uma retomada de 1922. Acho que essa retomada é relativa, pois me parece que a distinção é que a poesia de Oswald, de Drummond e de um certo Bandeira de Libertinagem é uma poe­sia voltada para o coloquial, mas com um sentido de objetividade muito forte, enquanto que nesta, a do grupo de vocês, é a tônica da subjetividade que é forte. heloisa – É verdade. Nos mais novos isso fica flagrante, é ao mesmo tempo seu charme e seu risco. O que não deixa de ter a ver com uma certa atrofia da reflexão,

p. 132 Poesia e natureza no parque Lage, Rio de Janeiro, outubro de 1971.


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A entrevista-debate sobre o lançamento da antologia 26 poetas hoje ocupa a primeira página da revista José, n. 2, agosto de 1976.

um confinamento de sua atuação no mundo, gírias e expressões muito fechadas e assuntos reduzidos, o que ainda é um traço dessa geração que frequentou a universidade depois de 1968. Às vezes se percebe uma relação com o mundo quase autista, ou uma poesia que se satisfaz em apenas exorcizar seus próprios fantasmas. Não são introspectivos de gabinete, mas são extremamente voltados para uma realidade por demais imediata e subjetiva. O que hipertrofia seu aspecto vitalista e gera uma linguagem que resulta em material bruto, cheia de vulgarismos. Já nos mais “velhos”, pelo contrário, se pode notar um procedimento literário carregado de ironia crítica, de um distanciamento assumido e construído. Veja bem que “mais velhos” não tem nada a ver com a idade dos poetas. Mas, mesmo correndo o risco da subjetividade muito forte, os mais novos, são, por outro lado, mais ativistas, senão mais anarquistas… Jorge – Com um tom confessional, intimista, desabrido… heloisa – Mas quando eu falava de 1922, falava da retomada da oralidade, de uma sugestão modernista que ainda é romântica. Jorge – É importante usar aí a palavra “romântica”, pois romantismo é traço comum às duas coisas. Há fortes traços românticos na modernidade de 1922, como há nestas manifestações de agora. heloisa – É por aí que eu estava pensando.


Sebastião – Heloisa, você fala também de uma linguagem clas-

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sicizante e das experimentações de vanguarda. Quanto a estas, sabemos a que você se refere: grupos de poesia concreta, práxis, processos etc. Agora a que você se refere com a “linguagem classicizante”? heloisa – Cabral e Drummond. Sebastião – Me parece que nessa antologia o grande assassinado é Cabral. Porque nele se nota perfeitamente – o que é intencional da parte dele – uma proposta racionalizante da poesia. Ele começou ainda sob a influência do surrealismo, seguindo-se uma proposta construtivista. Ao retornar mais poeta e mais engajado com a realidade, ele procurou uma solução também classicista que foi achar nos poetas antigos espanhóis, numa forma que seria mais semelhante ao que se fazia na poesia popular no Nordeste, onde estava a realidade que ele queria flagrar. Luiz – A designação de classicismo me parece tão vaga que na verdade não entendo o que significa. Eudoro – É por oposição a romântico. Luiz – Acho essas dicotomias todas extremamente perigosas porque, em vez de caracterizar, elas criam, voltando ao que Geraldo dizia, uma família tão ampla de semelhanças que você fica sem saber quais as diferenças. Sebastião – É evidente que temos de estabelecer graus. João Cabral procurou ver uma realidade, a do Nordeste, vamos dizer suja, pobre, e procurou dar um retrato dela pelo despojamento da linguagem. Jorge – Bosi chama a isso de “maneirismo do descarnado”… Sebastião – Mas ele apresenta um retrato distanciado, enquanto que a poesia colo­ quial, tanto a de 1922 quanto a de hoje, dá um retrato, mostra um poeta mais participante da realidade do que olhando para ela com um certo distanciamento. Jorge – Há um problema que eu gostaria de colocar aqui e que é essa situação de Cabral numa posição antinômica à da antologia. Acho que isso de certo modo favorece um equívoco que está havendo em relação à antologia: o de que ela representa a poesia jovem no Brasil in totum. É equívoco que não parte da antologia, mas da recepção em relação a ela. Ela retrata apenas uma ilha de um amplo arquipélago de poesia jovem e atual. heloisa – Sim, fica à parte o neoprocesso etc. Jorge – De forma que eu não sei se seria certo contrapor Cabral a isto ou contrapor qualquer coisa a isto… Sebastião – Não, estou dizendo que houve da parte dos poetas a intenção de “matar” Cabral… Jorge – Isso transpira da antologia. heloisa – Sim, mas ele está muito vivo em Zulmira, Capinan… Cristina – Zulmira quase que parodia Cabral e Drummond…


Sebastião – Capinan está muito ligado à poesia beat. Jorge – Capinan, sem nenhuma dúvida. Essa entrada

Os poetas João Cabral de Melo Neto (1995) e Carlos Drummond de Andrade (1964), por Bob Wolfenson e Alécio de Andrade, respectivamente.

da poesia beat me parece muito importante perseguir, pois há inegáveis traços na antologia toda e traços de uma linhagem que até dão a impressão de terem os poetas se abeberado do que vem, por exemplo, de Robert Lowell, que passa por Ginsberg, Kerouac na prosa e por aí vai. E transpira também da antologia que os poetas não têm uma direção de leitura. Apenas acontece que eles chegaram ao mesmo resultado a que se chegou lá – e isso implica cultura importada –, porque vivem a mesma vida que se viveu lá. A mesma proposição de vida resultou em uma literatura idêntica. Geraldo – Você se refere ao Roberto Piva, não é? Jorge – Principalmente. Geraldo – Acho que o problema básico é que a gente está falando aqui de uma generalidade que não existe. Eu acho que são poucos os que apresentam esses traços: o Piva, o Adauto, um pouquinho no Chacal… Jorge – Não, eu acho que há em outros mais… Luiz – Em Chacal e em Charles lembrou a citação de Victor Hugo em Castro Alves, que não lia francês. Jorge – Mas chegaram ao mesmo resultado. heloisa – Mas é um resultado em que não entra a violência, o desespero dos americanos, e mais uma certa perplexidade… Jorge – Embora haja na antologia outras formas de violências… Sebastião – Eu confesso que da antologia esse é o traço que me agrada menos. Nunca consegui ler um texto inteiro de Ginsberg. Quando a poesia tende a ficar palavrosa demais, como é o caso de alguns textos aqui, com um excesso de infor­ mação, eu não consigo ir até o fim. Tenho muito maior atração por outro traço que é um certo anarquismo, mas que se resolve através do humor. Carlos Saldanha, por exemplo, é um poeta que acho inteiramente à parte na antologia. Rigorosamente marginal seria ele. Está realmente à margem do processo literário. Ele criou um idioleto poético. É um grande humorista. Isso a gente pode dizer sem medo. Jorge – Outra questão ainda de natureza geral: Heloisa assinala na introdução um afunilamento de caminhos entre poesia e vida. Isso não implicará uma certa aceitação da vida como ela está? Do regime como ele anda? heloisa – Me faz lembrar Olson quando diz que a poesia é um campo de ação. O texto é traçado como tensão entre objetos e emoções. A ideia é acompanhar a emoção, e não controlá-la. A experiência de estar fazendo poesia e vivendo a poesia é, muitas vezes, prioritária à elaboração poética. Há mesmo uma certa conclamação para que todos e qualquer um faça poesia. É um impulso apaixonado e vitalista. Jorge – É bom registrar a palavra “novissíssimos”. [risos]

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heloisa – Ainda aqui me lembro de Octavio Paz, quando identifica, como subversão

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básica da juventude de hoje, a troca do futuro pelo aqui e agora, opondo-se assim à esperança burguesa de progresso e à cristã de eternidade. E nisso vem o sentido de imediatez, de festa, de liberdade sexual, que se nutre do momento sem futuro, de um momento que se cumpre na sua precariedade. Sebastião – Acho que o que Jorge falou foi de um certo evasionismo nessa proposta. Cristina – Não, acho que existe uma certa ingenuidade em se acreditar, por exemplo, que cuspir na estátua é um gesto de contestação a um regime mais amplo… Sebastião – Ou seja, se não evasão, acriticidade… Não acho que essa proposta vitalista se identifique com nenhum estado de coisas… Geraldo – Me parece que a matéria-prima dos poetas mais consequentes não é vivencial. É uma poesia bem diferente da poesia que trabalha com ícones de uma linguagem anterior a ela, associada à linguagem literária. Tome-se a experiência da poesia pop… Sebastião – Que é que você chama de poesia pop? Geraldo – A poesia de Ginsberg, de Ferlinghetti etc… A matéria-prima está mais próxima da pop art no sentido plástico mesmo, não no sentido corrente. Gosto muito de uma frase de Rauschenberg: trabalho no espaço que existe entre a vida e a arte, na brecha que existe entre a vida e a arte. Isso é muito mais que usar como matéria-prima a própria vida. Jorge – Até agora, uma coisa fica bem clara: não é possível ver a antologia como repre­sentando uma coisa unitária. Sebastião – [a Geraldo] Você acha que existe nessa poesia o mesmo senso crítico que existe na arte pop? Geraldo – Talvez seja até mais acentuado. Mas é preciso notar que eu estou falando de um grupo de poetas aí dentro, um grupo mais ou menos de dez pessoas. Jorge – Fica então mais claro o diagnóstico. Por força das circunstâncias literárias de que trata, é muito mais uma antologia-arquipélago do que antologia-ilha… Sebastião – Mas acho que a gente tem de procurar um ponto comum. A Heloisa, se trabalhou dessa forma, trabalhou por exclusão. A gente não vê aí os poetas formalizantes, formalistas, não vê os descendentes da poesia-práxis, o Armando Freitas Filho – se houve uma exclusão, os outros têm algo em comum que estes da antologia não têm. Então, apesar das diferenças entre Francisco Alvim, Antônio Carlos de Brito e Roberto Schwarz e os outros, que vocês chamam de “desligados”, deve haver um ponto comum. Cristina – Há sim, um traço anticabralino, antiformalista… heloisa – Há algo que eu quero colocar, inclusive porque é uma dúvida minha: eu pus aí dois poetas – o Waly Sailormoon e o Torquato Neto – que pertencem a um território que acho dif ícil de identificar – o que vem patrocinado pelos concretos – e que têm um pé lá e outro cá, que transitam nos dois momentos sem necessariamente promover um rompimento. E também tem poetas que pertencem à linhagem concretista. Pólen e Navilouca são produzidas por esses grupos… Sebastião – Nessas publicações também aparece o Chacal.


heloisa – É o que eu queria dizer. O Chacal

Heloisa Buarque de Hollanda, organizadora da antologia 26 poetas hoje, Rio de Janeiro, 1973.

também poderia entrar neste território; ele tem alguns poemas visuais mesmo, utiliza o espaço branco da página, aquelas coisas todas. E o Waly, se há algum autor que os novissíssimos leram, foi o Waly. Luiz – Ô Helô, na tentativa de arrumar a casa, eu gostaria de fazer algumas perguntas. Você começou falando que toda essa antologia era uma espécie de marginalidade em termos de mercado. Que se pretendeu? Furar o mercado editorial? heloisa – Criar uma alternativa. Sebastião – Criar uma alternativa assim como existe uma imprensa alternativa em relação ao establishment. Luiz – Tipo imprensa nanica… Eudoro – A poesia nanica. Luiz – Exato. Mas então pergunto: se é essa a intenção, vocês não correm o risco de tomarem como establishment uma série de poetas que, pelo simples fato de serem editados pela José Olympio, Aguilar, grandes editoras, são colocados na outra margem, no establishment? Cristina – Quem, por exemplo? Luiz – Drummond, Cabral. Cristina – Drummond e Cabral estariam quase dentro da tradição literária. Eles são mais, digamos, uma presença geradora… Luiz – Isso me parece extremamente literário. Jorge – Vocês se lembram dos poetas-processo de Natal que queimaram em praça pública livros de Drummond e Cabral considerando-os “discursivos”. Eduardo Portella publicou um artigo no Jornal do Brasil na época, dizendo que eles são exatamente dois dos poetas mais contidos de nossa literatura… É o perigo que eu vejo em rotular, incorrendo numa forma de injustiça. Não é medo de abalar monstros sagrados. É um perigo evidente. Sebastião – Acho inteiramente natural que poetas que vêm desenvolvendo uma obra com êxito e repercussão sejam absorvidos pelo mercado tradicional. Então a alternativa que hoje se coloca é provisória. Jorge – Isso bate em cima do que foi dito por Luiz no primeiro número de José, quando caracteriza o fato de que no Brasil os autores começam por uma linha de protesto até serem absorvidos pela tradição e até serem substituídos pela geração seguinte. Luiz – Pois é, por isso é que acho que essa proposta, em vez de revolucionária, é o que há de mais tradicional na literatura brasileira. Geraldo – É, mas a partir do momento em que os autores começam a ser assumidos, é natural que as vanguardas estabeleçam um certo antagonismo.

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conv

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versa

Em abril de 2013, o Instituto Moreira Salles reuniu em sua sede do Rio de Janeiro os poetas Chacal, Charles e Chico Alvim, além de Heloisa Buarque de Hollanda. Mediada pelo poeta e consultor de literatura do ims Eucanaã Ferraz, com a participação do professor Eduardo Coelho, a conversa lançou olhos sobre a poesia marginal dos anos 1970, movimento de cujo time de protagonistas os convidados fizeram parte.

Eucanaã – Minha ideia é que vocês falem à vontade. Mas talvez valha a pena a gente pensar que há momentos diferentes na poesia marginal. Quando a gente pode dizer que começou? O Armando Freitas Filho aponta mais de uma referência inicial, ele fala do Waly [Salomão], mas dá como início mesmo os livros do Chacal e do Charles. Quando essa história começa, afinal? Com quem e como? Charles – Em 1970, que eu me lembre. Chacal – São várias poesias marginais, são várias vertentes. O Zuca [Sardana], por exemplo, já publicava em mimeógrafo havia muitos anos. Mas, aqui, de certa forma, começou com o Muito prazer, Ricardo e o Travessa bertalha 11, em 1971. Pelo processo, porque aqui não era usual a coisa do mimeógrafo, e os livros eram distri­ buídos de mão em mão, circulavam no píer e alguns lugares badalados também, no Baixo Leblon. Charles – E no Teatro Tereza Raquel. Chacal – É, que eram lugares que estavam muito próximos da coisa pop, e isso ajudou também. A coisa pop que eu digo era a música, o show da Gal Costa no Tereza Raquel, o Waly Salomão, que era diretor. Então teve um pouco esse caminho ligado à música no início, que deu também mais visibilidade. Eu concordo também que o Waly tem essa importância, sim, porque ele que escreveu pela primeira vez sobre o Muito prazer, publicou na coluna de Torquato. O Waly também é um cara que o Chico [Alvim] reconhece muito. Eu acho que o Waly tem essa importância, ele meio que passa o bastão do tropicalismo pra gente, ele era um grande letrista, um grande do tropicalismo, que também era aquele movimento ali do píer e tudo o mais. Aí ele, reconhecendo o meu livro também, fala: “Vai nessa”, coloca na coluna de Torquato, aquilo foi um aval de uma turma forte do tropicalismo, que é uma grande influência minha, do Charles, possivelmente. As letras eram uma coisa muito potente, as letras e a atitude, a ação política deles. Nesse aspecto, o Waly foi bastante importante nessa fase inicial.


Eucanaã – O que sai primeiro? Travessa bertalha 11 ou Muito prazer, Ricardo? Charles – Saem ao mesmo tempo. Chacal – Uma semana de diferença, talvez. Charles – Na mesma madrugada, ou em duas madrugadas; foram rodados miste-

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riosamente, porque ninguém sabe de onde saiu, eu sei que foi de madrugada. Guilherme Mandaro que fez, era amigo nosso e professor de um curso pré-vestibular na cidade. Ele que alimentou esse negócio, “vamos fazer, vamos fazer”. Conseguiu fazer, rodou isso nas internas lá, marginalmente. Chacal – Isso tinha uma herança política também, porque Guilherme era um cara que participou do movimento estudantil. Charles – Isso que eu estava falando, o negócio do mimeógrafo, porque o pessoal do movimento estudantil usava pra fazer panfletos. Chacal – É, pra convocar pras passeatas. Charles – Vem dessa herança. Chacal – Por isso era uma coisa meio clandestina, feita lá no curso onde o Guilherme dava aula. Possivelmente ele não chamou a gente pra não levantar muita suspeita. Foi de madrugada. Eu me lembro só de grampear os livros, acho que ele dava as folhas e a gente levava pra casa, não sei, ia separando as folhas e grampeando, essa era a nossa ação. E depois a gente distribuía. Eu me lembro que assim que os livros ficaram prontos, grampeados, eu pensei: “O que eu vou fazer com isso?” Chico – Eram quantos? Chacal – Cem exemplares. Eu estudava na eco [Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro – ufrj], levei pra lá, claro. Aí cheguei na sala de aula e as pessoas, os amigos, os colegas de turma, “que legal, quanto é isso?”, aí eu me dei conta de que precisava botar um preço, aquilo tinha virado uma mercadoria, “pô, não sei”, e aquilo era pra ajudar no aluguel, sempre foi, mas eu não me dava conta disso, que tinha que ter um preço, e quem tinha que botar era eu. Eucanaã – Vocês se conheceram como, você e Charles? Foi nesse período, por meio do Guilherme? Charles – A gente se conheceu na eco. Heloisa – Você era da eco? Charles – Era, claro. Chacal – Você não foi professora dele na eco? Heloisa – Fui? Chacal – Foi. Charles – Cacaso também era professor, não era? Chacal – Era. Heloisa – Mas não da eco, era da puc. Eucanaã – Então, na verdade, é uma geração ufrj? Heloisa – Era tudo eco? Chacal – Era uma turma da eco. Tinha a Virginia Sabino, fundamental, filha do Fernando e nossa colega de sala. Charles – O Ronaldo Bastos também.

No alto, Cacaso e Charles, e, abaixo, Armando Freitas Filhos e Ana Cristina Cesar, em Ipanema, Rio de Janeiro, 1982.


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A partir da esquerda, Sérgio Eduardo, Guilherme Mandaro, sorrindo, Angela Ribeiro, Bia Junqueira e Sergio Liuzzi, Rio de Janeiro, c. 1970.

Chacal – E o Guilherme Mandaro era do ifcs [Instituto de Filosofia e Ciências So-

ciais da ufrj], ele era muito amigo do Charles, e a gente incorporou o Guilherme. Eucanaã – Eu posso estar equivocado, mas há um pouco a impressão de que poesia marginal é uma coisa da puc. É um erro, portanto. Charles – Sim, certamente. Chacal – Não é um erro, tem vertentes. Heloisa – Pode ser uma impressão causada por aquela exposição na puc em 1973, Expoesia i. Eucanaã – O fato é que se fala muito como se todo mundo fosse da puc. Heloisa – Talvez por causa do Cacaso, mas teve essa exposição. Chacal – Você conheceu o Cacaso nessa época, Chico? Chico – Clara Alvim era professora de Ana Cristina, Geraldinho Carneiro e João Carlos Pádua, exatamente as pessoas que iam compor a Frenesi, que vem depois. Eram os primeiros ecos de uma poesia que estava surgindo, porque a gente pegava um pouco pelo ar, e o Cacaso era o elemento de ligação, porque ele reper­cutia tudo. Chacal – A Ana Cristina foi aluna de Cacaso também? Chico – Foi aluna de Clara. Heloisa – Foi minha também. Cacaso não era do curso de literatura, a gente se encontrava no Baixo, ele era contemporâneo. Chacal – Mas ele dava aula de que na puc?


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Heloisa – Acho que filosofia, no curso de sociologia. Chacal – Eu cheguei a ir a uma aula dele na puc. O Luis Olavo Fontes era aluno da

puc também? Chico – O Lui veio um pouquinho depois, ele foi namorado da Ana. Eucanaã – O primeiro momento é esse de vocês, anos 1970, eco, ufrj, quando come­ çam a fazer os livros. Esse seria o início de tudo? Vai até quando? Charles – Acho que isso durou um ano, um ano e meio, aí já passa pra 1972. Quando a Nuvem [Cigana] começou? Chacal – Em 1975. Charles – É, quando a gente ia pra fazenda e ficava aquela… Chacal – Eu me lembro que teve um grande lançamento numa livraria ali em Ipanema, que foi justamente da coleção da Frenesi. Que eu não cheguei a ir. Chico – Frenesi acho que é 1974. Chacal – Você lembra o nome da livraria? Chico – O Sérgio Santos era o gerente da Cobra Norato, esse título nos encantava. Chacal – Era ali próximo da General Osório, era próximo da [Livraria] Muro, não é? Chico – Era num edif ício ali da esquina onde funcionava a [galeria de arte] Petit Gallery. Foi um lançamento muito concorrido. Chacal – Pois é, eu acho que não fui, mas eu soube. Foi uma coisa que teve uma boa repercussão, que eu acho que é num segundo momento, antes da Nuvem, depois dos livrinhos de mimeógrafo. Chico – Foi num intervalo. Vocês chegaram antes. Tem uma viagem de vocês que


Os poetas Geraldo Eduardo Carneiro e Armando Freitas Filho leem poesia no bosque da faculdade de letras no Centro Unificado Profissional de Jacarepaguá, Rio de Janeiro, 1979. Na página anterior, Cacaso em foto de Betinha publicada no livro Beijo na boca (1975).

é muito engraçada e que o Sérgio Cohn registra muito bem naquele livrinho dele sobre a Nuvem [Nuvem Cigana – Poesia e delírio no Rio dos anos 70], que é a viagem em que você e Charles saem de São Francisco. O Cacaso iria fazer depois com o Lui a mesma viagem, que foi o ponto de partida do livro que eles fizeram juntos [Segunda classe], que já estava mais ou menos dentro daquela dicção que estava surgindo, bem característica do período. Chacal – Tem ainda algumas experiências soltas. O Ronaldo Bastos escreveu Canção de Búzios, impresso em mimeógrafo. O Ronaldo Santos também fez o Entrada franca. É um que tem um caso engraçado, que ele vai vender e derruba tudo, o cara dormiu. Charles – O Ronaldo Santos foi levar os livros pra vender. Não sei se estava doidão, com sono, sei lá o que era, no meio do show ele dormiu, esbarrou num negócio. Chacal – Era um mezanino. Charles – Caiu aquilo tudo. Eucanaã – Foi lançamento mesmo! [risos] Chacal – E o livro chamava-se Entrada franca. Essa história é boa! Então teve esse período antes da Frenesi, que eu acho que marca esse outro momento, que já não é mais o mimeógrafo. Eucanaã – Você entra para a turma nesse segundo momento, não é, Chico? Embora tivesse publicado antes. Chico – Já tinha Sol dos cegos, de 1968. Cacaso publica A palavra cerzida acho que um ano antes, em 1967, com uma capa bonita do nosso querido Roberto Magalhães. Charles – Mas não tinha nada de mimeógrafo. Chacal – Era editora? Chico – No caso do Cacaso, acho que nesse livro, A palavra cerzida, ele tinha uma editora, que era a José Álvaro, se não me engano. Mas era uma editora pequena. No meu caso, eu entrei numa coleção dos remanescentes da geração de 1945 que

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apareciam. Era uma edição com a Gráfica de Portugal, que fazia uns livros de que eu gostava muito, eram uns livrinhos muito simples, a capa muito simples; em 1968. Foi isso. Chacal – Você mesmo que distribuía, levava nas livrarias? Chico – É, eu mesmo distribuía. Eu tinha sido removido do meu primeiro posto no exterior e o livro foi integralmente, com um ou dois pacotes, pro armário de dona Graciana… Chacal – E estão lá até hoje. Chico – Na volta, dois anos depois, a primeira coisa que ela fez foi abrir a porta do armário e falar: “Agora você…”, eu entendi, tive que tirar, aí entraram colchas e travesseiros que andavam vagando pela casa. [risos] Essa foi a história do Sol dos cegos. Até hoje eu tenho um pacote. Charles – Naquela casa de Ipanema? Chico – Naquela casa. Ali tem grandes aventuras. Eucanaã – Esse é o seu primeiro momento, que não coincide com a poesia marginal. Chico – Isso, estamos falando de Cacaso, estamos vindo lá de trás, de 1968, por aí. Eucanaã – Quando é que você se encontra com a turma? Chico – Aí é aquela coisa, chega 1971, tem um clima. Eu saí daqui em 1968, era uma festa, foi antes do ai-5; quando eu volto, está tudo abaixo do nível do mar, alguns metros. Aí tinha, ao mesmo tempo, uma certa alegria que ia sendo recuperada, que agia ali por trás, ninguém sabe direito como. Enfim, um período de grandes sentimentos contraditórios, de depressão, de coisas chatas acontecendo, mas, ao mesmo

Chacal sob a bandeira de seu livro Boca roxa, se preparando para mais uma Artimanha na Livraria Muro, Rio de Janeiro, c. 1970. Na página seguinte, capa de Sol dos cegos (1968), primeiro livro publicado de Francisco Alvim. (18 x 11,5 cm)


tempo, uma alegria solta. E essa parte da alegria vinha muito através do Cacaso, que era o elemento de ligação, ele tinha muito contato com o pessoal da Nuvem. Mas a Nuvem tinha também uma cultura que era muito diferente da nossa, uma coisa de raiz carioca muito forte, futebol, samba, tudo isso. No nosso lado, eu sou de Minas, então nunca me senti muito… Nem em Minas, lá meu apelido era Carioca, quando eu vinha pro Rio meu apelido era Mineiro, ou seja, eu era um despaisado. Heloisa – Cacaso também. Chico – Cacaso também, dois mineiros. Mas, ao mesmo tempo, aquele olho comprido pros cariocas, tudo que a gente queria ser era carioca, claro, queria ficar perto do mar, nessa alegria da cidade. Mas todos os sentimentos muito misturados, e Helô no meio, que era uma coisa estupenda que veio com a antologia [26 poetas hoje]. Heloisa – A antologia é bem depois, 1976. Chico – Eu já estava em Brasília, então, quando ela é editada? Heloisa – 1976, bem mais tarde. Chacal – Vocês ficaram no Rio de 1971… Chico – Quatro anos, a 1975. Tudo isso durou quatro anos, do meu lado. Eucanaã – Mas conclui, Chico, aí você estava namorando os cariocas… Chico – É, havia também a coisa formal, que eu achava que tinha uma novidade, o poema curto, coloquial. A coisa política também estava lá, mas, de certa maneira, era muito diferente daquela vivida nos anos 1960, também tem isso, a coisa da polí­tica sentida em escala menor, num tom menor, não aquela coisa da proposta de um discurso, da retórica, mas algo que vivia muito introjetado naquela célula corriqueira do dia a dia, as contrariedades, os sentimentos truncados e o ritmo que isso dava. Eu acho que isso dava um verso curto, batido, aquela história do bom é bater, não é, Charles? Você que dizia. Charles – Essa “bateção” tinha outras conotações também. Chico – Essa coisa do ritmo tinha muito a ver. Acho que tinha uma emoção, uma novidade. O verso do Cacaso é uma maravilha pra mim, a música que o verso dele tem, uma graça, um espírito; o Charles é uma coisa mais seca, mais o berro histérico, “eu mato um”. E o Cacaso é uma musicalidade, uma doçura, a coisa sintética. Era uma tal aflição que você não se sentia com tempo pra nada, a não ser pra viver aquela coisa meio elétrica, muito solto. Tem esse lado da forma. Eu vi o Charles montar o livro com aquela festa em volta no apartamento do Cacaso. Charles – Em frente à praia. Chacal – Uma curiosidade que eu tenho, Chico, como é que foi exatamente essa elaboração da coleção Frenesi? Você estava junto com Cacaso? Chico – Foi ideia dele. Chacal – Sim, mas você estava ali junto com ele, nessa época vocês conviviam. Porque o Roberto Schwarz era de São Paulo. Chico – Roberto é de São Paulo, eu fiquei amigo do Roberto através do Alexandre Eulálio, que era um amigo comum. Eu conheci o Roberto no dia em que ele partiu

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pros Estados Unidos, onde ele fez o mestrado. Nós tomamos um banho de mar, eu me lembro que nós saímos, um dia meio chuvoso, o apartamento ali numa daquelas ruas de Copacabana de que eu me esqueço o nome, perto do Alexandre. Depois estivemos em Paris. Quando estava saindo de Paris, ele me falou: “Olha, você vai pro Brasil, publica esse livro, se tiver jeito”, era o Corações veteranos. Eu cheguei aqui com a Clara, e ainda não conhecia o Cacaso. Chacal – O Roberto te entregou os originais do Corações em Paris? Chico – É, em Paris. Aí Clara foi pra puc, logo fizemos camaradagem. Ana Cristina Cesar, que era aluna dela, logo chamou a atenção pelo estilo, aí ela ficou muito amiga de Cacaso. Quem me apresentou o Cacaso foi o Gelson, que era um colega, “tenho um amigo poeta que vai gostar de te conhecer”. Tivemos um papo excelente, formidável, o Cacaso dizia: “Esse negócio de poesia, eu parei, é chato, só tem gente chata que escreve e o que se escreve é uma chatura, eu já não me aguentava, nem a própria poesia, estava muito chata, então agora comigo é música”. Chacal – Isso antes da Frenesi? Chico – É, antes da Frenesi. Foi no dia que a gente conversou, no almoço que o Gelson deu, nós fomos ao parque da Cidade, passamos uma tarde deliciosa conversando, e aí ele veio muitos meses depois e falou comigo: “A poesia voltou a dar pé, Chico, vou lançar esse livro, o que você acha?” Era Grupo escolar. Chacal – Chico, tem duas ausências ali na Frenesi que eu sinto, Ana Cristina e o Zuca Sardana. O Zuca saiu depois, na Vida de Artista. Chico – O Zuca é minha culpa. O Zuca é meu amigo da vida inteira, eu sabia perfeitamente quem era, mas eu estava muito inseguro, estava chegando, tinha trazido um livro do Roberto, não conhecia o Cacaso, não sabia como estavam


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Zuca Sardan, enquanto trabalhava no seu primeiro livro, Cadeira de bronze, na Gráfica Gralha, Paraná, c. 1950; e Ana Cristina Cesar em viagem, c. 1980. Na página anterior, mapa do rio São Francisco publicado no miolo do livro Segunda classe, de Cacaso e Luis Olavo Fontes, escrito por ocasião da viagem feita pela dupla a Minas Gerais e à Bahia, no início dos anos 1970.

as coisas, então achei que não era o momento. Aí eu fui apresentando aos pouquinhos o Zuca. E o Cacaso… Isso é um dos arrependimentos que eu tenho pela vida afora, porque o Cacaso caiu de paixão pelo Zuca, mas já tinha corrido a Frenesi, então ele esperou a Vida de Artista, aí o Zuca entra, depois entra na Capricho, entrou em todas. Chacal – Ana Cristina não tinha material pra publicar nessa época. Chico – É. Helô é que acompanhou, veio Cenas de abril, você estava um pouco mais… Heloisa – Mas a Ana, quando da antologia, não tinha nada publicado, foram coisas que a Clara me mostrou. Chico – Foi Clara que te mostrou? Heloisa – Foi a Clara que me apresentou a Ana e me mostrou uns textos, eu escolhi e botei na 26 poetas. Chacal – Qual o primeiro livro dela? Heloisa – Primeiro foi a antologia, depois ela fez Cenas de abril e Correspondência completa, que tem as minhas capas, bárbaras. Chico – Correspondência completa tem uma capa deslumbrante. Chacal – Aquela amarelinha. Heloisa – E tem uma capa que eu fiz pro livro do Chico, o Passatempo, completamente louca. Chico – A minha era uma maravilha. Foi muito engraçado. Heloisa – Eu disse: “Autor é uma caretice, tira fora, e o nome do livro também, é melhor que as pessoas não saibam, tenham que procurar muito”. Então é uma coisa que você não lê, é uma capa que não tem. Completamente louca. Chico – Partia também de um projeto em que eu só pensava na capa, mais do que no livro, e conversando com a Helô, que também ficou encantada com a ideia, essa sensibilidade plástica dela, tinha que ser o azul do Rio de Janeiro e uma coisa de vidro que transparecesse… Heloisa – Completamente idiota. [risos] Eu sou editora hoje e jamais faria um livro sem autor e nome.


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pp. 158-159 Chacal e Charles, Rio de Janeiro, c. 1970. Ao lado, Waly Salomão e Charles na gravação do documentário Assaltaram a gramática (1984), dirigido por Ana Maria Magalhães, Rio de Janeiro, c. 1980.

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Eucanaã – Mas só hoje que você é editora. Heloisa – Naquela época era uma guerrilha visual. Porque, realmente, não faz sentido

você fazer um livro que não pode ter o nome nem o nome do autor. Chacal – Mas a gente nem considerava muito livro, né? Heloisa – Não existe uma capa pra Passatempo… Não tem nada, não tem autor, não tem nome. Chacal – Passatempo é da Vida de Artista? Chico – Não, é da Frenesi. Eucanaã – Pra deixar claro, os livros eram publicados com o selo de algumas coleções, e essas coleções eram diferentes das editoras. Quantas coleções foram e em que ordem elas surgiram? Chico – Teve a Vida de Artista, a Capricho, organizada pela Ana Cristina e pelo Eudoro Augusto, que tinha como símbolo um carimbo com um raio muito caprichado. Chacal – Os livros da coleção Frenesi também eram muito bem acabados. Eucanaã – Então era Frenesi, Vida de Artista, Capricho… Chico – Tinha outras coleções que proliferavam em volta. Eucanaã – A Nuvem Cigana era coleção? Chacal – Era coleção, mas também era editora. A Nuvem Cigana editava… É mais ou menos parecido. Chico – A Nuvem Cigana tinha uma produção ampla. Eu me lembro de um show formidável que vocês fizeram no teatro Galpãozinho. Heloisa – A diferença é que não era um lançamento que acabava em si. Os outros grupos tinham um projeto engraçado, se reuniam, inventavam uma coleção, publicavam e dispersavam; e iam se reunir em outra composição, em outra coleção


e dispersavam. No caso da Nuvem Cigana é um pouquinho diferente, porque a Nuvem Cigana agregava nomes. Charles – Na Nuvem eram sempre as mesmas pessoas, e durou mais tempo também. Já no caso da Frenesi e das outras, tinha algumas variantes. Eucanaã – Quem integrava a Nuvem Cigana? Charles – Chacal, eu, Ronaldo Santos, Guilherme Mandaro e Bernardo Vilhena. Eucanaã – E quantos livros deram, ao final de tudo? Chacal – Coração de cavalo, Creme de lua, Perpétuo socorro, que são do Charles, três. O Ronaldo, dois ou três, o Bernardo, dois ou três. Eu tive um que foi meio híbrido, que é o América, meu terceiro livro, ele foi lançado na Vida de Artista, mas depois fui pra Nuvem e ele passou também a ser da Nuvem. Heloisa – A Nuvem tinha mais cara de editora, o resto era coleção. Chacal – E durou mais tempo também. Charles – Pois é, a Nuvem editava os almanaques, que eram umas revistas. Eduardo – O sistema de comercialização também foi aprimorado com a Nuvem, por ser mais uma editora? Chacal – A gente fez o rola-bola, era eu e um amigo meu, um era o rola e o outro era o bola. Heloisa – Como que é isso? Chacal – A gente levava os livros pra saguão de show, eu e o Resende, aí botava uma banquinha. Show de música, principalmente, porque era um público mais ou menos que a gente achava que podia se interessar pelas poesias. Eu levei também pra uma peça do Asdrúbal [Trouxe o Trombone], Trate-me leão, aí vendia alguma coisa, sempre vendia um pouquinho. Foi a forma que a gente fez com maior consistência, independente, porque o resto era colocar em consignação na Livraria Muro, já que apenas uma ou outra livraria aceitava. Heloisa – E vocês andavam sempre com os livros. Charles – Tinha as periguetes que vendiam também. [risos] Chacal – E os grandes lançamentos aconteciam nas Artimanhas. A primeira foi na Livraria Muro, em 1975. Foi uma festa bacana em que a gente começou a falar poesia. Essa primeira foi um sarau, e não era só a Nuvem Cigana, tinha várias pessoas, tinha o audiovisual do Vergara, tinha o Tavinho Paes. A gente foi aprimorando o formato inicial, e depois ficaram só os poetas se apresentando. Tinha uma batucada do bloco o Charme da Simpatia, também do grupo Nuvem Cigana, que saía no carnaval, e quase todos os lançamentos no final tinham o bloco. Então era uma grande festa. A gente tomou gosto por falar os poemas. As pessoas iam e ouviam e compravam o livro. Não era um público de comprar livro em livraria, não era um público de letras, era um público de carnaval, de música, de show. Quando ouvia aquilo, “ah, isso aí tem no livro?”, e comprava. Então essas Artimanhas ajudaram muito a vender os livros. Eucanaã – As Artimanhas aconteciam na Muro? Chacal – Não só. A primeira foi na Muro, a segunda foi no Museu de Arte Moderna, quando teve o lançamento do Almanaque.

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Charles – E foi no mam que o bloco Charme da Simpatia foi impor-

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tante pra gente sair no meio dos cachorros. Chacal – Era uma época pesada, 1976… Charles – A polícia fechou tudo, “como é que vamos sair agora”? Saímos no samba, porque eles não iam prender o bloco. Chacal – E saiu todo mundo vestido de mulher, passando pelos guardas. [risos] E a única vez que a gente teve um probleminha com a censura foi quando eles foram na Livraria Muro e pegaram o Almanaque. Eucanaã – Mas qual era o argumento para recolherem a revista? Era poesia, não é? Chacal – Que era comportamento abusivo e subversivo, era muita bagunça. Eucanaã – Abusivo, hífen, subversivo. [risos] Chico – Abusivo é uma palavra ótima! Chacal – A gente se dava muita permissão, fazia bagunça. Não tanto pelo Almanaque em si, que era como outras publicações, O Pasquim, por exemplo, mas era o comportamento da gente, de ir pro mam, que sempre foi uma coisa meio careta. Não tanto naquela época. Eduardo – Eu queria voltar àquela questão do segundo momento. Parece que algo muda quando entra em cena a puc. Os poetas vindos de lá dialogam mais com o cânone modernista, ou são os que, pelo menos, dialogam mais explicitamente, enquanto a poesia de Chacal e Charles parece mais intuitiva. Queria que vocês comentassem um pouco a diferença que há em relação a Cacaso e Ana Cristina e vocês, que pareciam mais oswaldianos, não era isso? Poema-pílula, poema-piada. Chacal – A minha formação é mais o Oswald de Andrade. Tem a história do livrinho que o Charles me emprestou da coleção Nossos Clássicos, da Agir, e eu fiquei encantado com aquilo, que era exatamente o que eu queria, ou seja, um poema curto e engraçado. Gostava de ler, mas poesia eu não lia muito, essa talvez fosse a diferença. Porque nós não temos uma formação literária mais densa, nós, da Nuvem Cigana. Só o Charles lia Maiakóvski, e era uma grande referência literária, não era, Charles? Maiakóvski e Pessoa. Charles – Eu também lia Bandeira, lia bastante livro. Heloisa – Você lia bastante. Tinha o avô, Ronald de Carvalho. Charles – Na verdade, eu não sou Charles nem Peixoto, muito menos! Eu sou Carlos Ronald de Carvalho, esse é meu ifp [Instituto de Identificação Félix Pacheco]. Eucanaã – Mas por que você não ficou Ronald de Carvalho, você não queria… Charles – Não queria apadrinhamento, achava tudo muito formal. Virginia que falou: “Não posso te chamar de Carlos, é muito germânico, você não tem cara de Carlos”, aí virou Charles. Foi um apelido assim. Eucanaã – Helô, você acha que a leitura crítico-analítica do Eduardo sobre esse segundo momento vale? Heloisa – Acho que são diferentes, mas eu não sei se é uma coisa modernista. Eu estou meio lesa.

Acima, Capa de Trechos escolhidos (1967), de Oswald de Andrade, coleção Nossos Clássicos, publicado pela Agir. Chacal brinca e dedica um dos livros da trilogia Nariz aniz, Boca roxa e Olhos vermelhos, na Livraria Muro, Rio de Janeiro, 1979.


Eucanaã – Está nada, quando você diz que não sabe é porque está sabendo. Heloisa – Deixa eu pensar um pouquinho. Claro que é diferente, mas acho que tem

uma coisa geracional. Charles e Chacal têm uma mistura com rock’n roll, não têm? Chacal – Com certeza. Heloisa – Um traço principalmente de contracultura, que nem Cacaso, nem Chico, nem Eudoro têm. É uma coisa de comportamento mesmo. Não acho que seja tão literário quanto da prática literária. Eu não vejo o Chacal, por exemplo, sem performance. Eu leio ele sem performance, porque ele não precisa disso, mas quando eu penso no Chacal, eu penso nele lendo. Tem uma coisa aí de Artimanha, uma prática diferente, o encantamento com o oral, com a coisa dramática e gestual. Tem uma performance no verso também. O verso do Chacal se mexe. Sabe, quando você vê o Quampérios, tem um movimento latente ali dentro. Enquanto no caso do Chico tem a paz, a referência literária é mais a palavra mesmo. Eucanaã – Ana Cristina estaria mais nessa segunda categoria? Heloisa – A Ana Cristina, pelo menos na minha leitura, tinha muita coisa também de performance. É engraçado porque, como eu era muito embolada com ela, tinha amor e ódio violentos. É uma relação literária, óbvio, mas eu não consigo ver secamente. Ana Cristina tem referências culturais muito claras, e tinha uma afinidade muito grande com essa geração, ela era da turma. Enturmava fácil. Você não sentia, não? Chacal – Eu sentia uma… Acho que ela tinha um desejo, mas era uma pessoa… Heloisa – Ela era presa, trancada. Charles – Ela era muito presa. Chacal – Era muito tímida com a gente, pelo menos, e a gente também com ela. Heloisa – A Ana Cristina tinha um gosto literário, mas eu não consigo juntar ela com Chico, por exemplo, nem com o Cacaso. Junto mais fácil com Charles. O Charles inglês erudito. É dif ícil pensar na Ana Cristina assim, com distância. Ela me apaixona e me irrita.

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Frente da Livraria Muro, palco de inúmeras Artimanhas durante a década de 1970. pp. 164-165 Poema de Chacal publicado no jornal Expresso Voador.

Eucanaã – Agora, outra coisa que sempre vem à tona quando a questão é essa geração

é que, a princípio, o nome “geração marginal” surge em função, basicamente, do suporte livro e de sua venda, que, em vez de circular numa indústria cultural já pronta, começa a circular marginalmente. Então, há quem defenda que é essa situação que junta os marginais e que, na verdade, eles não têm nenhuma outra afinidade. Ou a gente pode dizer, por outro lado, que a geração marginal é um guarda-chuvão literário e que há, sim, afinidades formais? Heloisa – Um guarda-chuvão muito ligado à ideia, me parece, menos de vender livros e mais da contracultura. O momento era o de cair fora, sair, lembra? Drop out, sair do sistema, ficar marginal, é antissistema, mas sem a leitura de um marginal político, e sim com a do sistema lato sensu. Sistema editorial, essa coisa de fazer livro, ler etc., vem dos beats… O mundo inteiro tinha uma atitude contracultural, “faça seu próprio livro e leia na rua”. Eu vi no México uns livrinhos maravilhosos. E tem lugares que têm os excepcionalmente bonitos. A Califórnia, por exemplo, tem cada artesanato de livrinho de 1970 incrível! Chacal – Eu tinha curiosidade de ver os da City Light. Heloisa – Pois é, é nesses que eu estou pensando, que é uma loucura a qualidade, o delírio, aquela coisa, aquele objetinho gostoso. Chacal – Deviam ser em pequenas tiragens também. Heloisa – Mínimas. Mas todas com leitura, tinha que ler. Eucanaã – Mas, Helô, deixa eu te perguntar uma coisa: o contracultural é um guarda-chuva maior ainda do que a poesia marginal, ficando, então, um su­ per guarda-chuva? Heloisa – Eu acho que é um super guarda-chuva.


Eucanaã – Pois é, mas estou tentando sair do guarda-chuvão pra uma coisa menor.

Não há também nos textos uma discussão da forma? Heloisa – Também, claro que tem. Chico – Acho que há a coisa da experiência, quer dizer, uma poesia na qual a empatia conta muito, e foi o que me interessou. Na vertente contracultural eu entrava com dificuldade, então eu não me sentia à vontade, era como uma projeção à fantasia. Agora, eu me interessava profundamente quando sentia que por trás da voz deles tinha uma vida, que estavam se jogando ali e vivendo. E, num sentido que contrariava um pouco a retórica anterior, que era uma coisa de um discurso externo, como o Violão de Rua, que era toda uma referência, uma coisa por fora, uma retórica, e como os formalistas, formalistas entre aspas, que ficavam muito dentro da linguagem, dos problemas e da problematização de linguagem que eles traziam, agora tinha aquela coisa do contato direto com a vida e com as experiências diretas, isso era a grande… Uma coisa genial. Heloisa – Eu acho, não sei nem direito o porquê, que a poesia marginal está mais perto do concretismo. O Chacal, por exemplo, tem um jogo, tem uma coisa. Depois que eu relaxei com o concretismo, digamos, comecei a ver outra coisa por trás. Chacal – Mas não tem essa coisa de que o Chico fala, essa experiência, a dureza. Heloisa – Mas tem a experiência, tem o visual, tem uma coisa de jogo, da palavra fragmentada, tem um brinquedo ali. Chico – Hoje, no suporte blog, a gente sente muito a inventividade, a escolha da cor, uma coisa de montagem de circo, o próprio trocadilho, a descoberta da graça da linguagem, o lado visual muito forte. Heloisa – Naquela época, era um pra lá, outro pra cá. Eucanaã – Isso era mesmo o espírito da época, tipo, eles lá e a gente aqui. Chacal – Comigo não acontecia isso. Heloisa – Mais por causa deles, porque eles implicavam; a vanguarda é guerreira, a vanguarda inova, ela joga tudo pra trás, ela agride. Eucanaã – Mas havia alguma simpatia. Por exemplo, os tropicalistas, que eram muito pró-concretistas, tinham um namoro com os marginais. Eu lembro, por exemplo, o Chacal aparecendo na Navilouca, que foi uma tentativa de botar no mesmo barco, metafórica e literalmente, todo mundo, e o Caetano escrevendo sobre Charles. Então tinha também uma possibilidade daquilo se juntar. Mas não se juntou, não é? Heloisa – Não completamente. Chacal – O Waly foi um elo. Chico – O Waly foi o primeiro eco que eu tive de que alguma coisa estava chegando. Deve ter sido meses depois do lançamento, eu, andando pela rua, peguei o livro dele numa banca de jornal… Heloisa – O Me segura qu’eu vou dar um troço? Chico – Sim. Envolvido num plástico, eu li ali, não desgrudei, levei um susto, realmente, com como aquilo, em 1972, por aí, vinha com uma força imensa. Aí mistura com tudo, tem muita mistura. Chacal – O Torquato Neto também tinha essas experiências visuais fortes, próprias

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No tempo

O registro das publicações e dos acontecimentos nesta cronologia, assim como o estabelecimento das datas-limite (1957 a 1984), é historiograficamente justificável, ainda que se admita a possibilidade de haver algo antes ou depois do recorte temporal aqui proposto. Cadeira de bronze (1957), de Zuca Sardan (Carlos Felipe Saldanha), foi considerado ponto de partida para a poesia que ganharia maior espaço na década de 1970 por incluir características que se afinariam com os dos poetas marginais, como o uso do mimeógrafo, as ilustrações bem-humoradas e os versos diretos e abusados. Para a interrupção da cronologia, foram considerados problemas de naturezas diversas, localizados no início dos anos 1980: a morte de Ana Cristina Cesar; a dispersão de uma das coleções mais importantes do período, a Nuvem Cigana; a escassez da acelerada produção de livros nos moldes marginais; a constatação de que não foram mais criados selos editoriais como Frenesi, Capricho e Vida de Artista; a rarefação das Artimanhas, badalados eventos literários próprios da poesia marginal; os novos rumos na carreira individual dos poetas, o que afetaria o movimento de um modo geral; e, por fim, os novos enquadramentos culturais, como o crescente interesse da crítica especializada e da universidade pela produção poética de 1970, ao lado do reconhecimento desta por parte de editoras comerciais, que passaram a editar as obras de vários daqueles autores. Elizama Almeida

1957 a Carlos Felipe Saldanha publica seu primeiro livro, Cadeira de bronze, em edição mimeografada. Suas outras publicações seguiriam a mesma linha da primeira, uma espécie de gibi, mesclando poesia e desenhos.

1967 a Antônio Carlos de Brito, professor da puc-Rio que ficaria conhecido como o poeta Cacaso, um dos personagens mais importantes para a geração marginal, publica neste ano A palavra cerzida. O livro é considerado um antecipador do movimento artístico-literário que marcaria a década seguinte.

1968 a Francisco Alvim, também um anunciador da geração de 1970, publica Sol dos cegos. Segundo o crítico José Guilherme Merquior, Cacaso e Chico Alvim davam início a uma geração pós-vanguardista.

1971 a Chacal (Ricardo de Carvalho Duarte) lança Muito prazer, Ricardo, seu primeiro livro, em edição mimeografada. O nome original seria Muito prazer, Chacal, mas Guilherme Mandaro se opôs, porque Chacal era o epíteto de um famoso terrorista venezuelano da década de 1960. a Travessa bertalha 11, o primeiro livro de Charles Peixoto, é publicado, também em edição mimeografada.

1972 a O misterioso ladrão de Tenerife, de Eudoro Augusto e Afonso Henriques Neto, é um dos primeiros livros feito a quatro mãos.


Charles e Guilherme Mandaro, Rio de Janeiro, c. 1970.

a Ronaldo Bastos publica Canção de Búzios com o selo da coleção Nuvem Cigana – empresa que atuaria em várias frentes, funcionando como editora, produtora, criadora do bloco de carnaval Charme da Simpatia e agitadora cultural. Neste momento, a Nuvem Cigana ainda não representava o movimento artístico-literário pelo qual ficaria conhecida. Ronaldo, fundador da empresa, se associa, em princípio, a um grupo de perfil bastante plural, como fotógrafos, artistas gráficos e arquitetos (Cafi, Dionísio Oliveira, Pedro Cascardo e Lúcia Lobo). Em 1975, se juntariam a eles os poetas Chacal, Charles Peixoto, Bernardo Vilhena e Guilherme Mandaro. a Chacal publica Preço da passagem, com o objetivo de financiar sua passagem para Londres, polo da contracultura naquela época. As 34 folhas do livro, envelopadas em papel pardo carimbado com o nome do autor, o título e a tiragem, podem ser lidas sem ordem definida. Nos poemas, Chacal cria um alter ego, Orlando Tacapau, baseado nos personagens oswaldianos Serafim e João Miramar. a Em 8 de janeiro, Waly Salomão publica o artigo “- Cha - cal -”,

sobre o livro Muito prazer, Ricardo, na coluna “Geleia geral”, de Torquato Neto, no jornal Última Hora. O título era um trocadilho com a turnê Fa-tal, de Gal Costa, que se apresentava desde o ano anterior no Teatro Tereza Rachel, dirigida pelo próprio Waly. a Waly Salomão publica Me segura qu’eu vou dar um troço pela José Álvaro Editor, escrito quando esteve detido no presídio Carandiru, em São Paulo, em 1970. O livro é considerado uma obra de transição entre o período tropicalista e o do desbunde, em que a poesia marginal encontrou ampla expressão.

1973 a Publicação de Os últimos dias de paupéria, reunião de textos póstumos de Torquato Neto, que se suicidara no fim do ano anterior.

a O Departamento de Letras e Artes da puc-Rio, dirigido por Affonso Romano de Sant’Anna, organiza a mostra Expoesia i. Cacaso, professor da puc, e Heloisa Buarque de Hollanda, da ufrj, publicariam, sobre a exposição, o artigo-análise “Nosso verso de pé quebrado”, em janeiro de 1974, na revista Argumento. O evento, que reuniu cerca de 300 “novos” trabalhos, serviu para, como escreveram os próprios autores, além de realizar uma “retrospectiva dos movimentos de vanguarda (concretismo, neoconcretismo, práxis, tendência e processo)”, fazer um “levantamento de áreas de produção poética”. Cacaso seria o grande crítico e, ao mesmo tempo, personagem da poesia marginal, tratando do tema em inúmeros artigos, como “A poesia malcriada”, publicada no jornal Movimento em 26/06/1976, e “Tudo da minha terra: bate-papo sobre poesia marginal”, no Almanaque (caderno de literatura e ensaio), em 1978. Em 1973, se realizaria ainda, em Curitiba, a Expoesia ii, coordenada, dessa vez, por Valêncio Xavier. Futebol da coleção Nuvem Cigana no clube Caxinguelê, Horto, Rio de Janeiro, c. 1970.

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a Ronaldo Santos publica Entrada franca, seu primeiro livro em edição mimeografada, lançado no show de Jards Macalé no Teatro Tereza Rachel.

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a A coleção Frenesi, pensada desde 1972 e capitaneada, principalmente, por Cacaso, a partir de sua insatisfação com a produção poética daquele tempo, publica seus principais autores: Antônio Carlos de Brito, com Grupo escolar; Francisco Alvim, com Passatempo; Roberto Schwarz, com Corações veteranos; Geraldo Eduardo Carneiro, com Na busca do sete-estrelo; e João Carlos Pádua, com Motor, que contava ainda com fotos de Bita Carneiro, irmã do poeta Geraldo Carneiro. a É lançada, neste mesmo ano, a coleção Vida de Artista, integrada por Cacaso, Eudoro Augusto, Chacal, Carlos Saldanha e Luis Olavo Fontes, que publicou Prato feito, seu livro de estreia. Vida de Artista tinha como símbolo um gracioso desenho de balão, feito por Sergio Liuzzi e Rogério Martins [Dick], designer que assinaria diversas capas de livros marginais.

a Lançamento do primeiro e único número da revista Navilouca ­– Almanaque dos Aqualoucos, organizada por Waly Salomão e Torquato Neto, com participação de Caetano Veloso, dos poetas concretistas Augusto e Haroldo de Campos, da artista plástica Lygia Clark, de Chacal, entre outros. a O grupo de teatro Asdrúbal Trouxe o Trombone estreia, no Rio de Janeiro, com O inspetor geral, texto de Nikolai Gogol. Chacal seria coautor das peças Trate-me Leão, em 1977, e Aquela coisa toda, em 1978. a A poeta gaúcha Angela Melim publica O vidro o nome.

1975 a Chacal publica América, seu terceiro livro, pelo selo Vida de Artista. Ele seria, no ano seguinte, adotado pela coleção Nuvem Cigana. O lançamento aconteceu no encontro de futebol do clube Caxinguelê, no Horto, que reunia às quintas-feiras alguns dos integrantes fundadores da Nuvem Cigana: Dionísio, Pedro Cascardo, Ronaldo Santos, Ronaldo Bastos e Cafi. a A Nuvem Cigana inicia carreira editorial com o selo de mesmo nome. Nessa condição, publica Creme de lua, de Charles, seguido de Vau e talvegue, de Ronaldo Santos, e de O rapto da vida, de Bernardo Vilhena. a Rui Campos, dono da Livraria Muro (atual Livraria da Travessa), Grupo de teatro Asdrúbal Trouxe o Trombone, em cena com a peça O inspetor geral, Rio de Janeiro, 1974.

Os poetas Luis Olavo Fontes e Ledusha, Rio de Janeiro, 1981.

convida o grupo Nuvem Cigana para participar de um evento inspirado nas feiras de literatura de cordel, com exposição de livros, performances, projeções audiovisuais e música. Esse tipo de acontecimento, que seria batizado de Artimanha, estreou durante o feriado de Finados daquele ano. O nome desses eventos que marcariam fortemente essa geração homenageia um poema de Torquato Neto publicado em Navilouca. a São lançados, pela Vida de Artista, os livros Segunda classe, de Luis Olavo Fontes e Cacaso, escrito durante a viagem que os dois fizeram juntos de Pirapora (mg) a Juazeiro (ba); A vida alheia, de Eudoro Augusto; Beijo na boca, de Cacaso; e Aqueles papéis, espécie de gibi mimeografado de Carlos Saldanha. a Cacaso faz uma versão datilografada do livreto Na corda bamba. No ano seguinte, sairia uma versão fotocopiada, e, em 1978, a primeira edição revista e diminuída do livreto, já em ofsete com ilustração de seu filho Pedro.


a Eudoro Augusto e Bernardo Vilhena publicam uma pequena antologia no primeiro número da revista Malasartes, de set./out./ nov., cujo objetivo era divulgar uma “poesia que salta da consciência do poeta pra um papel qualquer”. Intitulada “Consciência marginal”, a antologia reuniu alguns dos nomes que comporiam a coletânea 26 poetas hoje, organizada por Heloisa Buarque de Hollanda e publicada no ano seguinte. Entre os poetas da coletânea, estão Charles, Chacal, Afonso Henriques Neto, Chico Alvim, Ronaldo Bastos e João Carlos Pádua. a Paulo Leminski lança Catatau, “romance-ideia”, como o autor nomeou, concluído após uma década de escrita. a Afonso Henriques Neto publica seu segundo livro, Restos & estrelas & fraturas, em edição própria.

1976 a Em 11 de janeiro, é publicado o primeiro número do Almanaque Biotônico Vitalidade, idealizado coletivamente pela Nuvem Cigana. O lançamento

foi realizado no mam, com Artimanha. Alguns meses depois, todos os exemplares do Almanaque seriam recolhidos da Livraria Muro pelo Serviço de Censura Federal. O segundo Almanaque seria publicado no ano seguinte, mas não teria a mesma repercussão. a Atendendo a convite da editora espanhola Labor, Heloisa Buarque de Hollanda publica, em agosto, a antologia 26 poetas hoje. Em julho do ano anterior, a professora já havia reunido os futuros “novos poetas” no artigo “Antologia de poesia brasileira hoje”, publicado na revista Tempo Brasileiro. O lançamento de 26 poetas hoje, como não poderia deixar de ser, contou com Artimanha, do grupo Nuvem Cigana, e aconteceu no parque Lage, palco de diversos eventos marginais. Pouco após o lançamento, a revista José publica a extensa entrevista-debate “Poesia hoje”, com a própria Heloisa, Ana Cristina Cesar, Geraldo Eduardo Carneiro e Eudoro Augusto, entrevistados pelos já renomados críticos literários Luiz Costa Lima, Jorge Wanderley e Sebastião Uchoa Leite. O lançamento da antologia motivou o polêmico artigo de Affonso Romano de Sant’Anna, “Os sórdidos: comentário crítico da antologia 26 poetas hoje”, na revista Veja. a A Nuvem Cigana, como empreendimento editorial, publica apenas dois números do periódico Anima, que reuniu Capa e contracapa do segundo e último número do Almanaque Biotônico Vitalidade (1977). Capa de Cláudio Lobato, Ronaldo Gorini e Paulo Amorim; arte de Rogério Martins [Dick]; e produção gráfica de Robson Achiamé Fernandez. (30 x 21 cm)

187 Cacaso participa de Artimanha lendo poemas de seu livro Grupo escolar no parque Lage, Rio de Janeiro, 1976.

vários participantes do coletivo poético. A curta vida da revista é explicada logo em seu início: só “sairá quando se realizarem os movimentos necessários: ânimo não é coisa que se force”. O segundo e último número seria lançado em abril de 1977. a Charles publica Perpétuo socorro, seu segundo livro sob o selo Nuvem Cigana; Guilherme Mandaro lança Hotel de Deus, seu primeiro e único título; e Xico Chaves, o livro-cartaz Pipa, também pela Nuvem. a Luis Olavo Fontes reúne, em Papéis de viagem, os poemas escritos entre 1973 e 1976, e os publica pelo selo Vida de Artista. a Leila Miccolis publica Silêncio relativo e ainda, neste mesmo ano, Impróprio para menores de 18 amores, em coautoria com Franklin Jorge. a Vai que vai, de Pedro Lage, é publicado.

1977 a A Nuvem Cigana se apresenta, a convite do editor paulista Massao Ohno e do organizador


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do evento Claudio Willer, na Feira Poesia e Arte, no Theatro Municipal de São Paulo, em comemoração aos 55 anos da Semana de Arte Moderna. Neste mesmo ano, fazem nova Artimanha em Brasília. Nicolas Behr, poeta brasiliense, impulsionado pela apresentação e pelo estilo do grupo, publica Iogurte com farinha, seu primeiro livreto mimeografado de uma série de outros que venderia 8 mil exemplares até o fim da década de 1970. a A revista Escrita, um “must literário”, segundo Heloisa Buarque de Hollanda, dedica a edição do n. 19 à poesia marginal, anunciando em sua capa: “A vez dos marginais”. Ali, há poemas, entrevistas e depoimentos de Xico Chaves, Guilherme Mandaro, Bernardo Vilhena e outros. a Chacal lança Quampérios, seu quarto livro, no parque Lage, pela Nuvem Cigana.

1978 a Dia sim, dia não, de Eudoro Augusto e Francisco Alvim, é publicado em Brasília pelas Edições Mão no Bolso, na realidade um gracejo da dupla de poetas, já que essas edições não existem (assim como fez Bernardo Vilhena ao criar as Edições Mirabolantes de O rapto da vida). a Nicolas Behr publica Chá com porrada, seu segundo livro mimeografado, além de Grande circular – Poemas com sabor bem Brasília e Caroço de goiaba. Chacal em performance numa Artimanha na Livraria Muro, Rio de Janeiro, c. 1970.

a Sergio Santeiro publica Saudades de Copacabana em edição própria. Considerado um cinepoema, foi escrito em março e abril de 1976. a Das tripas coração, de Angela Melim, é publicado pela Noa Noa. a Tavinho Paes publica o romance Cat-Xupe.

1979 a A Nuvem Cigana lança Coração de cavalo, de Charles, 14 bis, de Ronaldo Santos, e Atualidades atlânticas, de Bernardo Vilhena, numa Artimanha realizada no planetário da Gávea. Ainda neste ano, Chacal publica a trilogia Nariz aniz, Olhos vermelhos e Boca roxa, cujas capas são desenhos de Pablo Picasso. a Em setembro, Ana Cristina Cesar publica Cenas de abril e Correspondência completa, em edição própria. Fica claro o espírito de liberdade editorial do período quando se observa neste último livreto, de pouco mais de dez páginas, o título “Correspondência completa”, sendo ele, no entanto, composto por uma única carta; e, apesar

Guilherme Mandaro em viagem, Rio de Janeiro, c. 1970.

de ser a primeira edição, Ana Cristina assinala na folha de rosto “2ª edição”, podendo confundir o leitor mais despreparado. a Luis Olavo Fontes reúne seus poemas desde 1977 e os publica em Tudo pelos ares, enquanto João Carlos Pádua lança Paisagem urbana. Ambos os lançamentos acontecem na Livraria Noa Noa. a Nicolas Behr lança a antologia mimeografada Haja Saco, composta por quatro títulos: Parto do dia, Elevador de serviço, Entre quadras e Saída de emergência. Além da coletânea, publica, neste mesmo ano: Bagaço; Com a boca na botija; Põe sia nisso!!!; Brasileia desvairada; e Kruh.


a É publicado Trem da noite, livro de poemas inéditos de Guilherme Mandaro, que se suicida neste mesmo ano. a João Carlos Pádua publica Paisagem urbana, em edição própria. a Angela Melim publica As mulheres gostam muito, pela Noa Noa.

1980 a O grupo Nuvem Cigana perde um pouco da força como agitador cultural e editora. No entanto, a convite de Nelson Motta, alguns de seus integrantes participam do programa Música pra Pular Brasileira, na Rádio Nacional fm. a Ana Cristina Cesar publica Luvas de pelica, seu terceiro livro, pelo selo de uma nova coleção, a Capricho, criada por ela e pelo poeta Eudoro Augusto.

1981 a A coleção Capricho lança, em maio deste ano, os livros: Ossos do paraíso, de Afonso Henriques Neto; Cabeças – 88 poemas, de Eudoro Augusto; Lago, montanha e Festa, de Francisco Alvim; Risco no disco, de Ledusha; Último tapa, de Luis Olavo Fontes; De mão em mão, de Pedro Lage; e Almanach sportivo – As primeiras olimpíadas sociais, de João Padilha e Zuca Sardana. Heloisa Buarque de Hollanda escreve o artigo “A hora e a vez do Capricho”, no Jornal do Brasil de 16 de maio. a Carlos Alberto Messeder Pereira lança Retrato de época: poesia marginal – anos 70, pela Funarte. a Angela Melim publica Os caminhos do conhecer e Vale o escrito, pela Noa Noa. a Nicolas Behr publica Brasília para os brasilienses, em edição própria.

a Paulo Leminski publica Polonaises, em edição própria.

1982

a Carlos Saldanha publica os gibis mimeografados Os mystérios e Visões do bardo (figurinhas Rex), sob o pseudônimo de Zuca Sardana. O mesmo nome teria ainda algumas variações: Zuca Sardan seria usado a partir de 1993, e o Zuca Sardhan assinaria alguns textos exotéricos.

a A editora paulista Brasiliense toma posição como primeira grande editora a se interessar pelos poetas que até então publicavam de maneira alternativa. Assim, Ana Cristina Cesar inaugura a coleção Cantadas Literárias com A teus pés, que reúne seus três primeiros livros e mais alguns inéditos.

a Heloisa Buarque de Hollanda publica o artigo “O espanto com a biotônica vitalidade dos 70” em Impressões de viagem – cpc, vanguarda e desbunde: 1970.

a Cacaso publica Mar de mineiro, último livro de poemas inéditos antes de sua morte, em 1987. Poemas publicados na última página do jornal Expresso Voador (1977)

a Em janeiro, o Circo Voador é criado com a intenção de reunir, num mesmo lugar, movimentos alternativos. Os eventos acontecem sob uma lona azul na praia do Arpoador. Alguns integrantes do grupo Nuvem Cigana participam da edição do jornal semanal Expresso Voador, colaborando com fotografias, ilustrações e poemas.

1983 a Chacal e Waly Salomão publicam pela coleção Cantadas Literárias, da Brasiliense, Drops de abril e Gigolô de bibelôs, respectivamente.

1984 a A cineasta Ana Maria Magalhães dirige o curta-metragem Assaltaram a gramática, com roteiro de Charles Peixoto. Os poetas marginais Chico Alvim, Chacal, Paulo Leminski e Waly Salomão participam do documentário com performances e leituras, e homenageiam também Ana Cristina Cesar, que se suicidara no ano anterior. A música homônima foi composta pelo próprio Waly e por Lulu Santos.

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a i f a r g o i l b i b e v e r b Livros

Artigos em periódicos

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agradecimentos Armando Freitas Filho, Bernardo Vilhena, Cecília Leal de Oliveira, Chacal, Charles Peixoto, Chico Alvim, Clara Alvim, Eduardo Coelho, Eudoro Augusto, Flavio Cruz Lenz Cesar, Geraldo Eduardo Carneiro, Heloisa Buarque de Hollanda, João Carlos Horta, Jorge Wanderley, José Pinheiro Guimarães, Lita Cerqueira, Luís Felipe Cruz Lenz Cesar, Luis Olavo Fontes, Luiz Costa Lima, Mara Aché, Mariano Marovatto, Marta Luz, Nicolas Behr, Patricia Newcomer, Roberto Cattan, Rogério Martins, Ronaldo Santos, Rosa Emilia Dias, Rui Campos, Sebastião Uchoa Leite e Soli Levy

Créditos de imagem pp. 6, 151 e 180 Charles Peixoto| Acervo Pessoal Charles Peixoto pp. 10, 185 e 186a José Pinheiro Guimarães | Acervo Pessoal Charles Peixoto p. 13 Eurico Dantas | Agência O Globo p. 20 Mara Aché | Acervo Pessoal Charles Peixoto pp. 27, 39, 158 Roberto Cattan | Acervo Pessoal Charles Peixoto pp. 31, 154, 163, 174 e 186b Marta Luz | Acervo Pessoal Rui Campos p. 37 Manoel Soares | Agência O Globo pp. 39 e 137 ©Alécio de Andrade, adagp, Paris, 2013. Courtesy Instituto Moreira Salles. p. 39 Cecília Leal de Oliveira | Acervo ims pp. 132 e 171 Foto Arquivo | Agência O Globo p. 136 Bob Wolfenson pp. 139 e 146 Soli Levy | Acervo Pessoal Heloisa Buarque de Hollanda p. 140 Cecília Londres | Acervo ims p. 143 Lita Cerqueira | Acervo Pessoal Charles Peixoto p. 145 Paulo Moreira | Agência O Globo p. 148 Agência Istoé | Acervo ims p. 154 Centro Unificado Profissional (cup) – Autor desconhecido | Acervo Pessoal Geraldo Eduardo Carneiro p. 154 Nice Benedictis | Acervo Pessoal Geraldo Eduardo Carneiro p. 157a Arquivo Gráfica Gralha | Acervo Pessoal Zuca Sardan pp. 157b e 172 Clara Alvim | Acervo Pessoal Nicolas Behr p. 160 João Carlos Horta | Acervo Pessoal Charles Peixoto p. 172 José Carlos Viegas p. 173 Mário Maciel | Acervo Pessoal Nicolas Behr p. 183 Rogério Martins | Acervo Pessoal Charles Peixoto


instituto moreira salles

Walther Moreira Salles (1912-2001) Fundador

administração

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Catálogo e exposição Poesia marginal – Palavra e livro © Instituto Moreira Salles, 2013 realização Instituto Moreira Salles coordenação editorial Samuel Titan Jr. curadoria Eucanaã Ferraz pesquisa/assistente de curadoria Elizama Almeida assistência editorial Denise Pádua e Flávio Cintra do Amaral preparação e revisão Flávio Cintra do Amaral, Juliana Miasso e Sandra Brazil projeto gráfico Mayumi Okuyama projeto expográfico Ana Laet Design designer Cecília Costa coordenação de produção – ims-rj Elizabeth Pessoa produção gráfica Acássia Correia digitalização e tratamento de imagem Jorge Bastos assessoria de comunicação Marília Scalzo e Nathalia Pazini coordenação de produção ims-rj Elizabeth Pessoa equipe de produção ims Maria Moretto Lúbia Maria de Souza Sandra Carvalho Luiz Fernando da Silva Machado Alan Setubal Jairo Soares da Silva Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip) (Câmara Brasileira do Livro, sp, Brasil) p798 Poesia marginal: palavra e livro Eucanaã Ferraz (org.) – São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2013. 192 p. : il. , fot. isbn 978-85-86707-97-1 1. Poesia década de 1970 – Brasil. 2. Literatura – Poesia – Brasil. 3. Exposição – Catálogo. i. Ferraz, Eucanaã (org.). ii. Título. cdu 869.915

cdd-869.1

Tiragem: 1.000 exemplares Papel: Ofsete 150 g/m2 Fonte: Warnock Pro Impressão: Pancrom Indústria Gráfica



isbn 978-85-86707-97-1

9 788586

707971


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