Uma pedra no meio do caminho

Page 1

carlos drummond d e andrade

u ma

pedra no m ei o do ca m i n h o

bi o grafia d e um p oema edição ampliada

Eucanaã Ferraz





seleção e montagem

ca r lo s drummond de a ndrade

u ma

pedra no m ei o do cami nh o

bio gra f i a de um p oema edição ampliada

Eucanaã Ferraz


No meio do caminho ti  tinha uma pedra no me  tinha uma pedra no meio do caminho ti

Nunca me esquecerei d  na vida de minhas retin  Nunca me esquecerei q  tinha uma pedra tinha uma pedra no me  no meio do caminho t


nha uma pedra  io do caminho

nha uma pedra.

esse acontecimento  as tão fatigadas.  ue no meio do caminho

io do caminho  inha uma pedra.



apresentação Eucanaã Ferraz 9 biografia de um poema 24 ainda a pedra 248 biografia da biografia 304 índice onomástico 336



Nota para um livro divertidíssimo eucanaã ferraz

“Je trône dans l’azur comme un sphinx incompris.” Charles Baudelaire, “La Beauté”, Les Fleurs du mal

Houve o tempo em que um trabalho miúdo e constante de difamação do modernismo tomava como exemplo da pior literatura o poema “No meio do caminho”. Carlos Drummond de Andrade, seu autor, rememoraria em depoimento radiofônico: Como podia eu imaginar que um texto insignificante, um jogo monótono, deliberadamente monótono, de palavras causasse tanta irritação, não só nos meios literários como ainda na esfera da administração, envolvendo seu autor numa atmosfera de escárnio? Professores de português, ainda sem curso de letras, geralmente bacharéis de formação literária convencional, espalhavam pelo Brasil inteiro, nos Ginásios, que o modernismo era uma piada ou uma loucura, e como prova liam o poeminha da pedra. Sucesso absoluto de galhofa. Imagem gravada na mente de milhares de garotos, que daí por diante assimilariam o conceito de modernismo-pedra-burrice-loucura.1

  Conversas com Lya Cavalcanti, numa série de oito programas dominicais na Rádio Ministério da Educação e Cultura, levada ao ar sob o nome de Quase memórias, em 1954. Após o aparecimento, em partes, nas páginas do Jornal do Brasil, o depoimento foi publicado com o título Tempo, vida, poesia: confissões no rádio, em 1986. In.: Prosa seleta, Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2002, p. 1227.


A posição de chefe de gabinete de Gustavo Capanema, ministro da Educação e Saúde Pública, trouxe o poeta para o Rio de Janeiro em 1934, e com isso instalou-o numa espécie de vitrine, atacada, evidentemente, com a pedra que arrastaria para onde fosse: O autor da pedra em posição-chave no Ministério que cuida do ensino! O solecismo “tinha um pedra”, em lugar de “havia uma pedra”, erigido em norma oficial de linguagem... Capanema sempre foi o mais 12 |

indulgente dos homens. Não se podia atacar o Estado Novo, porque a censura do dip vigiava e rosnava. Mas atacar o Capanema, podia; ele dava liberdade, e além do mais não tinha cobertura em Minas, onde Benedito Valadares lhe fazia pirraças enciumadas. Então, pau no Capanema. Entre outras coisas, a pedra servia para mostrar que só podia ser maluco um ministro que tinha secretário maluco.2

Política e literatura viam-se, assim, estrategicamente confundidas, enquanto pareciam inconciliáveis a figura do funcionário exemplar e a do poeta extravagante num mesmo sujeito: Mais de uma vez me disseram: “Engraçado, eu pensava que o senhor fosse débil mental, mas agora, vendo que providencia o andamento dos processos e faz as coisas normalmente, vejo que me enganei. Desculpe: foi por causa da pedra no caminho...” 3

Lembremos que Drummond, até 1945, ano em que deixou o gabinete de Capanema, publicara, além de Alguma poesia — de que fazia parte “No meio do caminho” — outros livros excepcionais, como Brejo   Prosa seleta, op. cit..   Ibidem.


“Retrato de Carlos Drummond de Andrade i”, por Tarsila do Amaral, c.1941 (crayon sobre papel, 31,5 x 22,9 cm). Desenho feito a partir de uma fotografia, para ilustrar o número especial da Revista Acadêmica, de julho de 1941, dedicado ao poeta. © Tarsila do Amaral Empreendimentos



A pedra vai pelo mundo

az út közepén Az út közepén volt egy kö egy kö volt az út közepén volt egy kö az út közepén egy kö volt. Soha nem felejtem el ezt az eseményt amig csak fáradt retinám él. Soha nem felejtem, hogy az út közepén volt egy kö egy kö volt az út közepén az út közepén egy kö volt.

paulo rónai, “A másik Brazilia” [O outro Brasil]. Ujság, Budapeste, 04.06.1939. Reproduzido in: Brazilia Üzen. Budapeste: A Vajda János Társaság Kiadása, 1939, p. 70.

en medio del camino En medio del camino había una piedra, había una piedra en medio del camino, había una piedra, en medio del camino había una piedra. Nunca me olvidaré de ese acontecimiento en la vida de mis retinas tan fatigadas.

| 49


Nunca me olvidaré que en medio del camino había una piedra, había una piedra en medio del camino en medio del camino había una piedra. gastón figueira, Poesia brasileña contemporánea. Montevidéu: Instituto de Cultura Uruguayo-Brasileño, 1947, p. 43.

50 |

au milieu de la route Au milieu de la route il y avait une pierre il y avait une pierre au milieu de la route il y avait une pierre au milieu de la route il y avait une pierre Jamais je n’oublierai cet événement dans la vie de mon regard si las Jamais je n’oublierai qu’au milieu de la route il y avait une pierre il y avait une pierre au milieu de la route au milieu de la route il y avait une pierre.

michel simon. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 01.02.1958. Texto refundido pelo tradutor.

nel mezzo del cammino Nel mezzo del cammino c’era un sasso c’era un sasso nel mezzo del cammino c’era un sasso nel mezzo del cammino c’era un sasso.


Non dimenticherò questa cosa accaduta nella vita dei miei occhi così stanchi. Non dimenticherò mai che nel mezzo del cammino c’era un sasso c’era un sasso nel mezzo del cammino nel mezzo del cammino c’era un sasso. ruggero jacobbi, Lirici brasiliani dal modernismo ad oggi. Milão: Silva Editore, 1960, p. 89. | 51

mitten im weg Mitten im Weg lag ein Stein Lag ein Stein mitten im Weg Lag ein Stein Mitten im Weg lag ein Stein. Nie werde ich dieses Ereignis Im Leben meiner so ermudeten Netzhaut vergessen. Nie werde ich vergessen dass mitten im Weg Lag ein Stein Lag ein Stein mitten im Weg Mitten im Weg lag ein Stein.

curt meyer-clason, Poesie. Frankfurt: Suhrkamp Verlag, 1965, p. 119.

in the middle of the road In the middle of the road was a stone was a stone in the middle of the road was a stone in the middle of the road was a stone.


Os amigos da pedra

• 140 |

Vou mandar os poemas que prefiro pros diretores da Estética que escolherão um ou dois ou três, não sei, pra publicar… Não mando “No meio do caminho” porque tenho medo de que ninguém goste dele. E porque tenho o orgulhinho de descobrir nele coisas e coisas que talvez nem você tenha imaginado pôr nele. mário de andrade, carta a Carlos Drummond de Andrade. São Paulo, 18.02.1925.

Gostei extraordinariamente de uns outros versos seus que vi em mãos de Sérgio Buarque (“No meio do caminho tinha uma pedra” etc.). Frisei a minha gostação porque pelo Sérgio soube que o Mário44 lhe desaconselhara a publicação do poema, por julgá-lo o melhor exemplo de cansaço cerebral. De fato assim é. Mas que é que se procura num poema — é poesia, sim ou não? Há ocasiões em que no cansaço cerebral só fica uma célula lírica aporrinhando com uma baita força emotiva!

manuel bandeira, carta a Carlos Drummond de Andrade. Rio de Janeiro, 17.12.1926. Poesia e prosa, vol. ii. Rio de Janeiro: Aguilar, 1958, p. 1396.

• Mas estupenda mesmo é a pedra que está no caminho. Vamos sentar nela?

antônio de alcântara machado, carta a Carlos Drummond de Andrade. São Paulo, 09.11.1928.

  Mário de Andrade.


[…] e Prudente Neto confidenciava, entre portas cerradas, que o poe­ma da pedra era a melhor coisa do mundo.

afonso arinos (sobrinho), “Notícia sobre Carlos Drummond de Andrade”. O Jornal, Rio de Janeiro, 15.06.1930.

• O poema da pedra — “No meio do caminho” — é tão sucessoso que se

tornou um lugar-comum elogiá-lo. Mas não resisto à vontade de dizer que aquela obsessão, aquele paralelismo emocional, aquela mania de perseguição, que é meio de maluco, meio de gente sã demais, enfim, aquele poema é até um pouco maluco, mas completamente agradável, impressionante e desorientador. paulo mendes de almeida, “Dois poetas”. Diário de S. Paulo, 28.07.1930.

O “poema do Beco”, de Manuel Bandeira, “Uma pedra no caminho”, de Carlos Drummond de Andrade, são poesias sem beleza, porém extremamente exuberantes de poesia. otávio de freitas júnior, “Os valores na poesia”. Diretrizes, Rio de Janeiro, 1940.

Não compreendemos que se negue a estes versos o mérito que eles têm. Desde que lemos estes versos, nos pusemos, admirador sincero, de Drummond de Andrade, a acompanhar-lhe a trajetória poética […] cícero brasil, “Uma visita ao ídolo”. A Folha, Pinhal, sp, 13.10.1942.

O poeta contumaz é aquele que sabe extrair matéria lírica de qualquer acidente da vida. Como o Carlos Drummond de Andrade, por exemplo, que a saca tanto de um acontecimento social como a resistência espantosa de Stalingrado, quanto de uma simples pedra encontrada no caminho.

manuel bandeira, “Ainda os bissextos”. A Manhã, Rio de Janeiro, 17.04.1943. Repr. in: Poesia e prosa, 2o vol. Rio de Janeiro: Aguilar, 1958, p. 1299.

| 141



A composição de Francisco Mignone foi apresentada, em primeira audição, pela cantora Nair Duarte Nunes, na Escola Nacional de Música, em 22.08.1938. © Fundo Carlos Drummond de Andrade, do Arquivo-Museu da Fundação Casa de Rui Barbosa



Duas charges feitas por Vagn, publicadas no Jornal do Brasil. A charge Ă esquerda, em 02.08.1969, e a desta pĂĄgina, em 07.06.1969.


270 |

menos publicamente, grande importância ao poema do ponto de vista literário. Contudo é um poema-chave da sua obra. O poeta enfrenta uma pedra que é claramente importante (“Nunca me esquecerei…”), mas que se recusa a ser outra coisa senão uma pedra, fato outra vez sublinhado pela repetição. A obsessão do poeta, possivelmente o resultado do “cansaço cerebral” de Mário, fica resumida na frase paradoxal “na vida de minhas retinas tão fatigadas”, que afirma ficar a própria vida interior reduzida a uma atividade física, anatômica. “No meio do caminho” é a expressão mais violenta de uma fascinação que pode transformar o poeta na imagem refletida da pedra que encara. Num nível inferior da consciência, e abstraído do contexto social, é a situação de “Moça e soldado”. Mas o poema é uma expressão bem-sucedida de um estado de espírito profundo e representativo. O seu sucesso pode ser medido em termos de sua repercussão — conforme disse o poeta em 1940, ele ainda servia para dividir o Brasil em duas categorias mentais.2 A monotonia das frases repetidas, a recusa de dizer que a pedra é outra coisa senão uma pedra, são assaltos aos hábitos mentais de gente acostumada a outro tipo de poesia; e são também a encarnação do ceticismo intenso do poeta, a sua necessidade de eliminar ideias e maneiras de pensar convencionais. Nessa medida, justifica-se a notoriedade de “No meio do caminho”, e vê-se que ela não é o produto acidental de um conflito entre duas gerações poéticas. Nele, Drummond enfrenta poeticamente, e na medida do possível sem disfarces, a sua visão central, tão negativa. Rejeitada toda construção ideológica, e até rejeitadas as metáforas de que lançamos mão para construí-las, o poeta está reduzido a uma constatação simples, objetiva, agressiva, e quase sem sentido. […] 2  “Autobiografia para uma revista”, op. cit., p. 547.


De uma topada a uma apoteose*

tristão de athayde

Dos dois acontecimentos que marcaram o ano passado, já comentamos as eleições de novembro. Passemos agora aos 80 anos do Poeta. Num dos dísticos mais famosos de sua poesia, assim sé exprimiu Victor Hugo sobre o ano de 1802: Ce siècle avait deux ans. Rome remplaçait Sparte. Déjà Napoleón perçait sous Bonaparte.

Dos nossos modestos 1902, se pode dizer que, com eles, entravam as letras brasileiras no século 20. Nada menos de três clássicos modernos vinham à luz nesse ano: Os sertões, de Euclides da Cunha; a Réplica, de Rui Barbosa, e o romance Canaã, de Graça Aranha. Acontece que, nessa mesma data nascia, numa obscura povoação mineira, um futuro poeta nacional, cuja vida literária no fim do século poderia ser contida numa simples sentença como a seguinte: “de uma topada a uma apoteose”. Foi, de fato, sobre uma simples “pedra no caminho”, que o jovem Carlos Drummond de Andrade não só se consagrou poeta para toda a vida, mas se tornou um dos máximos corifeus do modernismo, isto é, da maior revolução poética do nosso século, que iria enquadrar-se, junto às revoluções de 30 e 64, como uma das encruzilhadas de nossa história em que política e letras se encontram ou se separam. Carlos Drummond de Andrade optou pelas letras, mas não virou as costas à política, como bom mineiro, jamais rompido com as suas amadas Gerais, ao longo desses 80 anos.

* Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 07.01.1983.

| 271



Na página à esquerda: dois desenhos de Jaguar — no alto, uma história em quadrinhos publicada no jornal O Globo, em 19.07.1968; abaixo, uma ilustração veiculada no Última Hora, em 17.12.1975. Nesta página, charge de Henfil retratando o ministro da Justiça Ibrahim Abi-Ackel, que, em agosto de 1985, foi acusado de envolvimento com o tráfico internacional de pedras preciosas. Publicada no jornal O Globo, em 17.08.1985.


306 |

biografia da biografia


| 307



A famosa pedra de Drummond1*

santos soares

O livro mais original do mundo, único, cremos, em qualquer língua e em qual­quer literatura, acaba de ser publicado pela Editora do Autor. Assina-o o poeta Carlos Drummond de Andrade, responsável pela seleção e montagem do seu texto. Chama-se Uma pedra no meio do caminho e é a biografia de um poema de dez versos que o autor de A rosa do povo escreveu há mais de quarenta anos, e, desde então, tem sido o toque de escândalo dos antimodernos, dos reacioná­rios de todos os quadrantes. É o poema mais repetido, mais comentado, mais enxo­valhado, mais citado da lite­ratura brasileira. Milhares de piadas, de bobagens, de burrices, de sandices foram ditas contra ele e o seu autor que, serenamente, ia reco­ lhendo e arquivando todo este farto material. Pois agora Drummond resolveu publicar uma biografia do seu poema, composta de trechos dos ar­tigos e escritos sobre ele, des­de os elogiativos, até os mais debochados, agressivos, pessoais e ridículos. Abre o volume um ensaio do jovem escritor português Arnaldo Saraiva, excelente, aliás, onde se diz: “Sob este aspecto, penso que ‘No meio do caminho’ deve ser um exemplo raríssimo na literatura universal; e que dificilmente deixará algum dia de constituir um dos mais suges­tivos testemunhos da luta que um poeta e todo um tipo de poesia (a de vanguarda) terão (sempre?) de travar contra o conservadorismo ig­norante, contra a inércia bur­guesa, contra a estupidez instituída”. Drummond dividiu o livro conforme a natureza da crí­tica. Abrem--no naturalmente as várias traduções do poema, para o romeno, espanhol, francês, italiano, alemão, in­glês e vietnamês. Depois vai alinhando, * Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 17.9.1967.


310 |

em mais de 30 subtítulos, as centenas de manifestações, desde as dia­tribes mais violentas até as citações mais engraçadas, for­mando um todo de incrível humorismo. E, por exemplo, li-o todo, dando a cada mo­mento imensas e gostosas gargalhadas de tanta bestei­ra escrita com ar grave, pois nada mais risível do que o es­petáculo da burrice humana, quando toma a forma de avalancha, como neste caso. Mas Drummond, mineiro tranquilo e sereno, vingou-se agora de todos eles publican­do este livro. Agora que nin­guém de bom-senso poderá duvidar do seu gênio poético e da sua obra extraordinária que se coloca entre as maio­res, em todos os tempos, da poesia brasileira.

* Uma pedra2

eneida

Poucos escritores, no Brasil, seriam capazes de fazer o que acaba de realizar Carlos Drum­mond de Andrade com um livro intitulado Uma pedra no meio do caminho — Biografia de um poema. Poucos podiam realizar por muitas razões e, uma delas, é que Drummond é espantosamente organizado, de tal maneira que, se alguém pre­cisar saber qualquer coisa sobre um fulano que publicou um livro e sumiu, ele é capaz de forne­cer os dados precisos e necessários sobre o escritor-meteoro, aliás são multidões. O poema de Drummond, de “dez versos que na realidade se reduzem a três”, foi escrito há quarenta e três anos. E Drummond, então jovem poeta morador no interior de Minas, colecionou tudo o que dis­seram sobre “No meio do caminho”. O livro é uma joia, e não creio que haja na lite­ratura mundial qualquer coisa parecida (no Bra­sil não há). Lá está * Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 23.09.1967.


o contra, até o insulto e a grosseria. Lendo o livro, se vê e sente como eram burras certas pessoas que hoje são inteligentes ou pelo menos parecem ser. Outros que não sabíamos capazes de entender qualquer coisa ali aparecem entendendo o poema que afinal não pretendia ser o bicho de sete cabeças que muita gente pensava. Vejam os capítulos — porque Drummond dividiu as opiniões em capítulos com títulos deliciosos como “A pedra vai pelo mundo”, “Reação pelo ridículo”, “Muita gente irritada”, “Isto lembra aquilo”, e por aí vai até a parte final “O poema visto pelo autor”. O índice onomástico é tão grande, que enche várias páginas do livro. Aliás, deve ser dito que Drummond não é apenas a “vítima” de “No meio do cami­nho”, mas, também, de “José”. Há sempre al­guém perguntando (com ou sem razão) “E agora José?” Fala-se muito no “sense of humour” de Drummond. Ei-lo agora vivo, claro e preciso nesta sua biografia de um poema. Lendo-o — e com que encantamento o fiz — lembrei duas pes­soas mortas, mas sempre vivas na minha lem­ brança: Aníbal Machado e Osório Borba, ambos entusiastas do poema drummondiano. Ficamos todos devendo a Carlos Drummond de Andrade mais este livro-ensinamento.

Resenha bibliográfica3*

fausto cunha

O modernismo nos deu alguns poemas que fizeram carreira. Nenhum deles, po­rém, terá sido mais discutido e glosado do que “No meio do caminho”, de Carlos Drummond de Andrade, que terminou en­trando até na linguagem coloquial brasi­leira. O poema foi traduzido para várias * Revista mec . Rio de Janeiro, n. 39, ago.-set. de 1967.

| 311


336 |

anticonvencional completa, ovo de colombo de construção aparentemente singelíssimo e por isso imitabilíssimo — mas apenas e unicamente imitável — “No meio do cami­nho”. É o inesperado a toda leitura, sempre inesperado por tão pouco poder condensar tanto — tanto insônia brutal, que não abandona, não foge, não deixa, não deriva, não desassocia, não evade o tema, que magoa, fere a desatina — tinha uma pedra. (p. 72; os grifos são meus) Fique o registro deste tre­cho como perfeitamente reve­lador dos motivos e razões da incidência do poema na vida e na sensibilidade irritada de muitos. É um ovo de colombo: claro que se pode fazer um poe­ma igual, muito fácil a construção etc. Mas Drum­mond foi o primeiro e abriu caminho, como aliás é possí­vel verificar em toda sua obra até Claro enigma, pe­lo menos. Isto responde de modo adequado aos que não veem nada original no poema, repetindo a velha desculpa: “isso até eu faço…”. Mas não fazem, não criam nada, per­manecendo eternos eunucos intelectuais a vociferar contra a geração anterior, realmen­te criadora. E fique também o registro pessoal, um depoi­mento de admiração, sem pretensão a artigo de crítica, de quem se faz cada vez mais, aos poucos, conhecedor mais próximo da obra de Carlos Drummond de Andrade em seus muitos meandros.



índice onomástico

•a

Andrade, Moacir, 56

a. b., 206

Andrade, Oswald de, 27, 30, 35, 126

Abi-Ackel, Ibrahin, 271

Andrade, Rodrigo M. F. de, 13

Abreu, Casimiro de, 66

Andrade Gomes, Pedro de, 83

Agnati, engenheiro, 182

Andrade Muricy, José Cândido de, 100

Alcântara Machado, Antônio de, 40, 43, 138

Andrade Queiroz, 72

Alcântara Silveira, 181

Antunes Pinto, 210

Alighieri, Dante, 33, 38, 105, 124-125, 215, 281-283, 291, 298, 300, 314, 320, 329

Aquino, Ivo de, 166

Almeida, Guilherme de, 30, 129 Almeida, José Américo de, 27 Almeida, Manuel Antônio de, 193-194 Almeida, Paulo Mendes de, 35 Almeida Filho, Augusto de, 231 Alphonsus, João, 36, 41-43, 71, 87-88, 105 Altman, Robert, 297 Álvaro Armando [Helena Ferraz], 179-180, 182, 185, 187 Alvarus [Álvaro Cotrim], 65 Amaral, Amadeu, 133 Amaral, Tarsila do, 11 Andrade, Aby de, 73 Andrade, Manoel de, 175 Andrade, Mário de, 27, 29-31, 33, 35, 40-41, 43, 88, 93, 99, 104, 127, 138, 259, 262, 265, 268, 272, 288

Anjos, Cyro dos, 41, 43, 94, 130, 328-329

Araújo Jorge, J. G. de, 209 Araújo, Alberto, 168 Araújo, Myriam de [Maria Lysia], 89 Arinos Sobrinho, Afonso, 139 Arrigucci Jr., Davi, 286 Arroyo, Leonardo, 142 Arruda Dantas, Antônio de, 193 Atala, Fuad, 190 Azevedo, Francisco, 246

•b Baciu, Stefan, 92 Bandeira, Manuel, 27, 28-29, 30, 34-36, 4041, 43, 57-58, 60, 66, 79, 85, 90, 92, 94, 109, 129-130, 136, 138-139, 174-175, 194, 208209, 213-214, 225, 262, 265, 272, 294, 329 Barbosa, Marcos A., 53 Barbosa, Osmar, 156


Barbosa, Rui, 219, 269

Caminha de Lacerda, Maurício, 168, 196

Barreto, Tobias, 63

Camões, Luís de, 152, 296, 299, 300, 302, 303, 321

Bastos, Humberto, 153-154 Bastos, Plínio, 211 Bastos Tigre, Manuel, 184, 227 Baudelaire, Charles, 9 Bello, Enrique, 246 Benevides, Artur Eduardo, 74 Bense, Max, 126, 258 Bergson, Henri, 123, 132 Bevilacqua, Otávio, 157 Bias Fortes, José Francisco, 164-165 Bích, Nguyên Ngoc, 50 Bilac, Olavo, 42, 85, 218 Bittencourt, Alice, 150 Bittencourt, Paulo, 194 Borba, Osório, 65, 84 Botelho Vasconcelos, Beatriz, 232 Braga, Belmiro, 226 Braga, Rubem, 43, 245 Braga, Teófilo, 192

Campos, Astério de, 203 Campos, Francisco, 163 Campos, Flávio de, 215 Campos, Geir, 245 Campos, Haroldo de, 257, 258 Campos, Milton, 41, 94, 165, 169, 171 Campos, Susana de, 208-209 Antonio Candido [de Mello e Souza], 251, 262, 263, 298, 303 Capanema, Gustavo, 10, 13, 42, 78, 80, 178, 222, 223, 224, 225, 226, 227, 228 Capehart, Homer, 214 Carlos, J., 21, 275 Carneiro, Milton, 205 Carvalho, Daniel de, 162 Carvalho, Ermínio Belo de, 157 Carvalho, Orlando M., 100 Carvalho, Ronald de, 30

Braga Horta, Maria, 235

Carvalho da Silva, Domingos, 74, 107, 120, 130, 209

Brandão, Fiama Hasse Pais, 302

Cassiano Ricardo [Leite], 27, 317

Brant, Flávio, 146

Castro Correia, Marlene de, 292

Brás, Venceslau, 165

Cavalcanti, F., 205

Brasil, Cícero, 139

Cavalcanti, Lya, 9

Brasil, Laudionor A., 231, 241

Cavalcanti, Povina, 146, 200

Brasil, Zeferino, 73

Cavaradossi, 42, 66

Buarque de Holanda, Aurélio, 240, 244, 255

Chagas, Wilson, 118

Buarque de Holanda, Sérgio, 133, 138

Chopin, Frédéric, 109

Burlamaqui/ Burlamáqui Kopke, Carlos, 36, 117, 323

•c Caeiro, Alberto [Fernando Pessoa], 38 Callado, Antonio, 76 Câmara Cascudo, Luís da, 38

Chaves, Hermenegildo, 83 Churchill, Winston Leonard Spencer, 165 Cipriano, Lúcio, 183 Coaracy, Vivaldo, 170, 189 Coelho, Lopo de Carvalho, 173 Colxão, Osvaldo, 179


Um poema de dez versos, que na realidade se reduzem a três, pois repete muitas vezes umas poucas palavras, foi escrito há 43 anos, no interior de Minas, por um jovem desconhecido. Provocou desde então as reações mais variadas, da irritação ao sarcasmo, passando pela admiração. Hoje tornou-se frase proverbial, na linguagem de toda gente. Quem não alude à “pedra no meio do caminho”? Este livro contém a fortuna crítica do famoso poema de Carlos Drummond de Andrade, traduzido para numerosas línguas, discutido, parodiado, atacado, interpretado, louvado, incorporado à vida cotidiana. Nenhum outro poema, em nossa literatura, que se saiba, provocou até agora tamanha avalanche de comentários. Ao reunir este documentário, feito com isenção, julgamos contribuir para a história da poesia brasileira, na fase modernista, revelando tudo o que um pequeno poema pode conter de explosivo, em sua absoluta simplicidade.

(da primeira edição, 1967)

Organizada por Eucanaã Ferraz, esta é a edição ampliada de Uma pedra no meio do caminho — Biografia de um poema, livro originalmente concebido pelo próprio Carlos Drummond de Andrade. Duas novas seções foram acrescentadas: “Biografia da biografia”, que recupera o melhor da fortuna crítica sobre o livro desde seu lançamento, e “Ainda a pedra”, que reúne novos textos sobre o poema mais discutido do modernismo literário brasileiro.

isbn 978-85-86707-61-2


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.