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Nação
Quanto vale o Mar?
‘Economia azul’ é um conceito que não é, na maior parte das vezes, tido em conta... nas grandes contas do país. A contribuição do Mar para riqueza nacional, a criação de emprego formal e informal, e para os sectores de actividade que dele se alimentam, é vista, por norma, de forma compartimentada. A E&M foi, por isso, fazer as contas ao seu real valor e projecta o potencial económico da criação de um cluster do Mar
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porque há mais marés do que mari-
nheiros, valerá a pena começar por explicar o que se convencionou chamar de ‘Economia do Mar’, ou ‘Economia Azul’. De forma simples, um relatório de 2016 da União Europeia (UE), explicava-a como “o conjunto das actividades económicas relacionadas com os oceanos, mares e zonas costeiras.” Por outras palavras: a economia do mar é o conjunto dos mecanismos, agentes, sectores e actividades que têm no Mar o seu principal recurso. Depois, e por se tratar, ele próprio, de um recurso natural (o maior de todos) é impensável conceptualizar toda uma estrutura económica do Mar dispensando a ideia de conservação e gestão sustentável a ela subjacente. À medida que tal conceptualização tem sido elaborada e aprofundada, diversos aglomerados ou clusters têm sido identificados. E serão vários os sectores que se alimentam deste cluster: exploração de recursos naturais, energias renováveis, pescas, turismo, transportes, logística, construção naval, investigação e bioconservação e segurança marítima.
1,5
biliões de dólares É o valor agregado do mar na economia global, em sectores como exploração de recursos naturais, energias renováveis, pescas, turismo, transportes, logística, construção naval, investigação e conservação, e segurança marítima
Segundo a OCDE, os oceanos representam aualmente cerca de 1,5 biliões de dólares, em valor agregado para a economia global. Parece um valor excessivo, mas se somarmos todas as explorações de gás e petróleo off-shore (34% do total estão situadas em solo marinho), as energias renováveis, a logística de portos, transportes e construção naval, mais os números do turismo de costa, e da investigação e conservação, e lhes acrescentarmos a segurança marítima e todos os postos de trabalho de actividades económicas que, de alguma forma se relacionem com o mar, podemos então conceber tal valor e chegar a uma conclusão inesperada, por se falar pouco nela: a economia mundial está, em larga medida, assente no Mar e do que, através dele, se produz. De acordo com um relatório do ano passado, elaborado pela FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação), a pesca e a aquicultura asseguram a subsistência de 10% a 12% da população mundial (e mais de 90% das pessoas empregadas na captura trabalham em operações de
Nação
Quanto vale o Mar
Segundo a ocdE, os oceanos contribuem com 1,5 biliões de dólares em valor agregado para a economia
Global
valor agregado 1,5 biliões de dólares
IMPacto 800 milhões de pessoas
coMércIo MarítIMo 90% do comércio mundial
transPortes MarítIMos 380 mil milhões de dólares
IMPacto negatIvo 940 mil milhões de dólares
União Europeia
PIb 4%
valor agregado 600 mil milhões de dólares
receIta anual 174 mil milhões
Postos de trabalho 3,5 milhões
Estados Unidos da América
receIta anual 352 mil milhões de dólares
Postos de trabalho 3,1 milhões
Transporte marítimo: manuseamento de carga em Maputo aumentou 22% só no ano passado
pequena escala em países em desenvolvimento), gerando 148 mil milhões de dólares em exportações e garantindo acesso à nutrição para mil milhões de pessoas de todo o mundo. O pescado é responsável por 17% do total de proteína animal consumida anualmente no mundo e tem um peso ainda mais significativo nos países de baixa renda. Como Moçambique, mas já lá vamos. No caso da UE, e de acordo com o tal relatório sobre a ‘Economia Azul’ dos países da zona Euro, estima-se que ela represente 600 mil milhões de dólares por ano, gerando empregos para cerca de 3,5 milhões de pessoas. A esse nível, e para se ter ideia da dimensão do valor do mar para uma economia, olhemos para Portugal que, com apenas um terço da população moçambicana, mas uma vasta plataforma continental (a nona maior do mundo e a segunda maior da Europa), tinha, em 2016, cerca de 177 mil empregos ligados à ‘Economia do Mar’, dos quais 75% no turismo de mar e 22% na pesca e apanha de marisco, representando apenas as pescas, 3,5% do total da economia.
Indico... indica o caminho? Moçambique tem uma costa de mais de 2 515 quilómetros (a 48ª maior do mundo e uma das maiores de África), e uma zona económica exclusiva de 200 milhas (270 quilómetros) mar adentro. Actualmente, não há recursos oficiais disponíveis que tornem possível contabilizar um valor absoluto para o que seria o mega-cluster do mar (de forma directa e indirecta) a nível interno, como existe por exemplo na UE. No entanto, é possível fazer as contas a alguns dados que mostram o valor agregado de toda a economia azul baseada na costa moçambicana (ver página ao lado), bem como ao potencial que ela poderá um dia alcançar, se vista de forma integrada e sustentável. No entanto, e começando logo por aí, é possível perceber a “pouca atenção” que o mar tem merecido por parte de quem administra as lógicas da economia nacional. António Francisco, director de Investigação do IESE, fala disso mesmo, e da forma como, “ao longo das décadas que decorreram após a independência de Moçambique, o aproveitamento dos recursos realizado foi ficando reduzido ao mínimo, um pouco à imagem da restante tendência económica regressiva em que a economia mergulhou até ao fim dos anos de 1980. Com o Programa de Reabilitação Económica (PRE) só muito parcial e lentamente se restabeleceram as actividades económicas directa ou indirectamente associadas ao mar.” A esse nível, só em 2011 os níveis de manuseamento de carga portuária atingiram e ultrapassaram o pico alcançado em 1973, e outras actividades marítimas tradicionais, como por exemplo a cabotagem e o turismo marítimo, “continuam muito aquém dos níveis históricos.“ Se até ao fim do século XX predominou uma forte tendência de se virar as costas à costa, decorrente de opções
o clusTer do mar
o perfil da ‘Economia azul’ de moçambique ainda é insipiente, por via de uma visão não integrada do mar, que deixa escapar potenciais fontes de receita como as energias renováveis, a segurança (na eliminação da informalidade) ou a investigação. no entanto, destacam-se o transporte e logística marítima e o comércio internacional que contribuem com a maior fatia para a riqueza nacional e, claro, há o potencial que advirá da exploração de gás natural, e os grandes desafios para as pescas e o turismo
PorTos, TransPorTes e serviços maríTimos Turismo
É o item mais valioso da ‘Economia do mar’, em moçambique. impelido pelo facto de a grande maioria do comércio ser escoado por essa via, há ainda novos investimentos em vista, e um potencial de crescimento assinalável. até 2025 moçambique quer afirmar-se como o destino turístico de praia mais vibrante e exótico de África e receber mais de 4,5 milhões de turistas por ano. Hoje, já é o terceiro sector (com 16%) que mais atrai investimento externo.
8 500
Milhões de dólares É o valor anual do comércio de mercadorias (importações e exportações) que transita pelos portos nacionais
450
Milhões de dólares investimentos em melhorias das infra-estruturas portuárias já anunciadas (maputo, nacala, Beira e cabo delgado)
3%
contribuição do sector para o PiB
350
Milhões de dólares receita global, 2017
120
Milhões de dólares investimento previsto
Pescas
cerca de 340 mil toneladas de pescado foram capturadas em 2017. depois, há a aposta na aquacultura, em que o governo está a investir (3,4 milhões de dólares este ano) para potenciar a criação em tanques de água doce, e também salgada. as projecções do instituto nacional de Petróleo (inP) de moçambique falam da necessidade de investimento de 25 mil milhões nas infra-estruturas conjuntas de exploração das áreas off-shore 01 e 04, e numa receita inicial de 500 milhões de dólares por ano até 2027, aproximando-se depois da fasquia de mil milhões, até 2031. o Governo prevê, a partir de 2034, receber contribuições que podem rondar os 3 000 milhões de dólares por ano, ou seja, cerca de um quinto do PiB actual.
5,5
Milhões de pessoas dependem da pesca como fonte de rendimento 4,9%
Milhões de dólares receita de 2017 340
Mil toneladas captura de pescado e marisco anual
recursos naTurais e energia
2 500
Milhões de dólares É a receita média anual prevista, (a partir de 2023) ao longo dos 25 anos das concessões do rovuma
24 000
Milhões de dólares É o volume de investimento previsto nas Áreas 1 e 4, pelos consórcios que lideram a exploração
Nação
Porto de Maputo: frota pesqueira nacional contribui com 4,9% para o PIB
“político-ideológicas, elas misturaram-se com reacções contra o facto histórico de ter sido pelo mar que a colonização portuguesa se concretizou”, diz. Se o discurso pela ‘Economia do Mar’ tem sido cada vez mais utilizado, também em Moçambique essa é uma tendência que parece começar a encontrar lugar. Énio Viegas, docente e pesquisador em assuntos ligados à segurança marítima no Instituto Superior de Relações Internacionais (ISRI) assinala isso mesmo. “A costa marítima e o Oceano Índico têm vindo a ganhar um novo lugar nas prioridades económico-financeiras do Estado, principalmente desde que as atenções começaram a virar-se para a exploração de fontes de energia como o petróleo e principalmente o gás off-shore”, explica à E&M. E só recentemente (na presidência actual) as tentativas no sentido de incentivar a exploração mais intensiva do potencial marítimo originaram um reconhecimento explícito, formal e institucional do Mar, com a criação de um Ministério próprio, formalizado com o objectivo de abordar as actividades económicas relacionas com o Mar e a costa marítima do Índico, numa perspectiva mais aberta, e abrangente, incluindo as pescas como parte do mar, e não da agricultura.
67
Milhões de dólares É o valor estimado das perdas que existem anualmente com a pesca ilegal, praticada artesanalmente e em alto-mar, por frotas pesqueiras na sua maioria oriundas da china
defesa e segurança Neste contexto, e por ter sido descoberto precisamente no Mar um potencial de riqueza que poderá mudar por completo a face económica do país (os tais 200 biliões de pés cúbicos de gás natural que perfazem a terceira maior reserva a nível mundial) o governo investiu na segurança marítima e na aquisição da frota da EMATUM, precisamente para poder patrulhar a extensa orla costeira do país. Apesar do que se sabe, ainda recentemente o ministro do Mar, Agostinho Mondlane, declarava “guerra à pesca ilegal”, sublinhando ainda o facto de haver poucos recursos para combater esse problema. “Moçambique sabe que tem uma questão que nunca foi estudada. Não existem dados sobre os recursos existentes ou explorados na nossa costa porque não temos instrumentos para poder fazer a vigilância. E começámos a procurar soluções sem ter isso. Não temos satélites que nos digam onde decorre a pesca ilegal, ou se há derramamento de óleos na zona, ou tráfico de droga. É preciso estudar tudo isso e investir e só depois, agir”, diz Énio Viegas. António Schwalbach, presidente da Sociedade Industrial de Pescas, um dos maiores operadores do mercado de pesca industrial no país, concorda com essa
ideia. “Moçambique tem uma costa muito extensa e não há capacidade suficiente de patrulhamento. As frotas que estão legais funcionam e são bastante controladas, a legislação a esse nível é muito boa, há regras e controlo por GPS dos navios e do que eles capturam. No entanto, pouco se sabe sobre o que há de ilegal a acontecer”, diz à E&M. E é aí que está o perigo. Ao nível do camarão, por exemplo, um dos principais produtos da pesca de Moçambique (82% das exportações seguem para a UE, principalmente para Espanha e Portugal), ele vale anualmente qualquer coisa como 150 milhões de dólares de receita para a economia nacional e é, ele próprio, uma marca distintiva do país por todo o mundo. Só que na prática, comprovada pela experiência do homem que comanda a SIP, ele está efectivamente a desaparecer. “A verdade é que a época do camarão de superfície são nove meses, e só tive os barcos no Mar durante mês e meio porque, pura e simplesmente, não havia camarão para pescar”, revela.
t onio SchwAlbAch A n
o Pca da Sociedade industrial de Pescas diz que “é necessário maior controlo da costa”, no mar, mas também nos portos, com vista a não permitir que frotas de outros países possam pescar ilegalmente nas águas territoriais de moçambique. Essa é, de resto, “uma ameaça com impactos sérios ao nível da captura do camarão de superfície, uma das maiores riquezas naturais e económicas”
De acordo com um relatório da WWF, de 2017, essa é já uma realidade comprovada também pelos números. Embora as populações de camarão de Moçambique tenham sido historicamente abundantes, “encontram-se agora ameaçadas e a sua captura em águas pouco profundas caiu de 9 000 para 1 800 toneladas nos últimos dez anos”. E a organização quantifica a perda económica em 67 milhões de dólares ano após ano, causados pela pesca artesanal (praticada nos mangais onde o camarão se reproduz e é apanhado antes de atingir a maturidade) e a pesca ilegal por arrasto, praticada por armadores oriundos, na sua maioria da China, responsáveis por taxas de captura elevadas, incluindo espécies não comerciais e bastante sensíveis.
caminhos de Mar “Uma das coisas que lamento muito, quando falamos em economia marítima é a falta de uma indústria de construção naval.” lamenta Énio Viegas. E
Nação
Turismo e conservação: integração de sectores para fortalecer a protecção das áreas de conservação
A zona marinha de Moçambique faz parte da EAME, uma área definida como parte constante da lista Global 200, dada a sua excepcional biodiversidade. Um trunfo para a oferta turística
prossegue: “os nossos estaleiros navais praticamente deixaram de funcionar, e apresentam um estado lastimável de degradação. A economia do mar não é só transporte, cabotagem, logística e actividade portuária, é também a área de fabrico e reparação naval, muito forte, por exemplo na vizinha África do Sul, que fez dessa uma das suas prioridades de crescimento. E com sucesso”, aponta. Sem indústria naval, o Governo tenta dinamizar o sector da logística e do transporte marítimo, tendo recentemente tomado a decisão de estimular o uso da via marítima para o transporte, de mercadorias que hoje já vale, no seu todo, qualquer coisa como 8,5 mil milhões de dólares (se olharmos de forma ampla para todo esse segmento e lhe adicionarmos, de forma directa, o valor da carga em importações e exportações). António Francisco sublinha esse facto: “no quadro de uma política mais profunda que visa explorar o Mar como via preferencial de transporte existe a noção clara de que Moçambique deveria ser um centro logístico regional e beneficiar de múltiplas vantagens que a cabotagem oferece.” Entretanto, e ao que apurámos, o país não possui actualmente um único navio para o transporte de pessoas e bens, e todas as suas necessidades neste domínio estão dependentes de fretes contratados no estrangeiro. “Verdade, e já chegámos a ter 21 navios, e uma carga transportada de 220 mil toneladas ano”, complementa o economista. Perante esta realidade, o Executivo vem anunciando planos que visam a revitalização da navegação entre os portos nacionais e, a título de exemplo, em Junho de 2009 aprovou a Estratégia para o Desenvolvimento Integrado do Sistema de Transportes. “No entanto, sempre persistiram vários constrangimentos que inibiram o ressurgimento do sector.” Mesmo após a introdução de medidas que visam reduzir as taxas cobradas pelo Instituto Nacional de Marinha (INAMAR) e pelo Instituto Nacional de Hidrografia e Navegação (INAHINA), a simplificação de procedimentos por parte das Alfândegas e o processo de reestruturação da empresa Transmarítima. Para ‘abrir’ o tráfego portuário ao mundo e fazer aumentar a receita, foram também assinados memorandos de entendimento com as principais concessionárias portuárias que aceitaram reduzir as suas tarifas. E os maiores operadores até deram uma ajuda, com a Maputo Port Develompment Corridor - MPDC a reduzir em 50%, a Corredor de Desenvolvimento de Nacala - CDN em 50%, e a CORNELDER em 60% para o porto da Beira e 50% para o de Quelimane, sendo que a Caminhos de Ferro de Moçambique - CFM procedeu de igual modo. E foram ainda tomadas medidas para a simplificação de procedimentos sob alçada das Alfândegas (através da utilização do sistema da MCNET), e até foi aprovado recentemente o decreto que viabiliza o Registo Especial de Navios Estrangeiros para alvorarem a Bandeira Nacional, juntamente com um pacote de medidas que possibilitam a melhoria dos canais de acesso e infra-estruturas portuárias em portos terciários. “Temos uma política marítima que foi aprovada recentemente, e que deverá ser operacionalizada com base numa estratégia que vai acompanhar essa política. Veremos o que sucede”, diz Énio Viegas.
turismo e conservação É outro dos sectores que pertence a este, por enquanto apenas hipotético, cluster marinho de Moçambique. O turismo vale hoje apenas 3% do PIB nacional, qualquer coisa como 350 milhões de dólares, arrecadados através dos cerca de 1,6 milhões de visitantes que o país recebeu no ano passado. No entanto, desengane-se quem acha este um valor residual no contexto da macro-economia. Porque o é, de facto, mas ele tem vindo a crescer, e promete continuar de forma expressiva. Em África, Moçambique é um dos destinos que tem beneficiado do aumento (ainda que ligeiro) do número de turistas estrangeiros, de acordo com dados divulgados pela consultora Euromonitor International, no final de 2017. “As forças da competitividade de Moçambique para turismo e viagens continuam a ser os seus recursos naturais. Embora não haja ainda nenhuma atracção natural na lista de
Património Mundial da UNESCO, o país tem feito aumentar a superfície das suas áreas protegidas e conseguiu melhorar o conhecimento em relação aos seus extraordinários recursos naturais, como praias e ilhas virgens”, lê-se nas notas conclusivas do estudo. No entanto, surge uma advertência: “o potencial turístico moçambicano está em larga medida por explorar e são necessários investimentos em infra-estruturas, recursos humanos e condições de saúde e higiene, que reforçariam a competitividade do sector e da economia em geral.” E é com esses entraves que, de há anos para cá se tem tornado uma luta procurar fazer aumentar a receita de um sector cheio de potencial, mas com poucas bases competitivas, face a outros destinos. Ainda assim, no ano passado foi anunciada publicamente pelo INATUR, uma intenção bastante ambiciosa: fazer triplicar o número de visitantes anuais para perto de 4,5 milhões, essencialmente tendo por base o Mar e as praias
940
Mil Milhões de dólares É o valor que o programa das nações unidas para o desenvolvimento estima que se perca devido anualmente devido ao impacto negativo da sobrepesca e da poluição marinha
paradisícadas. Porque oceanos saudáveis, costas e encostas, e ecossistemas de água doce são tão cruciais para o crescimento económico como para mitigar as mudanças climáticas, não esquecendo que Moçambique é o terceiro país em África mais exposto a elas, e por via da sua costa, essencialmente. O que nos leva a pensar numa última riqueza que mora nos Mares. Moçambique faz parte da EAME, área definida como parte da lista Global 200, dada a sua excepcional biodiversidade. No final de tantas contas de somar, uma última operação, esta de subtrair, em jeito de aviso à navegação. O PNUD estima o impacto negativo da sobrepesca e da poluição marinha, em custos para a economia global de cerca de 940 mil milhões de dólares por ano. Assim saibamos todos, manter a riqueza do país, e a de todos nós e essa factura, nunca teremos de pagar.
tExto Pedro Cativelos & Hermenegildo langa fotoGrafia Jay garrido, istoCk PHotos
Na voz de...
antónio franciSco Economista e Director de Investigação do Instituto de Estudos Económicos e Sociais (IESE)
cada vez mais se fala na necessidade de criar valor na economia. Mas pou-
co se ouve falar no papel do Mar nesta questão, projectando-o enquanto cluster que faça agregar real valor acrescentado à economia nacional.. Com o incremento do investimento e da exploração de recursos associados ao território marítimo moçambicano de forma directa, como no caso das pescas ou da logística marítima, e indirecta, através dos recursos naturais e do turismo, ainda assim, ele não é visto como um vector fundamental para o desenvolvimento, pela inexistência de uma estratégia integrada que até propicia um crescendo da economia informal do Mar. À E&M, António Francisco, economista e Director de Investigação do IESE, fala sobre a importância do aproveitamento do potencial do Mar, ainda mais relevante numa economia em maré baixa.
O que falta para que o Mar comece a ser visto, ele próprio, como um instrumento de criação de riqueza?
A verdade é que Moçambique nunca teve uma relação simpática com o seu Mar. A economia advinda deste recurso nunca foi desenvolvida como um todo, embora ofereça oportunidades capazes de gerar enorme crescimento económico, como no caso do gás, das pescas, do tu-
não FAz SEntIDo quE não hAjA uMAEntIDADE govErnAMEntAl (uM MInIStérIo Do MAr) FunCIonAl E quEApoStE nuMA pErSpECtIvA DEDESEnvolvIMEnto DAEConoMIADo MAr. o quESE vErIFICA ACtuAlMEntE é uMDESIntErESSE InStItuCIonAl EDE DIrECção EM tIrAr MAIor provEIto DESSE rECurSo
rismo e da logística portuária. Com uma costa de 2 400 quilómetros e uma grande dimensão territorial marinha não faz sentido que não haja uma entidade governamental (um Ministério do Mar) funcional que aposte numa perspectiva de desenvolvimento. O que se verifica actualmente é um desinteresse institucional e de direcção em tirar maior proveito desse recurso. Se olharmos ao passado, havia valorização e investimento na cabotagem e no transporte marítimo, que eram principais catalisadores da economia colonial, por exemplo, e que foi mal interpretado pelo governo nacional que acabou por desinvestir neste sector.
Porque é que não existe, ainda hoje, uma linha de transporte marítimo que ligue todo o país e os países vizinhos de forma integrada?
há muita gente que considera que a melhor auto-estrada natural seria o próprio Mar. Mas esse desinteresse institucional de que falava aliou-se a outros factores: quando alguns países da região que usavam o oceano como meio de transporte de bens (caso do zimbabwe) entraram em crise, isso contribuiu para a quebra de receitas, principalmente para os portos da Beira e de Maputo por onde eram escoadas as mercadorias. o que quer dizer que estivemos duran-
Na voz de...
te estes anos todos um pouco parados e não percebemos que estávamos a deitar ‘o bebé (tesouro) fora com a água suja”, e que poderíamos tirar mais proveitos do Mar. Com isto, perdeu-se algum do timing. Se olharmos às economias vizinhas como a da África do Sul, entretanto ganharam força outros portos, como o de Durban, que acabam por usar a costa nacional apenas para compensar o que não conseguiam atender. Depois, as economias zimbabweana e malawiana ainda não recuperaram o suficiente para relançar o porto da Beira.
E ao nível dos recursos que há no Mar. Fala-se de gás, por exemplo, mas esquecemo-nos que ainda estão por calcular os impactos dessa exploração noutros recursos, como as pescas ou o turismo...
Essa é ainda uma lógica recente. A exploração dos vastos recursos off-shore é uma opção para tirar proveito da demanda que possa advir dos investimentos externos. nesse sentido, penso que houve uma ligeira valorização do Mar. Agora, há outros recursos como as pescas, o turismo, a própria energia e o transporte marítimo (os portos), mas não vemos nenhum dinamismo substancial nesse sentido, nem uma integração devida com a exploração de gás. temos como exemplo a cabotagem em que, de vez em quando, se fala mais. Mas por alguma razão nunca nada de substancial avança por falta de uma estratégia viáA nACIonAlIzAção InSuStEntÁvEl DE rECurSoSFoI trAnSportADA pArA o SECtor Do MAr, E ISSo FEz CoM quE não FoSSEExplorADo pEloS MoçAMBICAnoS, CAInDo nAInForMAlIDADE E no CrIME IntErnACIonAl
vel e operacional. E é por isso que assistimos a uma exploração do Mar feita de forma descontrolada, não há um processo articulado entre a monitorização dos recursos e a sua utilização. ter uma vasta costa pressupõe ter muitos recursos, mas o meu sentimento é de que há uma sub-utilização dos mesmos.
Em que aspecto?
Diria que Moçambique vive num dilema. porque tem um dono dos recursos que se assume como tal, que é o Estado. Mas depois há uma constante sub-utilização porque este não tem capacidade para fazer o uso ou a devida monitoria do processo. E aqui seria a tal tragédia dos comuns em que algo é do Estado, mas ninguém o reconhece enquanto tal, e cada um explora da forma que quiser. A nacionalização insustentável de recursos foi transportada para o sector do Mar, e isso fez com que não fosse explorado pelos moçambicanos, por incapacidade humana e técnica. Esse facto levou à informalização da indústria marinha, promoveu o surgimento de um mercado negro de pesca dominada pelos chineses e espanhóis nas águas nacionais e produziu grandes perdas para a economia nacional. quando olhamos para o país vizinho, a África do Sul, vemos o grau de exploração do turismo de mar e de interior, e em que há um sector público regulador (caso do Kruger park) e uma gestão privada regulada, que até gera receita para o sector público. A ideia de que o privado explora e pode acabar com os recursos não é verdadeira. tem é de haver regras bem definidas.
Falou do exemplo da África do Sul, mas há outros. Não acha que seria oportuno começar a adoptar bons exemplos de alguns países vizinhos que porventura até possuem uma pequena extensão da costa, mas ao mesmo tempo, desenvolveram uma verdadeira indústria do Mar?
o que não entendo é como é que já não se fez isso mesmo. poderíamos adaptar as boas estratégias do Botswana, por exemplo, ou das Ilhas Maurícias. o Botswana tem 9% da população de Moçambique, mas produz tanto quanto nós. E não tem acesso directo ao mar, mas tem políticas que se referem a ele. E com as Maurícias acontece a mesma coisa. Só que, enquanto ali se está a tentar fazer um paraíso fiscal, nós estamos a tentar a fazer um inferno fiscal. em que toda gente se torna informal. Até no Mar. Espero que com esta crise económica haja agora maior consciência de que a economia do Mar é relevante. Mas alerto para o perigo de se focar demais toda a questão na exploração de recursos, devido à ansiedade de tentar gerar receitas de que a economia necessita, desviando as atenções dos outros vectores importantes da economia marinha.
O país não tem capacidade para controlar os seus recursos ao longo da costa e com isso tem dependido da ajuda externa. Acha que isso faz sentido? A tal incapacidade institucional em
quantificar as perdas económicas que o país sofre com a pirataria marítima (nas pescas e tráfico que têm sido notícia), uma vez que são apresentados dados irrealistas, leva-me a sugerir que se aposte na investigação e na fiscalização, porque não há controlo na economia do Mar. Corremos o risco de, no futuro, perdermos grande parte dos nossos recursos pesqueiros por falta de capacidade de fiscalização da costa. Deveria ser criada uma forma inteligente de monitorar e garantir controlo sobre o nosso Mar. Acho que há uma grande incapacidade técnica porque, a meu ver, esta maneira de abordar os recursos marítimos é ineficiente, na medida em que o Estado desempenha um papel que não tem condições para exercer, quando o mais indicado seria apostar na segurança e, assim, reforçar a protecção costeira.
Mas não considera ser este o momento ideal, até pela fase que o país atravessa, para aproveitar a exploração dos recursos marinhos para alavancar uma economia que procura novos vectores de crescimento?
Sem dúvida. no entanto, há hoje um foco grande, quase uma mitologia desenvolvimentista da agricultura, que na verdade, pela história do país, nunca foi a base para nada, senão para a subsistência,
A ExplorAção Do MAr é FEItADE uMA ForMADESControlADA, não hÁ uM proCESSo ArtICulADo EntrE MonItorIADoS rECurSoS híDrICoS EDASuA utIlIzAção
fruto da negligência governamental que não cria capacidades locais para o efeito. Dou-lhe o exemplo: em 1970 havia 8 600 tractores, e actualmente só temos 6 000, quando a população triplicou. Claro que o mar tem as suas particularidades, os seus produtos e recursos, mas se forem cometidos os mesmos erros que na política agrícola, temo que os ganhos que o mar está a gerar não venham a ter qualquer expressão. Com a agravante de que, se nada for feito, iremos assistir a uma provável devastação da nossa costa.
Mas o que está então a falhar em toda esta diâmica?
é esta funcionalidade para deixar a marginalidade de fora. por um lado, há a incapacidade de gerir um activo fundamental e estatégico para o país. E por outro, há a competência para transformar o valioso potencial em capacidade real. penso que ainda há um longo caminho a percorrer nesse sentido. Só espero que se comece rapidamente a fazê-lo, porque não podemos esperar muito. o que o Mar tem de bom, um dia vai acabar, não tenhamos quaisquer dúvidas em relação a isso.