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As promessAs e os desAfios dAs “cidAdes inteligentes” em áfricA

De Kigali, no Ruanda, a Nairobi, no Quénia, ou como as grandes capitais africanas estão a dar o passo em frente na revolução tecnológica, o tal salto para um futuro para o qual Maputo ainda não parece disposto a avançar

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a conferência “transform africa summit”, cuja 4ª edi-

ção decorreu em Maio, em Kigali, a capital do Ruanda, permitiu, uma vez mais, ver como estão a ser implementados, através do continente, os vários projectos de “cidades inteligentes” que têm sido objecto de grandes investimentos e se pretendem constituír como o paradigma de um modelo de desenvolvimento sócio-económico centrado nas tecnologias de informação e comunicação. O foco deste novo paradigma ficou consagrado na edição de 2013 da conferência “Transform Africa Summit”, pelo lançamento do manifesto “Smart Africa” - liderado pelo Ruanda - ao qual aderiram, inicialmente, sete países do continente mas que seria subscrito, um ano depois, por todos os países que fazem parte da União Africana. O facto da iniciativa “Smart Africa” ter sido proposta e liderada pelo Ruanda não acontece por acaso. Em entrevista dada, o ano passado, ao jornal francês ‘Le Monde’, Jean Philbert Nsengimana, ministro da Juventude e das Novas Tecnologias, sublinhou que Kigali é hoje “uma cidade totalmente conectada à Internet com acesso gratuito via Wi-Fi nos espaços públicos, transportes, restaurantes e hotéis”, referindo ainda que, para além disso, “todos os habitantes de Kigali podem hoje aceder à totalidade dos serviços públicos pela internet.” Na entrevista, Jean Philbert Nsengimana explica como foram “desmaterializados” todos os procedimentos administrativos por forma a que os cidadãos possam, através da internet, “pagar os seus impostos, obter licenças de construção, registos de propriedade, ou certidões de nascimento”, salientando ainda que a digitalização de toda a informação urbana relativa a endereços permite já a distribuição domiciliária de correio e encomendas: “O programa ‘Smart City Kigali’ permitiu geo-localizar 100% das ruas da região.” Falando sobre os próximos passos que a cidade quer empreender, o ministro refere como objectivo a “digitalização progressiva de todo o tipo de transacções monetárias”: “Nos transportes colectivos de Kigali já é hoje possível pagar directamente usando o telemóvel. Queremos agora estender esse procedimento a hotéis e restaurantes”. Reconhece, no entanto, que há ainda muito a fazer no sentido destes “pagamentos electrónicos” poderem abranger o pequeno comércio e as lojas de bairro. Baseado na sua experiência, o governo do Ruanda apresentou mesmo, no final da conferência do ano passado, um “roteiro de boas práticas” (“Smart Cities Blueprint”) para o desenvolvimento de “cidades inteligentes” em África na perspectiva de ajudar todos aqueles que querem implementá-las nos seus países. De facto, têm-se multiplicado, em anos recentes, os anúncios de vários projectos de “cidades inteligentes” através do continente, quer em termos de dotar os centros urbanos actuais de infra-estruturas tecnológicas “inteligentes”, quer projectando novas cidades de raíz. No que toca à

2013

O fOcO deste nOvO paradigma ficOu cOnsagradO, na ediçãO de 2013 da cOnferência “transfOrm africa summit”, pelO lançamentO dO manifestO “smart africa” – lideradO pelO ruanda - aO qual aderiram, inicialmente, sete países dO cOntinente mas que seria subscritO, um anO depOis, pOr tOdOs Os países que fazem parte da uniãO africana

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criação de novas infra-estruturas tecnológicas podem referir-se, para além de Kigali, os casos de Kampala, no Uganda, e de Accra e Kumasi, no Gana, onde através de uma parceria com a Google, e do seu denominado ‘Project Link’, foram instaladas redes de fibra óptica que permitem hoje aos seus cidadãos uma ligação e rápida e barata à Internet.

internet leva tudo à frente Um projecto semelhante está também actualmente a ser desenvolvido pela Liquid Telecom, uma empresa baseada nas Maurícias e que tem como objectivo instalar redes de banda larga em países como a Zâmbia. Praticamente todas as grandes empresas tecnológicas globais definiram, entre os seus objectivos a curto e médio prazo, estratégias alinhadas com a ideia de levar a internet de alta velocidade ao continente africano. O Facebook está, por exemplo, a desenvolver um projecto que envolve a criação de drones que vão funcionar como hotspots de Wi-Fi. E tanto Elon Musk (através da Space X) como Richard Branson (com o grande investimento no projecto OneWeb) prevêm o lançamento de centenas de satélites em órbita baixa que vão permitir acesso rápido à internet. Aos casos acima referidos – de Kigali, Kampala, Accra e Kumasi – devem acrescentar-se ainda alguns outros que, desde há alguns anos, se destacaram por iniciativas pioneiras, como Cape Town, na África do Sul, Lagos, na Nigéria e Nairobi no Quénia. Até aqui, nada de Maputo, que parece estar fora desta nova rota da fibra óptica. E não há planos para que isso venha a acontecer. Por outro lado, e no que diz respeito à criação de novas “cidades inteligentes”, os projectos mais frequentemente referidos incluem, ‘Vision City’, nos arredores de Kigali, ‘Hope City’, no Gana – que tem a ambição de se tornar num grande parque tecnológico - ‘Waterfall City’, em Joanesburgo, na África do Sul, ‘Eko Atlantic’, um pólo urbano a ser construído perto de Lagos e que pretende ser a “primeira cidade inteligente” em África, ou ainda o projecto ‘Konza Technopolis’, em Nairobi, no Quénia.

Accra, capital do Gana: ‘Hope City’ foi criada para ser uma referência tecnológica em África, mas ainda não atingiu essa meta

Revolução tecnológica fez emergir, a nível global, centenas de projectos de cidades inteligentes, estimando-se que este seja um mercado que em uma década poderá atingir os 225 mil milhões de dólares

Um lugar diferente O conceito de ‘cidades inteligentes’ começou a emergir, de forma mais consistente, na primeira década do novo século. Os ganhos de eficiência permitidos pelo avanço das tecnologias digitais e, mais recentemente, a possibilidade de usar a big data no planeamento urbano, fizeram emergir, a nível global, centenas é sobretudo para África que todas as atenções estão voltadas: não apenas porque será neste continente que irá viver um quarto da população mundial em 2050 mas sobretudo porque metade dessa população irá ficar nas cidades.

de projectos, estimando-se, actualmente, que este seja um mercado que poderá atingir os 225 mil milhões de dólares na próxima década. Após a crise financeira de 2008, tanto as grandes empresas tecnológicas globais como as do imobiliário começaram a olhar para a África e Ásia com especial atenção. A explosão demográfica, a escassez de recursos e a fragilidade das infra-estruturas que marcam estas regiões tornaram estes continentes um alvo preferencial. No caso asiático, tanto a Índia como a China já anunciaram planos para a construção de ‘cidades inteligentes’. A primeira pretende construir 100 destas cidades até 2022 e a segunda quer avançar com 500 nos próximos anos. Mas os prós... e os contras Em 2030, as estimativas indicam que existirão pelo menos seis mega-cidades em África (com mais de 10 milhões de habitantes). Para lidar com esta anunciada “explosão” urbana muitos países estão, por isso, não apenas abertos a redesenhar a configuração urbana actual como a projectar novas cidades. No entanto, o modelo de ‘cidade inteligente’, tal como tem vindo a ser desenhado, tem merecido reservas por parte de

sectores que duvidam, não só da sua capacidade em mudar as condições sócio-económicas existentes, como antecipam o seu provável agravamento. Um outro tipo de crítica prende-se com o que alguns consideram a “influência excessiva” que as grandes empresas internacionais já têm (e vão continuar a ter) na definição do modelo das ‘cidades inteligentes’ em África. Como é o caso da ‘escola inteligente’, que a Nokia está desenvolver, no sentido de equipar o parque escolar de infra-estruturas tecnológicas avançadas, ou na área da saúde, o da empresa norte-americana de robótica Zipline, que implementou um sistema de distribuição de sangue através do uso de drones. Mas a presença de grandes operadores globais como a Microsoft, a Inmarset (satélites) ou a Hancom (empresa sul-coreana de software) são também referidos. Para o ministro Jean Philippe Nsengimana, este tipo de “parcerias” são inevitáveis e decorrem da necessidade de atraír investimento estrangeiro e adquirir ‘know-how’. Na verdade, muitos dos projectos de ‘cidades inteligentes’ já anunciados continuam a ter dificuldades em concretizar-se: ‘Hope City’, em Accra, continua, quatro anos depois de ter sido lançado, a ter um desenvolvimento titubeante e em Nairobi, o projecto ‘Konza Technopolis’ tem agora a sua inauguração prevista apenas para 2030. Os críticos, onde se inclui, por exemplo, Mira Slavova, do Gordon Institute of Business Science, da África do Sul, referem que os modelos desenhados tomam sobretudo como referência as mega-cidades do século XX, todas elas nascidas em países já desenvolvidos. Ora, ao contrário destas, que surgiram nos anos 50 do século passado, e corresponderam a uma concentração de “forças produtivas”, as mega-cidades africanas são sobretudo “espaços congestionados” onde vivem grandes massas de população sem qualificações e em condições de “extrema pobreza”. Mira Slavova sublinha ainda que a maior parte dos projectos de ‘smart cities’ no continente se tem concentrado sobretudo nas capitais dos diversos países ignorando o facto de que, segundo vários estudos indicam, o maior desenvolvimento urbano irá ocorrer em cidades secundárias que se irão transformar, dentro de alguns anos, em grandes megalópoles. Muitas destas questões (e outras) não são exclusivas de África, o que leva os analistas a considerar que, sem um profundo debate sobre o tipo de ‘cidade inteligente’ a desenvolver no continente, as promessas de um novo impulso poderão não passar de uma oportunidade perdida.

OPINIÃO

Políticas de austeridade favorecem ou entravam o retorno ao crescimento?

Salim Cripton Valá • PCA da Bolsa de Valores de Moçambique

a ocorrência de crises financeiras mais frequentes nos

últimos anos e a globalização da economia e dos mercados aceleradas pela velocidade de propagação das novas tecnologias tem tido um efeito multiplicador e devastador na economia de muitos países, pondo em causa a sua capacidade de acesso aos mercados financeiros, da concessão de crédito à transmissão de confiança aos investidores. Perante situações de crise, muitos países confrontaram-se com a necessidade de implementar medidas para reduzir os gastos públicos, já que as receitas orçamentais são insuficientes para satisfazer a despesa pública e para incrementar a produtividade e a competitividade das economias. Expressões como “o Governo gasta em excesso”, “é necessário cortar gastos” e “é urgente equilibrar as contas públicas”, passam a fazer parte da gíria adoptada pelos parceiros de cooperação e gestores das finanças públicas. Foi nesse contexto que entrou na moda a ideia de introduzir medidas de austeridade fiscal. A questão de fundo é se essas receitas prescritivas que reduzem o nível do consumo e o investimento público terão o condão de relançar o dinamismo e a competitividade da economia. Um estudo feito por David Stucker e Sanjay Basu (2013), intitulado “The Body Economic – Why Austerity Kills”, apresenta uma conclusão aterradora: os cortes orçamentais prejudicam gravemente a saúde pública, e são as medidas de austeridade implementadas sem a devida adaptação às especificidades que agravam os efeitos da crise, amputam as iniciativas de apoio social, agravam as taxas de desemprego e adiam o crescimento. Ao contrário do que defendem os apologistas da “contracção fiscal expansionista” (como Luigi Einaudi, Alberto Alesina, Carlo Favero, Francesco Trebbi, Guido Tabellini, Marco Pagano, Silvia Ardagna e Roberto Perotti), ou seja, que a redução nos gastos públicos é que leva ao crescimento económico, que foram as medidas de estímulo à economia que fizeram as economias crescerem, que melhoraram as contas públicas e fizeram aumentar o nível de emprego. Joseph Stiglitz (2017) considera que alguns países da Europa fizeram as escolhas erradas, ao impor a austeridade, cortando excessivamente na despesa pública, exigindo “reformas estruturais” e, além disso, introduzindo mudanças na forma como os países afectados acabaram por gerir o mercado de trabalho e as pensões. Considerou ainda que as medidas de austeridade agravaram a crise junto das populações, que acabaram por lhes mostrar resistência, em nome da democracia. Philipp Engler & Mathias Klein (2017) defendem ser preferível uma recuperação da economia mais lenta, argumentando que a consolidação orçamental não tem oportunidades de sucesso num ambiente tão recessivo, pelo que uma combinação mais equilibrada de medidas, com ajustamentos orçamentais, reformas estruturais e uma aposta orçamental no investimento teria um efeito mais positivo sobre a economia. Na sua obra “Não Temos de Ser Alemães”, José Matos Torres (2014), refere que o caminho para Portugal devia passar por uma reforma económica profunda, que não esteja obcecada com o défice e com a dívida pública, até porque uma boa dívida pública pode ser a alavanca para lançar as bases do crescimento económico. Moçambique pode aprender com essas experiências. Medidas de austeridade compreensivas são uma componente essencial de qualquer política económica sensata e prudente, que canaliza os recursos para onde eles possam ser usados para gerar bem-estar e crescimento económico inclusivo. Será que o melhor momento para implementar programas de austeridade é em época de crise ou em contextos de relativa abundância? Não deixa de ser verdade que é mais complexo e delicado implementar medidas de políticas visando simultaneamente: (i) gerir a crise económico-financeira e os seus efeitos sociais; (ii) introduzir reformas orçamentais, fiscais e monetárias; (iii) prosseguir com a promoção de um ambiente de negócios favorável ao investimento privado; (iv) e projectar e levar a cabo a transformação estrutural da economia. Temos de encontrar resposta para a pergunta: Como é que as medidas de austeridade podem promover desenvolvimento económico sustentável? Qualquer solução vai passar pelo melhor balanceamento que o Estado encontrar entre ambas.

Ao contrário do que defendem os apologistas da “contracção fiscal expansionista”, que a redução nos gastos públicos é que leva ao crescimento económico, foram as medidas de estímulo à economia que fizeram as economias crescerem, que melhoraram as contas públicas dos países

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