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Mercado e FInanças
2019, O anO para lançar aS SementeS DOS prÓXImOS CInQUenta anOS
Parceiro de longa data de Moçambique, o Banco Africano de Desenvolvimento revela à E&M as linhas de actuação definidas para os próximos quatro anos, garantindo o foco dos apoios nas áreas da agricultura e infra-estruturas
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o banco africano de desenvolvimento
(BAD) garante que, apesar das convulsões da economia nacional, não recuou nem irá reduzir o apoio a Moçambique face à deterioração da imagem do país, causada pela revelação da história da dívida pública não declarada aos parceiros de cooperação. E, pelo contrário, assume que vai elevar a sua presença em diferentes projectos ao longo dos próximos anos, tendo já aprovado a “Estratégia Nacional de Moçambique 2018-2022”, que lança as linhas gerais de ataque às áreas mais críticas para o desenvolvimento socioeconómico. Em finais de Novembro passado, o BAD havia apresentado, em relatório, o impacto socioeconómico da sua intervenção nos projectos de desenvolvimento desde que está presente em Moçambique, com destaque para o período entre 2007 e 2017 (ver caixa na página 46). Pouco mais de 42 anos de parceria com o Governo, mais de 100 projectos de desenvolvimento financiados nos últimos 10 anos, num investimento de mais de 2 mil milhões de dólares, são números que fazem relevar a importância do BAD para a economia nacional. Quanto ao futuro, ele é lançado numa entrevista à E&M, pelo representante do BAD em Moçambique, Pietro Toigo, que revela que a agricultura será um dos principais pilares da intervenção do BAD, com o objectivo geral de “gradualmente substituir a importação de produtos agrícolas elevando a produtividade e competitividade interna sem elevar as taxas de importação.” E anuncia também um “forte” investimento na industrialização do sector através da criação de centros de processamento para agregar valor à produção, dando até o exemplo do cacau, em que “80% do valor é realizado depois do processamento e do marketing, o que prejudica os países africanos que o exportam e só realizam 20% do valor final”, lamenta Pietro Toigo. Outro grande pilar de intervenção do BAD serão as infra-estruturas, através do financiamento à construção e reabilitação de estradas, expansão do acesso à rede energética e abertura de novas fontes de abastecimento de água.
Qual é o peso de Moçambique no volume de apoio do BAD em África?
No ano passado desembolsámos 5 mil milhões de dólares no continente africano... parece muito, mas são precisos cerca de 30 mil milhões de dólares por ano para investir no desenvolvimento sustentável. E a única maneira de fechar este défice é trazer investimento privado. Em relação a Moçambique, a capacidade de endividamento é limitada devido ao elevado nível de dívida pública, pelo que, agora e nos próximos dois anos (2019-2020), iremos conceder apenas donativos.
Quantos projectos e quais os montantes previstos na estratégia 2018-2022, do BAD para a economia nacional?
A nossa estratégia não prevê orçamentos nem para agricultura nem para as infra-estruturas. Temos uma matriz de projectos que consideramos alinhados com a própria estratégia. Tipicamente, as infra-estruturas são mais caras que a agricultura. Mas, em relação à estratégia de financiamento, o BAD tem a vantagem de possuir uma janela pública e outra privada e isso é importante porque a janela pública – o Fundo Africano de Desenvolvimento – concede ao Governo recursos de baixo custo, que possibilitam criar infra-estruturas públicas que estimulam o investimento privado. São estas janelas que possibilitam que os planos sejam materializáveis financeiramente.
A agricultura é o principal foco do BAD em Moçambique. Porquê?
Porque é no sector familiar que existirão mais ganhos de escala em termos de produtividade. A ideia é melhorarmos o desempenho da agricultura familiar através da expansão do apoio técnico e do acesso a meios de produção, sobretudo de fertilizantes, visto que Moçambique tem a taxa mais baixa de utilização de fertilizantes da África Austral (o Malawi, com uma superfície quase sete vezes menor que a de Moçambique, utiliza três vezes mais fertilizantes). Finalmente, será preciso um agregador que deverá ser o processamento ou a compra e a distribuição da produção, sempre com operadores de escala que cheguem aos pequenos produtores. Porém, a agricultura não é percebida pelos jovens como um trabalho interessante e isso deverá merecer uma reflexão.
O agricultor moçambicano é geralmente pobre e os jovens não têm expectativa de sucesso em abraçar esta actividade,
2 000
milhões de dólares É o valor global dos investimentos do bad em moçambique, em mais de 100 projectos aprovados em diferentes sectores de actividade, entre 2007 e 2017
acabando por preferir sectores relativamente mais prósperos como os serviços, por exemplo… Por onde começar para fazer a transformação?
Na verdade, estamos em busca de modelos de desenvolvimento para a transformação da agricultura. O mais importante a fazer neste campo é demonstrar que já produzimos verdadeiros campões africanos agrícolas. Há companhias que têm êxito, geram riqueza. Um dos exemplos é o Grupo Dangote, uma companhia Pan africana que começou na Nigéria como importadora de arroz, evoluiu para produtora e processadora de arroz e outros produtos agrícolas, o que permitiu a sua expansão para uma empresa multibilionária. É este tipo de iniciativas que temos de trazer e de replicar aqui em Moçambique.
O BAD está satisfeito com os cerca de 11% do OE alocados à agricultura? Que visão tem a este respeito?
O meu conselho é sempre começar pelas coisas que não custam dinheiro e daí gerar um ambiente de negócios mais apetecível e criar um volume de negócios que possa permitir investimentos em infra-estruturas e no que for preciso para dinamizar a agricultura.
Ou seja, para o BAD, a questão fundamental não está no bolo orçamental para a agricultura, é isso?
Há uma lacuna infra-estrutural no sector. Por exemplo, a irrigação vai precisar de investimentos para deixar de ser dependente da chuva e tornar-se resistente às mudanças climáticas. Mas, sinceramente, eu começaria pelo tipo de mudança do quadro de políticas agrícolas. Moçambique tem dos mais baixos índices de ambiente de negócios do mundo e isso não é aceitável. Temos de olhar para todas as leis que atingem o ambiente de negócios e simplificar muito. E acrescentaria que é urgente aliviar a pressão fiscal sobre os exportadores de produtos agrícolas que agora estão a ser sufocados.
A nível de infra-estruturas, que conjunto de investimentos estão agendadas?
Não podemos trazer detalhes, porque não definimos pacotes financeiros efectivos para a nossa intervenção. Estamos a trabalhar mais com objectivos de princípio e quando forem desenvolvidos os projectos a serem aprovados pelo conselho do banco, onde há objectivos mais concretos, será possível conhecer o impacto real no desenvolvimento. Mas posso dizer que gostaríamos de ver um aumento no mínimo em 10% de gente com acesso a energia eléctrica, por exemplo, ajudando o país a assegurar cobertura universal até 2030; expandiremos as redes de distribuição de água e estaremos presentes em sectores cruciais, como a educação e saúde.
Na prática, qual tem sido o modelo de financiamento ao desenvolvimento da economia nacional?
Com a janela do sector privado, o BAD identifica e apoia iniciativas privadas como a linha férrea e o porto de carvão de Nacala (o maior projecto actualmente assistido pelo BAD). Trata-se de uma infra-estrutura pública com capacidade para 24 milhões de toneladas de carga por ano, das quais 18 milhões para o carvão e os restantes 6 milhões de carga geral. Os fluxos financeiros gerados pelo carvão servem para pagar as infra-estruturas e viabilizar a carga geral, porque o investimento foi inteiramente privado. Portanto, não há garantias, financiamento nem dívida pública envolvida na sua criação. É este tipo de modelo que queremos adoptar na área de infra-estruturas: criar condições para que elas se paguem a si mesmas e gerem um claro benefício público.
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2 MIl MIlhõEs, 10 Anos, 100 ProjEctos
O BAD mediu o impacto da sua intervenção em Moçambique, entre 2007 e 2017, nas principais cinco áreas em que actuou. Investiu cerca de 2 mil milhóes de dólares em mais de 100 projectos, e os resultados são estes...
Acesso à energia
1 350 quilómetros de linhas de transmissão foram financiados pelo BAD, beneficiando cerca de um milhão de consumidores e contribuindo para uma cobertura de quase 30% da população. Em 2007, apenas 12% dos moçambicanos tinham energia.
Acesso aos alimentos
Industrialização
5 000 pessoas beneficiaram, directa e indirectamente, do apoio à indústria nacional. Os investimentos incidiram, em larga maioria sobre as PME, gerando 17 milhões de vendas adicionais. Apoiou, ainda, a exploração de Moma.
Qualidade de vida
1,8 milhões de pessoas passaram a ter acesso à água potável e saneamento melhorado, através da entrega de 570 postos de abastecimento; na Educação investiu na formação de professores; na Saúde financiou a construção de centros de formação. 120 milhões de dólares foram investidos no fomento da produtividade agrícola, permitindo aumentos de rendimento produtivo a 240 000 produtores. A intervenção do BAD incidiu na promoção da cadeia de valor, infra-estruturas e acesso à água.
Infra-estruturas de transporte
811 quilómetros de estradas construídos ou reabilitados, com impacto em 77 000 pessoas de todo o país. No quadro das infra-estruturas, as estradas são uma prioridade do BAD, perfazendo 66% da carteira de investimento activa em Moçambique.
Coloca-se, muitas vezes, a questão de os investimentos nas diversas áreas não gerarem desenvolvimento. Como é que o BAD pretende fazer a diferença? Em meados de Outubro passado, tivemos o Fórum Africano de Investimentos em Joanesburgo (África do Sul), uma plataforma onde o BAD e parceiros (African Finance Coporation, Trading Development Bank, etc.) utilizam as suas experiências para trazer o tipo de investidores que não apostam muito em África, nomeadamente os fundos de pensões asiáticos, americanos, fundos soberanos e outros tipos de investidores institucionais. O nosso objectivo passa por financiar projectos privados, mas com impacto assinalável no desenvolvimento que se pretende para o país, e esse tem de ser olhado e planeado a longo prazo.
A estratégia prevê que a região Norte venha a ser uma prioridade para o BAD até 2022. Porque razão isso acontece?
Nos próximos cinco anos, e talvez possamos prolongar esse pensamento até 2030, a economia moçambicana vai transformar-se para muito pior se passar a depender exclusivamente do gás natural e se viermos a assistir ao fraco desenvolvimento das indústrias nas restantes áreas. Antes de chegar ao fim da próxima década, Moçambique vai precisar de uma base económica mais diversificada e tem de investir mais na agricultura, que é o sector com mais potencial ao nível da criaçáo de emprego. E porquê investir no Norte? É simples. Cabo Delgado será a área mais atingida pelo desenvolvimento do gás, com um crescimento demográfico que vai fazer crescer a demanda por alimentos. E a resposta poderá estar na província do Niassa, mesmo ao lado, que é um dos pontos da África Austral com as terras mais férteis. É aqui onde se projecta a criação de infra-estruturas e condições de produção a baixo custo para potenciar a produção alimentar.
Dívida pública “não abala” a confiança
Como é que o BAD se posicionou perante a deterioração da imagem de Moçambique, aquando da descoberta das dívidas ocultas? O fenómeno fez retrair a confiança de diversos parceiros e o BAD não terá ficado indiferente…
Nunca tivemos a ideia de punir o povo moçambicano pelo que aconteceu. Mas é verdade que Moçambique pagou um
preço muito caro em termos de imagem externa, em relação aos investidores internacionais. E acredito que, mesmo hoje em dia, a maioria das perguntas dos investidores ande em torno deste assunto, o que é natural, de resto. Querem saber como estão as relações com o FMI e com os principais parceiros externos do país. Falando do BAD, aqui, a nossa intenção passa por tentar assegurar que isso nunca mais volte a acontecer. Trabalhamos de perto com as autoridades, que também reconhecem a gravidade do problema, para que Moçambique possa voltar a ser visto como um actor maduro no sistema económico africano e global, fazendo jus ao potencial que todos lhe apontam.
Olha como positivos os esforços internos para tentar restabelecer a boa imagem da economia no exterior ou é necessário fazer algo mais para criar uma atmosfera mais favorável aos principais parceiros?
Acho que nos últimos 12 meses se registaram progressos importantes no sistema de gestão de finanças públicas, com a aprovação da lei de empresas públicas, o novo quadro jurídico para o endividamento do sector público, um pacote de reformas fiscais que protegem as populações mais vulneráveis, entre outros. Posso dizer que me parece que estamos numa trajectória positiva. Já na área da gestão dos recursos naturais, o percurso ainda é muito longo. Estamos a falar de um percurso de cinco ou dez anos de reformas para construir um quadro legal e jurídico, e de gerar um debate social. Seguramente, as lições foram aprendidas e a crise económica que o país viveu, não tendo sido bem-vinda, ajudou a sociedade a poder construir uma visão bastante mais clara e precisa sobre este percurso de desenvolvimento que o país irá percorrer nos próximos anos.
“Bons exemplos” africanos
Quais são, a este respeito, os bons exemplos de África, aqueles que poderáo servir de inspiração para Moçambique, em termos de políticas que permitam acelerar o desenvolvimento a partir da ajuda do BAD e de outros parceiros de desenvolvimento?
É-me muito difícil identificar um modelo de desenvolvimento socioeconómico de um país e transferi-lo para um outro, as coisas não funcionam, ou não deveriam funcionar desta forma. Ainda assim, posso citar o Botswana, como um exemplo
“As decisões que forem tomadas nos próximos dez anos irão determinar os próximos 50 anos”, diz Pietro toigo
5 000
milhões de dólares foi o volume total de investimento do bad, em África, em 2017, financiando projectos de desenvolvimento sustentÁvel
muito interessante na forma de utilizar o orçamento nacional e os recursos da exploração de diamantes para investir em capital físico e humano. Nos últimos 20 anos, o foco foram educação e infra-estruturas. Aspecto negativo é o facto de continuar uma economia pouco diversificada. Já a Etiópia é um bom exemplo de industrialização e rápida redução da pobreza. O Ruanda é outro bom exemplo de reformas bem-sucedidas na transformação do ambiente de negócios. O Egipto, igualmente, com 90% da energia consumida pelas famílias a vir do gás que produzem. O custo dos investimentos foi elevado, mas assegurou independência energética.
Como vê o futuro de Moçambique?
Sou extremamente optimista. Raramente vejo um país com um futuro tão claro. Nos próximos 20 anos, terá a possibilidade de tornar-se no exemplo mais brilhante de desenvolvimento em África, também graças aos recursos naturais. Mas os próximos dez anos são cruciais em termos de escolhas políticas. Ou seja, as decisões que forem tomadas neste intervalo, irão determinar os próximos 50 anos. O grande desafio será a capacidade de gerar emprego, porque a população não pára de crescer e tem uma base maioritariamente constituída por jovens.
OPINIÃO
Como criar organizações ágeis
Cristina Simón • Professora RH da IE Business School e directora do MBA IE-BROWN
parece bastante claro que as empresas actuais mantêm um elevado grau de inércia que ainda trazem do seu passado. Continuam a funcionar com níveis hierárquicos de liderança mais ou menos extremos em função do sector de actividade em que operam. Desde as pirâmides baseadas no “up-or-out” das empresas de serviços profissionais, até às estruturas mais planas que se observam no sector tecnológico, existem diferentes níveis de controlo e supervisão entre a parte executiva e a parte formada pelos operários. Este sistema funcionou muito bem durante os últimos 70 anos, disso não há dúvidas. Contudo, o mundo mudou muito rapidamente ao longo dos anos que passaram neste começo de século. Por um lado, o contexto empresarial ganhou muita velocidade e as unidades de negócio necessitam que os processos de funcionamento interno sejam, pelo menos, tão rápidos como elas. A sociedade também evolui e um dos efeitos (sem dúvida potenciado pela Internet 2.0) é que os trabalhadores aceitam cada vez pior a autoridade de um chefe baseada apenas nos cargos. A tecnologia vem novamente oferecer uma forma de modernizar as diversas estruturas da empresa, neste caso exportando o que se criou como uma metodologia de desenvolvimento de projectos de software: Agile. A proposta é baseada num conjunto de princípios entre os quais, pessoalmente, destacaria a orientação total para o cliente, o trabalho por protótipos e a interacção entre os membros das diversas equipas ao longo do decorrer de um projecto. O esforço pela qualidade do resultado final para o cliente guia o processo, que funciona praticamente sem necessidade de supervisão formal. Como resultado de aplicar esta forma de trabalho, as organizações equilibram-se de forma extraordinária, ou seja, eliminam naturalmente as capas de lideranças intermédias que caracterizaram o modelo de empresa tradicional que todos conhecíamos. De início, o planeamento é muito atractivo e, desde logo, representa uma autêntica revolução para as culturas corporativas de muitíssimas empresas. Por exemplo, trabalhar sobre protótipos (resultados intermédios) será algo insólito para muitos; apresentar um projecto aberto e tratar de o submeter à discussão traduz-se em que o funcionário que está cheio de dúvidas e vai atrasar os demais, não se atreve a mostrar a sua postura ou as razões pelas quais não acabou o trabalho a tempo. Sem esta mudança de mentalidade é impossível passar a ser ágil. Assim, a minha pergunta fundamental é: o que fazemos com toda a colecção de chefes tradicionais? Como reinventamos uma função que foi tão relevante até ao momento e capitalizamos estes empregados que perdem a sua autoridade e ficam como outro membro mais da sua equipa? Há que estar atento às experiências iniciais de algumas empresas que já se estão a animar a fazer esta mudança, que é mais uma das inevitáveis para sobreviverem no actual mundo que, como sabemos e sentidos, está em constante mudança.
Sem esta mudança de mentalidade, é impossível passar a ser ágil. Assim, a minha pergunta fundamental é: o que fazemos com toda a colecção de chefes tradicionais? E como reinventamos uma função que foi tão relevante até ao momento para o funcionamento da empresa