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SocIedade

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Excurso brEvE pElo Niassa, a províNcia bastarda dE MoçaMbiquE

Uma viagem (acidentada) pela paisagem social, cultural e económica, entre Cuamba e Lichinga, pelos caminhos despavimentados do presente, sem esquecer as novas vias rápidas que o futuro há-de fazer nascer

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são 15 horas de um dia de semana e o centro da cidade de Lichinga é o paradigma da província a que preside: quase parado, com esparsa gente circulando lenta, numa letargia expectante. Sem que nada aconteça realmente. O âmago urbano é assinalado por uma rotunda que motorizadas sobrelotadas, mais um ou outro carro, circundam por vezes, num trânsito demasiado escasso para uma capital provincial. Mesmo que tratando-se de Niassa, a província nortenha que é a maior de Moçambique, com 129 mil quilómetros quadrados (km2), e também a menos povoada – o Censos de 2017 registava 1,8 milhões de habitantes, prOvíNcia niassa

capital Lichinga área 129 000 km2 DiStritOS 16 pOpulaçãO 1,8 miLhões DeNSiDaDe DeMOGráFica 14,5 por km2

a maioria deles de etnia macua. Nos arrabaldes desse redondo nuclear e dolente, fazem-se representar todos os pólos de poder que usam comandar os destinos da Humanidade.

promessas de milagre Desde logo, o político. Mais do que a sede do Governo Provincial do Niassa, rectilíneo edifício dos finais da década de 1950 assente em pilotis, impõe-se a usual estátua norte-coreana de Samora Machel, o mítico presidente seminal do Moçambique independente, plantada na Praça da Liberdade. E, à semelhança da cidade de fundação recente (cerca de 1930), também

ele ficou cristalizado com o dedo impositivo indicando, talvez, a origem mais provável desse milagre capaz de resgatar o Niassa ao estupor em que vive – o céu, consabida morada dos deuses. E a eles, essa poderosa abstração, não lhes falta ali delegações para despacho dos milagres que hão de providenciar: de um lado, bem visível da Avenida Samora Machel, a catedral católica legada pelos colonos, solitária no meio de um terreiro algo descabelado; mais adiante, uma mesquita sem grandes brios, que passaria discreta não fosse o muezim de serviço a recordar os fiéis à hora aprazada; e, onde era o Cinema ABC, acantonaram-se os evangélicos da Igreja Universal do Reino de Deus a garimpar misérias em troca das promessas de curas instantâneas e dias mais afortunados. Prometendo fortunas encontra-se também, à volta da rotunda, outro dos poderes fácticos: a banca. Mais próxima de Machel fica o BCI, instituição financeira com mais balcões do país; no outro lado da Praça da Liberdade, em simetria perfeita, o Moza Banco, ainda a lamber feridas recentes; e, mais afastados (mas não muito), o balcão do Millennium bim à face da Rua Filipe Samuel Magaia, a poucos passos da delegação do Banco de Moçambique. Do poderoso trio, são estes que menos movimento registam. Porque se da laica burocracia administrativa e do místico apelo religioso é difícil escapar, a frequência do pragmatismo bancário exige dinheiro, matéria escassa numa província cujo potencial – agro-florestal, turístico e mineral – tarda em explorar. Para que o Niassa se torne, mais do que alfobre de promessas por cumprir, na Terra Prometida.

Miragem de Fartura Ainda assim, terra. Imensa, de cor almagre, cuja fertilidade se faz evidente no local mais buliçoso de uma cidade rural como Lichinga – o Mercado Central. Abre-se para a estrada com as bancas das frutas e vegetais, numa profusão de cores e cheiros gerida pelas mamanas que zelam pelo aprumo do mostruário. Mas a promessa implícita na exposição de tanta fartura revela-se, também ela, ilusória. “Há mais produtos para vender, mas há menos clientes”, lamenta Celina Nhantumbe, de 52 anos e mãe de dez filhos. Natural de Maputo, foi enxotada para o Niassa pela famigerada Operação Produção. Se pudesse, volvia à capital, porque em Lichinga “a vida está mal. Muito mal mesmo”. Tão mal que nem o marketing a que recorre Rosa Ndala se mostra eficaz. “Ponho aqui os alhos já descascados para ver se as pessoas compram pela facilidade, mas não há maneira...”, diz a matrona de 50 anos que criou, sozinha, três filhos com o apuro do comércio. Outros tempos. “Aqui não há empresas, não há dinheiro, então as pessoas não têm como comprar. E são poucas, consomem pouco e tudo apodrece de qualquer maneira. Era preciso existirem empresas para transformar isto tudo que a machamba dá”, reclama. E com razão. Aos factores que Ndala enumerou, acresce a falta de um sistema industrial de frio que prolongue a vida útil aos produtos. Talvez por isso haja, nas traseiras do mercado, tanto peixe seco e fumado. Inocêncio António oferece um catálogo mitigado do pescado comestível da província, como o chambo, do lago Amaramba, o jila, do rio Lugenda, ou utaca e ussipa, resgatados ao vasto azul do Lago Niassa onde nadam mais de 1 300 espécies. Depois da agricultura, que representa 80% do PIB da região, é a pesca artesanal, praticada por 9 000 operários do anzol, que movimenta o dinheiro do povo e lhe aplaca a fome. Inocêncio sorri: “O negócio está a andar, o movimento tem sido bom”, garante. Pior sorte tem o sector das carnes. Depois do corredor com farinhas, fica num cubículo nauseabundo de azulejo encardido e que a incúria de décadas converteu num lodaçal de sangue e vísceras. No meio dessa mixórdia de alto risco sanitário ufana-se um jovem no manejo do machado para talhar a carcaça de um cabrito. E, a cada movimento da lâmina romba sobre o cepo, agita-se um enxame de moscas residentes, ensaiando uma coreografia no limiar do vómito... O talho do Mercado Central é um perigo e um exclusivo dos mais ousados.

1,8

Milhões de habitantes Niassa é a maior ProvíNcia em área, mas a meNor do País ao Nível dos Números da PoPulação, o que tem custos elevados, talvez demasiados. ao Nível da desPesa, a ProvíNcia receberá aPeNas 2,4% do oe destiNado às ProvíNcias, uma vez que a distribuição de recursos Para o Poder local é iNdexada ao Número de habitaNtes

aventuras no deserto Ousadia e bravura, quiçá um bocadinho de loucura, assistiram Amália Lança e João Araújo quando rumaram de Maputo para Lichinga, há 16 anos. “Não havia nada”, recorda Amália. “Hoje, está melhor, graças às obras na ferrovia (trouxeram muita gente, mas já acabaram...) à macadâmia e aos madeireiros. As universidades pouco acrescentaram e Lichinga, de urbano, é quase só o nome”, declara. Habituada a contextos mais cosmopolitas, estranhou a ausência de restaurantes, cafés e espaços de fruição cultural. Dedicou-se ao trabalho. Como terapia ocupacional e a ver se fazia flo-

província

Falta de vias de acesso asfaltadas é um dos grandes obstáculos ao desenvolvimento do Niassa

O investimento está ainda em processo, na cadência própria de Lichinga. Não há estradas que justifiquem maior velocidade e o tempo ganha uma dimensão superlativa por ali

rir o deserto. Se o milagre acontecia. Aconteceu, de certo modo, pois que do afinco do casal nasceu a ACOL – Araújo Construções, cujo estaleiro tem crescido em função do investimento público nas empreitadas infra-estruturais. Tal como o portfólio da empresa, entretanto crismada JP Invest e enriquecido por uma clínica com laboratório, internamento e farmácia associada; uma residencial de 25 quartos e piscina semi-olímpica – “o João gosta de exercício e a natação dá-lhe prazer”, diz Amália –; e um complexo turístico na orla do Lago. Investimento este ainda em processo, na cadência própria de Lichinga. Não há estradas que justifiquem maior velocidade: “Parecendo perto, pouco mais de 100 quilómetros, o Lago acaba por ficar a três horas daqui, numa viagem sem conforto”, diz a empresária. “E, ao contrário do que acontece na orla do Malawi, não temos estruturas de apoio que façam os turistas ficar”, afirma. Aqueles terão sido 60 mil o ano passado, segundo cálculos do Governo Provincial, cujo optimismo e fé prevêm que, daqui a uma década, haja pelo Niassa mais de 200 mil forasteiros a cirandar todos os anos. dos 460 quilómetros de vias, só tem 6% asfaltadas. O cenário começa, porém, a mudar, com as promessas a ganharem a concretude do alcatrão precisamente na estrada para Cuamba. Mas, porque não há milagres, enquanto os chineses se ufanam a estender o tapete betuminoso de 94 quilómetros entre Muita e Massangulo, o qual há de estar concluído no final deste ano, o percurso acidentado é uma via sacra a testar os limites da mecânica automóvel e da paciência dos viajantes. Até Madimba – e para lá dela –, povoação que vive da proximidade com o Malawi e do comércio que ela proporciona, resgata-os a paisagem deslumbrante que envolve a picada. O horizonte de profuso verde, onde se suspeita da presença de basta fauna bravia, é dominado por montanhas altas, ornadas por gargantilhas de nuvens e na sombra das quais desfilam aldeamentos de palhotas. Na cobertura de capim de algumas divisam-se pequenos painéis solares, única forma de alimentar telemóveis. Porque a energia eléctrica não chega ali. E, não obstante a pobreza relativa que campeia, com as crianças espolinhando ociosas com galinhas e porcos, sem censuras nem recriminações, enquanto as mães acarretam a economia familiar à cabeça, os aglomerados estão impecavelmente limpos e, no terreiro principal de todos, avultam acácias vermelhas. Frondosas, saudáveis, livres, como bandeiras assinalando a vaidade e orgulho do povo que se faz transportar, a maioria das vezes, de bicicleta. Rumo à machamba, à barraca da venda ou a novo dia de pouco fazer por nada haver... O trânsito motorizado só volta a ter expressão em Cuamba, a cidade mais populosa do Niassa. Constituída em vasto e frenético entreposto comercial, sucedendo-se as barracas da informalidade usual, é também o vértice principal do triângulo que, com Lichinga e Marrupa – onde se chega por uma estrada de montanha, tortuosa e agreste, mas ainda mais bela que a EN13 –, domina a geometria económica da província mais pobre de Moçambique. O Niassa contribui com apenas 3% para a riqueza do país, o que representa, mais do que a falência da província, o desconseguimento em dar expressão efectiva à nação que se quer una do Rovuma ao Maputo. Sobram os postais.

Como esse maná é ainda uma miragem, Amália e João orientaram as prioridades noutro sentido – a construção e exploração de bombas de gasolina. “Em 2008, o Governo lançou o programa “Incentivo Geográfico” para que todos os distritos tivessem um posto de abastecimento a construir com verbas do Fundo Nacional de Energia (FUNAE)”. A inauguração do primeiro ocorreu em 2010 em Metangula. “Fomos nós que o fizemos, como todos os da província à excepção de Metarica. Agora gerimos três bombas em regime de concessão”, contabiliza Araújo. Prepara-se para partir para Cuamba, concluindo o mata-bicho frugal à mesa da loja de conveniência e restaurante que a JP Invest abriu no posto que explora à saída de Lichinga, no estradão conducente à capital financeira da Província. Ali, o casal tem uma residencial de 16 quartos ocupada pelo pessoal da Mota Engil encarregue da manutenção da via férrea e perspectiva outros negócios – porque é preciso ir onde o dinheiro está.

vias sacras do paraíso E ele está longe, apesar de tudo. Custa fazê-lo circular numa província que,

texto Elmano madaíl fotografia Istock Photo

Diquissone contraria traDição e faz aumentar a proDução Diquissone recreates traDition anD increases proDuction

como a implementação de novas técnicas agrícolas está a gerar cadeias de valor e a mudar as vidas de milhares de famílias na província do niassa

How the implementation of new agricultural techniques is generating value chains and changing the lives of many families in Niassa Province

daimo diquissone não esconde a inteligência irrequieta, disponível para aprender e nunca parar de arriscar. Graças a ela e ao apoio da GAPI, Diquissone começou uma pequena revolução, introduzindo novas culturas, como a soja, e novos modos de trabalhar a terra. E com assinalável êxito e o evidente acréscimo no rendimento da sua machamba, no Posto Administrativo de Lissiete, a 15 quilómetros do centro de Mandimba, na Província de Niassa, colhe agora, mais do que a curiosidade inicial e admiração posterior, a adesão da vizinhança, a qual, no início, se manifestou céptica face às novas técnicas de semear,porque é difícil mudar hábitos de gerações. “Devo dizer que, a princípio, nem eu acreditava que, em terra rasa como essa, se podia aumentar a colheita. A cultura em canteiro é uma tradição daqui da nossa Província do Niassa, mas tem a desvantagem de não se aproveitar tanto a terra. A produtividade por hectare é menor”, reconhece Diquissone. “Os vizinhos, quando me viram a demolir canteiros, acharam que eu tinha problemas na cabeça; mas, agora, querem mudar também. Querem todos saber como é, porque viram que resultou”, afirma. O agricultor de 38 anos, que produzia, na remota machamba de um hectare, amendoim e feijão boer em canteiro, é hoje um homem satisfeito por ter acatado as indicações do técnico da Gapi que lhe dá assistência – capacitação, consultoria e treinamento – no âmbito do PROMER (Programa de Promoção de Mercados Rurais nas províncias de Niassa). “A colheita de Maio do amendoim correu muito bem, a de gergelim também e a soja rende tanto como eu não esperava...”, afirma. De tal modo que duplicou a área de cultivo e já contrata, “para ajudar a capinar, daimo diquissone does not easily hide the restless intelligence, always kean to learn and never stop to take chances. Thanks to it, and the support of GAPI, Diquissone began a small but meaningfull revolution, introducing new crops, such as soy, and began his search for alternative ways of working the land. And with remarkable success and the evident increase in the income of his farm, located at the administrative post of Lissiete, 15 kilometers from the center of Mandimba, in Niassa province. He was skeptical at first, because of the new techniques of sowing, because it is difficult to change the habits of generations. But all has changed. “I must say that, at first, I did not even believe that in a shallow land like this one we could increase the harvest. Crop culture is a tradition here in Niassa Province, but it has the disadvantage of not taking so much advantage of the land. Productivity per hectare is usually low“, says Diquissone. “The neighbors, when they saw me demolishing flowerbeds, thought I had head problems! But now they want to change it too. They want everyone to know how it is, because they saw that it worked“, he tells. The 38-year-old mozambican farmer, who was producing peanut and boer bean on a remote farm, is now a man who is satisfied that he has complied with the advice of the GAPI technician who provides him with training, consultancy and training of PROMER ( Program for the Promotion of Rural Markets in the provinces of Niassa). “The May harvest of the peanut went very well, the sesame crop also and the soy yields as much as I did not expect” he says. In such a way that it doubled the area of cultivation and already contracts, “to help

“tinha um hectare e já dupliquei. no próximo ano, espero já ter cinco hectares de colheitas”, diz Diquissone “i had one hectare and i already duplicated. next year, i hope to have five hectares of crops”, Diquissone says

cinco ou seis homens por campanha”. Começou a cultura da soja, de alto rendimento, por sugestão do técnico da Gapi, cuja assistência não se limita ao aconselhamento: “A Gapi diz-me como preparar o campo, ensina a fazer a sementeira e dá respostas sempre que quero saber como melhorar as coisas da machamba”, reporta Diquissone, ilustrando benefícios da colaboração: “No gergelim, foi a Gapi que forneceu o pulverizador e me disse como usar. Estou mesmo satisfeito porque, o ano passado, se não fosse a Gapi já não tinha como ter semente”, declara. A machamba actual, aberta no meio de vasta mata que também é pertença de Diquissone por via de uma herança, já não lhe chega para acolher o acréscimo da produtividade que ocorreu entretanto. Por isso, enquanto olha em redor e de sorriso aberto, Daimo Diquissone, pai de quatro filhos, planeia a expansão. “Tinha um hectare e já dupliquei. Como estas matas me pertencem, no próximo ano espero já ter cinco hectares”, diz, manifestando o desejo: “Espero que a Gapi continue comigo”. to weed, five or six men per campaign”. The high-yielding soybean crop began at the suggestion of the GAPI technician, whose assistance is not limited to counseling: “GAPI tells me how to prepare the field, teaches sowing and answers whenever I want to know how to improve things on the farm “reports Diquissone, illustrating benefits of collaboration: “In sesame, went to GAPI who provided the spray and told me how to use. I am really pleased that last year, if it had not been for GAPI already I could not have seed”, he reports. His present farm, open in the midst of a vast forest is no longer enough for him to collect the gains of the increase of the productivity that has occurred in the meantime. So while looking around and with an open smile, Daimo Diquissone, a father of four, plans to expand. “I had one hectare and I already duplicated. As these woods belong to me, next year I hope to have five hectares, “he says, expressing the desire: ”I honestly hope tha GAPI stays with me.“

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