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OPINIÃO
Acordo de Mobilidade Entre os Países da CPLP
Ana Berta Mazuze • Tiago Arouca Mendes HRA Advogados
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Após um longo período de espera foi, finalmente, aprovado o Acordo sobre a Mobilidade entre os Estados-Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) na Conferência de Chefes de Estado e de Governo da CPLP, que teve lugar em Luanda, Angola, a 16 de Julho de 2021.
O Acordo é um passo importante no reforço das relações entre os países membros da CPLP, assim como para a concretização da tão ambiciosa Comunidade das Nações ou povos dos Estados Membros, permitindo a implementação das medidas necessárias para a transposição do Acordo para os respectivos ordenamentos jurídicos, o qual exige a adaptação dos quadros legais e institucionais.
Nesta senda, tecemos algumas considerações acerca do Acordo e a sua relevância para Moçambique e Cabo-Verde, dois dos países onde a nossa rede internacional, a Morais Leitão Legal Circle, está presente – incluindo Angola e Portugal.
Tanto Moçambique como Cabo-Verde impõem como requisito para a entrada de estrangeiros nos respectivos territórios a obtenção de um visto de entrada, que pode destinar-se a turismo, negócios, trabalho, entre outros. No entanto, entre alguns Estados-membros já existem acordos de supressão de vistos e a livre circulação, como são os casos dos acordos bilaterais entre Cabo Verde e Moçambique, Angola, Timor-Leste e o acordo parcial entre Portugal e Cabo Verde, que isenta os cidadãos de nacionalidade portuguesa de requererem visto de entrada para Cabo Verde, sendo que o mesmo tratamento recíproco não se aplica aos cidadãos Cabo-Verdianos.
O Acordo tem como princípios basilares os seguintes: a) princípio da isenção de vistos a favor dos titulares de passaportes diplomáticos, oficiais, especiais e de serviço, para estadas de duração até 90 dias; b) mobilidade das demais partes detentoras de passaporte ordinário, no território das demais partes; c) liberdade das partes na escolha das modalidades de mobilidade e salvaguarda dos compromissos internacionais das partes em matéria de mobilidade decorrentes dos acordos regionais de integração nos quais sejam partes. No entanto, ressalva-se a aplicação de regimes mais favoráveis previstos no direito interno da parte de acolhimento.
Este abrange ainda os seguintes tipos de mobilidade: a) Estadas de curta duração CPLP, que dispensa a autorização administrativa prévia, por um curto período de tempo ainda a definir por cada Estado-membro; b) Visto de estada temporária CPLP, dependente de autorização administrativa prévia concedida a cidadãos titulares de passaportes ordinários para estadias até 12 meses, o qual permite múltiplas entradas, podendo ser prorrogado por idênticos períodos, caso o direito interno do país assim o permita; c) Visto de residência CPLP – autorização administrativa para obtenção de autorização de residência CPLP; d) Residência CPLP – duração inicial de um ano, renovável por períodos sucessivos de dois ou mais anos, consoante o direito interno do Estado-membro.
A título de enquadramento, o Acordo subdivide ainda os titulares de passaportes ordinários em grupos, em função de actividades que exerçam, nomeadamente: professores, investigadores, empresários, agentes culturais, artistas, desportistas e representantes de órgãos da comunicação social, escritores, músicos, promotores e organizadores de eventos culturais e desportivos e estudantes.
Embora o Acordo vise conferir maior liberdade de circulação aos cidadãos, os Es-
Já estão concretizados os três acordos de que dependia a entrada em vigor da mobilidade ao nível da CPLP
tados-membros poderão restringir a entrada ou permanência dos cidadãos da outra Parte no seu território por razões de salvaguarda da ordem, segurança ou saúde pública ou ainda por fundadas suspeitas sobre a credibilidade e autenticidade dos documentos que atestam a qualidade exigida para a mobilidade. Por outro lado, compete aos Estados-membros regular matérias importantes sobre a mobilidade, o que significa que tem a faculdade de impor requisitos adicionais que possam limitar a livre circulação, excepto para o caso dos titulares dos passaportes diplomáticos, oficiais, especiais e de serviço.
Como se pode depreender, a aprovação ou entrada em vigor do Acordo não representa a supressão total dos condicionalismos que existem para a mobilidade dos cidadãos dos Estados-membros. Ainda assim, antecipa-se que novas medidas resultem num maior fluxo de pessoas, do comércio, de talentos e, quiçá, um maior intercâmbio sociocultural. Outro benefício para os cidadãos é a eliminação dos custos associados aos procedimentos burocráticos destes processos.
A flexibilização dos sistemas de mobilidade entre os Estados-membros é uma aspiração de décadas, pelo que acreditamos que a aprovação do Acordo seja um passo rumo à concretização dessa aspiração. Com isso, há regimes complementares que devem ser aprovados, tais como os que dizem respeito a matérias de tributação, de segurança social (contabilização de contribuições, contabilização de períodos de seguro e exportações das prestações sociais), bem como de reconhecimento dos níveis de ensino e exercício de profissões reguladas, que até então são reguladas pelas normas de direito interno de cada Estado-membro.
A entrada em vigor do Acordo de Mobilidade dependia da ratificação de três dos nove países da CPLP, o que já se verificou, uma vez que, até à presente data, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Portugal e Moçambique (o quarto país) já ratificaram o acordo. Seguem agora os próximos passos de transposição para cada uma das ordens internas e vários serão os desafios que os Estados-membros irão enfrentar para garantir a implementação efectiva do Acordo, dada a sua transversalidade a outras tantas matérias (conforme indicado no parágrafo anterior), que são cruciais para o sucesso do mesmo.