6 minute read

OPINIÃO

Next Article
OPINIÃO

OPINIÃO

Síndrome da “Substituição de Importações”

João Gomes • Partner @ JASON Moçambique

Advertisement

Se, aparentemente, a “SI” parece ser uma boa ideia, já a sua implementação foi, até na opinião abalizada de vários economistas que dela foram, inicialmente, seus defensores, absolutamente desastrosa e um rotundo falhanço

Vem este artigo a propósito da recente e renovada tendência - (re)iniciada com a Administração Trump, e com ecos em vários países Africanos (v.g. África do Sul1, Uganda, Gana, Moçambique2) - para a adopção de políticas proteccionistas, baseadas na substituição de importações, como meio de: - fazer face à progressiva perda de competitividade das indústrias domésticas (v.g. Como é o caso dos EUA, da China, entre outros); - e/ou proteger as indústrias infantes/nascentes domésticas (v.g. Como é o caso dos países Africanos), da intensa concorrência internacional. Neste contexto, peço aos leitor@s que comigo analisem as lições de absoluto insucesso (daí ter usado a expressão de síndrome) das políticas de substituição de importações.

A - Em que consiste a política de substituição de importações (Adiante “SI”)?

Com origem nos anos 19503, a adopção de políticas de “SI” baseia-se, na minha opinião, no seguinte conjunto articulado de nove ideias-chave: 1- Partindo de um contexto de escassez local de moeda forte: por exemplo, as políticas de “SI” surgiram e popularizaram-se logo após o termo da II Guerra Mundial, quando a maior parte dos países se encontrava privada de moeda forte para adquirir bens de consumo e de capital. 2- E com o propósito de criar e/ou reforçar a frágil base industrial doméstica: por exemplo, as indústrias siderúrgica, química, automóvel. 3- Alguns países adoptaram, durante períodos relativamente longos; por exemplo, 10-20 anos4 . 4- Medidas restritivas de importação: por exemplo, i) desde a imposição de total proibição de importação; ii) à fixação de elevadíssimas5 tarifas de importação; iii) à definição de reduzidas quotas de importação (Abrangendo principalmente produtos de luxo e de bens não essenciais); iv) à criação e imposição de elevadas taxas de impostos, directos e indirectos, sobre o consumo de certos bens (v.g. O equivalente hoje aos impostos especiais sobre o consumo); v) ao muito apertado controlo da utilização de divisas pelos Bancos Centrais. 5- De produtos concorrentes, cuja produção ocorria totalmente no exterior: por exemplo, sem incorporação de i) capital financeiro; ii) capital intelectual (patentes, marcas, etc.) iii) mão-de-obra; iv) e matéria-prima locais. 6- Medidas proteccionistas essas que eram acompanhadas de estímulos ao investimento produtivo nacional: por exemplo, i) incentivos financeiros ao investimento produtivo; ii) isenções fiscais; iii) isenções à segurança social; iv) subsídios à produção; v) investimentos em infra-estruturas (v.g. Parques industriais, zonas económicas especiais); vi) e assistência técnica (v.g. Redes de extensão industrial). 7- Procurando aumentar o nº de empregos nacionais, directos e indirectos. 8- E, bem assim, reforçar a procura de produtos produzidos internamente e criar

um mercado doméstico,

9- E, deste modo, atingir a auto-suficiência económica6: Por exemplo, i) procurando equilibrar a balança de pagamentos; ii) aumentar as Reservas Internacionais Líquidas (RIL); iii) e assim diminuir a dependência económica do exterior.

Se, aparentemente, a “SI” parece ser uma boa ideia, já a sua implementação foi, até na opinião abalizada de vários economistas que dela foram, inicialmente, seus defensores7 , absolutamente desastrosa e um rotundo falhanço8 .

Que o digam países que experimentaram, na pele, os efeitos muito negativos da “SI” tais como: a Argentina, o Paquistão, as Filipinas, o Chile e a Turquia. B - O Síndrome9 da Substituição de Impor-

tações: porque falham as políticas

A receita da “SI”, como a melhor estratégia para promover a industrialização acelerada dos países em vias de desenvolvimento, apresenta três contra-indicações insa-

náveis:

Entre os requisitos de sucesso na política de substituição de importações, a diversificação da actividade industrial deve ocupar lugar de destaque

1- Na óptica da estrutura das exportações: os países em vias de desenvolvimento baseiam as suas exportações em commodities cujos termos de troca, secularmente desvantajosos10, não permitem capturar divisas, agravando os respectivos deficits das balanças de pagamentos. 2- Na óptica dos activos: Em resposta a 1) as políticas de “SI” foram sendo sistematicamente implementadas no sentido de restringir, sem distinção, a importação de todas as classes de activos, i.e., abrangendo quer [produtos agrícolas + quer bens de consumo (e, em particular, artigos de luxo) + quer maquinaria e equipamentos11]. Hoje, sabe-se

de ciência certa que alterar o “mix” e discriminar positivamente a “SI”, a classe de

maquinaria e equipamentos (cuja produção interna, por falta de tecnologia, era mínima) teria produzido melhores resulta-

dos na lógica da aceleração da industrialização da base doméstica.

3- Na óptica da estrutura e da eficiência produtiva: como consequência perversa de 2), a ausência de oferta externa mobilizou a aplicação dos recursos escassos existentes,

não na produção de bens de capital (que poderiam ter alavancado as exportações e gerado as necessárias divisas), mas na produção de bens de consumo.

Surgiram, deste modo, inúmeras pequenas empresas industriais, redundantes, pouco eficientes, mal organizadas, sem capacidade de gerar economias de escala para fornecerem os respectivos mercados domésticos. E muito menos capazes de concorrer nos mercados internacionais.

Adicionalmente, e para conter este desvio do investimento em bens de capital, os Governos foram forçados a aplicar altos impostos especiais sobre o consumo interno, agra-

vando a anemia de recursos financeiros

disponíveis para i) a poupança doméstica; e ii) para o investimento.

Conclusão

Com o advento do comércio livre, cujos expoentes na actualidade apresentam formatos diferentes i) Zonas de Comércio Livre (v.g. NAFTA); ii) União Aduaneira (v.g. Mercosul); iii) Mercado Comum; iv) e União Económica e Monetária (v.g. União Europeia), as políticas baseadas na lógica da “Substituição de Importações” deixam de ter qualquer viabilidade, porquanto acolhem práticas anti concorrenciais.

Resta aos países em vias de desenvolvimento i) explorarem, “por dentro e de dentro”, as regras, excepções e adaptações previstas nos instrumentos que promovem o livre comércio internacional; ii) estimularem medidas de poupança interna; iii) promoverem a diversificação da base industrial e, bem assim, iv) das exportações de produtos nativos, mas com valor acrescentado.

Tudo sem proteccionismos exagerados, até porque “toda a acção gera reacção”: e a ideia da substituição de importações, entretanto dada como “morta e matada”, é como um gato, tem sete vidas e poderá revidar.

Tito Mboweni referia que “…(we) want to set-up manufacturing to make what we need to stop relying on imports from China”. In “Imports Substitution is making an unwelcome comeback”, Peterson Institute for International Economics. 2Moçambique: intervenção do Primeiro Ministro Carlos do Rosário no seminário “Industrialização integrada: alinhamento estratégico e operacional”. In https://www.mic.gov.mz/por/noticias/ Governo-promove-industrializacao. 3 Na Argentina, pela mão do economista PREBISCH, Raúl. 4 LEWIS, Arthur (1956) “The Theory of Economic Growth”. London: Allen & Unwin. 5 Existem exemplos em que as tarifas de importação chegaram a 500%. 6 Sobre o conceito de auto-suficiência económica ver GOMES, João “(in) Dependência Económica”, publicado na Revista Economia & Mercado, edição de Junho de 2021. 7 Raúl Prebisch; Gunnar Myrdal, W. Arthur Lewis, Albert Hirschman, and Ragnar Nurkse. 8 Bruton, Henry J. 1998. A Reconsideration of Import Substitution. Journal of Economic Literature. 9 Pedi emprestada esta expressão ao economista ALEJANDRO, Carlos Dias “Theory and Experience of Development Economics: Essays in Honor of Sir W. Arthur Lewis”, edição de Mark Gersovitz. 10 Raúl Prebisch “Exports of primary products would experience a secular decline in their terms of trade, forcing them to export more and more for fewer and fewer imports”. 10 Para termos uma ideia de grandezas, em 2018, em Moçambique, o grupo de “máquinas e aparelhos” representou 16,3% (1 331,2 Milhões de USD) das importações.

This article is from: